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DIREITO DA SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. PAZOPANIBE. INCORPORADO AO SUS. CARCINOMA RENAL DE CÉLULAS CLARAS METASTÁTICO. DIRECIONAMENTO DA OBRIGAÇÃO....

Data da publicação: 16/12/2023, 07:00:58

EMENTA: DIREITO DA SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. PAZOPANIBE. INCORPORADO AO SUS. CARCINOMA RENAL DE CÉLULAS CLARAS METASTÁTICO. DIRECIONAMENTO DA OBRIGAÇÃO. 1. O direito fundamental à saúde está reconhecido pela Constituição Federal, nos seus arts. 6º e 196, como legítimo direito social fundamental do cidadão, que deve ser garantido através de políticas sociais e econômicas. 2. Observando as premissas elencadas no julgado Suspensão de Tutela Antecipada n. 175 (decisão da Corte Especial no Agravo Regimental respectivo proferida em 17 de março de 2010, Relator o Ministro Gilmar Mendes), quando da avaliação de caso concreto, devem ser considerados, entre outros, os seguintes fatores: (a) a inexistência de tratamento/procedimento ou medicamento similar/genérico oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem êxito pelo postulante ou sua inadequação devido a peculiaridades do paciente; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento pleiteado para a doença que acomete o paciente; (c) a aprovação do medicamento pela ANVISA (só podendo ser relevado em situações muito excepcionais, segundo disposto nas Leis n.º 6.360/76 e 9.782/99) e (d) a não configuração de tratamento experimental. 3. Ainda, justifica-se a atuação judicial para garantir, de forma equilibrada, assistência terapêutica integral ao cidadão consoante definido pelas Leis nº 8.080/90 e 12.401/2011, de modo a não prejudicar um direito fundamental e, tampouco, inviabilizar o sistema de saúde pública. 4. O Ministério da Saúde, nos termos da Portaria SCTIE 91, dse 27 de dezembro de 2018, tornou pública a decisão de incorporar o pazopanibe ao SUS para tratamento do carcinoma renal de células claras metastático. 5. Por conta da solidariedade, a responsabilidade pelo cumprimento da decisão judicial é igual entre os demandados, sendo o caso de se apontar o órgão responsável pelo cumprimento e o direito de ressarcimento, nos termos do Tema 793 do STF, ressalvado que o ressarcimento se há de processar na esfera administrativa. Precedente da Corte. (TRF4, AC 5000187-12.2022.4.04.7110, QUINTA TURMA, Relator ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL, juntado aos autos em 08/12/2023)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5000187-12.2022.4.04.7110/RS

RELATOR: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL

APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

APELANTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RÉU)

APELADO: MARIA DA GRACA RIBEIRO LAMERAO (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de apelações de sentença (evento 155, SENT1) que julgou o pedido formulado na inicial, nos seguintes termos:

Ante o exposto, ratifico a decisão que antecipou os efeitos da tutela e julgo procedente o pedido para que o ERGS forneça a parte autora o medicamento CLORIDRATO DE PAZOPANIBE, nas doses prescritas pelo médico assistente, devendo a União, na qualidade de responsável pelo custeio do tratamento, providenciar o ressarcimento na via administrativa, nos termos da fundamentação.

Deverá, a parte autora, porém: (a) comunicar ao Juízo, no prazo de quinze dias, acerca da ocorrência de suspensão ou interrupção do tratamento; (b) comprovar, a cada período de seis meses, a permanência da necessidade de utilização do fármaco, mediante juntada de laudo de seu médico assistente.

Outrossim, concedo o benefício da gratuidade da justiça a parte autora, ante a alegada pobreza.

Condeno, ainda, a União ao pagamento de honorários advocatícios, os quais, conforme artigo 85, § 8º, do Código de Processo Civil, arbitro em R$ 3.992,00 (três mil, novecentos e noventa e dois reais), na presente data, atualizados com base no Manual de Cálculos da Justiça Federal, para ações cíveis.

Por força do disposto no artigo 4º, inciso I, da Lei 9.289/96, deixo de imputar o pagamento das custas processuais aos demandados.

Publique-se. Intimem-se.

