Apelação/Remessa Necessária Nº 5033834-72.2015.4.04.7100/RS
RELATORA: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
APELANTE: MARILDA MARTINS JARDIM (AUTOR)
ADVOGADO: Geraldo Saldanha Timmers
ADVOGADO: DOMINGOS HENRIQUE BALDINI MARTIN
APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
RELATÓRIO
Trata-se de apelação de sentença que, em ação indenizatória por danos materiais e morais cumulada com pedido de concessão de pensão vitalícia ajuizada por Marilda Martins Jardim contra a União, julgou parcialmente procedente os pedidos para condenar a ré ao pagamento de danos materiais no valor de R$ 4.142,85, de lucros cessantes a serem calculados em liquidação de sentença e de danos morais e estéticos no valor total de R$ 30.000,00, acrescidos de juros e correção monetária. Em face da sucumbência mínima da parte autora, a sentença condenou a União ao pagamento das custas e dos honorários advocatícios, estes fixados sobre o valor da condenação em percentual a ser definido em liquidação. Sentença submetida a reexame pela juíza singular.
Do relatório da sentença extrai-se o resumo da causa de pedir:
Narrou a parte Autora que foi atuar em audiência no Foro Trabalhista de Caxias do Sul. Aduziu que, finalizada a audiência, por volta das 17h, seguiu em direção ao saguão do Foro e, após passar pela porta principal, desavisada com o piso molhado (seja pela ausência de iluminação adequada, pela absoluta ausência de sinalização, pela falta de fitas adesivas antiderrapantes no chão e também de corrimão central), acabou por escorregar próximo ao degrau, falsear o pé, vindo a cair e "rolar escadaria abaixo", fraturando o braço na altura do cotovelo, rompendo tendões. Disse que, em razão das lesões, teve de se submeter a cirurgia para colocação de prótese permanente, bem assim de fisioterapia pós-traumática, a fim de tentar recuperar todos os movimentos normais do braço lesionado, ficando afastada das atividades laborais por 45 dias. Relatou que, posteriormente, ficou sabendo que foram efetuadas adequações de segurança no saguão de entrada do foro. Pediu, pois, a condenação da ré em danos materiais (que incluem gastos com medicamentos, óculos quebrado, tratamento de saúde), lucros cessantes, danos morais, dano estético, pensão mensal e vitalícia. Juntou documentos. Recolheu custas.
Em suas razões recursais, a parte autora requereu a majoração das indenizações por dano moral e estético, fixadas em R$ 10.000,00 e R$ 20.000,00, respectivamente, apontando precedentes nos quais os valores foram arbitrados em cifras superiores, que considera mais apropriadas para reparar os danos que sofreu.
A União defendeu que não estão presentes os requisitos do dever de indenizar, pois o local onde a autora escorregou - a escadaria junto à porta de entrada/saída do fórum da Justiça do Trabalho de Caxias do Sul/RS - é sinalizado, iluminado, o piso não é escorregadio - pelo contrário, é áspero - e há corrimão, destacando que antes do evento danoso foram feitas melhorias pela administração para atender as necessidades de acessibilidade universal, não sendo verdadeiras as alegações de que as adequações só foram realizadas por conta do acidente que sofreu a autora. Afirmou que ela escorregou por não ter utilizado o corrimão, isto é, por culpa exclusiva sua. Rechaçou a alegação de que havia penumbra na saída do prédio porque o fato ocorreu às 16h25min, momento do dia em que, mesmo nos curtos dias de inverno na serra gaúcha, ainda há iluminação natural suficiente para caminhar pelas ruas. Acrescentou que nos dias chuvosos as pessoas devem redobrar o cuidado ao caminhar, não sendo necessário que a administração sinalize que o piso das áreas externas dos espaços públicos molha quando chove. Rebateu a tese de que possa haver defeitos arquitetônicos ou de sinalização no acesso ao fórum trabalhista ao dizer que a autora pisou em falso por descuido seu, fato que rompe o nexo de causalidade. Relembrou que ela usa lentes corretivas. Na hipótese de ser reconhecido o dever de indenizar, alertou para o fato de que a própria magistrada singular consignou que não há comprovação nos autos de que os danos materiais efetivamente ocorreram. Quanto aos danos morais e estéticos, requereu a diminuição dos montantes, pois os valores de R$ 10.000,00 e 20.000,00 são, a seu entender, excessivos. No que respeita aos consectários, requereu a observância das leis 11.960/2009 e 12.703/2012.
