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DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. APREENSÃO DE MERCADORIA IMPORTADA. AUTOS DE I...

Data da publicação: 12/12/2024, 19:22:19

DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. APREENSÃO DE MERCADORIA IMPORTADA. AUTOS DE INFRAÇÃO E PENA DE PERDIMENTO ANULADOS. ATO COMISSIVO. EXCLUDENTE DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA QUANTO À INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RESPONSABILIDADE DA VÍTIMA. LUCROS CESSANTES. PRESCRIÇÃO NÃO VERIFICADA. INDENIZAÇÃO DEVIDA. DANOS EMERGENTES VERIFICADOS. 1. O art. 37, § 6º, da Constituição Federal define a responsabilidade do Estado como sendo independente de culpa - objetiva, portanto - quando seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. Adotou-se, assim, a teoria do risco administrativo, em razão do que os pressupostos da responsabilidade civil do Estado são: a) ação ou omissão humana; b) dano injusto ou antijurídico sofrido por terceiro; c) nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano experimentado por terceiro. 2. O prazo prescricional da pretensão indenizatória por ato ilícito inicia-se na data em que tal atitude tenha sido definitivamente considerada irregular, que, no caso, consiste no trânsito em julgado do acórdão proferido por este Tribunal no feito nº 2008.70.08.000975-0, no qual se anulou a apreensão das mercadorias por parte da Receita Federal. Tendo o trânsito em julgado se operado em 16/04/2018, o prazo de cinco anos definido pelo art. 1º do Decreto nº 20.910/1.932 somente decorreria em 16/04/2023, o que não ocorreu em virtude de a presente demanda indenizatória haver sido ajuizada em 30/07/2018. 3. O desenrolar dos fatos teve contribuição direta e inequívoca da empresa autora (vítima), que, ao apresentar notas fiscais com claros indícios de falsidade, assumiu o risco de sofrer autuação do modo como efetivamente ocorreu. Ainda que haja decisão judicial transitada em julgado reconhecendo a ilegalidade da decretação da pena de perdimento, é indubitável que a autora, ao importar mercadorias acompanhadas por notas fiscais contendo suspeitas razoáveis de ilícito tributário, contribuiu decisivamente para a ocorrência do evento danoso consistente na apreensão dos bens e na decretação do seu perdimento. 4. Nesse cenário, encontra-se presente a causa excludente de responsabilidade estatal consistente na culpa exclusiva da vítima, que assumiu os riscos inerentes a eventual ilícito tributário ao apresentar notas fiscais de compra de mercadorias com informações duvidosas. Como consequência, confirma-se a sentença quanto à improcedência da pretensão indenizatória por danos morais. 5. Reparação por danos materiais devida, sendo a responsabilidade decorrente não da anulação da apreensão e do perdimento da mercadoria, mas sim da forma como esta foi acautelada, que permitiu que, durante o período em que perdurou a apreensão, os bens ultrapassassem seu prazo de validade e se tornassem ineficazes para o uso a que eram destinados (comercialização). 6. Nessa esteira, impõe-se o acolhimento do pedido de condenação da requerida a indenizar à autora os lucros cessantes experimentados com a deterioração da mercadoria, que serão, oportunamente, liquidados na fase de cumprimento de sentença. Essa quantificação deverá pautar-se no valor de mercado dos bens posicionado na data do trânsito em julgado do feito nº 2008.70.08.000975-0 (16/04/2018), e dela deverão ser subtraídos tanto os custos operacionais da comercialização quanto a indenização por danos emergentes. Estipulado esse valor, a partir de 16/04/2018 devem sobre ele incidir os índices de juros moratórios e correção monetária previstos pelo item 3.1 do Tema n. 905 do STJ, sendo que da vigência da Emenda Constitucional nº 113/2021 em diante deve ser utilizado o índice da Selic. 7. Quanto ao ressarcimento do valor da mercadoria propriamente dita (danos emergentes), a sentença deve ser mantida quanto à definição da base de cálculo em valor correspondente ao declarado para cálculo do imposto de importação, nos termos do art. 30, § 2o, do Decreto-Lei n. 1.455/76. Sobre tal quantia incidirá a Selic a contar da data da apreensão. 8. Apelação da parte autora parcialmente provida. Apelação da União Federal desprovida. (TRF4, AC 5002542-49.2018.4.04.7008, 12ª Turma, Relator JOÃO PEDRO GEBRAN NETO, julgado em 25/09/2024)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5002542-49.2018.4.04.7008/PR

RELATOR: Desembargador Federal JOÃO PEDRO GEBRAN NETO

RELATÓRIO

Trata-se de Apelações Cíveis interpostas por BIGCOMPRA EIRELI e UNIÃO FEDERAL nos autos do procedimento comum nº 5002542-49.2018.404.7008, cujas questões controvertidas foram nos seguintes termos delimitadas pelo juízo de primeiro grau (processo 5002542-49.2018.4.04.7008/PR, evento 42, SENT1):

"1. Relatório

A autora pretende que a ré seja condenada a pagar R$ 650.799,00 a título de reparação por danos materiais, R$ 477.164,58 a título de lucros cessantes, ambos atualizados de acordo com os juros e correção monetária do período ou a taxa SELIC, a contar da data da apreensão indevida das mercadorias amparadas pelas DI´s 07/1097152-9, 07/0721695-2 e 07/10814466-6. Requer, ainda, a condenação da ré a pagar valor não inferior a R$ 200.000,00 a título de danos morais, com a devida atualização monetária, assim como custas processuais e honorários advocatícios, nos termos do art. 85, § 3º e incisos, do CPC.

Requereu a concessão de tutela antecipada de urgência para que a Receita Federal do Brasil realizasse a destruição ou inutilização imediata da mercadoria, não como forma de penalidade ao contribuinte, mas sim para que não fosse leiloada, sob pena de prejuízo à sociedade. Requereu, ainda, que fosse desobrigada a retirar a mercadoria apreendida tendo em vista o alto custo de transporte, entre outros que lhe seriam gerados e que a União se abstivesse de realizar qualquer ato que pudesse lhe prejudicar, tais como multa, penalidade ou cobrança de taxas de armazenagem ou de destruição, tendo em vista a culpa exclusiva da administração pública, conforme sentença transitada em julgado na ação anulatória de n. 2008.70.08.000975-0/PR.

Narrou, em síntese, que: a) possui como atividade empresarial o comércio, importação e exportação de equipamentos de proteção individual para o trabalho; b) no ano de 2007, realizou a importação de luvas de proteção individual destinadas à prevenção de acidentes de trabalho, conforme consta nas cópias das Declarações de Importações anexas de números: 07/1097152-9, 07/0721695-2 e 07/10814466-6; c) as referidas mercadorias chegaram ao Brasil, pelo Porto de Paranaguá, nas seguintes datas registradas nas DIs: 04/06/2007, 14/08/2007 e 16/08/2007, havendo o recolhimento de todos os tributos pertinentes; d) à época, sem nenhuma justificativa, todas as três Declarações de Importação foram parametrizadas para o canal cinza por parte da autoridade fiscal; e) a fiscalização e a apreensão das mercadorias geraram três autos de infrações e termos de apreensão e guarda fiscal, respectivamente de nºs 0917800/41363/07, 0917800/29207/07 e 0917800/41361/07, todos sob a alegação de que “...verificou-se que a mercadoria foi declarada com valores que não cobrem o custo da matéria prima e alguns custos de produção, utilizando-se de documentos falsificados”; f) após todas as impugnações administrativas restarem infrutíferas, a requerente ingressou com a ação anulatória de ato administrativo n.2008.70.08.000975-0/PR, que tramitou perante a 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Paranaguá. Contudo, somente depois de transcorridos mais de 08 anos é que foi proferida a sentença de mérito nos autos supracitados, que decidiu pela inexistência de subfaturamento, falsidade ideológica nas faturas, bem como a anulação dos processos administrativos fiscais e autos de infrações lavrado; g) em 18/04/2018, houve o trânsito em julgado da demanda, sendo mantida a sentença de primeira instância. Assim, em junho de 2018 recebeu uma notificação da Receita Federal do Brasil para realizar o agendamento para retirada das mercadorias mantidas em depósito da entidade fiscal por mais de 10 anos; h) ao consultar a situação das luvas apreendidas pela requerida, verificou-se que esses equipamentos já estavam vencidos perante o Ministério do Trabalho e Emprego, sendo sua validade somente até 26/03/2013; i) compareceu até o depósito da Receita Federal em Paranaguá e averiguou que as mercadorias apreendidas encontram-se completamente deterioradas, sendo impossível sua comercialização, sob pena de risco aos trabalhadores das empresas que a adquirirem e da lavratura de auto de infração do Ministério do Trabalho e Emprego; j) postula, por meio da presente demanda, a reparação civil em decorrência dos danos ocasionados pelos atos administrativos anulados nos autos de n.5002166- 97.2017.4.04.7008.