Interposto(s) o(s) recurso(s), caberá à secretaria abrir vista à parte contrária para contrarrazões e, na sequência, remeter os autos ao Tribunal Regional Federal da 4.ª Região.

Sendo questionadas, em contrarrazões, questões resolvidas na fase de conhecimento e não impugnáveis via agravo de instrumento, intime-se o recorrente para, no prazo de 15 dias, apresentar manifestação, na forma do art. 1009, § 2.º, do CPC.

Apelam os réus.

O Estado do Rio Grande do Sul requer a reforma da sentença a fim de que seja reconhecida a responsabilidade exclusiva da União pelo fornecimento do fármaco pleiteado. Em caráter subsidiário, postulou a condenação da União ao ressarcimento dos valores despendidos pelo erário estadual no tratamento, nos próprios autos, de forma imediata (evento 168, APELAÇÃO1).

A União sustenta que diante da responsabilidade solidária dos entes da federação nas prestações de saúde, o financiamento dos fármacos não padronizados deverá ser suportado por todos os réus, mediante divisão pro rata. Se incorporado, requer seja determinado o ressarcimento pela via administrativa segundo so critérios já estabelecidos no SUS.

Sem contrarrazões, vieram os autos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Admissibilidade Recursal

Recebo ambos os apelos, por serem próprios, regulares e tempestivos.

Do Direito à Saúde

O direito fundamental à saúde está reconhecido pela Constituição Federal, nos seus arts. 6º e 196, como legítimo direito social fundamental do cidadão, que deve ser garantido através de políticas sociais e econômicas.

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Não se trata de direito absoluto, uma vez que é desarrazoado exigir do Estado custear todo e qualquer tratamento de saúde aos cidadãos, sob pena de instaurar uma desordem administrativa e inviabilizar o funcionamento do SUS.

É certo que a atribuição de formular e implantar políticas públicas na defesa da saúde da população é do Executivo e do Legislativo Entretanto, não pode o Judiciário eximir-se de seu múnus público quando chamado para apreciar alegações de desrespeito a direitos fundamentais individuais e sociais, entre eles o direito à saúde do cidadão.

O egrégio Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária de 17/03/2010, no Agravo Regimental na Suspensão de Tutela Antecipada 175, definiu alguns parâmetros para solução judicial dos casos que envolvem direito à saúde:

(a) a inexistência de tratamento/procedimento ou medicamento similar/genérico oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem êxito pelo postulante ou sua inadequação devido a peculiaridades do paciente;

(b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento pleiteado para a doença que acomete o paciente;

(c) a aprovação do medicamento pela ANVISA; e

(d) a não configuração de tratamento experimental.

Na mesma senda, o egrégio Superior Tribunal de Justiça estabeleceu (Tema 106) requisitos para fins de concessão de medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS (REsp 1657156/RJ, rel. Ministro Benedito Gonçalves, 1ª Seção, DJe 04/05/2018).

O leading case está assim ementado:

ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 106. JULGAMENTO SOB O RITO DO ART. 1.036 DO CPC/2015. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS NÃO CONSTANTES DOS ATOS NORMATIVOS DO SUS. POSSIBILIDADE. CARÁTER EXCEPCIONAL. REQUISITOS CUMULATIVOS PARA O FORNECIMENTO.
1. Caso dos autos: A ora recorrida, conforme consta do receituário e do laudo médico (fls. 14-15, e-STJ), é portadora de glaucoma crônico bilateral (CID 440.1), necessitando fazer uso contínuo de medicamentos (colírios: azorga 5 ml, glaub 5 ml e optive 15 ml), na forma prescrita por médico em atendimento pelo Sistema Único de Saúde - SUS. A Corte de origem entendeu que foi devidamente demonstrada a necessidade da ora recorrida em receber a medicação pleiteada, bem como a ausência de condições financeiras para aquisição dos medicamentos.
2. Alegações da recorrente: Destacou-se que a assistência farmacêutica estatal apenas pode ser prestada por intermédio da entrega de medicamentos prescritos em conformidade com os Protocolos Clínicos incorporados ao SUS ou, na hipótese de inexistência de protocolo, com o fornecimento de medicamentos constantes em listas editadas pelos entes públicos. Subsidiariamente, pede que seja reconhecida a possibilidade de substituição do medicamento pleiteado por outros já padronizados e disponibilizados.
3. Tese afetada: Obrigatoriedade do poder público de fornecer medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS (Tema 106).
Trata-se, portanto, exclusivamente do fornecimento de medicamento, previsto no inciso I do art. 19-M da Lei n. 8.080/1990, não se analisando os casos de outras alternativas terapêuticas.
4. TESE PARA FINS DO ART. 1.036 DO CPC/2015 A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: (i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;
(ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito;
(iii) existência de registro na ANVISA do medicamento.
5. Recurso especial do Estado do Rio de Janeiro não provido. Acórdão submetido à sistemática do art. 1.036 do CPC/2015.

