Experimente agora!
VoltarHome/Jurisprudência Previdenciária

DIREITO ADMINISTRATIVO, DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO E DAS INSTITUI...

Data da publicação: 07/07/2020, 05:43:45

EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO, DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO E DAS INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS. REATIVAÇÃO E TRANSFERÊNCIA DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO A OUTRA AGÊNCIA BANCÁRIA POR FRAUDADOR QUE SE VALEU DE DOCUMENTOS FALSOS DO SEGURADO. ABERTURA DE CONTA-CORRENTE. LIBERAÇÃO DOS VALORES EM FAVOR DO FALSÁRIO. LEGITIMIDADE PASSIVA DO INSS. DANOS MORAIS E MATERIAIS CONFIGURADOS. 1. O INSS é parte legítima em demanda indenizatória na qual o segurado alega que, em razão de documento falso apresentado por terceiro, a autarquia, sem conferir a documentação original que está em seu poder, permite a reativação de benefício, inclusive com liberação de considerável soma em dinheiro em favor do falsário. Nesse caso, a par da negligência da autarquia, o provimento jurisdicional atingirá sua esfera jurídica, razão pela qual deve ela constar no polo passivo da demanda. 2. A responsabilidade civil do Estado pressupõe a coexistência de três requisitos: a) a comprovação da ocorrência do fato ou evento danoso, bem como de sua vinculação com o serviço público; b) a prova do dano sofrido; c) a demonstração do nexo de causalidade entre o fato danoso e o dano sofrido. 3. A responsabilização civil dos bancos envolve a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, diploma que, na forma dos artigos 2º e 3º, § 2º, da Lei 8.078/90, bem como do enunciado nº 297 da súmula da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, abrange as operações bancárias. 4. Dano moral configurado pela privação do autor de verba alimentar diante do não-processamento de seu pedido de novo benefício previdenciário, causando-lhe angústias também verificadas pela necessidade de diligenciar no intuito de cancelar pagamentos e contratos indevidos, de se deslocar aos órgãos de segurança pública, entre outros dissabores que refogem a qualquer patamar de razoabilidade. (TRF4, AC 5002245-96.2019.4.04.7205, TERCEIRA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 30/06/2020)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5002245-96.2019.4.04.7205/SC

RELATORA: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: SERGIO ROGERIO PEREZ (Espólio) (AUTOR)

ADVOGADO: ROBSON RAFAEL PASQUALI (OAB SC031222)

APELADO: DIANI CAROLINE PEREZ (Sucessor) (AUTOR)

APELADO: ELIANE TERESINHA PEREZ (Sucessor) (AUTOR)

APELADO: DIEGO RODRIGO PEREZ (Sucessor) (AUTOR)

APELADO: MARIA INES PERES (Sucessor) (AUTOR)

INTERESSADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de ação ajuizada por Sérgio Rogério Perez – falecido no curso da demanda e substituído por seus sucessores – na qual o autor requereu a condenação da Caixa Econômica Federal – CEF – e do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS – ao pagamento de indenização por danos materiais e morais. Narrou o autor que em 2010 requereu, por intermédio de procuradores, o benefício assistencial de prestação continuada da LOAS, o qual não lhe foi deferido; em julho de 2011, foi preso em flagrante e cumpriu pena de cinco anos de reclusão no Paraná, sendo que, ao sair do cárcere, estando doente, tentou agendar a concessão do benefício de auxílio-doença, quando foi informado de que tal providência não era possível, uma vez que já titular de benefício assistencial; que, após reclamar, o INSS apurou que os pagamentos haviam sido liberados a um terceiro fraudador; que a autarquia encaminhou cobrança à CEF para ressarcimento dos valores e destinação dos recursos ao autor, mas, até o ajuizamento da demanda, não havia sido efetuado o pagamento. Com base em tais fatos, requereu a condenação dos demandados a lhe pagarem o total dos recursos indevidamente pagos ao terceiro fraudador, bem como ao lhe indenizarem pelos danos morais que alega ter sofrido.