Instruiu a inicial, dentre outros documentos, com: a) contrato social (CONTRSOCIAL3); b) auto de infração e termo de apreensão e guarda fiscal nº 0917800/41363/07 (OUT5); c) extrato da declaração de importação nº 07/0721695-2, commercial invoice, packing list e B/L (OUT6); d) extrato da declaração de importação nº 07/1081446-6, commercial invoice e B/L (OUT7); e) extrato da declaração de importação nº 07/1097152-9, commercial invoice e B/L (OUT8); f) laudo do ministério do trabalho e emprego (OUT9); g) cálculos (CALC10); h) notificação da Receita Federal para retirar a mercadoria do depósito de mercadorias apreendidas (OUT11); i) notas fiscais de vendas utilizadas para cálculo dos lucros cessantes (OUT12 e 13); j) sentença e certidão de trânsito em julgado dos autos 2008.70.08.000975-0.

O pedido de tutela de urgência foi deferido com a determinação para que a ré providenciasse a destruição da mercadoria mantida no depósito da Receita Federal do Brasil em Paranaguá, às suas expensas, bem como se abstivesse de cobrar da autora qualquer nova taxa de armazenagem ou de destruição da carga, multa ou penalidade relativa aos presentes fatos (ev. 3). A União informou o cumprimento da decisão (ev. 23).

A União apresentou contestação no evento 24. Sustentou, em síntese, que agiu no regular exercício de seu poder de polícia e que não houve ato arbitrário ou manifestação ilegal por parte da Administração Fazendária. Salientou que os indícios de irregularidade somente foram sanados após aprofundados procedimentos probatórios em processo judicial, inclusive com perícia técnica. No que tange aos danos materiais, aduziu que eventual indenização deve reproduzir exatamente o custo de aquisição das mercadorias, sem o acréscimo de acessórios, como armazenagem, tributos recolhidos e honorários advocatícios. Contestou os valores expressos na planilha de apresentada pela autora e pugnou que, caso haja condenação, a indenização fique restrita ao dano efetivamente experimentado, calculado, exclusivamente, sobre o valor da mercadoria apreendida.

Quanto aos alegados lucros cessantes, disse que há mera expectativa, sem qualquer certeza de concretização, ao se considerar que todos os produtos apreendidos, se não o fossem, seriam vendidos no prazo e pelos valores que a autora considerou para apuração. Afirmou que os lucros cessantes é espécie do gênero danos materiais, representam perda do ganho esperável, frustração da expectativa de lucro, uma diminuição potencial do patrimônio da vítima, portanto, para o pagamento, é necessário que a autora comprove o que deixou de lucrar, de fato, em razão do ocorrido, não basta a mera expectativa de lucro. Disse que, como a autora não comprovou o que deixou de lucrar, a indenização pleiteada a título de lucros cessantes não é devida.

No que toca aos danos morais, afirmou que a autora não comprova a efetiva ocorrência de prejuízo em razão da apreensão das mercadorias. Afirmou que a comprovação dos danos morais em face da pessoa jurídica difere da pessoa física, pois se relaciona com a imagem da empresa perante terceiros. Disse que a autora não comprovou que a apreensão da mercadoria abalou seu conceito, de um modo geral, perante terceiros. Frisou que o objeto social da autora contempla operações de importação de mercadorias, portanto convive cotidianamente com procedimentos aduaneiros, de modo que a apreensão das mercadorias não pode ser considerada situação extraordinária a ponto de ensejar abalo de gravidade suficiente para gerar danos morais.

Réplica da autora no evento 27. Frisou que o ato de apreensão total das mercadorias para realização da inspeção foi absolutamente desnecessário, uma vez que existiam outras formas legais menos gravosas para exercer o referido poder de polícia, como prevê a IN RFB nº 680/2006, portanto o agir da fiscalização foi irrazoável e desproporcional. Destacou que é inadmissível a apreensão de mercadorias com o intuito de cobrar tributos, nos termos do verbete nº 323 da súmula do STF, que o PECA não foi concluído no prazo de 90 dias e que a jurisprudência entende que a pena de perdimento de mercadorias não pode ser aplicada no caso de suspeita de subfaturamento, pois trata-se de infração administrativa sujeita a multa.

No evento 35, foi concedido às partes prazo para manifestação quanto à eventual prescrição dos direitos pleiteados nesta ação.

A autora sustentou a inexistência de prescrição, em resumo, ao argumento de que dependia de decisão judicial, transitada em julgado, que declarasse ilegal o ato administrativo de apreensão das mercadorias e, com isso, passível de gerar a reparação pelos danos ocasionados. Aduziu que a ação anulatória nº 5002166-97.2017.4.7008 foi proposta em 2008 e que, caso a mercadoria tivesse sido liberada durante o prazo de validade, o pedido de reparação seria diverso, não incluindo danos emergentes. Afirma que a decisão transitada em julgado é causa interruptiva do prazo prescricional, pois era condição para a propositura da ação indenizatória. Citou o artigo 313, V, do CPC e o artigo 168 do CTN. Diz que há, ainda, causa suspensiva da prescrição em decorrência de decisão definitiva em processo administrativo fiscal, pois a decisão administrativa que acatou a anulação dos processos fiscais em análise ocorreu somente em 19/06/2018, de modo que a prescrição para interposição de pedido de reparação cível voltou a transcorrer a partir de 19/06/2018. Aduziu que a conduta da ré se perpetuou até a liberação das mercadorias em 2018, pois, durante todo o período, a autora se viu impedida de comercializar as mercadorias apreendidas, sofrendo danos de ordem moral e material. Diz que, devem ser considerados não prescritos, ao menos, os danos sofridos a partir de 30/07/2013, considerando-se o prazo quinquenal previsto no art. 1º do Decreto 20.910/32.

Instada a se manifestar, a União apresentou manifestação no evento 40. Aduziu que a parte autora desistiu dos mandados de segurança impetrados nº 2007.70.08.001461-3 e nº 2007.70.08.001357-8. Frisou que no âmbito dos autos nº 2008.70.08.000975-0, a autoridade fiscal obteve autorização judicial para não liberar a mercadoria apreendidas. Aduziu que, o art. 313, V, "a" do CPC traz norma a ser aplicada a processos que já tenham sido propostos. Diz que o termo a quo do prazo prescricional para o ajuizamento da ação de indenização contra ato do Estado, por dano moral ou material, conta-se da ciência inequívoca dos efeitos decorrentes do ato lesivo, assim a pretensão indenizatória encontra-se prescrita, pois os danos ocorreram em dezembro de 2007.

É o relatório. Passo a decidir.

(...)"

Ao final, as pretensões iniciais foram julgadas parcialmente procedentes, sob este dispositivo:

"(...)

3. Dispositivo

Ante o exposto, julgo procedente em parte o pedido para condenar a União a reembolsar à autora, a título de reparação de danos materiais, o valor equivalente às mercadorias abrangidas pela DI nº 07/1097152-9, 07/0721695-2 e 07/10814466-6, a ser calculado nos termos do art. 30 do Decreto-lei 1.455/76, com atualização e juros exclusivamente pela aplicação da taxa SELIC, a contar de 06/12/2007.

Condeno a União a reembolsar metade das custas e a pagar honorários de sucumbência, que arbitro em 10% sobre o valor da condenação.

Condeno a autora a pagar honorários de sucumbência, que arbitro em 10% da diferença entre o valor da causa e o valor total da condenação, ambos atualizados exclusivamente pela SELIC até a data do cálculo.

Sentença não sujeita a reexame necessário porque o valor da condenação da União é evidentemente inferior ao patamar previsto pelo artigo 496, §3°, I, do CPC.

Publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se.

Havendo apelação, cumpra a secretaria as disposições do art. 1.010, §§ 1º, 2º e 3º, do CPC."

Seguiram-se embargos de declaração interpostos pela parte autora (processo 5002542-49.2018.4.04.7008/PR, evento 46, EMBDECL1), que foram rejeitados (processo 5002542-49.2018.4.04.7008/PR, evento 53, SENT1).