Cabe referir que, com a finalidade de criar uma diretriz institucional para a dispensação de medicamentos no âmbito do SUS, em especial diante da necessidade de incorporar novas tecnologias cuja eficácia e adequação fossem comprovadas, de modo a constituírem-se em parte da assistência terapêutica integral fornecida pelo SUS, foi alterada a Lei nº 8.080/90 pela Lei nº 12.401/2011, para criar um procedimento, a cargo do Ministério da Saúde, assessorado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS - CONITEC.

De especial interesse para a apreciação do caso concreto, os artigos 19-M e 19-Q, fornecem diretrizes para a dispensação medicamentosa que considero relevantes:

Art. 19-M. A assistência terapêutica integral a que se refere a alínea d do inciso I do art. 6o consiste em:

I - dispensação de medicamentos e produtos de interesse para a saúde, cuja prescrição esteja em conformidade com as diretrizes terapêuticas definidas em protocolo clínico para a doença ou o agravo à saúde a ser tratado ou, na falta do protocolo, em conformidade com o disposto no art. 19-P;

“Art. 19-P. Na falta de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica, a dispensação será realizada:

I - com base nas relações de medicamentos instituídas pelo gestor federal do SUS, observadas as competências estabelecidas nesta Lei, e a responsabilidade pelo fornecimento será pactuada na Comissão Intergestores Tripartite;

II - no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, de forma suplementar, com base nas relações de medicamentos instituídas pelos gestores estaduais do SUS, e a responsabilidade pelo fornecimento será pactuada na Comissão Intergestores Bipartite;

III - no âmbito de cada Município, de forma suplementar, com base nas relações de medicamentos instituídas pelos gestores municipais do SUS, e a responsabilidade pelo fornecimento será pactuada no Conselho Municipal de Saúde.”

“Art. 19-Q. A incorporação, a exclusão ou a alteração pelo SUS de novos medicamentos, produtos e procedimentos, bem como a constituição ou a alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica, são atribuições do Ministério da Saúde, assessorado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS.

Observa-se que foi definido legalmente conceito de assistência integral de saúde de forma mais restrita, buscando equilibrar a necessidade do cidadão de um tratamento que seja mais eficaz e os limitados recursos do sistema de saúde para alcançar esta finalidade.

Considero que tais parâmetros encontram-se dentro daquilo que razoavelmente pode ser exigido do Estado pelo cidadão, levando em consideração o princípio da isonomia e os termos do princípio da reserva do possível. Ou seja, na dispensação medicamentosa deve-se levar em consideração o alcance do medicamento a todos os cidadãos em situação similar o que, no caso de medicamentos de alto custo, deve ser não somente possível, mas também sustentável.

Destarte, a atuação do Judiciário em seara que não é de sua natural ambientação, por ingressar no âmbito da discricionariedade administrativa, justifica-se para assegurar o efetivo fornecimento de medicamentos ou outras prestações de saúde integrados à política de saúde vigente e que não estejam sendo fornecidos ou, excepcionalmente, quando o SUS não fornece tratamento eficaz, não oferece qualquer tratamento ou, ainda, envolvendo aumento de sobrevida ou de qualidade de vida, quando o medicamento apresenta eficácia diversa da opção indicada pelo SUS. De todo modo, devem ser observadas as diretrizes da CONITEC, nos termos do art. 19-Q da Lei nº 8.080/90, naquilo que se revele adequado.