Com contrarrazões, subiram os autos.
O julgamento estava aprazado para a sessão do dia 18-9-2018, mas foi retirado de pauta.
Apresenta-se o feito em mesa.
É o relatório.
VOTO
Preliminar de Não Conhecimento do Recurso
Quanto à preliminar de não conhecimento do recurso, sob o argumento de que a apelação deixou de se contrapor aos fundamentos da sentença, tenho que não merece acolhida.
Segundo o princípio da dialeticidade, todo recurso deve trazer em seu bojo as razões que embasam a oposição à decisão recorrida. Logo, é requisito essencial para o conhecimento do apelo a existência de nexo lógico entre os fundamentos da sentença e o pedido de reforma ou cassação.
No caso dos autos, examinando detidamente o recurso de apelação, observa-se que as razões postas pelo recorrente trouxeram claramente o objeto de sua insurgência, opondo-se principalmente quanto à questão fática, razão pela qual não vejo a nulidade aventada.
Responsabilidade Civil do Estado
A responsabilidade civil do Estado está prevista no § 6º do artigo 37 da Constituição Federal:
Art. 37. (...)
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Seguindo a linha de sua antecessora, a atual Constituição Federal estabeleceu como baliza principiológica a responsabilidade objetiva do Estado, adotando a teoria do risco administrativo. Consequência da opção do constituinte é que, de regra, os pressupostos da responsabilidade civil do Estado são três: a) uma ação ou omissão humana; b) um dano injusto ou antijurídico sofrido por terceiro; c) o nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano experimentado por terceiro.
Em se tratando de comportamento omissivo, a jurisprudência vinha entendendo que a responsabilidade do Estado deveria ter enfoque diferenciado quando o dano fosse diretamente atribuído a agente público (responsabilidade objetiva) ou a terceiro ou mesmo decorrente de evento natural (responsabilidade subjetiva).
Contudo, o tema foi objeto de análise pelo Supremo Tribunal Federal em regime de recurso repetitivo no Recurso Extraordinário nº 841.526, definindo-se que "a responsabilidade civil do Estado por omissão também está fundamentada no artigo 37, §6º, da Constituição Federal, ou seja, configurado o nexo de causalidade entre o dano sofrido pelo particular e a omissão do Poder Público em impedir a sua ocorrência - quando tinha a obrigação legal específica de fazê-lo - surge a obrigação de indenizar, independentemente de prova da culpa na conduta administrativa (...)". O julgamento foi assim ementado:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR MORTE DE DETENTO. ARTIGOS 5º, XLIX, E 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
1. A responsabilidade civil estatal, segundo a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, § 6º, subsume-se à teoria do risco administrativo, tanto para as condutas estatais comissivas quanto paras as omissivas, posto rejeitada a teoria do risco integral.
2. A omissão do Estado reclama nexo de causalidade em relação ao dano sofrido pela vítima nos casos em que o Poder Público ostenta o dever legal e a efetiva possibilidade de agir para impedir o resultado danoso.
3. É dever do Estado e direito subjetivo do preso que a execução da pena se dê de forma humanizada, garantindo-se os direitos fundamentais do detento, e o de ter preservada a sua incolumidade física e moral (artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal).
4. O dever constitucional de proteção ao detento somente se considera violado quando possível a atuação estatal no sentido de garantir os seus direitos fundamentais, pressuposto inafastável para a configuração da responsabilidade civil objetiva estatal, na forma do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal.