Em suas razões de apelo (processo 5002542-49.2018.4.04.7008/PR, evento 58, APELAÇÃO1), a recorrente sustentou que: a) as mercadorias relacionadas nas declarações de importação nº 07/1097152-9, nº 07/0721695-2 e nº 07/10814466-6 ingressaram no Brasil pelo porto de Paranaguá nos dias 04/06/2007, 14/08/2007 e 16/08/2007, mediante recolhimento de todos os tributos pertinentes; b) em vez de terem sido parametrizadas pelo canal verde, com dispensa de conferência física e documental (nos termos da Instrução Normativa nº 680/2006, então vigente), foram-no pelo canal cinza, gerando os autos de infração e termos de apreensão e guarda fiscal nº 0917800/41363/07, nº 0917800/29207/07 e nº 0917800/41361/07; c) rejeitadas as impugnações administrativas, a apelante ajuizou a ação anulatória de ato administrativo nº 2008.70.08.00975-0/PR, que foi julgada procedente para anular os AIs e os respectivos processos administrativos fiscais, bem como para afastar a pena de perdimento e determinar a liberação das mercadorias; d) somente em junho de 2018 a apelante recebeu notificação da Receita Federal para agendar a retirada dos bens apreendidos, que permaneceram depositados por mais de dez anos e já estavam vencidos e deteriorados, impossibilitando sua comercialização; e) ainda que a totalidade das mercadorias tenha sido apreendida para análise de suposto subfaturamento, tal fiscalização deveria ter ocorrido em prazo razoável, conforme determina a Instrução Normativa/RFB nº 1.678/2016; f) segundo a jurisprudência, a pena de perdimento sequer é aplicável à suspeita de subfaturamento; g) em virtude disso, a conduta praticada pelo ente estatal acarretou danos passíveis de indenização à recorrente, inclusive sob a esfera moral, segundo a responsabilidade civil objetiva; h) a indenização por danos materiais deve corresponder ao reembolso de todas as despesas e tributos relacionados às mercadorias apreendidas, incluindo armazenagem e taxa Siscomex; i) não há falar em prescrição da pretensão à indenização por lucros cessantes, que deve ser quantificada em R$ 477.165,58; e j) a indenização por danos morais deve ser deferida e quantificada em R$ 200.000,00.

No recurso de apelação interposto pela União Federal (processo 5002542-49.2018.4.04.7008/PR, evento 60, APELAÇÃO1), alegou-se que: a) a apreensão da mercadoria decorreu do exercício da legítima atividade estatal fiscalizatória, não tendo implicado ato arbitrário ou ilegal; e b) os indícios de irregularidade da importação somente foram superados após minuciosa dilação probatória em processo judicial, incluindo perícia técnica, o que impossibilita a responsabilização civil da requerida pelos danos pleiteados na inicial.

Com contrarrazões de ambas as partes, subiram os autos a esta Corte.

É o relatório.

VOTO

1. Foram estes os fundamentos expostos na sentença:

"(...)

2. Fundamentação

2.1 Prescrição

Quanto ao pedido de indenização por lucros cessantes, é presumível que a empresa BIGCOMPRA LTDA obteria lucro com a venda das mercadorias apreendidas. A sentença proferida, em 17/10/2016, nos autos da ação declaratório de nulidade 2008.70.08.000975-0, mantida pela 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, nos autos da apelação cível nº 5002166-97.2017.4.04.7008/PR, afastou a existência de falsidade ideológica nas faturas comerciais apresentadas pela autora e de subfaturamento das mercadorias amparadas pelas Declarações de Importação - DI's nºs 07/1097152-9, 07/0721695-2 e 07/1081446-6. Logo, conclui-se que houve incorreção na conduta da administração, o que justificaria a condenação da União ao pagamento de indenização pelos lucros cessantes, fundados na redução de negócios após a apreensão das mercadorias.

Nesse sentido, trago à colação os seguintes precedentes (grifei):

"Uma vez reconhecido o nexo causal entre a perda das mercadorias e o ato administrativo anulado, deve ser reconhecido também o direito dos autores à indenização pelos lucros cessantes, haja vista que os indícios de subfaturamento constatados em um primeiro momento não subsistiram, permitindo-se concluir que a pena de perdimento aplicada era ilegal". (TRF4, APELREEX 5017204-23.2010.4.04.7000, PRIMEIRA TURMA, Relatora MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, juntado aos autos em 09/10/2014)

APREENSÃO DE MERCADORIAS. NÃO CARACTERIZAÇÃO DA INFRAÇÃO. NULIDADE. DANOS MATERIAIS. LUCROS CESSANTES. DANOS MORAIS. 1. Considerando que em ação judicial, ajuizada para fins de decretação da nulidade de apreensão de mercadorias, reconheceu-se a inexistência de infração aduaneira, é de ser decretada a nulidade de apreensão posterior, baseada nos mesmos fatos que ensejaram a primeira apreensão. 2. Considerando que as mercadorias apreendidas já foram destinadas a terceiros pela Receita Federal, é de ser a empresa indenizada em valor correspondente ao declarado para efeito de cálculo do imposto de importação. 3. A empresa tem direito a ser indenizada por lucros cessantes, em montante equivalente ao valor que obteria com a venda das mercadorias deduzido o valor que pagou pelas mesmas. 4. Inexistindo prova no sentido de que a apreensão das mercadorias tenha afetado a credibilidade da empresa perante o mercado ou seus clientes, incabível a indenização por dano morais. (TRF4 5003649-67.2014.4.04.7106, SEGUNDA TURMA, Relator RÔMULO PIZZOLATTI, juntado aos autos em 14/09/2016)

Todavia, a prescrição das pretensões contra a Fazenda Pública é regida pelo Decreto nº 20.910/1932, que em seu artigo 1º prevê o prazo de cinco anos, nesse sentido:

Art. 1º - As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.

Note-se que a conduta lesiva imputada à ré ocorreu em 06/12/2007, data em que foi lavrado o auto de infração e termo de apreensão e guarda nº 0917800/41363/07 (ev. 1, OUT5), o que, de acordo com a inicial, deu causa aos lucros cessantes e aos danos morais enfrentados pela autora.

Portanto, em 06/12/2017, foi o marco inicial da contagem do lapso prescricional de cinco anos previsto no Decreto n.º 20.910/32.

Nesse sentido:

ADMINISTRATIVO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. AGENTE DE SAÚDE PÚBLICA. ATIVIDADE LABORAL EM CONTATO COM SUBSTÂNCIAS QUÍMICAS NOCIVAS À SAÚDE. DANO MORAL. NEXO DE CAUSALIDADE NÃO-CONFIGURADO. É de 5 (cinco) anos, contados da data do ato ou fato do qual se origina, o prazo para o ajuizamento de ação de indenização contra a Fazenda Pública, nos termos do art. 1º do Decreto 20.910/32. O termo inicial da prescrição é o momento da ocorrência do evento lesivo (princípio actio nata) - qual seja, a prestação de serviços em contato com substâncias químicas tóxicas - e renova-se mês a mês, até a cessação da exposição do servidor público a tais agentes nocivos à saúde. Para o reconhecimento do dever de indenizar, é necessária a existência de nexo de causalidade entre o exercício de atividades laborais em contato com produtos tóxicos e um dano à saúde. O mero risco de potencialidade nociva de pesticidas não é suficiente para embasar a pretensão reparatória, porquanto indispensável a comprovação de efetiva violação da integridade física do trabalhador, por contaminação ou intoxicação com as substâncias químicas por ele utilizadas (art. 186, 187 e 927 do Código Civil e art. 37, § 6º, da Constituição Federal), o que inocorreu no caso concreto. (TRF4, AC 5038457-48.2016.4.04.7100, QUARTA TURMA, Relator SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA, juntado aos autos em 24/03/2018)

Veja-se que a partir da apreensão da mercadoria a autora já poderia ter proposto a ação indenizatória pleiteando os lucros cessantes, pois se viu impedida de realizar a venda pretendida. Ademais, a propositura e o trânsito em julgado da ação anulatória do ato administrativo não era impeditivo ou condição indispensável para a propositura da ação de indenização por lucros cessantes e danos morais. Proposta a ação com pedido de indenização, ela poderia, apenas, ser suspensa nos termos do artigo 313, V, do CPC, o que, neste caso, levaria a interrupção do prazo prescricional.

Assim sendo, declaro prescrito o direito à indenização pelos lucros cessantes alegados pela autora.

2.2 Mérito

A responsabilidade civil do Estado está prevista pelo § 6º do art. 37 da CRFB, que consagrou a teoria da responsabilidade objetiva do poder público, admitidas, porém, as excludentes da culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, do caso fortuito e da força maior (teoria do risco administrativo).