Observo, ainda, que a CONITEC, além de expedir Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) apresenta, no caso dos tratamentos oncológicos, as Diretrizes Diagnósticas e Terapêuticas (DDT), fundamentadas em evidências científicas, que nos termos do próprio site1, constituem documento que não se restringe às tecnologias incorporadas no SUS, mas sim, ao que pode ser oferecido a este paciente, considerando o financiamento repassado aos centros de atenção e a autonomia destes na escolha da melhor opção para cada situação clínica.

Deste modo, é lastreado nas referidas diretrizes que o tratamento oncológico é oferecido pelo SUS, em que os medicamentos são fornecidos pelos estabelecimentos de saúde credenciados pelo SUS, habilitados em oncologia, na qualidade de UNACON (Unidade de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia) e CACON (Centro de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia), aos quais cabe prestar assistência especializada e integral ao paciente.

Firmados tais pontos, passo a analisar o caso concreto.

Verifico que por ocasião do julgamento do Agravo de Instrumento nº 50015858120224040000, a 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região teve a oportunidade de se manifestar acerca do caso dos autos, consoante acórdão que segue:

DIREITO DA SAÚDE. AGRAVO DE INSTRUMENTO FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. PAZOPANIBE. CARCINOMA RENAL DE CÉLULAS CLARAS METASTÁTICO. MEDICAMENTO INCORPORADO AO SUS. DIRECIONAMENTO DA OBRIGAÇÃO DE FAZER. TEMA 793 DO STF. BLOQUEIO VERBA PÚBLICA. APORTE DE VERBAS DO FUNDO NACIONAL DE SAÚDE - FNS. RESTITUIÇÃO. PRAZO PARA CUMPRIMENTO.

1. O direito fundamental à saúde está reconhecido pela Constituição Federal, nos seus arts. 6º e 196, como legítimo direito social fundamental do cidadão, que deve ser garantido através de políticas sociais e econômicas. 2. Observando as premissas elencadas no julgado Suspensão de Tutela Antecipada n. 175 (decisão da Corte Especial no Agravo Regimental respectivo proferida em 17 de março de 2010, Relator o Ministro Gilmar Mendes), quando da avaliação de caso concreto, devem ser considerados, entre outros, os seguintes fatores: (a) a inexistência de tratamento/procedimento ou medicamento similar/genérico oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem êxito pelo postulante ou sua inadequação devido a peculiaridades do paciente; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento pleiteado para a doença que acomete o paciente; (c) a aprovação do medicamento pela ANVISA (só podendo ser relevado em situações muito excepcionais, segundo disposto nas Leis n.º 6.360/76 e 9.782/99) e (d) a não configuração de tratamento experimental. 3. Ainda, justifica-se a atuação judicial para garantir, de forma equilibrada, assistência terapêutica integral ao cidadão na forma definida pelas Leis nº 8.080/90 e 12.401/2011 de forma a não prejudicar um direito fundamental e, tampouco, inviabilizar o sistema de saúde pública. 4. Incorporado o medicamento ao SUS para o tratamento da enfermidade que acomete ao apelante, pode ser deferido judicialmente o fornecimento do fármaco. 5. Por conta da solidariedade, a responsabilidade pelo cumprimento da decisão judicial é igual entre os demandados, sendo o caso de se apontar o órgão responsável pelo cumprimento e o direito de ressarcimento, nos termos do Tema 793 do STF, ressalvado que o ressarcimento se há de processar na esfera administrativa. 6. Nos termos do julgamento do REsp 1.609.810/RS, em 23/10/2013, operado segundo a sustemática de recursos repetitivos é cabível o bloqueio de verba pública em ação que pleiteia o fornecimento de medicamentos sendo, todavia, cabível, a restituição das verbas tão logo aporte o valor oriundo do Fundo Nacional de Saúde - FNS. 7. O prazo considerado razoável para o cumprimento das tutelas concedidas em matéria de saúde é o de vinte dias úteis, segundo os precedentes desta Turma.

Do voto-condutor do julgado extrai-se:

(...)