Processado o feito, sobreveio sentença de parcial procedência com o seguinte dispositivo:

III - DISPOSITIVO

Ante o exposto, rejeito a prejudicial de prescrição e, no mérito, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO para resolver o mérito, com fulcro no art. 487, I, do CPC para:

a) condenar a Caixa Econômica Federal ao pagamento aos demandantes de indenização por danos morais, no valor de R$ 7.500,00 (sete mil e quinhentos reais), a ser corrigido, a partir desta data, pela variação do IPCA-E, acrescido de juros moratórios de 1% ao mês a contar de 06/03/2014;

b) condenar o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS ao pagamento aos demandantes de indenização por danos morais, no valor de R$ 7.500,00 (sete mil e quinhentos reais), a ser corrigido, a partir desta data, pela variação do IPCA-E, acrescido de juros moratórios equivalentes aos juros remuneratórios da caderneta de poupança, a contar de 06/03/2014;

c) condenar ambas as rés, pro rata, ao pagamento aos autores dos valores totais liberados a terceiro fraudador, relativos ao benefício assistencial nº 88/165.027.827-3 entre 17/03/2014 e 02/02/2017, valores a serem corrigidos monetariamente pelo INPC, nos termos da fundamentação. No que tange à referida verba, são devidos juros moratórios a contar de cada citação, sendo 1% ao mês quanto à CEF, e juros equivalentes aos da caderneta de poupança, quanto ao INSS.

O valor da condenação deverá ser atualizado até o efetivo pagamento, nos termos da fundamentação.

Sucumbentes em maior monta, condeno os requeridos ao pagamento de honorários advocatícios de sucumbência em favor dos procuradores da parte autora, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da respectiva condenação, com fundamento no art. 85, do CPC.

Sentença não sujeita a reexame necessário.

Na hipótese de interposição de recurso de apelação, intime-se a parte contrária para apresentar contrarrazões e, após, remetam-se os autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, nos termos do art. 1.010 do CPC.

Suscitada em contrarrazões questão resolvida na fase de conhecimento, intime-se o apelante para, em 15 (quinze) dias, querendo, manifestar-se a respeito, a teor do art. 1.009, §2°, do CPC.

Sentença publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se.

Irresignado, o INSS apelou. Em suas razões recursais, defendeu sua ilegitimidade para a causa, uma vez que a parte autora postulou indenização por danos morais e materiais sob o fundamento do uso indevido de seus dados por terceiro fraudador, de maneira que o recorrente não pode ser responsabilizado por ato praticado por terceiro, sobre o qual não detém responsabilidade. Assim, se o ilícito foi cometido por terceiro fraudador, deveria a autarquia ser excluída da lide por falta de legitimidade para responder pelo evento danoso. Acaso superada a preliminar, defendeu, no mérito, que não restou demonstrado o dano moral indenizável, não se podendo banalizar as indenizações a esse título sob pena de malferir o patrimônio público, que no caso é destinado a todos os segurados da Previdência Social. Tecendo considerações doutrinárias sobre o tema do dano moral, prosseguiu afirmando que não houve ilegalidade de sua parte e tampouco se pode presumir o dano extrapatrimonial, concluindo que a dignidade do falecido autor em momento algum foi violada, tendo havido no máximo mero dissabor, incapaz de caracterizar o dever de indenizar. Com base em tais argumentos, requereu o provimento da apelação para que a sentença seja reformada, com o julgamento de improcedência do pedido e a inversão dos ônus da sucumbência.

Com contrarrazões, foi feita a remessa eletrônica dos autos a este Tribunal.

É o relatório.

VOTO

Preliminar de Ilegitimidade Passiva do INSS

O INSS arguiu a preliminar de ilegitimidade passiva ao argumento, em síntese, de que não pode ser responsabilizado por fraude cometida por terceiro.

A questão, como se verá, toca o mérito da causa, sendo que eventual procedência do pedido atingirá a esfera jurídica do INSS, conquanto não se tenha propriamente postulado a concessão ou o restabelecimento de um benefício previdenciário.