5. Ad impossibilia nemo tenetur, por isso que nos casos em que não é possível ao Estado agir para evitar a morte do detento (que ocorreria mesmo que o preso estivesse em liberdade), rompe-se o nexo de causalidade, afastando-se a responsabilidade do Poder Público, sob pena de adotar-se contra legem e a opinio doctorum a teoria do risco integral, ao arrepio do texto constitucional.
6. A morte do detento pode ocorrer por várias causas, como, v. g. , homicídio, suicídio, acidente ou morte natural, sendo que nem sempre será possível ao Estado evitá-la, por mais que adote as precauções exigíveis.
7. A responsabilidade civil estatal resta conjurada nas hipóteses em que o Poder Público comprova causa impeditiva da sua atuação protetiva do detento, rompendo o nexo de causalidade da sua omissão com o resultado danoso.
8. Repercussão geral constitucional que assenta a tese de que: em caso de inobservância do seu dever específico de proteção previsto no artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal, o Estado é responsável pela morte do detento.
9. In casu, o tribunal a quo assentou que inocorreu a comprovação do suicídio do detento, nem outra causa capaz de romper o nexo de causalidade da sua omissão com o óbito ocorrido, restando escorreita a decisão impositiva de responsabilidade civil estatal.
10. Recurso extraordinário DESPROVIDO. (STF, RE 841.526/RS, Plenário, rel. Ministro Luiz Fux, DJe 01/08/2016)
Com estas considerações iniciais, passa-se à análise do caso concreto.
Caso Concreto
O caso concreto foi assim solvido pela juíza federal Daniela Cristina de Oliveira Pertile:
Aplicando tais considerações teóricas ao caso concreto, mediante a análise das provas dos autos, entendo que restou configurada a omissão culposa do Estado, leia-se União, em relação ao acidente ocorrido nas escadas do prédio do Foro trabalhista.
Ainda que outros fatores tenham concorrido para o acidente, tais como chuva e falta de luminosidade natural, o certo é que o local não possuía sinalização e iluminação adequadas, tampouco corrimão, tanto que este item de segurança somente foi providenciado após a ocorrência do acidente da Autora.
É a conclusão que se extrai também dos depoimentos, em especial da testemunha Davi Vicenço, que afirmou que a escada era escorregadia e não havia corrimão no local (evento 48, testemunha 2). Igualmente as declarações de José Salvador Veiga, ao afirmar que não havia corrimão na escada e que, na época, guarnecia o saguão apenas uma lâmpada normal com suporte embutido, corroborando a falta de segurança no local e precária iluminação (evento 48, testemunha 3).
Há, portanto, elementos suficientes que impliquem a responsabilidade da União, havendo provas de que não havia sinalização adequada, à época. Em dias de chuva, é de se esperar cuidado redobrado dos transeuntes, entretanto, não se pode transferir a responsabilidade pela segurança ao usuário do bem público.
Acerca da matéria cito:
(...)
Em decorrência do acidente, a Autora teve lesões, a destacar a do cotovelo, razão pela qual teve que se submeter a cirurgia e outros tratamentos médicos, ficando, ao final, com perda funcional de cerca de 20% do membro, consoante atestado pelo perito do Juízo.
Assim, comprovados o ato ilícito, a "falta de serviço", o dano e o nexo de causalidade, passo a analisar os pedidos de ressarcimento.
Necessário ponderar sobre o fato.
Examinando os depoimentos das testemunhas e confrontando-os com as fotografias anexadas no evento 8 sob a sigla INF3, tiradas à época do fato - antes das adequações feitas pela administração da Justiça do Trabalho da 4ª Região visando atender as normas de acessibilidade universal, embora estas já tivessem sido contratadas - depreende-se que o acidente ocorreu quando a autora havia saído do recinto do fórum trabalhista de Caxias do Sul/RS e estava prestes a iniciar a descida do primeiro de vários lances da escadaria que ladeia o prédio, a fim de ganhar a rua. Ela havia deixado o hall de entrada e passado pelo alpendre, onde há bancos para sentar e o piso é de basalto polido, "escorregadio" nos dizeres do diretor da Secretaria de Manutenção e Projetos do TRT da 4ª Região (evento 8, INF3, p. 2). Fora das dependências do fórum, onde a autora se acidentou, o piso é de basalto em estado natural, não escorregadio, o que não significa alguém não possa escorregar quando a pedra basáltica está molhada.
