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DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. LABOR RURAL. MENOR DE 12 ANOS DE IDADE. RECONHECIMENTO. POSSIBILIDADE. TRF4. 5022907-13.20...

Data da publicação: 25/04/2024, 07:34:11

EMENTA: DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. LABOR RURAL. MENOR DE 12 ANOS DE IDADE. RECONHECIMENTO. POSSIBILIDADE. 1. O tempo de serviço rural pode ser demonstrado mediante início de prova material contemporâneo ao período a ser comprovado, complementado por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida exclusivamente, em princípio, a teor do art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91, e Súmula nº 149 do STJ. 2. O aproveitamento do tempo de atividade rural exercido até 31 de outubro de 1991, independentemente do recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias e exceto para efeito de carência, está expressamente autorizado e previsto pelo art. 55, § 2º, da Lei nº 8.213/91, e pelo art. 127, inc. V, do Decreto nº 3.048/99. 3. Documentos apresentados em nome de integrantes do mesmo núcleo familiar consubstanciam início de prova material do labor rural, consoante inclusive consagrado na Súmula 73 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. 4. Ademais, para caracterizar o início de prova material, não é necessário que os documentos apresentados comprovem, ano a ano, o exercício da atividade rural, seja porque se deve presumir a continuidade nos períodos imediatamente próximos, sobretudo no período anterior à comprovação, à medida que a realidade em nosso país é a migração do meio rural ao urbano, e não o inverso, seja porque é inerente à informalidade do trabalho campesino a escassez documental. 5. Conforme decidido na Ação Civil Pública nº 5017267-34.2013.4.04.7100/RS, proposta pelo Ministério Público Federal em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), é possível o cômputo de período de trabalho rural realizado mesmo antes dos 12 anos de idade, para fins de reconhecimento de tempo de serviço e de contribuição pelo exercício das atividades descritas no art. 11 da Lei 8.213/91, em maior amplitude, sem a fixação de requisito etário (TRF4, AC 5017267-34.2013.4.04.7100, Sexta Turma, Relatora para Acórdão Salise Monteiro Sanchotene, julgado em 09/04/2018). 6. A limitação da idade para o reconhecimento de tempo de serviço rural, a teor de orientação firmada pelas Cortes Superiores, encontra-se relacionada à vedação constitucional do trabalho pelo menor. Todavia, ainda que se trate de norma protetiva, não pode ser invocada em prejuízo ao reconhecimento de direitos, sendo possível, assim, a averbação da atividade campesina sem qualquer limitação etária (é dizer, mesmo aquém dos 12 anos de idade), desde que existente prova robusta confortando a pretensão. Precedentes do TRF4. 7. Não se pode impor ônus probatório especial justamente ao segurado que, em situação de vulnerabilidade, foi submetido a labor rurícola em idade na qual sequer poderia colher documentos a seu favor, tendo em vista a sua formação cognitiva incompleta e absoluta incapacidade. Assim, uma comprovado, por conjunto probatório suficiente, o efetivo desempenho de atividade rural em regime de economia familiar pelo requerente, mostra-se impositivo o reconhecimento do período como tempo de serviço na qualidade de segurado especial. Demandar que o segurado ainda provasse a indispensabilidade de seu trabalho para a família de origem seria impor exigência desproporcional, que inviabilizaria, na prática, o reconhecimento da qualidade de segurado especial em tais hipóteses. (TRF4, AC 5022907-13.2021.4.04.7205, NONA TURMA, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 17/04/2024)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5022907-13.2021.4.04.7205/SC

RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: HELIO AFONSO VEIGA (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta em face de sentença, publicada em 25/09/2023, que julgou parcialmente procedentes os pedidos autorais, nos seguintes termos (evento 45, SENT1):

3. DISPOSITIVO

Ante o exposto, com fundamento no art. 485, IV do CPC, EXTINGO o processo sem resolução de mérito quanto ao pedido de reconhecimento do período rural de 01/08/1973 a 31/10/1991 e, no mais, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I do CPC/2015, julgo PROCEDENTES EM PARTE os pedidos da parte autora, condenando o INSS a:

a) averbar o tempo rural conforme indicado na tabela do item 2.2 da fundamentação;

b) conceder o benefício de Aposentadoria por Tempo de Contribuição [NB 198.679.049-2], cuja RMI será apurada pelo INSS conforme as possibilidades indicadas na tabela do item 2.2 desta decisão, devendo ser implantada a melhor renda e observado também o disposto no art. 24 da EC 103/19 para fins de cumulação de benefícios, sendo o caso;

c) pagar a HELIO AFONSO VEIGA, os valores atrasados, a contar da DER (19/11/2020), observados os critérios de cálculo descritos na fundamentação, bem assim eventuais descontos decorrentes da impossibilidade de cumulação de benefícios prevista no artigo 124 da Lei 8.213/91.

​Considerada a sucumbência mínima da parte autora, condeno o INSS ao pagamento de honorários em favor do(s) procurador(es) da parte autora. Obedecendo aos critérios constantes no §3º, do art. 85, do CPC, fixo os honorários em 10% sobre o valor da condenação (até 200 (duzentos) salários-mínimos).

Na base de cálculo de tal verba são consideradas as parcelas vencidas até a data da prolação desta sentença, nos termos da Súmula 111 do STJ. Acaso se verifique que a condenação ultrapasse a 200 salários-mínimos, os honorários incidentes sobre o valor excedente deverão observar as respectivas faixas previstas nos incisos II a V do § 3º do art. 85 do CPC.

Custas, pelo INSS, isentas.

Na hipótese de interposição de recurso de apelação, intime-se a parte contrária para apresentar contrarrazões e, após, remetam-se os autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, nos termos do art. 1.010 do CPC.

Suscitada em contrarrazões questão resolvida na fase de conhecimento, intime-se o apelante para, em 15 (quinze) dias, querendo, manifestar-se a respeito, a teor do art. 1.009, §2°, do CPC.

Sem reexame necessário, porquanto o proveito econômico obtido na causa não supera 1.000 (mil) salários mínimos (art. 496, §3º, I, do CPC).

Sentença publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se.

    O INSS aponta (evento 52, APELAÇÃO1), em síntese, que o período de 01/11/1963 a 30/07/1973 como tempo de labor rural não poderá prevalecer, pois "não restou comprovado que o trabalho rural da parte autora antes de seus 12 anos de idade era fundamental para a sobrevivência do seu grupo familiar e tampouco foi comprovada a existência de situação de exploração de trabalho infantil, tendo inclusive frequentado a escola, conforme se verifica às fls. 39 do PA - evento 1 - doc PROCADM11". Assim, requer a reforma da sentença para que seja afastado do cômputo do labor rural da parte autora o período anterior ao implemento de seus 12 anos de idade, julgando-se, consequentemente improcedente o pedido de aposentadoria por tempo de contribuição.

    Contrarrazões no evento 55, CONTRAZ1.

    Foram os autos remetidos a esta Corte para julgamento.

    É o relatório.

    VOTO

    Limites da controvérsia

    Considerando-se que não se trata de hipótese de reexame obrigatório da sentença (art. 496, § 3º, inciso I, do CPC) e à vista dos limites da insurgência recursal, as questões controvertidas nos autos cingem-se à caracterização da atividade rural em regime de economia familiar nos períodos de 01/11/1963 a 30/07/1973, bem como ao direito da parte autora à concessão do benefício.

    Pois bem.