Assim, rejeita-se a preliminar.

Responsabilidade Civil do Estado

A responsabilidade civil do Estado está prevista no § 6º do artigo 37 da Constituição Federal:

Art. 37. (...)

§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Seguindo a linha de sua antecessora, a atual Constituição Federal estabeleceu como baliza principiológica a responsabilidade objetiva do Estado, adotando a teoria do risco administrativo. Consequência da opção do constituinte é que, de regra, os pressupostos da responsabilidade civil do Estado são três: a) uma ação ou omissão humana; b) um dano injusto ou antijurídico sofrido por terceiro; c) o nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano experimentado por terceiro.

Em se tratando de comportamento omissivo, a jurisprudência vinha entendendo que a responsabilidade do Estado deveria ter enfoque diferenciado quando o dano fosse diretamente atribuído a agente público (responsabilidade objetiva) ou a terceiro ou mesmo decorrente de evento natural (responsabilidade subjetiva).

Contudo, o tema foi objeto de análise pelo Supremo Tribunal Federal em regime de recurso repetitivo no Recurso Extraordinário nº 841.526, definindo-se que "a responsabilidade civil do Estado por omissão também está fundamentada no artigo 37, §6º, da Constituição Federal, ou seja, configurado o nexo de causalidade entre o dano sofrido pelo particular e a omissão do Poder Público em impedir a sua ocorrência - quando tinha a obrigação legal específica de fazê-lo - surge a obrigação de indenizar, independentemente de prova da culpa na conduta administrativa (...)". O julgamento foi assim ementado:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR MORTE DE DETENTO. ARTIGOS 5º, XLIX, E 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

1. A responsabilidade civil estatal, segundo a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, § 6º, subsume-se à teoria do risco administrativo, tanto para as condutas estatais comissivas quanto paras as omissivas, posto rejeitada a teoria do risco integral.

2. A omissão do Estado reclama nexo de causalidade em relação ao dano sofrido pela vítima nos casos em que o Poder Público ostenta o dever legal e a efetiva possibilidade de agir para impedir o resultado danoso.

3. É dever do Estado e direito subjetivo do preso que a execução da pena se dê de forma humanizada, garantindo-se os direitos fundamentais do detento, e o de ter preservada a sua incolumidade física e moral (artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal).

4. O dever constitucional de proteção ao detento somente se considera violado quando possível a atuação estatal no sentido de garantir os seus direitos fundamentais, pressuposto inafastável para a configuração da responsabilidade civil objetiva estatal, na forma do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal.

5. Ad impossibilia nemo tenetur, por isso que nos casos em que não é possível ao Estado agir para evitar a morte do detento (que ocorreria mesmo que o preso estivesse em liberdade), rompe-se o nexo de causalidade, afastando-se a responsabilidade do Poder Público, sob pena de adotar-se contra legem e a opinio doctorum a teoria do risco integral, ao arrepio do texto constitucional.

6. A morte do detento pode ocorrer por várias causas, como, v. g. , homicídio, suicídio, acidente ou morte natural, sendo que nem sempre será possível ao Estado evitá-la, por mais que adote as precauções exigíveis.

7. A responsabilidade civil estatal resta conjurada nas hipóteses em que o Poder Público comprova causa impeditiva da sua atuação protetiva do detento, rompendo o nexo de causalidade da sua omissão com o resultado danoso.

8. Repercussão geral constitucional que assenta a tese de que: em caso de inobservância do seu dever específico de proteção previsto no artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal, o Estado é responsável pela morte do detento.

9. In casu, o tribunal a quo assentou que inocorreu a comprovação do suicídio do detento, nem outra causa capaz de romper o nexo de causalidade da sua omissão com o óbito ocorrido, restando escorreita a decisão impositiva de responsabilidade civil estatal.

10. Recurso extraordinário DESPROVIDO. (STF, RE 841.526/RS, Plenário, rel. Ministro Luiz Fux, DJe 1º-8-2016)

Responsabilidade Civil Objetiva dos Bancos

A responsabilização civil dos bancos envolve a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, diploma que, na forma dos artigos 2º e 3º, § 2º, da Lei 8.078/90, bem como do enunciado nº 297 da súmula da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, abrange as operações bancárias.