No dia do acidente a autora estava acompanhada da advogada que representa a empresa para a qual trabalha, com quem havia ido a Caxias do Sul participar de uma audiência. À mão esquerda carregava pastas com documentos. Ao principiar a descida do primeiro lance de escadas, escorregou e rolou abaixo, fraturando um dos braços na altura do cotovelo e batendo com a cabeça na mureta que está ao lado direito de quem desce, mureta que serve para delimitar o espaço do pequeno jardim que adorna a fachada (a foto da p. 9 do arquivo INF3 mostra parte dessa mureta, onde, pelo que se depreende, a autora bateu com a cabeça). Os elementos de prova revelam que autora tentou descer pelo meio da escadaria, onde não havia corrimão - o corrimão central, que as partes dizem existir na atualidade, foi só posteriormente instalado. Ao escorregar, não teve no que se apoiar para tentar evitar a queda, já que a advogada que a acompanhava, que estava postada a seu lado - provavelmente ao lado direito -, seu ponto de apoio mais próximo, "é mais baixa (...) eu tentei me segurar nela e não consegui e fui rolando escada abaixo" (evento 48, DEPOIM_TESTEMUNHA4, p. 1). Embora algumas testemunhas neguem a existência do corrimão, a negativa está relacionada ao corrimão central, pois corrimão lateral havia, conforme comprovam as fotos juntadas nas páginas 4, 5, 6 e 13 do arquivo INF3.
O fórum da Justiça do Trabalho de Caxias do Sul, segunda maior cidade do Rio Grande do Sul, recebe grande fluxo de pessoas no dia-a-dia, e talvez por isso o corrimão lateral da escadaria de acesso nem sempre esteja em toda a sua extensão disponível, já que compartilhado por muitos usuários, que sobem e descem as escadas constantemente. Em seu depoimento a autora admitiu que iniciou a descida pelo meio da escadaria ("nós estávamos bem no centro" - evento 48, DEPOIM_TESTEMUNHA4, p. 2), pois "como tem muita gente saindo na porta essa, é larga lá, (...) então tinham outras pessoas entrando e saindo, (...) tinha muita gente entrando e saindo, então nós estávamos longe da parede, eu não tinha como eu me segurar lá no corrimão, não é, o espaço é longo". A existência do corrimão lateral é admitida pela autora, o que se coaduna com os registros fotográficos do evento 8. Foi da autora a opção de não utilizá-lo. Se existia corrimão lateral, um mínimo de segurança a administração propiciava aos administrados no que diz com o acesso ao prédio. Não se pense que o número de pessoas a entrar e sair das dependências do fórum no momento do acidente estivesse a impossibilitar à autora o acesso ao corrimão. Mesmo caminhando sem pressa ("nós não estávamos correndo"), não lhe veio à mente acercar-se do corrimão, conforme resposta à pergunta feita pela advogada da União (p. 2):
- E a senhora não pensou em ir mais próximo do corrimão?
- Não na verdade...
Portanto, houve certo descuido de parte da autora ao não ter agido de forma mais cautelosa para prevenir o acidente.
Isso, todavia, não significa que no dia do acidente o local apresentava total segurança.