    Atividade rural

    O aproveitamento do tempo de atividade rural exercido até 31 de outubro de 1991, independentemente do recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias e exceto para efeito de carência, está expressamente autorizado e previsto pelo art. 55, § 2.º, da Lei n.º 8.213/91, e pelo art. 127, inc. V, do Decreto n.º 3.048/99.

    Acresce-se que o cômputo do tempo de serviço rural exercido no período anterior à Lei n.º 8.213/91, em regime de economia familiar e sem o recolhimento das contribuições, aproveita tanto ao arrimo de família quanto aos demais membros do grupo familiar que com ele laboram, porquanto a todos estes integrantes foi estendida a condição de segurado, nos termos do art. 11, inc. VII, da lei previdenciária (STJ, REsp 506.959/RS, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJU de 10/11/2003).

    O tempo de serviço rural pode ser demonstrado mediante início de prova material contemporâneo ao período a ser comprovado, complementado por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida exclusivamente, em princípio, a teor do art. 55, § 3.º, da Lei n.º 8.213/91, e Súmula n.º 149 do STJ.

    Os documentos apresentados em nome de terceiros, sobretudo quando integrantes do mesmo núcleo familiar, consubstanciam início de prova material do labor rural, consoante inclusive consagrado na Súmula 73 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

    Cumpre salientar que, para caracterizar o início de prova material, não é necessário que os documentos apresentados comprovem, ano a ano, o exercício da atividade rural, seja porque se deve presumir a continuidade nos períodos imediatamente próximos, sobretudo no período anterior à comprovação, à medida que a realidade em nosso país é a migração do meio rural ao urbano, e não o inverso, seja porque é inerente à informalidade do trabalho campesino a escassez documental. O início de prova material deve viabilizar, em conjunto com a prova oral, um juízo de valor seguro acerca da situação fática.

    No ponto, o Tribunal da Cidadania editou a Súmula n.º 577, a qual estampa entendimento jurisprudencial no sentido de que "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório".

    De outra parte, destaco que, conforme decidido na Ação Civil Pública nº 5017267-34.2013.4.04.7100/RS, proposta pelo Ministério Público Federal em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), é possível o cômputo de período de trabalho rural realizado mesmo antes dos 12 anos de idade, para fins de reconhecimento de tempo de serviço e de contribuição pelo exercício das atividades descritas no art. 11 da Lei nº 8.213/91, em maior amplitude, sem a fixação de requisito etário (TRF4, AC 5017267-34.2013.4.04.7100, Sexta Turma, Relatora para Acórdão Salise Monteiro Sanchotene, julgado em 09-04-2018). Na mesma linha recentes julgados do STJ (por todos: AgInt no AREsp 956.558/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/06/2020, DJe 17/06/2020).

    Destaco, também, que a jurisprudência deste Regional é no sentido de que "a utilização de maquinário e eventual de diaristas não afasta, por si só, a qualidade de segurado especial porquanto ausente qualquer exigência legal no sentido de que o trabalhador rural exerça a atividade agrícola manualmente" (TRF4, EINF 5023877-32.2010.4.04.7000, TERCEIRA SEÇÃO, Relator ROGERIO FAVRETO, juntado aos autos em 18/08/2015; no mesmo sentido: TRF4 5031053-08.2018.4.04.9999, NONA TURMA, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 03/04/2019).

    De mais a mais, "o tamanho da propriedade rural, por si só, não tem o condão de descaracterizar o regime de economia familiar quando preenchidos os demais requisitos legalmente exigidos" (STJ, REsp 1403506/MG, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/12/2013, DJe 16/12/2013; no mesmo sentido: TRF4, AC 5002005-62.2022.4.04.9999, DÉCIMA TURMA, Relator LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, juntado aos autos em 24/03/2022).

    Isso porque a análise de vários elementos - localização do imóvel, tipo de cultura explorada, quantidade de produção comercializada, número de membros familiares a laborar na atividade rural, utilização ou não de maquinário agrícola e de mão de obra de terceiros de forma não eventual - juntamente com a extensão do imóvel, é que permitirão um juízo de valor seguro acerca da condição de rurícola do segurado. As circunstâncias de cada caso concreto é que vão determinar se o segurado se enquadra ou não na definição do inc. VII do art. 11 da Lei nº 8.213/91 (EIAC n. 2000.04.01.043853-1/RS, Rel. Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, Terceira Seção, unânime, DJU de 11/02/2004).

    Pois bem.

    A sentença assim examinou o período:

    No caso concreto, a parte-autora, nascida em 01/11/1955, alega ter laborado na agricultura, em regime de economia familiar, no período de 01/11/1963 a 31/10/1991.

    A fim de comprovar suas alegações, a parte-autora anexou aos autos diversos documentos relativos à atividade rural postulada, dos quais destaco (eventos 1 e 6): certidão de nascimento de irmão do autor (30/01/1964 - município de Avaré/SP); documentos escolares do autor (de agosto a novembro de 1975 - lavrador - núcleo rural de Coronel Macedo/SP); recibo de mensalidade paga pelo pai do autor ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Taquarituba (07/1992 a 04/1993); protocolo de requerimento de benefício previdenciário rural pelo pai do autor (13/11/1991); certificados de conclusão de curso primário (14/12/1969) e de curso supletivo (12/12/1975) pelo autor; ficha de inscrição do pai do autor no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Taquarituba (com anotação de pagamento de mensalidades nos anos de 1977, 1983, 1992 e 1993); cópia de certidão de casamento dos pais do autor (14/12/1951 - ele lavrador, ela doméstica); certidão de nascimento de filha do autor (15/12/1989 - trabalhador rural - município de Água Doce/SC); certificado de dispensa de incorporação militar em nome do autor (31/12/1974 - Sorocaba/SP).

    Na audiência de conciliação, instrução e julgamento, a parte-autora afirmou que (evento 38, VIDEO2): trabalhou na agricultura a partir dos 8 anos de idade, na Fazenda Tonon, de propriedade de Emília Tonon, município de Coronel Macedo/SP; era um cafezal; morava e trabalhava com seus pais e irmãos (7 filhos); o autor é o 3º mais velho; trabalhavam como diarista na colheita do café; mesmo quando criança fazia de tudo (limpava com enxada, colhia, etc); estudou até a 4ª série; recebiam o pagamento por semana; o pagamento era feito ao seu pai; seu pai sempre trabalhou dessa forma; depois da fazenda Tonon começou a trabalhar com o Sr. Luiz ("Japonês") em São Paulo e depois veio trabalhar para ele em terras arrendadas no Município de Campos Novos/SC; casou-se já em Santa Catarina, aos 25 anos de idade; sua esposa era dona de casa; trabalhou com o "Japonês" de 1974 a 1991; via sua relação como de empregado; inicialmente recebia semanalmente e depois passou a receber mensalmente, mas sem carteira assinada; em 1991 saiu das terras do "Japonês" e trabalhou mais um tempo na agricultura; em 1994 saiu da agricultura e veio para Blumenau; nas terras do "Japonês" havia outros empregados; morava naquelas terras mesmo.

    A testemunha Emília Tonon Batista, por sua vez, informou que (evento 38, VIDEO3): o autor trabalhou nas terras de sua família; conheceu o autor criança; ele trabalhava como sua família na colheita do café; o trabalho era todo manual; o autor permaneceu na propriedade até os 18 anos; não sabe dizer ao certo para onde o autor foi depois que saiu de lá; a família do autor morava nessa mesma propriedade, em imóvel cedido; sua fazenda tinha outros empregados e o trabalho era rústico, havia apenas 1 trator.