Desse modo, para que o Estado tenha obrigação de indenizar é necessária a coexistência de três requisitos: a) conduta praticada por agente público, nesta qualidade, ou, ao menos, aproveitando-se dessa qualidade; b) dano causado a um bem jurídico, ainda que exclusivamente moral; c) nexo de causalidade.

No caso dos autos, o acórdão proferido pelo TRF da 4ª Região manteve a decisão de afastamento da pena de perdimento aplicada pela autoridade aduaneira sobre as mercadorias importadas pela pessoa jurídica BIGCOMPRA LTDA, amparadas pelas DI nº 07/1097152-9, nº 07/0721695-2 e nº 07/10814466-6, nos autos da ação anulatória de n. 2008.70.08.000975-0/PR, e determinou a restituição da mercadoria.

Contudo, ao receber, em junho de 2018, notificação da Receita Federal do Brasil para realizar o agendamento de retirada das mercadorias mantidas em depósito da entidade fiscal por mais de 10 anos, constatou que as luvas apreendidas estavam vencidas perante o Ministério do Trabalho e Emprego, pois sua validade era somente até 26/03/2013, bem como encontravam-se completamente deterioradas, sendo impossível sua comercialização, sob pena de risco aos trabalhadores das empresas que viessem a adquiri-las. Posteriormente, a mercadoria foi destruída como determinado na decisão proferida no evento 3 (ev. 23).

Evidencia-se, assim, o preenchimento dos requisitos acima mencionados, haja vista que a pena de perdimento indevidamente aplicada aos bens resultou em dano ao patrimônio da empresa importadora. Na impossibilidade de restituição das mercadorias à importadora, configura-se o dever da União de indenizá-la. Essa indenização deve considerar o valor declarado para efeito de cálculo do imposto de importação, conforme art. 30 do Decreto-lei 1.455/76.

O Decreto-lei 1.455/76 (art. 30, § 2º) prevê também que a taxa de juro a ser aplicada na hipótese será aquela prevista no § 4º do art. 39 da Lei no 9.250, de 26 de dezembro de 1995, tendo como termo inicial a data da apreensão. O dispositivo legal refere-se à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - SELIC, que sabidamente inclui correção monetária e juros. O termo inicial para aplicação da SELIC corresponde à data da apreensão das mercadorias (06/12/2007 - evento 1, OUT5).

Quanto aos danos morais, não há qualquer comprovação nos autos nesse sentido.

O dano moral é prejuízo extrapatrimonial, que atinge bens incorpóreos, como a imagem, a honra, a vida privada, a autoestima, a alma do indivíduo. Molesta de forma grave o ser humano, ferindo valores inerentes a sua personalidade, que não podem ser numerados, mas que se evidenciam no sofrimento, na tristeza, na angústia, enfim, em situações que discrepam do mero dissabor ou da frustração. Em relação a pessoa jurídica, o dano moral abalo sua credibilidade no meio comercial, causando-lhe prejuízo financeiros ainda que indiretos.

As situações descritas na inicial e que fundamentam o pedido da autora, conquanto tenha levado a anulação do ato administrativo, não caracterizam dano à sua imagem ou a qualquer outro direito de personalidade da autora, pois nada disso ficou comprovado nos autos.

Também não foi demonstrado que geraram consequências, como anotação do nome da autora em cadastros restritivos. O fato da pessoa jurídica ter sofrido prejuízo em razão da ação ou omissão estatal não, necessariamente, levará ao direito à indenização. É preciso que a atuação do órgão público ultrapasse os riscos comuns da atividade empresarial e que tenha havido excesso no exercício do poder de polícia, de fiscalização pela administração, o que não ficou comprovado no presente caso.

Nesse sentido (grifei):

ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. APREENSÃO DE VEÍCULO. POSTERIOR ANULAÇÃO DA PENA DE PERDIMENTO NA VIA JUDICIAL. RESPONSABILIDADE ESTATAL. DANOS MORAIS E LUCROS CESSANTES. NÃO CONFIGURAÇÃO. 1. O pedido do autor se embasa primordialmente na sentença proferida nos autos da ação 5005057-66.2014.4.04.7115/RS, que anulou a pena de perdimento que havia sido aplicada pela Receita Federal, determinando a liberação do caminhão apreendido. 2. Agindo os prepostos da União estritamente dentro dos ditames legais e regulamentares, no exercício do seu poder de polícia - mesmo que na via judicial tenha sido reconhecida a desproporcionalidade da medida - a retenção do veículo e o prosseguimento do processo administrativo não podem ser qualificados como ilícitos, não havendo de se falar em dever de indenizar. 3. No tocante aos lucros cessantes, melhor sorte não assiste ao autor, isso porque traz meras alegações do que teria deixado de auferir com o uso do caminhão durante o período em que dele ficou privado, não fazendo prova efetiva do suposto dano. (TRF4, AC 5002727-91.2017.4.04.7115, TERCEIRA TURMA, Relator SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA, juntado aos autos em 17/10/2019)

TRIBUTÁRIO. ADUANEIRO. APREENSÃO DE VEÍCULO QUE TRANSPORTAVA MERCADORIAS INTERNADAS IRREGULARMENTE. RESPONSABILIDADE DO PROPRIETÁRIO. BOA-FÉ CONFIGURADA. PENA DE PERDIMENTO ANULADA. RESPONSABILIDADE CIVIL. PRESSUPOSTOS. DANO INJUSTO NÃO DEMONSTRADO. 1. Em consonância com a legislação de direito aduaneiro e a jurisprudência desta Corte, a aplicação da pena de perdimento do veículo transportador pressupõe a prova de que o proprietário do veículo concorreu, de alguma forma, para a prática do ilícito, e relação de proporcionalidade entre o valor do veículo e das mercadorias apreendidas. 2. A responsabilidade do proprietário do veículo transportador, quando este não era o dono da mercadoria, demonstra-se através do conhecimento, ainda que potencial, da utilização de seu veículo na prática do ilícito e de indícios que afastem a presunção de boa-fé. 3. No caso, é possível concluir pela boa-fé da empresa autora e seu total desconhecimento acerca do agir ilícito do seu funcionário que, inclusive, foi demitido por justa causa dias depois da ocorrência dos fatos. 4. A responsabilidade civil do Estado, fundada na teoria do risco administrativo, depende da prova do dano sofrido pelo particular e da relação direta de causa e efeito desse com a situação de risco criada pela atividade estatal, por meio de seus serviços ou agentes, independentemente de elemento subjetivo (dolo ou culpa). 5. Entretanto, nem todo dano/prejuízo econômico experimentado pelo particular em razão de ação ou omissão estatal ensejará o direito à indenização. Deve-se analisar, a partir de uma ponderação dos interesses envolvidos, a ocorrência de um dano injusto, ou seja, que transborde os riscos comuns da vida em sociedade. No caso concreto, não se verifica a existência de dano injusto indenizável decorrente de atos de polícia regularmente praticados pela Administração aduaneira. 6. Outrossim, a reversão judicial da decisão prolatada no processo administrativo não significa, necessariamente, falta de cautela da Administração na análise das provas ou excesso/abuso no exercício do direito. Na espécie, verificam-se entendimentos diversos a respeito da matéria na jurisprudência e no âmbito administrativo. 7. Apelações desprovidas. (TRF4, AC 5002320-31.2016.4.04.7209, PRIMEIRA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, juntado aos autos em 06/10/2017)

(...)"

Prejudicial de mérito

2. Prescrição

A sentença comporta reforma quanto ao reconhecimento de que se encontra prescrita a pretensão à indenização por lucros cessantes.

Conforme bem destacado pela autora em seu apelo, e reconhecido no recurso da União Federal, decorreu da demanda nº 2008.70.08.000975-0 a anulação dos AIs e dos respectivos processos administrativos, bem como o afastamento da pena de perdimento e a determinação de liberação das mercadorias apreendidas (processo 5002166-97.2017.4.04.7008/PR, evento 3, SENT114).

Tal sentença foi confirmada por esta Corte (processo 5002166-97.2017.4.04.7008/TRF4, evento 5, ACOR1), com trânsito em julgado em 16/04/2018 (processo 5002166-97.2017.4.04.7008/TRF4, evento 14, CERT1), quando se tornou definitivo o reconhecimento da invalidade dos atos praticados em desfavor da autora e a imposição de obrigação de fazer à ré. O julgamento proferido nesse sentido demandou, inclusive, a produção de prova pericial, sendo que o pedido de antecipação de tutela foi indeferido sob o fundamento de que "(...) a falsidade da data das faturas comerciais são suficientes para a imposição da pena de perdimento, (...)" (processo 5002166-97.2017.4.04.7008/PR, evento 3, DESPADEC17).