No caso concreto, tenho que os requisitos apontados na orientação jurisprudencial das instâncias recursais superiores visando o fornecimento de fármacos se aplicam à hipótese dos autos. Isto porque a autora comprova ser portadora de Carcinoma Renal tipo Células Claras, CID C 64, metastático, com prescrição do medicamento Pazopanibe, diante do avanço da enfermidade, já tendo sido utilizada em fase anterior (evento 1, ATESTMED6).

A autora, ainda, comprova ser atendida pelo SUS, no UNACON do Hospital Escola da UFPEL (evento 1, OUT10).

Inicialmente cabe referir que, de fato, não se confundem a gratuidade judiciária e a hipossuficiência de recursos para suportar os custos de tratamento médico de alto custo, não se podendo dar o mesmo tratamento à declaração de hipossuficiência judiciária e à hipossuficiência de recursos para custear tratamento médico. Todavia, de se depreender que se a parte declara não possui condições financeiras para suportar as módicas custas judiciais, certamente não possuirá condições de suportar o tratamento cujo valor mensal flutua entre R$ 12.496,85 e 15.562,40 (evento 1, RECEIT7). Ademais, observando-se os cadastros conveniados a esta Corte, consta que a autora requereu benefício assistencial (NB 5473622751), indeferido diante da ausência de incapacidade laborativa, sendo razoável depreender que se postulou benefício de renda mínima, de fato, não possua renda suficiente para fazer frente ao tratamento.

De qualquer sorte, a simples ausência de instrução desde pedido, exigência apontada no Tema 06 do Supremo Tribunal Federal (RE 566471, julgado em 11/03/2020, Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, por maioria, vencido Min. Luiz Edson Facchin), não pode obstar o deferimento da prestação urgente requerida, em especial, diante os elementos supra expressos.

Quanto à ausência de prévia perícia judicial para a apreciação de tutela de urgência em matéria de saúde, excepcionalmente, considero que em casos de medicamento incorporado, há reconhecimento da eficácia e adequação da medicação constante da própria portaria incorporadora, bastando que a parte apenas demonstre estar dentro dos parâmetros da incorporação.

Colhe-se da Portaria Incorporadora (Portaria SCTIE nº 91, de 27/12/2018).

Torna pública a decisão de incorporar o cloridrato de pazopanibe e malato de sunitinibe para carcinoma renal de células claras metastático, mediante negociação de preço e conforme o modelo da Assistência Oncológica no SUS, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS.

O SECRETÁRIO DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INSUMOS ESTRATÉGICOS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE, no uso de suas atribuições legais e com base nos termos dos art. 20 e art. 23 do Decreto 7.646, de 21 de dezembro de 2011, resolve:

Art.1º Incorporar o cloridrato de pazopanibe e malato de sunitinibe para carcinoma renal de células claras metastático, mediante negociação de preço e conforme o modelo da Assistência Oncológica no SUS, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS.

Art.2º Conforme determina o art. 25 do Decreto 7.646/2011, o prazo máximo para efetivar a oferta pelo SUS é de cento e oitenta dias.

Art.3º O relatório de recomendação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC) sobre essas tecnologias estará disponível no endereço eletrônico: http://conitec.gov.br/.

Art.4º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.

Deste modo, padecendo a autora da enfermidade descrita na portaria incorporadora resta comprovada a imprescindibilidade da medicação, o que autoriza a ratificação da decisão do Juízo Singular.

Portanto, com esses contornos, tenho que inexistem razões para reformar a decisão agravada quanto ao fornecimento da medicação.

Das atribuições, custeio e reembolso das despesas entre os réus

Sobre a questão, não havendo dúvida quanto à legitimidade passiva dos réus e sendo solidária a responsabilidade destes na demanda, também são igualmente responsáveis pelo fornecimento e pelo ônus financeiro do serviço de saúde pleiteado e concedido. Cabe, todavia, direcionar o cumprimento da obrigação, nos termos do definido no Tema 793 do Supremo Tribunal Federal, em 23.05.2019, em que restou fixada a seguinte tese de repercussão geral:

Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.