    Por fim, a testemunha João José Serapião dos Santos, informou que (evento 38, VIDEO4): conheceu o autor na Fazenda Tonon, onde também trabalhava; começavam a trabalhar a partir dos 8-9 anos de idade; carpiam, coroavam, colhiam; frequentavam a escola em um período e trabalhavam em outro; em 1971 o autor saiu para trabalhar para o "Japonês", em uma fazenda que cultivava batatas; na Fazenda Tonon não havia maquinário, era tudo manual; o pai e irmãos do autor também trabalhavam nessa fazenda; os pais recebiam o pagamento no fim do mês; em 1976 a testemunha também foi trabalhar para o "Japonês", onde ficou até 1984; nessa fazenda tinha alguns tratores pequenos, mas a testemunha e o autor não operavam máquinas; nessa época recebiam semanalmente; o "Japonês" costumava arrendar terras em diversos locais; a testemunha não chegou a trabalhar nas terras arrendadas pelo "Japonês" em Santa Catarina; nessa época moravam na cidade e iam todo o dia para a lavoura; era o "Japonês" quem dizia o que eles deviam fazer; o autor ficou morando com os pais na Fazenda Tonon, mas ia todo dia trabalhar nas terras do "Japonês".

    No caso dos autos, entendo que o conjunto probatório produzido é parcialmente favorável ao acolhimento da pretensão da autora.

    Inicialmente, observo que o caso dos autos abarca período de atividade campesina anterior aos 12 anos de idade. Neste passo, algumas considerações são necessárias.

    A jurisprudência admite que, uma vez comprovada a atividade rural do trabalhador, a partir dos seus 12 (doze) anos, em regime de economia familiar, esse tempo deve ser computado, uma vez que a proibição do trabalho ao menor de 14 (quatorze) anos foi estabelecida em seu benefício e não pode ser invocada acarretando-lhe prejuízo. Veja-se que essa linha interpretativa encontra amparo na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, consoante se infere da leitura de excerto do voto proferido, em 11/03/1986, na Segunda Turma daquela Corte pelo e. Ministro FRANCISCO REZEK, relator do RE 104.654-6/SP, in verbis:

    “Está claro, ainda, que a regra do inciso X do mesmo dispositivo constitucional – proibindo qualquer trabalho ao menor de doze anos – foi inscrita na lista das garantias dos trabalhadores em proveito destes, e não em seu detrimento. Não me parece, assim, razoável o entendimento da origem, que invoca justamente uma norma voltada para a melhoria da condição social do trabalhador, e faz dela a premissa de uma conclusão que contraria o interesse de seu beneficiário, como que a prover nova espécie de ilustração para a secular ironia 'summum jus, summa injuria'”.

    Sob a ordem constitucional vigente, manteve-se esse entendimento. É o que se depreende do acórdão lavrado no AI 476950 AgR, Relator Ministro GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 30/11/2004.

    O legislador ordinário, quando admite o cômputo da atividade rural ao segurado especial a partir dos quatorze anos, leva em consideração, inegavelmente, os parâmetros insertos na Constituição Federal voltados à proibição do trabalho infantil. Nessa ordem de ideias, indispensável a citação de trecho do voto proferido pelo e. Desembargador Federal CELSO KIPPER, por ocasião do julgamento da AC 5013847-60.2014.4.04.7205, em 17/10/2018, pela Turma Regional Suplementar de Santa Catarina, in verbis:

    Pois bem, o art. 11, inc. VII, da Lei n. 8.213/91, acima transcrito, estabelece a idade mínima de 14 anos para que o trabalhador rural em regime de economia familiar possa ser considerado segurado especial da Previdência Social. A idade de 14 anos não é aleatória. À toda evidência, o legislador procurou coerência com a idade mínima permitida para o exercício de atividade laboral segundo a norma constitucional vigente quando da edição da Lei supramencionada. A lógica foi a seguinte: se o art. 7º, inc. XXXIII, da Constituição Federal de 1988, em sua versão original, proibia qualquer trabalho a menores de quatorze anos, salvo na condição de aprendiz, deveria esta idade ser considerada limite mínimo para a obtenção da condição de segurado especial e, em conseqüência, para o reconhecimento do tempo de serviço rural.

    Mais adiante, no entanto, pontua o e. Relator:

    Existe outro fundamento relevante para o reconhecimento de efeitos previdenciários àquele que, embora conte com idade inferior à mínima permitida para o exercício de qualquer trabalho, efetivamente o desempenhe. Trata-se de um argumento que diz respeito ao seu contrário, ou seja, à hipótese de não-reconhecimento daqueles efeitos, e pode ser resumido assim: a vida e o direito, nesse caso, seriam muito cruéis para o menor, criança ainda, pois além de ter sido obrigado ao trabalho em tenra idade - sem valer-se da proteção da família e do Estado - ainda não teria considerado tal trabalho para fins previdenciários, resultando, na prática, uma dupla punição.

    Nessa mesma linha, indispensável a citação da seguinte ementa de acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região em ação civil pública, ocasião em que reconhecida, inclusive, abrangência nacional dos efeitos da decisão prolatada:

    DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA MOVIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PARA AFASTAR A IDADE MÍNIMA PREVISTA NO ART. 11 DA LEI 8.213/91 PARA FINS DE RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO E DE CONTRIBUIÇÃO. INTERESSE DE AGIR DO MPF. RECONHECIMENTO. EFEITOS JURÍDICOS DA SENTENÇA. ABRANGÊNCIA NACIONAL DA DECISÃO PROLATADA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ART. 16 DA LEI. 7.347/85. INTERPRETAÇÃO DO ART. 7º, XXXIII DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. TRABALHO INFANTIL X PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA. REALIDADE FÁTICA BRASILEIRA. INDISPENSABILIDADE DE PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA ÀS CRIANÇAS. POSSIBILIDADE DE SER COMPUTADO PERÍODO DE TRABALHO SEM LIMITAÇÃO DE IDADE MÍNIMA. ACP INTEGRALMENTE PROCEDENTE. JULGAMENTO PELO COLEGIADO AMPLIADO. ART. 942 DO CPC. RECURSO DO MPF PROVIDO. APELO DO INSS DESPROVIDO. 1. O interesse processual do MPF diz respeito à alteração de entendimento da autarquia no tocante às implicações previdenciárias decorrentes do exercício laboral anterior àquele limite etário mínimo, consubstanciadas inclusive na Nota 76/2013. Em que pese efetivamente constitua aquela Nota importante avanço no posicionamento do INSS sobre a questão, não torna ela despicienda a tutela jurisdicional pleiteada, já que admite aquela Nota que, uma vez reconhecida na esfera trabalhista a relação de emprego do menor de 16 anos, possa a autarquia considerá-lo segurado e outorgar efeitos de proteção previdenciária em relação ao mesmo, permanecendo - não bastasse a já referida necessidade prévia de reconhecimento trabalhista - a não admitir a proteção para as demais situações de exercício laboral por menor de 16 anos, referidas na contestação como externadas de forma voluntária. Não bastasse isto, restaria ainda a questão referente à documentação e formalidades exigidas para a comprovação de tal labor, o que evidencia a permanência da necessidade de deliberação e, por consequência, a existência do interesse de agir. 2. Não há falar em restrição dos efeitos da decisão em ação civil pública a limites territoriais, pois não se pode confundir estes com a eficácia subjetiva da coisa julgada, que se estende a todos aqueles que participam da relação jurídica. Isso porque, a imposição de limites territoriais, prevista no art. 16 da LACP, não prejudica a obrigatoriedade jurídica da decisão judicial em relação aos participantes da relação processual. 3. Logo, inexiste violação ao art. 16 da Lei nº 7.347/1985, como aventou o INSS, porquanto não é possível restringir a eficácia da decisão proferida nos autos aos limites geográficos da competência territorial do órgão prolator, sob pena de chancelar a aplicação de normas distintas a pessoas detentoras da mesma condição jurídica. 4. Mérito. A limitação etária imposta pelo INSS e que o Ministério Público Federal quer ver superada tem origem na interpretação que se dá ao art. 7º, XXXIII da Constituição Federal, que veda qualquer trabalho para menores 16 anos, salvo na condição de aprendiz. 5. Efetivamente, a aludida norma limitadora traduz-se em garantia constitucional existente em prol da criança e do adolescente, vale dizer, norma protetiva estabelecida não só na Constituição Federal, mas também na legislação trabalhista, no ECA (Lei 8.079/90) em tratados internacionais (OIT) e nas normas previdenciárias. 6. No entanto, aludidas regras, editadas para proteger pessoas com idade inferior a 16 anos, não podem prejudicá-las naqueles casos em que, não obstante a proibição constitucional e legal, efetivamente, trabalharam durante a infância ou a adolescência. 7. Não obstante as normas protetivas às crianças, o trabalho infantil ainda se faz presente no seio da sociedade. São inúmeras as crianças que desde tenra idade são levadas ao trabalho por seus próprios pais para auxiliarem no sustento da família. Elas são colocadas não só em atividades domésticas, mas também, no meio rural em serviços de agricultura, pecuária, silvicutura, pesca e até mesmo em atividades urbanas (vendas de bens de consumos, artesanatos, entre outros). 8. Além disso, há aquelas que laboram em meios artísticos e publicitários (novelas, filmes, propagandas de marketing, teatros, shows). E o exercício dessas atividades, conforme a previsão do art. 11 da Lei nº 8.213/91, enseja o enquadramento como segurado obrigatório da Previdência Social. 9. É sabido que a idade mínima para fins previdenciários é de 14 anos, desde que na condição de aprendiz. Também é certo que a partir de 16 anos o adolescente pode obter a condição de segurado com seu ingresso no mercado de trabalho oficial e ainda pode lográ-lo como contribuinte facultativo. 10. Todavia, não há como deixar de considerar os dados oficiais que informam existir uma gama expressiva de pessoas que, nos termos do art. 11 da LBPS, apesar de se enquadrarem como segurados obrigatórios, possuem idade inferior àquela prevista constitucionalmente e não têm a respectiva proteção previdenciária. 11. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) no ano de 2014, o trabalho infantil no Brasil cresceu muito em comparação com os anos anteriores, quando estava em baixa. 12. E, de acordo com o IBGE, no ano de 2014 havia 554 mil crianças de 5 a 13 anos trabalhando. Na atividade agrícola, nesta mesma faixa etária, no ano de 2013 trabalhavam 325 mil crianças, enquanto no ano de 2014 passou a ser de 344 mil, um aumento de 5,8%. Já no ano de 2015, segundo o PNAD (IBGE) houve novamente uma diminuição de 19,8%. No entanto, constatou-se o aumento de 12,3% do 'trabalho infantil na faixa entre 5 a 9 anos'. 13. O Ministério do Trabalho e Previdência Social - MPTS noticia que em mais de sete mil ações fiscais realizadas no ano de 2015, foram encontradas 7.200 crianças em situação de trabalho irregular. Dos 7.200 casos, 32 crianças tinham entre 0 e 4 - todas encontradas no Amazonas. Outras 105 estavam na faixa etária de 5 a 9 anos e foram encontradas, também, no Amazonas (62) e nos estados de Pernambuco (13), Pará (7) Roraima (5), Acre (4) Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul (3 em cada Estado), Bahia e Sergipe (2 em cada Estado). Na Paraíba, Rio de Janeiro, Rondônia e Tocantins encontrou-se uma criança em cada Estado com essa faixa etária de 5 a 9 anos. 14. Insta anotar que a realidade fática revela a existência de trabalho artístico e publicitário com nítido objetivo econômico e comercial realizados com a autorização dos pais, com a anuência do Poder Judiciário, de crianças recém nascidas, outras com 01, 2, 3, 4 e 5 anos de idade. Aliás, é possível a proteção previdenciária nesses casos? No caso de eventual ocorrência de algum acidente relacionado a esse tipo de trabalho, a criança teria direito a algum benefício previdenciário, tal como o auxílio acidente? 15. No campo da seguridade social extrai-se da norma constitucional (art. 194, parágrafo único) o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento que preconiza que a proteção social deve alcançar a todos os trabalhadores do território nacional que dela necessitem. Por corolário lógico, incluem-se nessa proteção social aquelas crianças ou adolescentes que exerceram algum tipo de labor. 16. A despeito de haver previsão legal quanto ao limite etário (art. 13 da Lei 8.213/91, art. 14 da Lei 8.212/91 e arts. 18, § 2º do Decreto 3.048/99) não se pode negar que o trabalho infantil, ainda que prestado à revelia da fiscalização dos órgãos competentes, ou mediante autorização dos pais e autoridades judiciárias (caso do trabalho artístico e publicitário), nos termos dos arts. 2º e 3º da CLT, configura vínculo empregatício e fato gerador do tributo à seguridade, nos termos do inciso I do art. 195 da Constituição Federal. 17. Assim, apesar da limitação constitucional de trabalho do infante (art. 157, IX da CF/46, art. 165, X da CF/67 e art. 7º, XXIII, da CF/88), para fins de proteção previdenciária, não há como fixar também qualquer limite etário, pois a adoção de uma idade mínima ensejaria ao trabalhador dupla punição: a perda da plenitude de sua infância em razão do trabalho realizado e, de outro lado, o não reconhecimento, de parte do INSS, desse trabalho efetivamente ocorrido. 18. Ressalte-se, contudo, que para o reconhecimento do trabalho infantil para fins de cômputo do tempo de serviço é necessário início de prova material, valendo aquelas documentais existentes em nome dos pais, além de prova testemunhal idônea. 19. Desse modo, para fins de reconhecimento de tempo de serviço e de contribuição pelo exercício das atividades descritas no art. 11 da Lei 8.213/91, mostra-se possível ser computado período de trabalho realizado antes dos 12 anos de idade, qual seja sem a fixação de requisito etário. 20. Recurso do INSS desprovido. Apelação do MPF provida. (TRF4, AC 5017267-34.2013.4.04.7100, SEXTA TURMA, Relatora para Acórdão SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, juntado aos autos em 12/04/2018)

    Não passa despercebido, ainda, a circunstância de que no âmbito dos Juizados Especiais Federais a tese também encontrou acolhida (PEDILEF 00015932520084036318, Juiz Federal SÉRGIO MURILO WANDERLEY QUEIROGA, DOU 05/02/2016; PEDILEF 00021182320064036303, Juiz Federal FREDERICO AUGUSTO LEOPOLDINO KOEHLER, DOU 10/06/2016).

    Certo, a meu sentir, não parece existir maior dúvida quanto à viabilidade do reconhecimento, para fins previdenciários, do trabalho do menor de doze anos. Tal premissa se dá, justamente, partindo do pressuposto de que a norma protetiva, reitere-se, não pode ser aplicada em desfavor daquele que, malgrado a vedação constitucional, veio a efetivamente exercer atividade laborativa, de índole urbana ou rural.