Dessa decisão foi interposto agravo de instrumento pela autora, requerendo a liberação das mercadorias e o afastamento da pena de perdimento (processo 5002166-97.2017.4.04.7008/PR, evento 3, AGRAVO20). Tais pretensões foram acolhidas apenas em parte, "(...) para obstar a destinação das mercadorias importadas pela agravante, que deverão permanecer acauteladas até decisão jurisdicional final de mérito, (...)" (processo 5002166-97.2017.4.04.7008/PR, evento 3, AGRAVO41), sentido que se operou o trânsito em julgado em 03/11/2011, após a interposição de recursos posteriores pela autora.

Conclui-se, assim, que a decisão final de procedência da ação anulatória foi imprescindível para lastrear o pedido de reparação de danos aqui formulado pela parte autora. Como consequência, a actio nata da pretensão indenizatória assentou-se na data do trânsito em julgado do feito nº 2008.70.08.000975-0 (16/04/2018). Computado a partir de então, o prazo de cinco anos definido pelo art. 1º do Decreto nº 20.910/1.932 somente decorreria em 16/04/2023, o que não ocorreu em virtude de a presente demanda indenizatória haver sido ajuizada em 30/07/2018.

Registre-se que não há distinção entre a pretensão indenizatória por lucros cessantes e os demais pedidos reparatórios que tiveram o mérito enfrentado pelo juízo a quo, já que todos têm como causa de pedir comum o reconhecimento de que foram indevidos a lavratura dos AIs, os procedimentos administrativos correlatos e a apreensão da mercadoria. Antes do julgamento proferido na ação anulatória, a pena de perdimento, por si só, não poderia embasar pedido indenizatório algum, o que torna injustificada a distinção entre o prazo prescricional aplicado ao pleito de indenização por lucros cessantes e aos demais pleitos indenizatórios.

Foi nesse sentido o julgamento proferido por esta Corte na Apelação Cível nº 2006.71.06.001898-2/RS, in verbis:

"ADMINISTRATIVO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. LUCROS CESSANTES E DANOS MORAIS. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL.
1. Em sendo o presente pedido de indenização decorrente de ato ilícito, passaria a correr o prazo prescricional de quando tal atitude foi definitivamente considerada irregular, no caso, quando do trânsito em julgado do acórdão deste Tribunal proferido na AC nº 97.04.46586-6/RS, que visou a anulação da apreensão das mercadorias por parte da Receita Federal. Conforme consta às fls. 394/405, o trânsito em julgado do acórdão proferido na AC nº 97.04.46586-6/RS deu-se em 24/09/2001, tendo a presente ação sido ajuizada em 05/09/2006, inocorrendo, portanto, a prescrição apontada.
2. Afastada a prescrição, impõe-se o retorno dos autos à origem para o julgamento do mérito propriamente dito da demanda, sob pena de supressão de instância." (grifou-se)

(TRF4, AC nº 2006.71.06.001898-2/RS, Terceira Turma, Relator Desembargador Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, julgado em 29/02/2012)

Por conseguinte, é imperativo reconhecer que não se operou a prescrição de nenhuma das pretensões indenizatórias formuladas nos autos, incluindo a por lucros cessantes. Nessa esteira, a sentença comporta reforma neste ponto, com afastamento do reconhecimento da prescrição e análise do mérito, nos termos do art. 1.013, § 4º, do CPC.

Mérito

3. Responsabilidade civil

A responsabilidade civil ou administrativa exige a clara configuração dos seguintes elementos: [a] ação ou omissão normativamente imputável; [b] dano; [c] nexo causal; [d] nexo de imputação jurídica por [d.1] dolo, [d.2] culpa ou, [d.3] nos casos de responsabilidade objetiva, previsão legal específica ou decorrente da teoria do risco.

De fato, prevê o Código Civil:

"Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Art. 188. Não constituem atos ilícitos:

I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;

II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente.

Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo. [...]

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem."

Com relação à Administração Pública, a Constituição Federal de 1988 consagrou a responsabilidade objetiva, fundamentada no risco administrativo, e condicionou a obrigação de indenizar do Estado à comprovação do nexo causal entre a sua atividade e o dano efetivamente ocorrido e à inexistência de causas de exclusão da responsabilidade (caso fortuito, força maior e culpa exclusiva da vítima).

Na hipótese de [1] conduta comissiva do Estado (isto é: ação), para a responsabilização basta a existência do dano e que este seja causado por seus agentes. Os requisitos constitucionais fundamentam a responsabilidade objetiva do Estado.

Contudo, nos casos de [2] ato omissivo do Estado (isto é: omissão) a responsabilidade assume caráter subjetivo, exigindo-se a presença de dolo ou culpa. A culpa não é atribuída a um indivíduo, mas ao serviço estatal genericamente. Há a necessidade de investigar a existência de culpa por negligência, imprudência ou imperícia, ou mesmo de dolo. Porém, não é necessário que a culpa seja individualizada, desde que seja possível atribuí-la ao serviço público, de maneira genérica, por meio da aplicação da teoria do“faute du service”, ou culpa anônima, que decorre do não-funcionamento ou do funcionamento insuficiente, inadequado, tardio ou lento do serviço que o poder público deve prestar.

A propósito, leciona Celso Antônio Bandeira de Mello:

"De outra parte, há largo campo para a responsabilidade subjetiva no caso de atos omissivos, determinando-se, então, a responsabilidade pela teoria da culpa ou falta de serviço, seja porque este não funcionou, quando deveria funcionar normalmente, seja porque funcionou mal ou funcionou tardiamente [...] A responsabilidade do Estado por omissão só pode ocorrer na hipótese de culpa anônima, da organização e funcionamento do serviço, que não funcionou ou funcionou mal ou com atraso, e atinge os usuários do serviço ou os nele interessados [...] O certo e inquestionável, demais disso, é que se engaja responsabilidade estatal toda vez que o serviço apresentar falha, reveladora de insuficiência em relação ao seu dever normal, causando agravo a terceiro. Neste caso, a responsabilidade será subjetiva."

(Curso de Direito Administrativo, 12ª edição, RJ: Malheiros, 2000, 813/814).

Nesse sentido:

"CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA. REGISTRO. ESPECIALIDADE. RESPONSABILIDADE CIVIL. OMISSÃO.

1. O § 6º do art. 37 da Constituição Federal define a responsabilidade do Estado como sendo independente de culpa - objetiva, portanto - quando "seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa".

2. Discussão de grandes proporções instaurou-se na doutrina e na jurisprudência, no que se refere à possibilidade de imputar ao Estado a responsabilidade tida como objetiva, para os casos em que não há ação, mas omissão da Administração Pública.

3. Prevalece, atualmente, que nos casos em que há omissão do Poder Público, a responsabilidade é subjetiva - tal como a regra geral estipulada no Código Civil - diante da ordem constitucional que exige um "fazer" do agente público. [...]." (grifou-se)

(TRF4, AC 5003868-80.2014.404.7203, TERCEIRA TURMA, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER, juntado aos autos em 14/06/2017).

"ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. INSS. FRAUDE NA ALTERAÇÃO DA AGÊNCIA BANCÁRIA DE RECEBIMENTO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. DANOS MATERIAIS E MORAIS. CARACTERIZADOS.

- A Carta de 1988, seguindo a linha de sua antecessora, estabeleceu como baliza principiológica a responsabilidade objetiva do Estado, adotando a teoria do risco administrativo. Consequência da opção do constituinte pode-se dizer que, de regra os pressupostos da responsabilidade civil do Estado são: a) ação ou omissão humana; b) dano injusto ou antijurídico sofrido por terceiro; c) nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano experimentado por terceiro.

- Em se tratando de comportamento omissivo, a situação merece enfoque diferenciado. Decorrendo o dano diretamente de conduta omissiva atribuída a agente público, pode-se falar em responsabilidade objetiva. Decorrendo o dano, todavia, de ato de terceiro ou mesmo de evento natural, a responsabilidade do Estado de regra, assume natureza subjetiva, a depender de comprovação de culpa, ao menos anônima, atribuível ao aparelho estatal. De fato, nessas condições, se o Estado não agiu, e o dano não emerge diretamente deste não agir, de rigor não foi, em princípio, seja natural, seja normativamente, o causador do dano. [...]" (grifou-se)

(TRF4 5016010-71.2013.404.7003, TERCEIRA TURMA, Relator RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, juntado aos autos em 17/05/2017)

4. Indenização por danos morais

Não prospera tal pretensão, na medida em que, "(...) em que pese tenha sido reconhecida, por sentença judicial transitada em julgado, a nulidade da pena de perdimento das mercadorias importadas, a apreensão administrativa tinha então base jurídica de validade, eis que verificados indícios de falsidade ideológica no documento que instruiu a declaração de importação. (...)" (TRF4, AC nº 5011504-52.2018.4.04.7108/RS, Quarta Turma, Relator Desembargador Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, julgado em 29/09/2021).

