Apelação Cível Nº 5028418-54.2018.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
APELANTE: SALETE DE FATIMA SOARES DE SOUZA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: OS MESMOS
RELATÓRIO
Cuida-se de apelações contra sentença, publicada em 15-12-2017, na qual o magistrado a quo julgou procedente o pedido para conceder à parte autora o benefício de auxílio-doença, desde 24-10-2016 até 21-01-2017. Condenou o Instituto Previdenciário ao pagamento das parcelas vencidas, das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença.
Em suas razões, a parte autora sustenta, preliminarmente, que a sentença deve ser anulada, tendo em conta a ocorrência de cerceamento de defesa.
Nessa linha, afirma que o perito judicial apresentou laudo absolutamente lacônico, eximindo-se de analisar o real estado de saúde da recorrente, bem como não explicou o contexto cultural e socioeconômico relacionado ao desenvolvimento das atividades profissionais, apresentando respostas padronizadas.
Destaca, ainda, que requereu a complementação da prova técnica com a realização de nova perícia com especialistas em cardiologia, oncologia e ortopedia, o que foi indeferido pelo julgador monocrático.
Assim, requer seja anulada a sentença para que seja reaberta a instrução processual com a realização de nova perícia judicial com peritos especialistas nas moléstias suportadas pela autora.
Postula, caso não seja anulada a sentença, que seja concedido o benefício de aposentadoria por invalidez, desde a cessação administrativa.
Nesse sentido, destaca que juntou documentação médica que evidencia a alteração e agravamento do quadro clínico, inclusive indicando a existência de incapacidade laborativa.
Ressalta que está inapta ao labor de doméstica, uma vez que é portadora de patologias cardiológicas, oncológicas e ortopédicas. No ponto, afirma que as patologias que apresenta interferem diretamente nas atividades desenvolvidas, porquanto comprometem a resistência a mínimos esforços e os movimentos de curvação e locomoção, práticas indispensáveis em sua profissão de doméstica, que exige pleno movimento dos membros e coluna vertebral, que exige esforço físico moderado a intenso.
Dessa forma, requer a reforma da sentença para que seja concedido o benefício de aposentadoria por invalidez, fixando a DIB em 24-04-2015, dia imediatamente posterior ao da cessação do auxílio-doença na via administrativa (NB 603.464.489-9), ou, sucessivamente, caso mantido o benefício de auxílio doença, no que tange ao termo final do referido benefício, seja mantido enquanto a recorrente permanecer incapaz às atividades habituais, nos termos do art. 60 da Lei n. 8.213/91.
O INSS, por sua vez, alega que a parte autora não possuía a qualidade de segurada na data de início da incapacidade atestada pelo perito judicial (24-10-2016).
Assim sendo, requer seja reformada a sentença, negando-se o direito ao benefício em razão da ausência de qualidade como segurado do RGPS na data da incapacidade.
Apresentadas as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Na presente demanda a parte autora requer a concessão do auxílio-doença e/ou conversão em aposentadoria por invalidez, desde o cancelamento (23-04-2015), tendo em conta ser portadora de patologias cardiológicas, oncológicas e ortopédicas.
Tratando-se de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, o Julgador firma sua convicção, via de regra, por meio da prova pericial.