    Penso, contudo, que a análise da prova, em tal hipótese, requer exame mais acurado, não se podendo admitir que a alegação do exercício do trabalho, antes dos doze anos de idade, seja invocada de maneira genérica, sem suporte em razoáveis indícios de prova material e amparada em coesa e uníssona prova oral. De fato, uma vez deduzida tese voltada ao reconhecimento da atividade rural em regime familiar, não há como, aprioristicamente, pretender a retroação dos efeitos previdenciários sem que calcado em quadro fático-probatório robusto e convincente. Isso porque, consoante preconiza a legislação de regência, a própria atividade de segurado especial exige que o trabalho dos membros da família seja realizado no ambiente de mútua dependência e colaboração e, frise-se, exigindo-se participação ativa. Vale dizer, mais uma vez na dicção precisa do voto do e. Desembargador Federal CELSO KIPPER: "(...) o efetivo exercício da atividade rural deve ser comprovado, não bastando, obviamente, a comprovação de que seja filho de agricultor." (AC 5013847-60.2014.4.04.7205).

    Em outras palavras, entendo não ser permitido concluir que auxílio eventual prestado pelo infante ou adolescente ao grupo familiar venha a convolar-se, necessariamente, em trabalho infantil ou, a fortiori, na sua exploração. Deveras, eventual auxílio prestado pelo menor, sem elementos bastantes à caracterização da relação de emprego ou, ainda, de exploração do trabalho propriamente, não pode ser tomado como situação de fato hábil à produção de efeitos no campo previdenciário. A análise, portanto, merece ser criteriosa, caso a caso.

    Sem embargo, merece destaque, sob tal ângulo, o entendimento de que "Por se cuidar de exercício de atividade rural ocorrida na infância, todavia, a participação ativa nela (conforme referido no § 6º do art. 11 da Lei 8.213/91) certamente demanda uma comprovação mais contundente, consideradas as naturais limitações decorrentes da tenra idade." (5000755-51.2020.4.04.7222, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DE SC, Relatora Juíza Federal LUÍSA HICKEL GAMBA, julgado em 13/07/2021). Daí porque, "Com relação ao trabalho na infância, o tempo de serviço rural prestado antes dos doze anos de idade, se devidamente comprovado nos autos, pode ser reconhecido, mas apenas em situações excepcionais, em que realmente ficar comprovado que a criança trabalhou efetivamente." (TRF4, AC 5029735-92.2020.4.04.7000, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA, juntado aos autos em 21/10/2021).

    Nesse mesmo sentido, ainda de acordo com o Tribunal Regional Federal da 4ª Região :

    "Para a comprovação do tempo de atividade rural é preciso existir início de prova material, não sendo admitida, em regra, prova exclusivamente testemunhal. A admissão de trabalho rural antes dos doze anos exige, de acordo com a jurisprudência dos tribunais superiores, prova robusta e detalhada acerca da efetiva contribuição do menor para a subsistência da família e especificada quanto à(s) tarefa(s) desenvolvida(s) por ele, além do período de tempo diário despendido no trabalho." (TRF4, AC 5023385-20.2017.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator Desembargador Federal MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, juntado aos autos em 21/05/2020)

    Dessa maneira, entendo que embora em tese possível, a prova trazida aos autos demonstra apenas um eventual auxílio do demandante na atividade rural dos pais, não indispensável ao sustento familiar, impedindo, pois, possa ser enquadrado na previsão do artigo 11, VII, §§ 1º e 6º, da Lei n. 8.213/91. Vale dizer: "a ajuda prestada de forma esporádica ou por curtos períodos não viabiliza a averbação do respectivo período enquanto tempo de serviço rural, o qual deve ser demonstrado de forma inequívoca para possibilitar o seu reconhecimento (...)".(TRF4, AC 5029735-92.2020.4.04.7000, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA, juntado aos autos em 21/10/2021).

    Isto colocado, observo, no caso dos autos, que a prova produzida pela parte autora corrobora as alegações acerca do trabalho rural infantil, com exploração da força de trabalho do autor, ainda na mais tenra idade.

    As condições notórias de dificuldades da família, que não possuía propriedade imobiliária durante o intervalo, residindo em imóvel cedido pelo proprietário da fazenda em que trabalhavam e o fato de trabalharem todos os componentes da família como diaristas possuem força suficiente para corroborar a tese do autor, notadamente pelo fato de que o pagamento era realizado pelo trabalho exercido por cada um dos componentes. Extrai-se dos documentos juntados aos autos, ademais, que o autor concluiu o "curso primário" apenas em 1969, aos 14 anos de idade, só voltando a estudar em ensino supletivo no ano de 1975.

    Nesse ponto, considerada a colheita da prova oral, cujos depoimentos constituem reforço importante às alegações dos autos, já que prestados de forma coerente e lógica, os quais ratificaram a condição de diaristas da família do autor, aliada à informação da supressão da educação básica, não deixam dúvidas acerca da condição de segurado especial, mediante a efetiva indispensabilidade do trabalho desenvolvido pelo autor para a subsistência da família.

    (...)

    Assim, diante da particularidade do caso em concreto, reconheço que o autor em trabalhou como segurado(a) especial (trabalhador(a) rural) no período de 01/11/1963 (a partir dos 8 anos de idade) a 30/07/1973, data em que o autor deixou de trabalhar com sua família como diarista na Fazenda Tonon, conforme consta na declaração juntada no evento 1, OUT6 (pg. 8)

    É caso de manutenção da sentença quanto ao reconhecimento do período de atividade rural em regime de economia familiar.

    Possuo o entendimento de que "no meio rural, a contribuição de cada um dos membros familiares detém significativa importância para a subsistência do grupo familiar como um todo, não devendo se exigir, rigidamente, que a parte demonstre a indispensabilidade das atividades realizadas especificamente pelo infante" (TRF4, AC 5009811-33.2018.4.04.7205, NONA TURMA, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 21/03/2022). Ademais, é de se reconhecer que, dependendo da época do ano, as atividades campesinas sejam diferentes e que as crianças ajudem na medida de suas capacidades físicas e peculiaridades, de forma que lhes sejam atribuídas mais funções de acordo com o seu desenvolvimento.

    O fato de ter o menor eventualmente frequentado a escola no período de atividade rural não é óbice ao reconhecimento do trabalho rural infantil. Com efeito, demandar que o segurado provasse a indispensabilidade de seu trabalho para a família de origem, mediante a inviabilização de sua frequência escolar, seria impor exigência desproporcional, que obstaria, na prática, o reconhecimento da qualidade de segurado especial em tais hipóteses. A tese, inclusive, já foi rechaçada pela TNU:

    APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. TRABALHADOR RURAL. QUALIDADE DE SEGURADO. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. Ementa: PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL. TRABALHADOR RURAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. A CONSTATAÇÃO DA CONCOMITÂNCIA DAS ATIVIDADES RURAIS COM ATIVIDADES ESCOLARES, POR SI SÓ, NÃO IMPEDE O RECONHECIMENTO DA QUALIDADE DE SEGURADO ESPECIAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. PEDILEF CONHECIDO E PROVIDO. QUESTÃO DE ORDEM 38 DA TNU. Tese firmada: "A concomitância das atividades rurais com atividades escolares, por si só, não impede o reconhecimento da qualidade de segurado especial em regime de economia familiar". (TNU, PUIL n. 0000693-47.2020.4.03.6342/SP Relatora Juíza Federal CARMEN ELIZANGELA DIAS MOREIRA DE RESENDE, julg. em 15/02/2023 - grifei).