Responde objetivamente o banco pelos danos causados por simples falta do serviço em razão do risco inerente à atividade que exerce (artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor), o que significa dizer que não importa se a instituição bancária agiu com ou sem culpa. Basta a existência de um defeito do serviço bancário aliada à ocorrência de um dano, interligados por um nexo de causalidade.

A responsabilidade civil objetiva das instituições financeiras é tema sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça:

SÚMULA 479 - As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.

A questão foi também apreciada pelo mesmo tribunal em recurso representativo de controvérsia, no qual se assentou a responsabilidade objetiva das instituições bancárias pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros:

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. JULGAMENTO PELA SISTEMÁTICA DO ART. 543-C DO CPC. RESPONSABILIDADE CIVIL. INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS. DANOS CAUSADOS POR FRAUDES E DELITOS PRATICADOS POR TERCEIROS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. FORTUITO INTERNO. RISCO DO EMPREENDIMENTO. 1. Para efeitos do art. 543-C do CPC: As instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros - como, por exemplo, abertura de conta-corrente ou recebimento de empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos -, porquanto tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno. 2. Recurso especial provido. (REsp 1199782/PR, 2ª Seção, rel. Ministro Luis Felipe Salomão, DJe 12-9-2011)

À vista dessas considerações, analisa-se o caso concreto.

Caso Concreto

O caso concreto foi bem solvido pelo juiz federal Francisco Ostermann de Aguiar, motivo pelo qual transcreve-se como razão de decidir o seguinte trecho da sentença:

(...)

A documentação acostada aos autos comprova que o demandante (ora falecido) não efetuou a abertura de conta de poupança, nem os pedidos de reativação do benefício e transferência da agência e conta de pagamento.

Isso porque o documento de identidade utilizado nos procedimentos (CNH3, evento 14) é evidentemente falso, não correspondendo com aquele que já se encontrava arquivado em procedimentos anteriores perante o INSS (processo administrativo do benefício). A evidente divergência entre os documentos, bem como os relatos e procedimentos adotados pelas próprias demandadas, autoriza este Juízo a concluir pela ausência de participação do autor nas contratações e protocolo de pedidos, sendo estas ilegítimas.

A admissão da documentação falsa apresentada pelo fraudador se deu em erro grosseiro de procedimentos por ambas as demandadas. Como sobredito, o INSS possuía acesso ao RG original do autor, não havendo efetuado a conferência, que demonstraria divergência de imagens e assinatura. A CEF, por seu turno, igualmente, deixou de adotar as cautelas necessárias para conferir a autenticidade do documento, mormente em se considerando que a fotografia do titular não condizia com a faixa etária indicada pela data de nascimento informada na CNH.

Diante das evidências presentes nos autos, entendo que resta suficientemente comprovado o ato ilícito cometido por ambas as demandadas, ao permitirem a reativação de benefício (inclusive com liberação de considerável soma em dinheiro), e a contratação de abertura de conta de poupança em nome do demandante por terceiro, responsabilidade atribuível às condutas negligentes de quem atendeu ao falsário. Ora: se os dados e documentos verdadeiros já se encontravam de posse da demandada (INSS), e os documentos apresentavam graves divergências, não é concebível que se permita a prática da fraude verificada sem a adoção das devidas cautelas para verificá-la.

A conduta de ambas as demandadas é reprovável. Não se trata de hipótese como a contratação isolada de empréstimo consignado com a utilização de documentos falsos, situação na qual não haveria a participação direta do INSS na negociação e, em tese, poderia afastar sua responsabilidade. O que se verifica, na espécie, é que a efetivação do dano decorreu da liberação/reativação do benefício previdenciário e transferência da agência de pagamento, efetuado mediante conduta negligente pelo próprio INSS, a qual redundou nos fatos posteriormente verificados.