As testemunhas foram categóricas em afirmar que em dias chuvosos a escadaria do fórum trabalhista fica escorregadia e a iluminação era, à época do acidente, precária. Digno de nota que na noite de 26 de agosto de 2013 registrou-se neve em Caxias do Sul. O clima que esperava pela autora à saída do fórum era frio e úmido. As partes disseram que garoava e havia nebulosidade. A visibilidade, portanto, era menor que de costume. O quão escuro estava a saída do fórum naquele gélido final de tarde de agosto de fato não se pôde aferir, uma vez que não se colheu dados acerca do índice de luminosidade do local no horário do acidente, sob as condições climáticas descritas acima. A parte autora falou em penumbra, o que remete à quase ausência de fontes de luz. Embora penumbra pareça exagerado por ter o acidente ocorrido entre 16h e 17h de uma tarde de fim de agosto, quando o sol se põe mais ou menos às 18h, é razoável o argumento de que uma única lâmpada de 60 watts, acoplada a uma luminária envolta por um vidro, não fornecia a iluminação adequada aos transeuntes. Há, pois, nexo de causalidade entre estas circunstâncias e o evento danoso, a implicar a responsabilização da União, atenuada, porém, pela conduta da autora, que contribuiu para a produção do resultado.
Em síntese, somando-se as circunstâncias de que (i) o piso estava molhado e escorregadio e não havia sinalização, (ii) a iluminação deixava a desejar e (iii) a autora não redobrou o cuidado ao passar pelo local, tem-se um caso de culpa concorrente, sendo de rigor acolher-se em parte o recurso da União e a remessa necessária para responsabilizar ambas as partes pelo resultado danoso. Este juízo tem por bem distribuir a culpa à razão de 75% para a União e 25% para a parte autora.
Passa-se a analisar e fixar os valores da indenização, a começar pelos danos morais.
Danos Morais
O direito à indenização por dano moral encontra-se no rol dos direitos e garantias fundamentais, assegurado no artigo 5º, incisos V e X, da Constituição Federal:
Art. 5º. (...)
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
(...)
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
Meros transtornos não são suficientes para dar ensejo à ocorrência de dano moral, o qual demanda, para sua configuração, a existência de fato dotado de gravidade capaz de gerar abalo profundo, de modo a criar situações de constrangimento, humilhação ou degradação, e não apenas dissabores decorrentes de intercorrências do cotidiano.
No caso, a autora teve lesões no braço que foram tratadas por meio de cirurgia. Sucedeu período relativamente longo de recuperação, mas a função motora do membro machucado restou em parte comprometida. Este episódio lhe gerou dor, sofrimento e angústia, com consequências perenes.
Quantificação dos Danos Morais
Sobre o quantum indenizatório, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já firmou o entendimento de que "a indenização por dano moral deve se revestir de caráter indenizatório e sancionatório de modo a compensar o constrangimento suportado pelo correntista, sem que caracterize enriquecimento ilícito e adstrito ao princípio da razoabilidade" (REsp 666.698/RN, 4ª Turma, Rel. Ministro Jorge Scartezzini, julgado em 21/10/2004, DJU 17/12/2004).
Nessa mesma linha tem se manifestado este tribunal:
ADMINISTRATIVO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. VALOR. PARÂMETROS. 1. A manutenção da restrição cadastral, quando já comprovada a inexistência do débito, dá ensejo à indenização por dano moral. 2. Para fixação do quantum devido a título de reparação de dano moral, faz-se uso de critérios estabelecidos pela doutrina e jurisprudência, considerando: a) o bem jurídico atingido; b) a situação patrimonial do lesado e a da ofensora, assim como a repercussão da lesão sofrida; c) o elemento intencional do autor do dano, e d) o aspecto pedagógico-punitivo que a reparação em ações dessa natureza exigem. (AC 5000038-54.2010.404.7104, 4ª Turma, Rel. p/ Acórdão Des. Federal Jorge Antonio Maurique, D.E. 20/06/2012)
O valor compensatório, portanto, deve obedecer aos padrões acima apresentados, devendo ser revisto quando se mostrar irrisório ou excessivo.
No caso, o valor de R$ 10.000,00 fixado na sentença ponderou adequadamente as circunstâncias do caso concreto, devendo ser reduzido à razão de 25% em razão da culpa concorrente, ficando estabelecido em R$ 7.500,00 (sete mil e quinhentos reais).