    Não desconheço que essa Corte vem exigindo mais detalhamento probatório para fins de reconhecimento do labor rural antes dos 12 anos de idade. Porém, havendo amparo em prova testemunhal idônea, com explicitação das culturas plantadas e/ou dos animais criados, alinhada com o relato firme de que o(a) segurado(a) antes dos 12 anos já contribuía efetivamente para o regime de economia familiar pelo desempenho de atividades na lida rural, parece-me suficiente para o reconhecimento do labor.

    Sobre a discussão, tive a oportunidade de apresentar prefácio à brilhante e contemporânea obra literária do professor Adriano Mauss, Trabalho infantil: desafio para comprovar a filiação previdenciária, no qual realizei ponderações sobre a matéria. Peço vênia para transcrever alguns trechos que considero essenciais tanto para a solução da presente controvérsia, quanto para fins de verticalização do debate no âmbito deste colegiado (grifei):

    (...) Não é possível uma compreensão sobre o fato social histórico trabalho infantil se não se conhece suas origens na formação e no habitus da sociedade brasileira, que, até há pouco tempo, era predominantemente rural. Esta realidade está aqui ilustrada com elementos históricos e dados que revelam uma tradicional e contumaz tendência de as famílias rurais se utilizarem da força de trabalho de crianças de tenra idade, sem considerar a diminuta força, a imaturidade física e as limitações inerentes aos indivíduos ainda em fase de crescimento.

    (...)

    Fruto de (pré)juízos e do desconhecimento da realidade histórica do trabalho campesino no Brasil, tudo se tem dito e afirmado para que o tempo de trabalho infantil não seja reconhecido para fins previdenciários.

    Pode-se começar lembrando o preconceito da vedação legal do trabalho infantil, que encerra em si um paradoxo. Mesmo depois de uma sentença de procedência proferida em ACP proposta pelo MPF, devidamente confirmada pelo TRF4 e transitada em julgado, analisada no livro, ainda se invoca o princípio protetivo da infância em desfavor os próprios infantes protegidos, ao que tenho respondido em inúmeros julgados "que a infelicidade de terem perdido a infância tendo que trabalhar, quando deveriam estar brincando e estudando, não pode ser agravada com a desconsideração deste trabalho, mesmo que ilegal, imoral, inconstitucional ou coisa que o valha".

    Depois, superada esta questão do óbice legal, objeta-se com fundamentos que verdadeiramente não se sustentam na realidade social sensível do ambiente de trabalho rural ao longo do tempo e principalmente em tempos pretéritos mais longínquos, tais como a exigência de comprovação de força física e efetiva contribuição no âmbito do regime de economia familiar. Com efeito, trata-se de fato irrelevante e dele não se pode exigir prova. Se a criança produzia mais ou menos, se a criança tinha maior ou menor dificuldade para pegar no cabo da enxada, além de constituírem circunstâncias de prova odiosa, a sua ausência não pode conspirar para o não reconhecimento do trabalho. São aspectos que não descaracterizam o trabalho e apenas podem representar que este se desenvolveu com mais ou menos sacrifício ou esforço.

    (...)

    Desconhecimento também é afirmar-se que se o infante estava estudando, não poderia, portanto, estar trabalhando em atividade rural. Olvida-se, à miúde, que era prática assente na sociedade rural brasileira o estudo em um turno e o trabalho em outro.

    (...)

    O preconceito é agravado quando se trata da “mulher” segurada especial, que precisou trabalhar desde a infância e agora vê seu direito à filiação previdenciária periclitar diante de afirmativas do tipo, “o seu trabalho não era indispensável para a sobrevivência do grupo familiar”, “apenas ajudava nas lides domésticas da casa”, “executava tarefas de limpeza e conservação”, “ajudava na cozinha”, “cuidava dos irmãos” etc. Vejo nestas suposições discriminação de gênero (contra a mulher) e penso que o julgamento na hipótese deve ser encaminhado na “Perspectiva de Gênero”, consoante tem orientado o Conselho Nacional de Justiça. Trago à colação, à guisa exemplificativa, passagem de voto-vencedor de minha relatoria na egrégia 9ª Turma do TRF4:

    “Ademais, o adjutório da autora à economia familiar não pode ser considerado apenas em função dos valores auferidos com a produção agrícola, mas sim a partir da perspectiva de gênero e de uma análise mais ampla, que leva em consideração a fundamentalidade do papel da trabalhadora rural para viabilizar o próprio trabalho dos demais membros do conjunto familiar. Não se pode olvidar, ademais, da carga laboral extra que é social e automaticamente atribuída às mulheres, referente ao trabalho de "cuidado", e que envolve as mais diversas responsabilidades domésticas. Sobre o tema da "economia do cuidado", destaco a famosa frase atribuída à autora italiana Silvia Federici: "Isso que chamam de amor nós chamamos de trabalho não pago", a qual deve conduzir todos nós à reflexão. Trata-se, com efeito, de atividades (verdadeiro labor) essenciais para o gerenciamento da unidade familiar e que ganham relevo ímpar no meio rural diante da precariedade das condições sociais que o caracterizam, de forma que não podem ser ignoradas pelo julgador, o qual deve levar a perspectiva de gênero em consideração. Julgamento conforme diretrizes do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do CNJ; art. 7º, inciso XX, da Constituição Federal; e Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Decreto nº 4.377, de 13 de setembro de 2002) (TRF4, AC 5006466-77.2022.4.04.9999, NONA TURMA, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 06/07/2023).

    (...)

    E diante desses aspectos paticularizadores da realidade social de inúmeras crianças, as quais se viram obrigadas ao desempenho do sofrido labor rural para possibilitar a subsistência de sua família, invoco a Doutrina da Proteção Integral (art. 1º do ECA) e o Princípio da Prioridade Absoluta (art. 227 da CF), em verdade, metaprincípios decorrentes do Postulado Normativo do Interesse Superior da Criança e do Adolescente.

    Com efeito, o mencionado dispositivo constitucional estampa que "É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão". Já o § 3º, II, do referido artigo esclarece que a proteção especial de crianças e adolescentes abrangerá a "garantia de direitos previdenciários e trabalhistas".

    Assim, pode-se concluir que as crianças e adolescentes possuem os mesmos direitos fundamentais que os adultos, acrescidos de tantos outros em atenção às especificidades que circundam a sua realidade de vida, sempre com respeito à sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, notadamente no que se refere ao trabalho (art. 69, I, do ECA), o que deve pautar não somente a implementação de políticas públicas, mas também a própria atuação do Poder Judiciário.

    Logo, até mesmo às crianças e aos adolescentes abaixo da idade mínima para o exercício de trabalho devem ser plenamente assegurados os direitos previdenciários (sem a fixação de um limite etário rígido, conforme decidido na ACP 5017267-34.2013.4.04.7100), uma vez que a norma protetiva não pode vir em sentido contrário ao melhor/superior interesse dos infantes.

    Dessa forma, a meu ver, essa rigidez jurisprudencial acaba criando amarras ao pleno exercício dos direitos fundamentais das crianças, notadamente o direito à previdência social, extrapolando a moldura constitucional referente à atuação judicial, de forma que, ao fim e ao cabo, o Poder Judiciário está negando à criança um direito fundamental, o que não se pode admitir. Não se está a dizer que não há necessidade de prova do labor rural pela criança! Mas que não há espaço para esse rigor extremo que tenho visualizado na jurisprudência e, em especial, no âmbito deste Regional, comparativamente com outros trabalhadores rurais com idêntica ou menor proteção constitucional e legal.

    Penso que o entendimento pela necessidade de demonstração cabal da indispensabilidade do labor do infante para o regime de economia familiar frustra, ainda que indiretamente, todo o avanço alcançado pelo julgamento da ACP 5017267-34.2013.4.04.7100, o que também não se pode permitir.