Quanto ao dano, no caso dos autos, este resta suficientemente caracterizado, tendo origem na situação angustiante que fora indevidamente imposta ao autor pela conduta negligente das demandadas, sendo dispensável que comprove a existência do dano moral em si. Trata-se de dano in re ipsa, decorrente da própria situação de ver-se privado do direito ao tratamento imediato do novo pedido de benefício, necessidade de empreender diligências para cancelar pagamentos e contratos indevidos, necessidade de deslocamentos aos órgãos de segurança pública, entre outros dissabores, que refogem a qualquer patamar de razoabilidade, porquanto, acaso não houvesse sido permitido a ocorrência do ilícito, tais percalços não se teriam verificado.

Diante desse contexto, devem as demandadas responder civilmente pelos erros cometidos, por elas ou seus prepostos, não podendo o Judiciário compactuar com seu erro/negligência.

(...)

De fato, a sentença merece ser confirmada porque ficou comprovado nos autos que o INSS tinha possibilidade de conferir a documentação do falecido autor (pois detentor de cópia de seu RG) com a que foi apresentada pelo falsário. Bastava cotejá-las para descobrir que se tratava de documento falso aquele apresentado pelo fraudador, uma vez que flagrantes as divergências em relação ao original. A fraude resultou na reativação de benefício, com a liberação, pela autarquia, de considerável soma em dinheiro em favor de terceiro e em prejuízo do titular do benefício.

Enfim, evitando-se desnecessária tautologia, houve negligência do INSS ao não ter conferido a documentação, o que configura ato ilícito passível de indenização.

Indenização por Danos Morais

O direito à indenização por danos morais encontra-se no rol dos direitos e garantias fundamentais (artigo 5º, incisos V e X, da Constituição Federal):

Art. 5º. (...)

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

(...)

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

Meros transtornos não são suficientes para dar ensejo à ocorrência de danos morais, os quais demandam, para sua configuração, a existência de fato dotado de gravidade capaz de gerar abalo profundo, a ponto a criar situações de constrangimento, humilhação ou degradação, e não apenas dissabores decorrentes de intercorrências do cotidiano.

No caso, conforme bem consignou o julgador, a situação privou o falecido de verba alimentar ao impedir o processamento de seu pedido de novo benefício previdenciário, causando-lhe angústia também pela necessidade de diligenciar no intuito de cancelar pagamentos e contratos indevidos, de se deslocar aos órgãos de segurança pública, entre outros dissabores que refogem a qualquer patamar de razoabilidade.

Quantificação dos Danos Morais

Sobre a quantificação dos danos morais, a lei não fixa parâmetros exatos, razão pela qual o juízo deve se guiar pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, em análise caso a caso. O artigo 944 do Código Civil alude à extensão do dano e à proporcionalidade entre a gravidade da culpa e o dano para definir como seria uma condenação adequada:

Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.

Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização.

A indenização deve representar uma compensação ao lesado, diante da impossibilidade de recomposição exata da situação na qual se encontrava anteriormente, alcançando-lhe ao menos uma forma de ter diminuídas as suas aflições. Ainda, deve-se buscar o equilíbrio entre a prevenção de novas práticas lesivas à moral e as condições econômicas dos envolvidos.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que "a indenização por dano moral deve se revestir de caráter indenizatório e sancionatório de modo a compensar o constrangimento suportado pelo correntista, sem que caracterize enriquecimento ilícito e adstrito ao princípio da razoabilidade" (REsp 666.698, 4ª Turma, rel. Ministro Jorge Scartezzini, DJU 17-12-2004).