Danos Estéticos
Devida a indenização pelos danos estéticos porque a cicatriz que restou no cotovelo da autora é aparente e houve redução da função do membro em cerca de 20%, conforme constatado no laudo pericial. Cita-se, nos moldes da sentença, trecho do laudo:
(...) houve sequelas físicas e estéticas permanentes a nível do cotovelo esquerdo. Paciente com perda funcional em torno de 20% da capacidade global do cotovelo além de ter uma prótese interna e cicatriz ao nível do cotovelo. Paciente com perda da extensão completa do cotovelo em torno de 30º. Também com perdas menores para supinação, pronação e flexão completa. As lesões são permanentes.
O valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), aqui já reduzido à razão de 25% - tomando-se como parâmetro os R$ 20.000,00 fixados na sentença -, afigura-se suficiente para propiciar à autora uma compensação pelo dano estético.
Danos Materiais
A sentença assim solveu essa porção da controvérsia:
Danos materiais
Afirma a Autora que teve gastos médicos com remédios, fisioterapia, transportes com táxi, participação no plano de saúde, em consultas, entre outros, no montante de R$4.142,85 (quatro mil cento e quarenta e dois reais e oitenta e cinco centavos).
Entendo que os valores dispendidos pela Autora em razão do acidente deverão ser ressarcidos pela União até o montante indicado pela Autora em sua inicial, incluindo os custos com o seu deslocamento, medicamentos e demais gastos havidos com a sua recuperação, sem prejuízo de juros e correção monetária.
Não obstante, os valores a título de danos materiais deverão ser apurados em sede de liquidação de sentença através de comprovação pela Autora dos custos arcados, a qual deverá apresentar cópia legível das notas fiscais dos medicamentos utilizados, bem como relação das consultas e a referida participação nos valores destas. Em relação aos gastos com o seu deslocamento, verifico que os comprovantes dos táxis utilizados são contemporâneos ao ocorrido e deverão integrar o valor a ser ressarcido pela União Federal.
No que tange ao valor dos óculos quebrados com a queda, entendo que este também deve ser ressarcido segundo o valor indicado no orçamento anexo pela Autora, em especial porque a testemunha Priscila de Castro Morales e Silva relatou que o objeto restou quebrado com a queda (Evento 48, testemunha 5).
Porém, em relação à massagem/acupuntura, não se pode atribuir tal custo à União, eis que não corresponde a tratamento prescrito por médico da Autora, tampouco apresenta eficácia comprovada para eliminação ou redução das lesões da demandante. Nesse sentido, transcrevo trecho pertinente do laudo pericial:
A medicação e os gastos com medicamentos, assim como a sessão de acupuntura são compatíveis com as lesões e os tratamentos indicados e realizados pela autora?
Sim para o uso de medicamentos. Sessões de acupuntura não fazem parte da rotina pós operatória deste tratamento instituído (sem benefícios comprovados no pós operatório).
De fato, os danos materiais, até o montante indicado na inicial (limite do pedido), deverão ser apurados em liquidação de sentença mediante a apresentação de documentos que comprovem as despesas suportadas pela autora em razão do acidente, as quais, a exemplo dos danos morais e estéticos, serão suportados pela União à proporção de 75% do total apurado.
Lucros Cessantes e sua Quantificação
Os lucros cessantes, que não se presumem nem podem ser imaginários, são indenizáveis na medida daquilo que o credor razoavelmente deixou de ganhar. Nesse sentido:
ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. LUCROS CESSANTES. PROVA. DANO. - O lucro cessante não se presume, nem pode ser imaginário. A perda indenizável é aquela que razoavelmente se deixou de ganhar. A prova de existência do dano efetivo constitui pressuposto ao acolhimento da ação indenizatória. - Arts. 1059 e 1060 do Código Civil. Interpretação. - Incumbe àquele que alega a lesão ao seu patrimônio o ônus de demonstrar a existência dessa lesão, propiciando ao julgador as provas que tornem convincente a frustração do lucro que teria ocorrido, não fosse o advento do fato danoso. - Improvimento das apelações e da remessa oficial. (TRF4, AC 1999.71.03.001538-8, 3ª Turma, Rel. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, DJU 29/05/2002)
Esta é, a propósito, a dicção do artigo 402 do Código Civil:
Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.