    É inconcebível o rigorismo que se observa também na exigência do chamado “início material de prova” do trabalho infantil para fins de enquadramento previdenciário do segurado especial. Parece que o segurado que foi obrigado a trabalhar é discriminado diante do conceito legal e jurisprudencial de “início de prova material”. Para ele, por castigo pela petulância de pretender resgatar uma mora da sociedade que não lhe permitiu escolha, o início de prova material se transmuda em prova cabal, robusta, incontestável, deixando mesmo de ser um “mero início”, “um indício”, “um elemento documental relacionado”, assim como se exige de todos os demais segurados especiais. Trata-se de uma discriminação incompreensível que viola o princípio constitucional da igualdade entre os iguais. O elemento de discrímen (fato de ser criança) não se sustenta e desvela a flagrante inconstitucionalidade desta exigência despropositada e, no mais das vezes, praticamente insuperável pelo trabalhador infantil.

    Assim, possível reconhecer a atividade rural em regime de economia familiar desempenhada entre 01/11/1963 a 30/07/1973, não merecendo acolhida o recurso do INSS.

    Do direito do autor ao benefício

    Não tendo sido acolhido o recurso do INSS, nada há a modificar quanto ao reconhecimento do direito à concessão do benefício, verbis:

    Da nova contagem de tempo de serviço

    Data de Nascimento01/11/1955
    SexoMasculino
    DER19/11/2020

    - Tempo já reconhecido pelo INSS:

    Marco TemporalTempoCarência
    Até a data da EC nº 20/98 (16/12/1998)5 anos, 6 meses e 29 dias70 carências
    Até a data da Lei 9.876/99 (28/11/1999)6 anos, 6 meses e 11 dias81 carências
    Até a data da Reforma - EC nº 103/19 (13/11/2019)26 anos, 3 meses e 26 dias320 carências
    Até 31/12/201926 anos, 5 meses e 13 dias321 carências
    Até a DER (19/11/2020)27 anos, 1 meses e 13 dias329 carências

    - Período acrescido:

    Nome / AnotaçõesInícioFimFatorTempoCarência
    1T. Rural01/11/196330/07/19731.009 anos, 9 meses e 0 dias0

    - Nova contagem:

    Marco TemporalTempo de contribuiçãoCarênciaIdadePontos (Lei 13.183/2015)
    Até a data da EC nº 20/98 (16/12/1998)15 anos, 3 meses e 29 dias7043 anos, 1 meses e 15 diasinaplicável
    Pedágio (EC 20/98)5 anos, 10 meses e 12 dias
    Até a data da Lei 9.876/99 (28/11/1999)16 anos, 3 meses e 11 dias8144 anos, 0 meses e 27 diasinaplicável
    Até a data da Reforma - EC nº 103/19 (13/11/2019)36 anos, 0 meses e 26 dias32064 anos, 0 meses e 12 dias100.1056
    Até 31/12/201936 anos, 2 meses e 13 dias32164 anos, 1 meses e 29 dias100.3667
    Até a DER (19/11/2020)36 anos, 10 meses e 13 dias32965 anos, 0 meses e 18 dias101.9194

    Em 16/12/1998 (EC 20/98), o segurado não tem direito à aposentadoria por tempo de serviço, ainda que proporcional (regras anteriores à EC 20/98), porque não cumpre o tempo mínimo de serviço de 30 anos, nem a carência mínima de 102 contribuições.

    Em 28/11/1999 (Lei 9.876/99), o segurado não tem direito à aposentadoria integral por tempo de contribuição (CF/88, art. 201, § 7º, inc. I, com redação dada pela EC 20/98), porque não preenche o tempo mínimo de contribuição de 35 anos e nem a carência de 108 contribuições. Ainda, não tem interesse na aposentadoria proporcional por tempo de contribuição (regras de transição da EC 20/98), porque o pedágio é superior a 5 anos.

    Em 13/11/2019 (último dia de vigência das regras pré-reforma da Previdência - art. 3º da EC 103/2019), o segurado tem direito à aposentadoria integral por tempo de contribuição (CF/88, art. 201, § 7º, inc. I, com redação dada pela EC 20/98). O cálculo do benefício deve ser feito de acordo com a Lei 9.876/99, garantido o direito a não incidência do fator previdenciário, caso mais vantajoso, uma vez que a pontuação totalizada é superior a 96 pontos e o tempo mínimo de contribuição foi observado (Lei 8.213/91, art. 29-C, inc. I, incluído pela Lei 13.183/2015).

    Em 31/12/2019 e 19/11/2020 (DER), o segurado:

    - tem direito à aposentadoria conforme art. 16 das regras de transição da EC 103/19 porque cumpre o tempo mínimo de contribuição (35 anos), a carência de 180 contribuições (Lei 8.213/91, art. 25, II) e a idade mínima (61.5 anos). O cálculo do benefício deve ser feito conforme art. 26, § 2º da mesma Emenda Constitucional. Desnecessária a análise do direito conforme o art. 15 da EC 103/19 porque é benefício equivalente ao que a parte já tem direito.

    - tem direito à aposentadoria conforme art. 17 das regras de transição da EC 103/19 porque cumpre o tempo mínimo de contribuição até a data da entrada em vigor da EC 103/19 (mais de 33 anos), o tempo mínimo de contribuição (35 anos), a carência de 180 contribuições (Lei 8.213/91, art. 25, II) e o pedágio de 50% (0 anos, 0 meses e 0 dias). O cálculo do benefício deve ser feito conforme art. 17, parágrafo único, da mesma Emenda Constitucional ("média aritmética simples dos salários de contribuição e das remunerações calculada na forma da lei, multiplicada pelo fator previdenciário, calculado na forma do disposto nos §§ 7º a 9º do art. 29 da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991").

    - tem direito à aposentadoria conforme art. 20 das regras de transição da EC 103/19 porque cumpre o tempo mínimo de contribuição (35 anos), a carência de 180 contribuições (Lei 8.213/91, art. 25, II), a idade mínima (60 anos) e o pedágio de 100% (0 anos, 0 meses e 0 dias). O cálculo do benefício deve ser feito conforme art. 26, caput e §3º da mesma Emenda Constitucional ("média aritmética simples dos salários de contribuição, atualizados monetariamente, correspondentes a 100% do período contributivo desde a competência julho de 1994 ou desde o início da contribuição, se posterior àquela competência", multiplicada pelo coeficiente de 100%).

    Dos consectários

    Segundo o entendimento das Turmas previdenciárias do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, estes são os critérios aplicáveis aos consectários:

    Correção monetária

    A correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelos índices oficiais e aceitos na jurisprudência, quais sejam:

    - INPC no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91, conforme deliberação do STJ no julgamento do Tema 905 (REsp mº 1.495.146 - MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, D DE 02-03-2018), o qual resta inalterada após a conclusão do julgamento de todos os EDs opostos ao RE 870947 pelo Plenário do STF em 03-102019 (Tema 810 da repercussão geral), pois foi rejeitada a modulação dos efeitos da decisão de mérito.

    Juros moratórios

    Os juros de mora incidirão à razão de 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação (Súmula 204 do STJ), até 29/06/2009.

    A partir de 30/06/2009, incidirão segundo os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme art. 5º da Lei 11.960/09, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei 9.494/97, cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo STF ao julgar a 1ª tese do Tema 810 da repercussão geral (RE 870.947), julgado em 20/09/2017, com ata de julgamento publicada no DJe n. 216, de 22/09/2017.