Essa circunstância é reforçada pela decisão proferida no processo 5002166-97.2017.4.04.7008/PR, evento 3, DESPADEC17, em que se indeferiu o pedido de antecipação de tutela formulado na ação anulatória nº 2008.70.08.000975-0 nos seguintes termos:

"(...)

As cópias dos autos de infração e pareceres fiscais (fls. 94/218, 285/296 e 342/463) revelam que estão fundados não apenas no subfaturamento, mas também na falsidade das datas nas faturas comerciais, pois emitidas meses antes do conhecimento de embarque - BL (Bill of lading), mas contendo informações cujo conhecimento era impossível naquele momento, como a data de embarque, o número do contêiner e do lacre, o nome do navio e os números dos contratos de câmbio, conforme o Auto de Infração - Al n° 0917800/41363/07 (fl. 109).

(...)

Essa mesma inconsistência foi verificada nos outros dois PAF's aqui impugnados. Confiram-se as razões no parecer de fl. 286, relativo ao PAF n° l0907.0020l4/2007-92 e no parecer de fls. 431/432, pertinente ao PAF n° l0907.002806/2007-67.

Uma vez que a fatura comercial é um dos documentos exigidos no despacho aduaneiro de importação, a atribuição de data irreal significa a instrução do despacho aduaneiro com documento ideologicamente falsificado.

Para esse caso, quando documento necessário ao desembaraço aduaneiro tiver sido falsificado ou adulterado, o Decreto-lei n° 37/1966, em seu artigo 105, V1, aplica a pena de perda da mercadoria estrangeira na importação. Esta penalidade, bem como o presumido dano ao erário, é reafirmada pelo artigo 23, IV e § 1° do Decreto-lei n° 1.455/1976 e repetida no Regulamento Aduaneiro:

(...)

A partir de tais dispositivos, conclui-se pela possibilidade legal da
aplicação da pena de perdimento de mercadorias importadas por meio do uso de
documento falso - fatura comercial - apresentada ao fisco.

(...)

Não bastasse isso, ainda que se trate de um equívoco, a legislação
dispensa a má-fé para a configuração da infração administrativa e atribui responsabilidade à importadora pelos atos da exportadora.

(...)

Em processo no qual se discutia a aplicação da pena de perdimento
com base na legislação aduaneira, o Superior Tribunal de Justiça - STJ admitiu a
responsabilidade objetiva do infrator:

(...)

Portanto, seja pela legislação admitir a responsabilidade objetiva (julgado do STJ), seja por estarem presentes as culpas in vígílando e in eligendo (julgado do TRF da 4” Região), o importador sofre as conseqüências dos atos dos despachantes aduaneiros ou exportadores com quem contratou.

Uma vez que a falsidade da data das faturas comerciais são suficientes para a imposição da pena de perdimento, é desnecessária a análise as causas de pedir concernentes ao subfaturamento.

(...)"

A existência de indícios de falsidade nas faturas comerciais foi assinalada, também, na sentença, que apenas concluiu pela ausência de fraude e de lesão ao erário após a instrução probatória, in verbis (processo 5002166-97.2017.4.04.7008/PR, evento 3, SENT114):

"(...)

Os Procedimentos Administrativos Fiscais apontam indícios de falsidade nas faturas comerciais apresentadas pela autora por ocasião do registro das Dl's n°s 07/I097l52-9, 07/0721695-2 e 07/1081446-6, especificamente quanto a data de emissão daquelas. Sobre isso a empresa autora afirma que a divergência de data nas faturas comerciais consiste em mero erro de digitação e, subsidiariamente, que deve ser atribuído ã exportadora, que é responsável por seu preenchimento.

O fato de a fatura comercial (comercial invoice) supostamente emitida em 02/05/2007 (fl. l23, pane superior esquerda) conter as informações do conhecimento de embarque (bill oflading - BL) emitido em 02/07/2007 (fl. l2l, parte inferior direita) permite presumir que aquela fatura foi emitida após a data nela indicada, exatamente como asseverou a autoridade aduaneira. A partir da verificação das outras duas faturas e outros dois conhecimentos de embarque relacionados a estes autos, verifico que é prática comum da exportadora Full Ever Industrial Company Limiled emitir a fatura em data próxima ao recebimento, por meio do contrato de câmbio que é citado no próprio documento, da primeira parcela que lhe é devida pelo importador como pagamento pelas mercadorias adquiridas (fls. 228/229). Nota-se ainda que a exportadora numera as faturas comerciais que emite exatamente com a suposta data de emissão. Veja-se que a fatura supostamente emitida em I9/Ol/2007 leva 0 número l90l2007 (fl. 228), aquela que teria sido emitida em 02/05/2007 tem o número 02052007 (fl. l23) e da mesma forma quanto ã fatura datada de 03/05/2007 (fl. 372). Disso conclui-se que a exportadora deixa de emitir a fatura no momento da negociação com a importadora, e quando o faz consigna a data em que efetivamente deveria tê-la emitido.

Ocorre que a prática irregular da exportadora, de emitir efetivamente a fatura apenas no momento que possui os dados relativos ao transporte (data de embarque, nome do navio, número do container), utilizando-se, ao que se presume, da data em que efetivamente realizou-se a venda, não traz
qualquer benefício ao importador e tampouco causa lesão ao erário. Veja-se, a ré
não provou que a falsidade quanto à data efetiva da emissão das faturas comerciais tenha gerado qualquer prejuízo, ou que tenha relação direta com a segunda alegação, da ocorrência de subfaturamento. Em outras palavras, a postergação da emissão da fatura comercial ou a emissão dela com data anterior, o que consiste em falsidade ideológica, não é condição para a ocorrência ou não do subfaturamento. Assim, tendo em conta a presunção de boa-fé, a falsidade não deve ser atribuída ao importador, que não foi beneficiado pela irregularidade
verificada nas faturas comerciais.

(...)

Não sendo o caso de fraude pois ausente a intenção de causar dano ao erário, mostra-se desproporcional a pena de perdimento das mercadorias importadas pela autora. conforme inclusive o entendimento adotado pelo TRF da 4ª Região nos seguintes casos:

(...)"

Conclui-se, assim, que, por terem se embasado em suspeitas fundadas e demandado extensa dilação probatória para ser afastadas judicialmente, a lavratura dos AIs, a apreensão das mercadorias e a instauração dos procedimentos administrativos correspondentes não configuraram prática ilegal, abusiva ou arbitrária por parte dos agentes administrativos.

Note-se que o reconhecimento judicial da nulidade do ato administrativo não basta, por si só, para estabelecer o dever da Administração Pública de indenizar danos sobrevindos da impossibilidade de uso dos bens apreendidos. Tal questão deve ser analisada com base no leque de interpretações da legislação aplicável que tenham se revelado possíveis ao agente estatal no momento da atuação fiscalizatória, bem como no âmbito do processo administrativo relativo à autuação. Nessa esteira, apenas uma atuação ostensivamente desprovida de toda e qualquer base legal, em evidente abuso de direito, justificaria a condenação da Administração Pública a reparar civilmente os danos vivenciados pela parte adversa. A pretensão reparatória propriamente dita só encontra guarida, em suma, em situações de flagrante excepcionalidade, o que, no caso, não se verificou.

Isso porque, embora se tenha reconhecido judicialmente que as divergências de datas constatadas nas faturas comerciais não caracterizaram fraude ao erário, tal interpretação não afasta a razoabilidade da conduta exercida pela Administração no momento da apreensão, durante os processos administrativos e no curso da ação anulatória nº 2008.70.08.000975-0, no qual a permanência da mercadoria sob a guarda da União Federal foi determinada judicialmente. Assim, percebe-se que a situação em análise comporta mais de uma interpretação das normas jurídicas vigentes, impedindo que se atribua a prática de abuso de direito à Administração.

Registre-se que a apreensão fiscal e sua manutenção são atos vinculados, de modo que, enquadrando-se a situação na forma da lei, tem a autoridade administrativa o poder-dever de agir, sob pena de responder por irresponsabilidade funcional ao desconsiderar a infração praticada pelo agente. Assim, verifica-se não ter havido ilegalidade alguma na conduta dos agentes federais, que apenas estavam realizando seu trabalho de maneira a investigar a eventual ocorrência de ilícitos tributários oriunda dos indícios de fraude reconhecidamente constantes nas notas fiscais apresentadas.