Na mesma linha tem se manifestado este Tribunal Regional Federal:

ADMINISTRATIVO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. VALOR. PARÂMETROS. 1. A manutenção da restrição cadastral, quando já comprovada a inexistência do débito, dá ensejo à indenização por dano moral. 2. Para fixação do quantum devido a título de reparação de dano moral, faz-se uso de critérios estabelecidos pela doutrina e jurisprudência, considerando: a) o bem jurídico atingido; b) a situação patrimonial do lesado e a da ofensora, assim como a repercussão da lesão sofrida; c) o elemento intencional do autor do dano, e d) o aspecto pedagógico-punitivo que a reparação em ações dessa natureza exigem. (AC 5000038-54.2010.404.7104, 4ª Turma, rel. p/ acórdão Des. Federal Jorge Antônio Maurique, D.E. 20-6-2012)

O valor compensatório, portanto, deve obedecer aos padrões acima apresentados, devendo ser revisto quando se mostrar irrisório ou excessivo.

No caso, o valor concedido na sentença é adequado, razoável e atende aos propósitos dos institutos do dano moral, cabendo lembrar que o juiz de primeiro grau está mais próximo das partes e tem melhores condições de arbitrar o valor das indenizações. Assim, mantém-se a sentença, transcrevendo-se o seguinte trecho da fundamentação:

Assim, considerando todos os fatores acima mencionados, somados à ausência de danos de maior repercussão (que transcendem a normalidade para processos desta natureza), bem como a conduta adotada pelas demandadas após a comunicação dos fatos ilícitos, as quais sequer promoveram administrativamente a reparação dos danos materiais, fixo a indenização em R$ 7.500,00 (sete mil e quinhentos reais) para cada uma das demandadas (totalizando R$ 15.000,00).

Os juros moratórios deverão ser contados nos termos da Súmula 54 do STJ (os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual), que, no caso da presente ação, ocorreu em 06/03/2014, data da concessão da transferência e da reativação do benefício pelo INSS. A correção monetária deverá incidir desde a data desta sentença, pelo IPCA-E. Quanto à CEF, os juros são devidos no percentual de 1% ao mês; no que tange ao INSS, os juros moratórios são equivalentes aos juros remuneratórios da caderneta de poupança, nos termos do artigo 1º-F, da Lei nº 9.494/97.

Outrossim, uma vez que ambas as demandadas concorreram para o ilícito, deverão ressarcir os danos materiais provocados, consistentes no pagamento do valor do benefício devido ao autor (ora falecido) a terceiro fraudador. Os valores encontram-se discriminados na relação juntada ao evento 46, documento PROCADM1, fls. 87 a 88, e deverão ser atualizados monetariamente desde a data de cada pagamento, pela variação do INPC (aplicável aos benefícios assistenciais e previdenciários). Além disso, a dívida deverá ser acrescida de juros moratórios, a contar da citação de cada uma das demandadas, sendo 1% ao mês, para a CEF, e juros equivalentes aos da poupança, para o INSS. Cada demandada arcará com metade do valor originário, devidamente corrigido, observada as peculiaridades relativas a cada uma quanto aos juros moratórios.

Do quanto se viu, não merece prosperar a apelação do INSS, não sendo os argumentos recursais suficientes para alterar o que foi decidido.

Honorários Advocatícios

Tratando-se de sentença publicada já na vigência do novo Código de Processo Civil, aplicável o disposto em seu artigo 85 quanto à fixação da verba honorária.

Considerando a natureza da causa e tendo presente que o valor da condenação provavelmente não excederá a 200 salários mínimos, mantém-se os honorários advocatícios em 10% sobre o valor da condenação, nos termos do artigo 85, § 3º, inciso I, do Código de Processo Civil de 2015.

Consoante determina o § 5º do referido artigo, na eventualidade de a condenação superar o limite de 200 salários mínimos, a verba honorária deverá observar os percentuais mínimos previstos nos incisos II a V do § 3º, conforme a graduação do proveito econômico obtido.

Por fim, levando em conta o trabalho adicional do procurador na fase recursal, a verba honorária fica majorada em 2%, forte no § 11 do artigo 85 do Código de Processo Civil de 2015.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.