O curso normal dos fatos indica que se o acidente não tivesse ocorrido a autora não interromperia sua atividade laboral, o que lhe traria vantagem econômica. A sentença, mais uma vez, analisou a questão de forma percuciente, merecendo ser confirmada no particular:
Lucros cessantes
A parte Autora pede lucros cessantes ao argumento de que, a partir do 15º dia de afastamento do trabalho, recebeu apenas "o benefício de auxílio doença do INSS, momento em que ocorreu sensível redução dos ganhos, haja vista que a remuneração do órgão previdenciário foi inferior àquela paga pela empresa empregadora quando em atividade". Pediu o valor de R$5.265,47 (cinco mil, duzentos e sessenta e cinco reais e quarenta e sete centavos) consubstanciado na diferença entre o que recebeu do INSS e o seu salário.
No caso, merece prosperar a pretensão, eis que deverá ser ressarcida à Autora a diferença entre o que recebeu do INSS e o valor líquido do seu salário, que retrata a quantia que efetivamente deixou de auferir. Outrossim, tal montante deverá ser apurado em liquidação de sentença.
No entanto, cumpre frisar que também os lucros cessantes deverão ser ressarcidos pela União à razão de 75% do que se comprovar, ante o reconhecimento da culpa concorrente.
Com essas considerações, passa-se aos consectários da condenação.
Juros Moratórios e Correção Monetária
De início, importa esclarecer que a correção monetária e os juros de mora, sendo consectários da condenação principal, possuem natureza de ordem pública e podem ser analisados até mesmo de ofício. Assim, sua alteração não implica falar em reformatio in pejus.
Em 20/09/2017, o STF concluiu o julgamento do RE nº 870.947 (Tema nº 810), em regime de repercussão geral, definindo que, em relação às condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios idênticos aos juros aplicados à caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/1997 com a redação dada pela Lei 11.960/2009.
O recurso paradigma dispôs, ainda, que o artigo 1º-F da Lei 9.494/1997, com a redação dada pela Lei 11.960/2009, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina, devendo incidir o IPCA-E, considerado mais adequado para recompor a perda do poder de compra.
Ressalte-se, ainda, que é assente nas Cortes Superiores o entendimento no sentido de ser inexigível, para a observância da tese jurídica estabelecida no recurso paradigma, que se opere o trânsito em julgado do acórdão, de forma que a pendência de embargos de declaração não obsta a aplicação do entendimento firmado em repercussão geral.
Por fim, saliente-se que a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade da Emenda nº 62/2009 nas ADIs nºs 4.357 e 4.425 aplica-se exclusivamente aos precatórios expedidos ou pagos até a data da mencionada manifestação judicial, não sendo o caso dos autos, em que se trata de fase anterior à atualização dos precatórios.
Portanto, correta a sentença ao determinar a incidência do IPCA-E desde a data de cada pagamento (danos materiais e lucros cessantes) e, no tocante aos valores referentes aos danos estético e moral, desde a data da prolação da sentença, nos termos da súmula nº 362 do Superior Tribunal de Justiça.
Os juros de mora incidirão desde a citação à taxa de 0,5% a.m. até abril/2012; a partir de maio/2012, com a alteração do art. 12 da Lei 8.177/91 pela MP 567/2012 convertida na Lei 12.703/2012, os juros deverão ser capitalizados de forma simples, no percentual de 0,5% ao mês, caso a taxa SELIC ao ano seja superior a 8,5% e em 70% da taxa SELIC ao ano, mensalizada, nos demais casos.
Mantém-se a sentença no tópico, uma vez que fixou os consectários de acordo com o entendimento da Turma.