Assim sendo, considerando-se que é da União a responsabilidade de suportar o ônus financeiro da dispensação de medicamento oncológico, ressalvado o direito de ressarcimento acaso se pactue em comissão tripartite distribuição diversa de competências, caso em que a compensação deverá se efetuar na esfera administrativa.

Ademais, tendo em vista que na Portaria SAS/MS nº 346, de 23/06/2008, editada pela Secretaria de Atenção à Saúde, restou assentado que o financiamento dos tratamentos oncológicos ministrados nos CACON's e UNACON's são sustentados pelo Ministério da Saúde por meio das denominadas APACs ONCO, reforça-se a obrigação da União em fornecer a referida medicação.

Ao ERGS caberá fornecer sua expertise na entrega da medicação, com o aporte dos recursos alcançados pela União.

Os réus não apresentaram elementos probatórios aptos a infirmar a decisão que concedeu judicialmente o fármaco requerido, a respeito da qual o Tribunal já se manifestou.

Demais, esta Corte firmou jurisprudência favorável à dispensação, confira-se:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO DA SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO ONCOLÓGICO. PAZOPANIBE. NEOPLASIA MALIGNA DE RIM. IMPRESCINDIBILIDADE. DEMONSTRAÇÃO. 1. A parte autora realiza tratamento oncológico pelo Sistema Único de Saúde (SUS) junto a estabelecimento cadastrado como UNACON, afigurando-se prescindível a realização de perícia prévia à análise da antecipação de tutela postulada. 2. Hipótese em que restou demonstrado que é imprescindível a concessão do medicamento Pazopanibe para tratamento de Neoplasia Maligna de Rim Células Claras. (TRF4, AG 5031209-44.2023.4.04.0000, NONA TURMA, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 16/11/2023)

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. PRESTAÇÃO DE SAÚDE. PAZOPANIBE. INCORPORAÇÃO AO SUS. SOLIDARIEDADE PASSIVA. RESPONSABILIDADE FINANCEIRA. CONTRACAUTELAS. 1. O Cloridrato de Pazopanibe foi incorporado ao Sistema Único de Saúde (SUS), nos termos da Portaria nº 91, de 27 de dezembro de 2018, do Ministério da Saúde, para o tratamento de carcinoma renal de células claras metastático. 2. Não obstante a dispensação de medicação oncológica seja exigível dos réus solidariamente, cabe à União o ressarcimento administrativo integral das despesas eventualmente promovidas pelos demais litisconsortes. 3. A concessão de fármaco de elevado custo por tempo indeterminado exige a adoção de medidas de contracautela, a fim de garantir o exato cumprimento da decisão judicial, inclusive de ofício. (TRF4, AC 5051366-15.2022.4.04.7100, QUINTA TURMA, Relator ADRIANE BATTISTI, juntado aos autos em 21/09/2023)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. TUTELA DE URGÊNCIA. PRESENÇA DOS REQUISITOS. PAZOPANIBE. NEOPLASIA MALIGNA DE RIM. IMPRESCINDIBILIDADE DO MEDICAMENTO DEMONSTRADA. 1. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação. 2. Hipótese em que as circunstâncias do caso concreto são suficientes para a caracterização da verossimilhança das razões que embasaram o pedido inicial, especialmente considerando que já há decisão para incorporação do medicamento ao SUS e porquanto demonstrada sua imprescindibilidade para o quadro de saúde apresentado pela autora. (TRF4, AG 5020572-34.2023.4.04.0000, DÉCIMA TURMA, Relator LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, juntado aos autos em 11/09/2023)

Destaco, mais uma vez, que não obstante o cumprimento da medida judicial seja exigível contra os réus solidariamente, cabe à União o ressarcimento integral dos custos eventualmente despendidos pelos demais litisconsortes.

Portanto, embora a entrega da medicação possa, conforme o caso, ser atribuída ao Estado do Rio Grande do Sul, incumbe integralmente à União o custeio, mediante ajuste a ser acertado na esfera administrativa pelos entes envolvidos na prestação de saúde.

Dos Honorários Recursais

Vencida a União tanto em primeira como em segunda instância, sujeita-se ao acréscimo de honorários de advogado de sucumbência recursais de que trata o § 11 do art. 85 do CPC. Majora-se o saldo final de honorários de advogado de sucumbência a que foi condenada a União e que se apurar aplicando os critérios fixados pelo Juízo de origem, para a ele acrescer vinte por cento.