Documento eletrônico assinado por VÂNIA HACK DE ALMEIDA, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001837597v12 e do código CRC 5585553c.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Data e Hora: 30/6/2020, às 18:34:26


5002245-96.2019.4.04.7205
40001837597.V12


Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 02:43:44.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5002245-96.2019.4.04.7205/SC

RELATORA: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: SERGIO ROGERIO PEREZ (Espólio) (AUTOR)

ADVOGADO: ROBSON RAFAEL PASQUALI (OAB SC031222)

APELADO: DIANI CAROLINE PEREZ (Sucessor) (AUTOR)

APELADO: ELIANE TERESINHA PEREZ (Sucessor) (AUTOR)

APELADO: DIEGO RODRIGO PEREZ (Sucessor) (AUTOR)

APELADO: MARIA INES PERES (Sucessor) (AUTOR)

INTERESSADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF (RÉU)

EMENTA

DIREITO ADMINISTRATIVO, DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO E DAS INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS. REATIVAÇÃO E TRANSFERÊNCIA DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO A OUTRA AGÊNCIA BANCÁRIA POR FRAUDADOR QUE SE VALEU DE DOCUMENTOS FALSOS DO SEGURADO. ABERTURA DE CONTA-CORRENTE. LIBERAÇÃO DOS VALORES EM FAVOR DO FALSÁRIO. LEGITIMIDADE PASSIVA DO INSS. DANOS MORAIS E MATERIAIS CONFIGURADOS.

1. O INSS é parte legítima em demanda indenizatória na qual o segurado alega que, em razão de documento falso apresentado por terceiro, a autarquia, sem conferir a documentação original que está em seu poder, permite a reativação de benefício, inclusive com liberação de considerável soma em dinheiro em favor do falsário. Nesse caso, a par da negligência da autarquia, o provimento jurisdicional atingirá sua esfera jurídica, razão pela qual deve ela constar no polo passivo da demanda.

2. A responsabilidade civil do Estado pressupõe a coexistência de três requisitos: a) a comprovação da ocorrência do fato ou evento danoso, bem como de sua vinculação com o serviço público; b) a prova do dano sofrido; c) a demonstração do nexo de causalidade entre o fato danoso e o dano sofrido.

3. A responsabilização civil dos bancos envolve a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, diploma que, na forma dos artigos 2º e 3º, § 2º, da Lei 8.078/90, bem como do enunciado nº 297 da súmula da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, abrange as operações bancárias.

4. Dano moral configurado pela privação do autor de verba alimentar diante do não-processamento de seu pedido de novo benefício previdenciário, causando-lhe angústias também verificadas pela necessidade de diligenciar no intuito de cancelar pagamentos e contratos indevidos, de se deslocar aos órgãos de segurança pública, entre outros dissabores que refogem a qualquer patamar de razoabilidade.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 30 de junho de 2020.



Documento eletrônico assinado por VÂNIA HACK DE ALMEIDA, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001837598v4 e do código CRC 39dde1d4.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Data e Hora: 30/6/2020, às 18:34:26


5002245-96.2019.4.04.7205
40001837598 .V4


Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 02:43:44.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 22/06/2020 A 30/06/2020

Apelação Cível Nº 5002245-96.2019.4.04.7205/SC

RELATORA: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA

PRESIDENTE: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA

PROCURADOR(A): PAULO GILBERTO COGO LEIVAS

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: SERGIO ROGERIO PEREZ (Espólio) (AUTOR)

ADVOGADO: ROBSON RAFAEL PASQUALI (OAB SC031222)

APELADO: DIANI CAROLINE PEREZ (Sucessor) (AUTOR)

APELADO: ELIANE TERESINHA PEREZ (Sucessor) (AUTOR)

APELADO: DIEGO RODRIGO PEREZ (Sucessor) (AUTOR)

APELADO: MARIA INES PERES (Sucessor) (AUTOR)

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 22/06/2020, às 00:00, a 30/06/2020, às 14:00, na sequência 1098, disponibilizada no DE de 10/06/2020.

Certifico que a 3ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 3ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.

RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA

Votante: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA

Votante: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER

Votante: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO

MÁRCIA CRISTINA ABBUD

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 02:43:44.

O Prev já ajudou mais de 140 mil advogados em todo o Brasil.Faça cálculos ilimitados e utilize quantas petições quiser!

Experimente agora