    SELIC

    A partir de dezembro de 2021, a variação da SELIC passa a ser adotada no cálculo da atualização monetária e dos juros de mora, nos termos do art. 3º da Emenda Constitucional nº 113/2021:

    "Nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente."

    Honorários advocatícios recursais

    Acolhido o recurso da parte autora e rejeitado o do INSS, majoro a verba honorária, elevando-a de 10% para 15% (quinze por cento) sobre as parcelas vencidas (Súmula 111 do STJ), considerando as variáveis do artigo 85, § 2º, incisos I a IV, do CPC.

    Custas Processuais

    O INSS é isento do pagamento de custas (art. 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/96 e Lei Complementar Estadual nº 156/97, com a redação dada pelo art. 3º da LCE nº 729/2018).

    Tutela específica - implantação do benefício

    Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados nos artigos 497 e 536 do NCPC, quando dirigidos à Administração Pública, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo, determino o cumprimento do acórdão no tocante à implantação do benefício da parte autora, especialmente diante do seu caráter alimentar e da necessidade de efetivação imediata dos direitos sociais fundamentais.

    TABELA PARA CUMPRIMENTO PELA CEAB
    CUMPRIMENTOImplantar Benefício
    NB1986790492
    ESPÉCIEAposentadoria por Tempo de Contribuição
    DIB19/11/2020
    DIPPrimeiro dia do mês da decisão que determinou a implantação/restabelecimento do benefício
    DCB
    RMIA apurar
    OBSERVAÇÕES- Resulta, todavia, facultada à parte autora a possibilidade de renúncia à implantação do benefício ora determinada. - Por fim, na hipótese de a parte autora já se encontrar em gozo de benefício previdenciário, deve o INSS implantar o benefício ora deferido apenas se o valor de sua renda mensal atual for superior ao daquele.

    Requisite a Secretaria da 9ª Turma desta Corte, à CEAB-DJ-INSS-SR3, o cumprimento da decisão e a comprovação nos presentes autos, no prazo de 20 (vinte) dias.

    Conclusão

    - Recurso do INSS ao qual se nega provimento;

    - Sentença mantida no tocante:

    a) ao reconhecimento de labor rural exercido pela parte autora entre 16/02/1976 a 05/07/1981;

    b) ao reconhecimento de que em 19/11/2020 (DER), o segurado tem direito à aposentadoria integral por tempo de contribuição. Deve ser implantada pelo INSS a inativação cuja renda mensal inicial for mais benéfica ao segurado, nos termos da decisão proferida pelo C. STF no Recurso Extraordinário nº 630.501/RS.

    - Honorários advocatícios majorados;

    Dispositivo

    Ante o exposto, voto por negar provimento ao apelo do INSS e determinar a imediata implantação do benefício, via CEAB.



    Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004369345v8 e do código CRC 40063031.Informações adicionais da assinatura:
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    5022907-13.2021.4.04.7205
    40004369345.V8


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    Poder Judiciário
    TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

    Apelação Cível Nº 5022907-13.2021.4.04.7205/SC

    RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

    APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

    APELADO: HELIO AFONSO VEIGA (AUTOR)

    EMENTA

    DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. LABOR RURAL. MENOR DE 12 ANOS DE IDADE. RECONHECIMENTO. POSSIBILIDADE.

    1. O tempo de serviço rural pode ser demonstrado mediante início de prova material contemporâneo ao período a ser comprovado, complementado por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida exclusivamente, em princípio, a teor do art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91, e Súmula nº 149 do STJ.

    2. O aproveitamento do tempo de atividade rural exercido até 31 de outubro de 1991, independentemente do recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias e exceto para efeito de carência, está expressamente autorizado e previsto pelo art. 55, § 2º, da Lei nº 8.213/91, e pelo art. 127, inc. V, do Decreto nº 3.048/99.

    3. Documentos apresentados em nome de integrantes do mesmo núcleo familiar consubstanciam início de prova material do labor rural, consoante inclusive consagrado na Súmula 73 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

    4. Ademais, para caracterizar o início de prova material, não é necessário que os documentos apresentados comprovem, ano a ano, o exercício da atividade rural, seja porque se deve presumir a continuidade nos períodos imediatamente próximos, sobretudo no período anterior à comprovação, à medida que a realidade em nosso país é a migração do meio rural ao urbano, e não o inverso, seja porque é inerente à informalidade do trabalho campesino a escassez documental.

    5. Conforme decidido na Ação Civil Pública nº 5017267-34.2013.4.04.7100/RS, proposta pelo Ministério Público Federal em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), é possível o cômputo de período de trabalho rural realizado mesmo antes dos 12 anos de idade, para fins de reconhecimento de tempo de serviço e de contribuição pelo exercício das atividades descritas no art. 11 da Lei 8.213/91, em maior amplitude, sem a fixação de requisito etário (TRF4, AC 5017267-34.2013.4.04.7100, Sexta Turma, Relatora para Acórdão Salise Monteiro Sanchotene, julgado em 09/04/2018).

    6. A limitação da idade para o reconhecimento de tempo de serviço rural, a teor de orientação firmada pelas Cortes Superiores, encontra-se relacionada à vedação constitucional do trabalho pelo menor. Todavia, ainda que se trate de norma protetiva, não pode ser invocada em prejuízo ao reconhecimento de direitos, sendo possível, assim, a averbação da atividade campesina sem qualquer limitação etária (é dizer, mesmo aquém dos 12 anos de idade), desde que existente prova robusta confortando a pretensão. Precedentes do TRF4.

    7. Não se pode impor ônus probatório especial justamente ao segurado que, em situação de vulnerabilidade, foi submetido a labor rurícola em idade na qual sequer poderia colher documentos a seu favor, tendo em vista a sua formação cognitiva incompleta e absoluta incapacidade. Assim, uma comprovado, por conjunto probatório suficiente, o efetivo desempenho de atividade rural em regime de economia familiar pelo requerente, mostra-se impositivo o reconhecimento do período como tempo de serviço na qualidade de segurado especial. Demandar que o segurado ainda provasse a indispensabilidade de seu trabalho para a família de origem seria impor exigência desproporcional, que inviabilizaria, na prática, o reconhecimento da qualidade de segurado especial em tais hipóteses.

    ACÓRDÃO

    Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 9ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento ao apelo do INSS e determinar a imediata implantação do benefício, via CEAB, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

    Florianópolis, 12 de abril de 2024.



    Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004369346v6 e do código CRC 73a883be.Informações adicionais da assinatura:
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    5022907-13.2021.4.04.7205
    40004369346 .V6


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    Poder Judiciário
    Tribunal Regional Federal da 4ª Região

    EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 05/04/2024 A 12/04/2024

    Apelação Cível Nº 5022907-13.2021.4.04.7205/SC

    RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

    PRESIDENTE: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

    PROCURADOR(A): MARCUS VINICIUS AGUIAR MACEDO

    APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

    APELADO: HELIO AFONSO VEIGA (AUTOR)

    ADVOGADO(A): FILLIPE DOS SANTOS (OAB SC056282)

    ADVOGADO(A): TATIANA DOS SANTOS RUSSI (OAB SC029738)

    Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 05/04/2024, às 00:00, a 12/04/2024, às 16:00, na sequência 165, disponibilizada no DE de 22/03/2024.

    Certifico que a 9ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

    A 9ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO APELO DO INSS E DETERMINAR A IMEDIATA IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO, VIA CEAB.

    RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

    Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

    Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER

    Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ

    ALEXSANDRA FERNANDES DE MACEDO

    Secretária



    Conferência de autenticidade emitida em 25/04/2024 04:34:10.

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