Conclusão

Negar provimento às apelações da União e do Estado do Rio Grande do Sul.

Prequestionamento

Acrescento, tão somente, que ficam prequestionados, para fins de acesso às instâncias recursais superiores, os dispositivos legais e constitucionais elencados pelas partes cuja incidência restou superada pelas próprias razões de decidir do recurso.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por negar provimento às apelações.



Documento eletrônico assinado por ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004250167v8 e do código CRC 2a8d186e.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Data e Hora: 8/12/2023, às 15:15:49


5000187-12.2022.4.04.7110
40004250167.V8


Conferência de autenticidade emitida em 16/12/2023 04:00:58.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5000187-12.2022.4.04.7110/RS

RELATOR: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL

APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

APELANTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RÉU)

APELADO: MARIA DA GRACA RIBEIRO LAMERAO (AUTOR)

EMENTA

DIREITO DA SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. PAZOPANIBE. INCORPORADO AO SUS. carcinoma renal de células claras metastático. direcionamento da obrigação.

1. O direito fundamental à saúde está reconhecido pela Constituição Federal, nos seus arts. 6º e 196, como legítimo direito social fundamental do cidadão, que deve ser garantido através de políticas sociais e econômicas.

2. Observando as premissas elencadas no julgado Suspensão de Tutela Antecipada n. 175 (decisão da Corte Especial no Agravo Regimental respectivo proferida em 17 de março de 2010, Relator o Ministro Gilmar Mendes), quando da avaliação de caso concreto, devem ser considerados, entre outros, os seguintes fatores: (a) a inexistência de tratamento/procedimento ou medicamento similar/genérico oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem êxito pelo postulante ou sua inadequação devido a peculiaridades do paciente; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento pleiteado para a doença que acomete o paciente; (c) a aprovação do medicamento pela ANVISA (só podendo ser relevado em situações muito excepcionais, segundo disposto nas Leis n.º 6.360/76 e 9.782/99) e (d) a não configuração de tratamento experimental.

3. Ainda, justifica-se a atuação judicial para garantir, de forma equilibrada, assistência terapêutica integral ao cidadão consoante definido pelas Leis nº 8.080/90 e 12.401/2011, de modo a não prejudicar um direito fundamental e, tampouco, inviabilizar o sistema de saúde pública.

4. O Ministério da Saúde, nos termos da Portaria SCTIE 91, dse 27 de dezembro de 2018, tornou pública a decisão de incorporar o pazopanibe ao SUS para tratamento do carcinoma renal de células claras metastático.

5. Por conta da solidariedade, a responsabilidade pelo cumprimento da decisão judicial é igual entre os demandados, sendo o caso de se apontar o órgão responsável pelo cumprimento e o direito de ressarcimento, nos termos do Tema 793 do STF, ressalvado que o ressarcimento se há de processar na esfera administrativa. Precedente da Corte.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento às apelações, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 07 de dezembro de 2023.



Documento eletrônico assinado por ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004250168v4 e do código CRC 2735633f.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Data e Hora: 8/12/2023, às 15:15:49


5000187-12.2022.4.04.7110
40004250168 .V4


Conferência de autenticidade emitida em 16/12/2023 04:00:58.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 30/11/2023 A 07/12/2023

Apelação Cível Nº 5000187-12.2022.4.04.7110/RS

RELATOR: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL

PRESIDENTE: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL

PROCURADOR(A): CAROLINA DA SILVEIRA MEDEIROS

APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

APELANTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RÉU)

APELADO: MARIA DA GRACA RIBEIRO LAMERAO (AUTOR)

ADVOGADO(A): HERMES FERNANDO AMARO ALVARIZ (OAB RS049620)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 30/11/2023, às 00:00, a 07/12/2023, às 16:00, na sequência 615, disponibilizada no DE de 21/11/2023.

Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO ÀS APELAÇÕES.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL

Votante: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL

Votante: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR

Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

LIDICE PEÑA THOMAZ

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 16/12/2023 04:00:58.

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