Honorários Advocatícios
Tratando-se de sentença publicada já na vigência do novo Código de Processo Civil, aplicável o disposto em seu artigo 85 quanto à fixação da verba honorária.
Ante a sucumbência recíproca, as partes arcarão com o pagamento dos honorários advocatícios, os quais, considerando a natureza da demanda e o tempo de tramitação do feito, bem assim a concorrência de culpa das partes no episódio sob exame, restam fixados em R$ 4.500,00 para a parte autora e R$ 1.500,00 para a União, vedada a compensação, conforme § 14 do referido artigo 85.
A ré é isenta do pagamento das custas, na forma da lei.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação da União e à remessa necessária para reconhecer a culpa concorrente pelo resultado danoso e negar provimento à apelação da parte autora.
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Data e Hora: 17/10/2018, às 11:10:44
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 19:57:10.
Apelação/Remessa Necessária Nº 5033834-72.2015.4.04.7100/RS
RELATORA: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)
APELANTE: MARILDA MARTINS JARDIM (AUTOR)
ADVOGADO: Geraldo Saldanha Timmers
ADVOGADO: DOMINGOS HENRIQUE BALDINI MARTIN
APELADO: OS MESMOS
EMENTA
DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. QUEDA EM ESCADARIA externa DE PRÉDIO PÚBLICO. EXISTÊNCIA DE CORRIMÃO LATERAL. DESCIDA PELO CENTRO. dia chuvoso. piso DE BASALTO NATURAL QUE, DE REGRA, NÃO É ESCORREGADIO, MAS PODE ASSIM FICAR QUANDO EXPOSTO À CHUVA. falta de cuidado da usuária. AUSÊNCIA DE SINALIZAÇÃO E ILUMINAÇÃO ADEQUADA. CULPA CONCORRENTE. DEVER DE INDENIZAR. DANOS ESTÉTICOS, MATERIAIS E MORAIS. LUCROS CESSANTES.
1. Usuária que, à existência de corrimão lateral, desce escadaria de prédio público pelo centro em dia chuvoso, no qual o piso de basalto natural, que de regra não é escorregadio, pode assim ficar quando exposto à chuva, age com descuido. No entanto, se houver prova de que não havia sinalização de que a escadaria estava escorregadia, além de a iluminação ser, à época do acidente, precária, a hipótese é de culpa concorrente. Nesse caso, responsabiliza-se tanto a usuária quanto a União pelo evento danoso.
2. Se da queda advier danos estéticos, materiais e morais, além de lucros cessantes, a usuária tem direito de ser ressarcida nos limites da culpa concorrente.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação da União e à remessa necessária para reconhecer a culpa concorrente pelo resultado danoso e negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 16 de outubro de 2018.
Documento eletrônico assinado por VÂNIA HACK DE ALMEIDA, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000623634v10 e do código CRC 0b9b39ff.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Data e Hora: 17/10/2018, às 11:10:51
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 19:57:10.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 16/10/2018
Apelação/Remessa Necessária Nº 5033834-72.2015.4.04.7100/RS
RELATORA: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
PRESIDENTE: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
PROCURADOR(A): FÁBIO BENTO ALVES
SUSTENTAÇÃO ORAL: Geraldo Saldanha Timmers por MARILDA MARTINS JARDIM
APELANTE: MARILDA MARTINS JARDIM (AUTOR)
ADVOGADO: Geraldo Saldanha Timmers
ADVOGADO: DOMINGOS HENRIQUE BALDINI MARTIN
APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 16/10/2018, na sequência 17, disponibilizada no DE de 28/09/2018.
Certifico que a 3ª Turma , ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A 3ª Turma, por unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação da União e à remessa necessária para reconhecer a culpa concorrente pelo resultado danoso e negar provimento à apelação da parte autora. DETERMINADA A JUNTADA DO VÍDEO DO JULGAMENTO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Votante: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Votante: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
Votante: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
LUIZ FELIPE OLIVEIRA DOS SANTOS
Secretário
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 19:57:10.