No caso concreto, a parte autora possui 52 anos, e desempenha a atividade profissional de doméstica. Foi realizada perícia médica judicial, por especialista em medicina legal e perícias médicas, em 23-05-2017 (evento 2 - PET52). Respondendo aos quesitos formulados, assim se manifestou o perito:
Autora informa ser portadora de patologias descritas pelos CIDs D32.0 – neoplasia benigna das meninges cerebrais; E10.0 – diabetes mellitus insulino dependente, com coma; E78.0 – hipercolesterolemia pura; I10 – hipertensão essencial [primária]; I11 – doença cardíaca hipertensiva; I20 – angina pectoris; I25.0 – doença cardio vascular aterosclerótica, assim descrita; hoje compensadas pelo tratamento cirúrgico de tumor benigno de meninge e clinico das outras patologias e comorbidades. Elementos técnicos da atual pericia, considerando atestado de médico assistente, permitem a conclusão de incapacidade laborativa por 90 dias a partir de 24/10/2016 pelo pós operatório da cirurgia de tumor benigno de meninges. Comparece a pericia acompanhada da Sra. Teresinha (vizinha) e aparentando idade compatível com cronológica, mucosas úmidas e coradas, eupnéica, afebril, acianótica, boa cognição, interagindo com o ambiente ao seu redor e construindo conhecimentos, não apresenta sinais de crises convulsivas recentes, memória preservada, pensamento lógico e coerente, frequência, ritmo e amplitude de pulsos normais, bom enchimento capilar, ausência de edemas, sem hepatomegalia, ascite e crepitações pulmonares (sinais de hipervolemia), pulmões limpos e com murmúrio vesicular bem distribuídos, coração rítmico e com bulhas normofonéticas, abdômen com inspeção, palpação, percussão e ausculta dentro da normalidade, sistema neurolocomotor sem intercorrências. Não apresenta documentos médicos objetivos e consistentes que comprovem comorbidades incapacitantes, exceto RM de coluna lombo sacra realizada em 26/07/2016 e RM crânio/encefálica em 03/10/2016, com alterações de sinais que não apresentam significância clínica com moléstias limitantes ao labor. Sem exames complementares após cirurgia, só atestados de médico assistente datados de 10/05/2017 e 16/05/2017. Relata ter trabalhado de doméstica até 2015 e retornando a agricultura à aproximadamente 01 ano (sic). A Classificação da Limitação da Capacidade Funcional Cardiológica é baseada em sintomas e foi proposta New York Heart Association (NYHA) e no caso, a autora encontra-se na Classe I, ausência de sintomas (dispneia, angina e palpitações) durante atividades cotidianas. A limitação para esforços é semelhante à esperada em indivíduos normais. No caso em questão, preservação das forças musculares, normotrofismo muscular, mobilidade da amplitude de movimentos dentro dos padrões normais e inexistência de sinais de comorbidades incapacitantes referentes as patologias da autora, permitem a conclusão de capacidade laboral preservada da mesma. Apta ao trabalho. Saliento ser possível concluirmos que parte autora esteve incapaz por 90 dias a partir de 24/10/2016, pelo pós operatório da cirurgia de tumor benigno de meninges.
Como se vê, o perito do juízo concluiu que a parte autora apresentou incapacidade temporária pelo prazo de 90 dias a contar de 24-10-2016 em razão de pós-operatório da cirurgia de tumor benigno de meninges.
Não obstante as conclusões do perito judicial, cumpre ressaltar que a demandante exerce a atividade de doméstica, trabalho este notadamente braçal, o qual exige a realização de esforços físicos sob a área afetada pelas moléstias ortopédicas.
Nesse passo, percebe-se que a autora juntou documentação médica contemporânea à perícia médica, emitida por especialista em ortopedia, que evidencia a presença de alterações no quadro clínico em razão da patologia ortopédica (evento 2 - OUT51 - fl. 02).
Observa-se, ainda, que não há descrição detalhada do exame físico da autora, bem como o perito judicial sequer refere qual a doença ortopedia suportada, sendo que a demandante já havia sido amparada anteriormente pelo INSS por ser portadora de dorsalgia (CID M54) (evento 2 - OUT5 - fls. 13-14 e evento 2 - OUT6 - fls. 02-03).
No tocante a enfermidade oncológica, o perito do juízo refere que a requerente não apresenta exames complementares após a cirurgia, fixando o termo final do quadro incapacitante em 21-01-2017 (90 dias a contar da cirurgia de tumor benigno de meninges). No entanto, verifica-se que a parte autora juntou atestado médico, datado de 12-06-2017, indicando a necessidade de afastamento do trabalho em razão neoplasia benigna das meninges cerebrais (CID D32.0) pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias (evento 2 - OUT60 - fl. 01).
Cumpre esclarecer que perito do juízo deve se empenhar em elucidar ao juízo e às partes todos os elementos necessários à verificação do real estado de saúde do segurado que objetiva a concessão de benefício por incapacidade.