Disso se conclui que todo o desenrolar dos fatos teve contribuição direta e inequívoca da empresa autora (vítima), que, ao apresentar notas fiscais com claros indícios de falsidade, assumiu o risco de sofrer autuação do modo como efetivamente ocorreu. Ainda que haja decisão judicial transitada em julgado reconhecendo a ilegalidade da decretação da pena de perdimento, é indubitável que a autora, ao importar mercadorias acompanhadas por notas fiscais contendo suspeitas razoáveis de ilícito tributário, contribuiu decisivamente para a ocorrência do evento danoso consistente na apreensão dos bens e na decretação do seu perdimento.

Nesse cenário, reputo presente a causa excludente de responsabilidade estatal consistente na culpa exclusiva da vítima, que assumiu os riscos inerentes a eventual ilícito tributário ao apresentar notas fiscais de compra de mercadorias com informações duvidosas. Como consequência, confirma-se a sentença quanto à improcedência da pretensão indenizatória por danos morais.

Nesse sentido, colaciono os seguintes precedentes deste Tribunal:

"APELAÇÃO CÍVEL. ADMINISTRATIVO. APREENSÃO DE VEÍCULO. RESPONSABILIDADE ESTATAL. DANOS MATERIAIS. CONFIGURAÇÃO. DANOS MORAIS E LUCROS CESSANTES. NÃO CONFIGURAÇÃO.
1. Adotou-se, no Brasil, no que concerne às entidades de direito público, a responsabilidade objetiva com fulcro na teoria do risco administrativo, sem, todavia, adotar a posição extremada dos adeptos da teoria do risco integral, em que o ente público responderia sempre, mesmo presentes as excludentes da obrigação de indenizar, como a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro e o caso fortuito e a força maior. A configuração da responsabilidade do Estado, portanto, em regra, exige apenas a comprovação do nexo causal entre a conduta praticada pelo agente e o dano sofrido pela vítima, prescindindo de demonstração da culpa da Administração.
2. Quanto aos danos materiais, a responsabilidade estatal não decorre, de per si, da apreensão e posterior decretação de perdimento do veículo, mas a forma que o mesmo foi acautelado, zelado e utilizado durante o tempo em que ficou à disposição da União, antes ou depois da destinação à UFPR, até a sua devolução à postulante.
3. É certo que houve ilegalidade na decretação da pena de perdimento, tal como decidido pelo eg. Tribunal Regional Federal da 4ª Região, nos autos da apelação cível nº 2005.70.03.001321-5, com trânsito em julgado. Todavia, a atitude da autora, através de seus motoristas (prepostos), em não fiscalizar as mercadorias transportadas pelos passageiros, no exercício do mister de autorizatória de transporte interestadual de passageiros contribuiu decisivamente para a ocorrência do evento danoso, na medida em que descumpriu as normas da Receita Federal do Brasil e da Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT, além de possuir outras apreensões envolvendo veículos da mesma empresa Ramos Turismo. Por isso, os danos morais e lucros cessantes são indevidos." (grifou-se

(TRF4, AC nº 5005058-41.2010.4.04.7002/PR, Terceira Turma, Relatora Desembargadora Federal Marga Inge Barth Tessler, julgado em 16/12/2015)

"TRIBUTÁRIO. IMPORTAÇÃO. DESEMBARAÇO ADUANEIRO. SUBFATURAMENTO. FALSIDADE IDEOLÓGICA. MERCADORIA. PENA DE PERDIMENTO. DESCABIMENTO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. IMPROCEDÊNCIA. EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA ADUANEIRO.

1. Para se aplicar a pena de perdimento, é necessário que o subfaturamento tenha sido perpetrado por outros meios de fraude (como a falsidade material), não abrangendo as hipóteses em que o subfaturamento configure apenas a falsidade ideológica, pois há norma específica tipificando essa conduta como infração administrativa apenada com multa de 100 % sobre a diferença dos preços.

2. O afastamento da aplicação da pena de perdimento na via judicial não confere automaticamente ao proprietário das mercadorias o direito de ser indenizado pelos prejuízos materiais eventualmente suportados, especialmente quando o Estado, ao se deparar com fortes indícios de irregularidade, exerce legitimamente seu poder de polícia, o que ocorreu na hipótese em exame.

3. Destaco que além das suspeitas com relação à fraude no valor aduaneiro das mercadorias importadas, havia o fato de exportadora e importadora serem "empresas vinculadas", o que, indubitavelmente, justifica a atuação da Autoridade Fiscal por meio da instauração de procedimento especial de fiscalização." (grifou-se)

(TRF4, AC 5037299-40.2011.4.04.7000, PRIMEIRA TURMA, Relatora MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, juntado aos autos em 29/10/2014)

Quanto ao ponto, portanto, resta desprovido o recurso interposto pela parte autora.

5. Indenização por danos materiais - danos emergentes e lucros cessantes

Diversa é a conclusão quanto à reparação dos danos impingidos à autora pela deterioração da mercadoria apreendida, que é devida.

Na linha de toda a fundamentação tecida no tópico anterior, porém, cabe frisar, especificamente no que se refere à presente indenização, que "(...) a responsabilidade estatal não decorre, de per si, da apreensão e posterior decretação de perdimento do veículo, mas da forma que o mesmo foi acautelado, zelado e utilizado durante o tempo em que ficou à disposição da União, (...), até a sua devolução à postulante." (TRF4, AC nº 5005058-41.2010.4.04.7002/PR, Terceira Turma, Relatora Desembargadora Federal Marga Inge Barth Tessler, julgado em 16/12/2015).

Tendo a mercadoria ultrapassado seu prazo de validade e se tornado ineficaz para o uso a que era destinada durante o período em que perdurou a apreensão, sua ulterior liberação desproveu a autora dos bens que pretendia comercializar, impedindo-a de auferir os lucros almejados com a respectiva venda. Destarte, assiste razão à parte autora ao pleitear, além do ressarcimento do valor da mercadoria efetivamente perdida, indenização pelos lucros que deixou de auferir com a respectiva comercialização, que era realizada com habitualidade em sua atividade comercial, conforme atestam os documentos anexos ao processo 5002542-49.2018.4.04.7008/PR, evento 1, OUT12 e processo 5002542-49.2018.4.04.7008/PR, evento 1, OUT13.

Sobre os lucros cessantes, dispõe o art. 402 do CC que, "Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar."

Nessa esteira, impõe-se o acolhimento do pedido de condenação da requerida a indenizar à autora os lucros cessantes experimentados com a deterioração da mercadoria, que serão, oportunamente, liquidados na fase de cumprimento de sentença (TRF4, AC n. 5000597-63.2019.404.7017/PR, Primeira Turma, Relator Juiz Federal Convocado Marcelo de Nardi, julgado em 24/08/2022). Essa quantificação deverá pautar-se no valor de mercado dos bens posicionado na data do trânsito em julgado do feito nº 2008.70.08.000975-0 (16/04/2018), e dela deverão ser subtraídos tanto os custos operacionais da comercialização quanto a indenização por danos emergentes deferida na sentença e aqui confirmada (conforme parágrafos a seguir).

Estipulado esse valor, a partir de 16/04/2018 devem sobre ele incidir os índices de juros moratórios e correção monetária previstos pelo item "3.1" do Tema n. 905 do STJ, que assim dispõe:

"(...)

3. Índices aplicáveis a depender da natureza da condenação.
3.1 Condenações judiciais de natureza administrativa em geral.
As condenações judiciais de natureza administrativa em geral, sujeitam-se aos seguintes encargos: (a) até dezembro/2002: juros de mora de 0,5% ao mês; correção monetária de acordo com os índices previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal, com destaque para a incidência do IPCA-E a partir de janeiro/2001; (b) no período posterior à vigência do CC/2002 e anterior à vigência da Lei 11.960/2009: juros de mora correspondentes à taxa Selic, vedada a cumulação com qualquer outro índice; (c) período posterior à vigência da Lei 11.960/2009: juros de mora segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança; correção monetária com base no IPCA-E.

(...)" (grifou-se)

Da vigência da Emenda Constitucional nº 113/2021 em diante, deve ser utilizado o índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic) para os fins de remuneração do capital e de compensação da mora.