Com efeito, à vista do laudo pericial judicial, percebe-se claramente a omissão de informações imprescindíveis ao correto deslinde do presente feito, bem como observa-se contradições nas conclusões trazidas pelo expert do juízo.
Ademais, em relação à patologia cardíaca suportada pela parte autora, penso que, para a obtenção de um juízo de certeza acerca da situação fática, a realização de perícia por médico especialista revela-se indispensável.
Nesse sentido, trago jurisprudência desta Corte:
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL. AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL. PATOLOGIA DIVERSA. NÃO CONFIGURADO. AUXÍLIO-DOENÇA/ APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. LAUDO PERICIAL INSUFICIENTE. CERCEAMENTO DE DEFESA. MÉDICO ESPECIALISTA. NOMEAÇÃO PREFERENCIAL. CASO ESPECÍFICO. CARDIOLOGIA. NECESSIDADE. SENTENÇA ANULADA. 1. A constatação de patologia diversa em ocasião posterior ao ajuizamento da demanda não obsta a concessão do benefício, porque "se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento do mérito, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a decisão", nos termos do art. 493 do NCPC (correspondência legislativa, CPC/1973, art. 462). 2. Caracteriza cerceamento de defesa quando claramente insuficientes as informações constantes no laudo em relação à moléstia cardíaca. 3. Hipótese em que a nomeação de perito especialista em cardiologia revela-se indispensável para a obtenção de um juízo de certeza acerca da situação fática. 4.Sentença anulada para que seja reaberta a instrução processual com a realização de perícia judicial por especialista na área de cardiologia. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5011680-54.2019.4.04.9999, Turma Regional suplementar de Santa Catarina, Juíza Federal GABRIELA PIETSCH SERAFIN, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 06/08/2019)
Desta forma, tenho por caracterizado o cerceamento de defesa, devendo ser anulada a sentença, para que outra seja proferida após a realização de três novas perícias médicas, por outros experts, especialistas em ortopedia e traumatologia, oncologia e cardiologia.
Ante o exposto, voto por anular a sentença, a fim de possibilitar a reabertura da instrução processual, prejudicada a análise do mérito.
Documento eletrônico assinado por CELSO KIPPER, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001330567v12 e do código CRC 71dd0114.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5028418-54.2018.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
APELANTE: SALETE DE FATIMA SOARES DE SOUZA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: OS MESMOS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL. AUXÍLIO-DOENÇA/ APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. LAUDO PERICIAL INSUFICIENTE. CERCEAMENTO DE DEFESA. MÉDICO ESPECIALISTA. NOMEAÇÃO PREFERENCIAL. CASO ESPECÍFICO. CARDIOLOGIA. NECESSIDADE. SENTENÇA ANULADA.
1. Caracteriza cerceamento de defesa quando claramente insuficientes e contraditórias as informações constantes no laudo em relação às moléstias ortopédicas e oncológicas.
2. Hipótese em que a nomeação de perito especialista em cardiologia revela-se indispensável para a obtenção de um juízo de certeza acerca da situação fática.
3.Sentença anulada para que seja reaberta a instrução processual com a realização de perícias judiciais por médicos especialistas.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, anular a sentença, a fim de possibilitar a reabertura da instrução processual, prejudicada a análise do mérito, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 16 de outubro de 2019.
Documento eletrônico assinado por CELSO KIPPER, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001330568v3 e do código CRC 4f31ea65.Informações adicionais da assinatura:
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Data e Hora: 22/10/2019, às 16:56:4
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Ordinária DE 16/10/2019
Apelação Cível Nº 5028418-54.2018.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
PRESIDENTE: Desembargador Federal CELSO KIPPER
PROCURADOR(A): WALDIR ALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELANTE: SALETE DE FATIMA SOARES DE SOUZA
ADVOGADO: LEOCIR MEAZZA (OAB SC013382)
APELADO: OS MESMOS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária do dia 16/10/2019, na sequência 519, disponibilizada no DE de 27/09/2019.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, ANULAR A SENTENÇA, A FIM DE POSSIBILITAR A REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL, PREJUDICADA A ANÁLISE DO MÉRITO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal JORGE ANTONIO MAURIQUE
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 05:35:04.