Quanto ao ressarcimento do valor da mercadoria propriamente dita (danos emergentes), a sentença deve ser mantida quanto à definição da base de cálculo em valor correspondente ao declarado para cálculo do imposto de importação, nos termos do art. 30, § 2o, do Decreto-Lei n. 1.455/76. Sobre tal quantia incidirá a Selic a contar da data da apreensão (06/12/2007 - processo 5002542-49.2018.4.04.7008/PR, evento 1, OUT5).

Finalmente, o argumento de que a indenização por danos materiais deve abranger os tributos recolhidos sobre as mercadorias apreendidas e a taxa de armazenagem não merece prosperar, já que tais custos seriam devidos independentemente da apreensão.

Nesses termos, merece parcial provimento o recurso da parte autora quanto aos itens em análise, ao passo que comporta desprovimento a apelação da União Federal.

6. Honorários de sucumbência recursal

Tendo em vista que o provimento da apelação da parte autora foi apenas parcial, não tendo alterado o resultado final do julgamento para total procedência dos seus pedidos, os honorários de sucumbência sob sua responsabilidade não comportam a majoração prevista pelo art. 85, § 11, do CPC.​​​ Da mesma forma, não comporta alteração a distribuição das custas processuais.

Desprovida a apelação da União Federal, os honorários sucumbenciais a cujo pagamento foi condenada devem ser majorados em 2% sobre o percentual definido na sentença, com fulcro na regra do art. 85, § 11, do CPC.

Destaco, apenas, que, em virtude de a quantificação da indenização por lucros cessantes ter sido remetida para liquidação de sentença, será definido também nesse momento o percentual devido a título de honorários de sucumbência, nos termos do art. 85, § 4o, do CPC. Independentemente de qual dos incisos do art. 85, § 3o, do CPC seja aplicável ao caso, contudo, o percentual deverá ser o mínimo neles estabelecido, já que os 10% estipulados na sentença corresponderam ao mínimo definido pelo inciso I.

7. Conclusão

Apelação da União Federal desprovida.

Apelação da parte autora parcialmente provida para:

a) afastar o reconhecimento da prescrição da pretensão indenizatória por lucros cessantes e proceder à análise do seu mérito, nos termos do art. 1.013, § 4º, do CPC; e

b) condenar a União Federal a indenizar à autora os lucros cessantes experimentados com a deterioração da mercadoria, que serão, oportunamente, liquidados na fase de cumprimento de sentença. Essa quantificação deverá pautar-se no valor de mercado dos bens posicionado na data do trânsito em julgado do feito nº 2008.70.08.000975-0 (16/04/2018), e dela deverão ser subtraídos tanto os custos operacionais da comercialização (impostos, despesas de pessoal, gastos administrativos, etc.) quanto a indenização por danos emergentes aqui confirmada. Estipulado esse valor, a partir de 16/04/2018 devem sobre ele incidir os índices de juros moratórios e correção monetária previstos pelo item "3.1" do Tema n. 905 do STJ, sendo que da vigência da EC nº 113/2021 em diante deve ser utilizado o índice da Selic.

Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação da parte autora, e negar provimento à apelação da União Federal, nos termos da fundamentação.



Documento eletrônico assinado por JOÃO PEDRO GEBRAN NETO, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004664806v73 e do código CRC 5d5cc473.Informações adicionais da assinatura:
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Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5002542-49.2018.4.04.7008/PR

RELATOR: Desembargador Federal JOÃO PEDRO GEBRAN NETO

EMENTA

DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. ação indenizatória. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. apreensão de mercadoria importada. autos de infração e pena de perdimento anulados. ato comissivo. excludente da responsabilidade objetiva quanto à indenização por danos morais. RESPONSABILIDADE DA VÍTIMA. LUCROS CESSANTES. PRESCRIÇÃO NÃO VERIFICADA. INDENIZAÇÃO DEVIDA. DANOS EMERGENTES VERIFICADOS.

1. O art. 37, § 6º, da Constituição Federal define a responsabilidade do Estado como sendo independente de culpa - objetiva, portanto - quando "seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa". Adotou-se, assim, a teoria do risco administrativo, em razão do que os pressupostos da responsabilidade civil do Estado são: a) ação ou omissão humana; b) dano injusto ou antijurídico sofrido por terceiro; c) nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano experimentado por terceiro.

2. O prazo prescricional da pretensão indenizatória por ato ilícito inicia-se na data em que tal atitude tenha sido definitivamente considerada irregular, que, no caso, consiste no trânsito em julgado do acórdão proferido por este Tribunal no feito nº 2008.70.08.000975-0, no qual se anulou a apreensão das mercadorias por parte da Receita Federal. Tendo o trânsito em julgado se operado em 16/04/2018, o prazo de cinco anos definido pelo art. 1º do Decreto nº 20.910/1.932 somente decorreria em 16/04/2023, o que não ocorreu em virtude de a presente demanda indenizatória haver sido ajuizada em 30/07/2018.

3. O desenrolar dos fatos teve contribuição direta e inequívoca da empresa autora (vítima), que, ao apresentar notas fiscais com claros indícios de falsidade, assumiu o risco de sofrer autuação do modo como efetivamente ocorreu. Ainda que haja decisão judicial transitada em julgado reconhecendo a ilegalidade da decretação da pena de perdimento, é indubitável que a autora, ao importar mercadorias acompanhadas por notas fiscais contendo suspeitas razoáveis de ilícito tributário, contribuiu decisivamente para a ocorrência do evento danoso consistente na apreensão dos bens e na decretação do seu perdimento.

4. Nesse cenário, encontra-se presente a causa excludente de responsabilidade estatal consistente na culpa exclusiva da vítima, que assumiu os riscos inerentes a eventual ilícito tributário ao apresentar notas fiscais de compra de mercadorias com informações duvidosas. Como consequência, confirma-se a sentença quanto à improcedência da pretensão indenizatória por danos morais.

5. Reparação por danos materiais devida, sendo a responsabilidade decorrente não da anulação da apreensão e do perdimento da mercadoria, mas sim da forma como esta foi acautelada, que permitiu que, durante o período em que perdurou a apreensão, os bens ultrapassassem seu prazo de validade e se tornassem ineficazes para o uso a que eram destinados (comercialização).

6. Nessa esteira, impõe-se o acolhimento do pedido de condenação da requerida a indenizar à autora os lucros cessantes experimentados com a deterioração da mercadoria, que serão, oportunamente, liquidados na fase de cumprimento de sentença. Essa quantificação deverá pautar-se no valor de mercado dos bens posicionado na data do trânsito em julgado do feito nº 2008.70.08.000975-0 (16/04/2018), e dela deverão ser subtraídos tanto os custos operacionais da comercialização quanto a indenização por danos emergentes. Estipulado esse valor, a partir de 16/04/2018 devem sobre ele incidir os índices de juros moratórios e correção monetária previstos pelo item "3.1" do Tema n. 905 do STJ, sendo que da vigência da Emenda Constitucional nº 113/2021 em diante deve ser utilizado o índice da Selic.

7. Quanto ao ressarcimento do valor da mercadoria propriamente dita (danos emergentes), a sentença deve ser mantida quanto à definição da base de cálculo em valor correspondente ao declarado para cálculo do imposto de importação, nos termos do art. 30, § 2o, do Decreto-Lei n. 1.455/76. Sobre tal quantia incidirá a Selic a contar da data da apreensão.

8. Apelação da parte autora parcialmente provida. Apelação da União Federal desprovida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 12ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação da parte autora, e negar provimento à apelação da União Federal, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Curitiba, 25 de setembro de 2024.



Documento eletrônico assinado por JOÃO PEDRO GEBRAN NETO, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004664807v9 e do código CRC 8a7f0d46.Informações adicionais da assinatura:
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Data e Hora: 25/9/2024, às 17:31:47


5002542-49.2018.4.04.7008
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Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 17/09/2024 A 25/09/2024

Apelação Cível Nº 5002542-49.2018.4.04.7008/PR

RELATOR: Desembargador Federal JOÃO PEDRO GEBRAN NETO

PRESIDENTE: Desembargador Federal LUIZ ANTONIO BONAT

PROCURADOR(A): MAURICIO PESSUTTO

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 17/09/2024, às 00:00, a 25/09/2024, às 16:00, na sequência 75, disponibilizada no DE de 06/09/2024.

Certifico que a 12ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 12ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA, E NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA UNIÃO FEDERAL.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal JOÃO PEDRO GEBRAN NETO

Votante: Desembargador Federal JOÃO PEDRO GEBRAN NETO

Votante: Desembargador Federal LUIZ ANTONIO BONAT

Votante: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI

IMPEDIDA: Juíza Federal ANA BEATRIZ VIEIRA DA LUZ PALUMBO

SUZANA ROESSING

Secretária



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