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Apelação Cível Nº 5011458-23.2018.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: TEREZINHA ODETE DA SILVA MARTINS
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta de sentença, proferida na vigência do CPC/2015, que julgou procedente o pedido de concessão de Aposentadoria por Idade Rural, cujo dispositivo ficou assim consignado:
Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE A ação para conceder a autora a aposentadoria rural por idade, a contar de 06-08-2014, sendo que na vigência da Lei nº 11.960/09, os juros moratórios deverão incidir à razão de 0,5% ao mês e a Correção Monetária, a partir de 30.06.2009, data do início da vigência da Lei nº 11.960/09, que modificou a redação do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, a atualização deverá ser feita segundo a TR (Taxa Referencial), até a inscrição do débito em precatório, momento em que incidirá o IPCA-E (Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial) mensal, do IBGE, o qual persistirá até o efetivo pagamento, corrigindo-se as diferenças da data de cada parcela devida.
Estabeleço os Honorários Advocatícios no percentual de 10% sobre o Valor da Condenação, com a observância dos termos da Súmula nº 111-STJ.
Custas por metade.
Em seu recurso o INSS postula a reforma da sentença. Requer, inicialmente, seja extinto sem julgamento do mérito o pedido de reconhecimento do labor rural desempenhado no período de 31-05-1997 a 31-12-2006, pois já reconhecido administrativamente (ev. 3, anexospet 4, fl. 18). Ainda em preliminar, requer seja reconhecida a ocorrência de coisa julgada em relação ao pedido de reconhecimento do labor rural no período de 01-01-2007 a 07-11-2012, porquanto já foi objeto de análise em processo precedente que tramitou no Juizado Especial Federal, sob n. 5006941-16.2012.4.04.7111, transitado em julgado em 11-05-2015.
No mérito, sustenta, em síntese, que (a) a parte autora não comprovou o exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, no período de 01-01-2007 a 07-11-2012, uma vez que afirmou, em entrevista rural, trabalhar como diarista rural em plantação de fumo, enquanto as notas fiscais de produtor juntadas aos autos indicam a venda de outros itens agrícolas, como aipim, arroz e milho, havendo, portanto, incongruência nas informações, o que impediria o reconhecimento da condição de segurado especial; (b) a parte autora percebe, desde 2002, o benefício de pensão por morte, pelo que estaria descaracterizada a condição de segurada especial, diante da existência de outra fonte de rendimento; (c) o início de prova material é muito frágil, porquanto, as notas fiscais apresentadas pela autora, notadamente no período de 2009 a 2014, referem-se à ínfima quantidade de produtos comercializados, cujos valores auferidos são muito baixos, o que também impossibilita o reconhecimento de sua condição de segurada especial; (d) a entrevista rural da autora, na esfera administrativa, demonstra que ela era diarista rural, e não segurada especial, pelo que há flagrante contradição entre os depoimentos tomados na via administrativa e aqueles tomados na judicial; (e) foi indevidamente reconhecido, na via administrativa, o período de 01-01-2013 a 04-08-2014, uma vez que a parte autora não possuía a condição de segurada especial nesse hiato; e (f) a requerente não faz jus à concessão do benefício de Aposentadoria Rural por Idade, uma vez que não preenche o requisito da carência estabelecido pela legislação de regência.
Pela eventualidade, em sendo mantida a condenação, requer o INSS que os honorários advocatícios sejam fixados à razão de 10% sobre o valor da condenação, limitando-se a base de cálculo à data da prolação da sentença, a teor da Súmula 111 do STJ. Postula a isenção das custas processuais. Por fim, prequestiona a matéria alegada para fins de acesso recursal às superiores instâncias.
Regularmente processados, subiram os autos a este Tribunal.
Pautado para julgamento na sessão do dia 04/09/2019, foi adiado em função dos debates relativos ao tratamento da coisa jugada relativamente aos benefícios dos segurados rurícolas, razão pela qual acabei por agregar fundamentos ao voto. Os debates podem ser visualizados no sistema de movimentação processual deste Tribunal, E-proc.
É o relatório.
VOTO
Da remessa necessária
Inicialmente, cumpre referir que, conforme assentado pelo STJ, a lei vigente à época da prolação da sentença recorrida é a que rege o cabimento da remessa oficial (REsp 642.838/SP, rel. Min. Teori Zavascki).
As decisões proferidas sob a égide do CPC de 1973, sujeitavam-se a reexame obrigatório caso condenassem a Fazenda Pública ou em face dela assegurassem direito controvertido de valor excedente a 60 salários mínimos. O CPC de 2015, contudo, visando à racionalização da proteção do interesse público que o instituto ora em comento representa, redefiniu os valores a partir dos quais terá cabimento o reexame obrigatório das sentenças, afastando aquelas demandas de menor expressão econômica, como a generalidade das ações previdenciárias. Assim, as sentenças proferidas contra a Fazenda Pública na vigência do CPC de 2015 somente estarão sujeitas a reexame caso a condenação ou o proveito econômico deferido à outra parte seja igual ou superior a mil salários mínimos.
Considerando que o valor do salário de benefício concedido no RGPS não será superior ao limite máximo do salário de contribuição na data de início do benefício (art. 29, §2.º, da Lei n.º 8.213/91), o qual atualmente equivale a R$5.839,45 (Portaria n.º 09/2019, do Ministério da Economia), e considerando, ainda, que nas lides previdenciárias o pagamento das parcelas em atraso restringe-se ao período não atingido pela prescrição, qual seja, os últimos 5 anos contados retroativamente a partir da data do ajuizamento da ação (art. 103, parágrafo único, da Lei n.º 8.213/91), é forçoso reconhecer que, mesmo na hipótese em que a RMI do benefício deferido na sentença seja fixada no teto máximo, o valor da condenação, ainda que acrescida de correção monetária e juros de mora, não excederá o montante exigível para a admissibilidade do reexame necessário.
Necessário ainda acrescentar que as sentenças previdenciárias não carecem de liquidez quando fornecem os parâmetros necessários para a obtenção desse valor mediante simples cálculo aritmético, o que caracteriza como líquida a decisão, para fins de aferição da necessidade de reexame obrigatório.
No caso, considerando a DIB e a data da sentença, verifica-se de plano, não se tratar de hipótese para o conhecimento do reexame obrigatório, portanto, correta a sentença que não submeteu o feito à remessa necessária.
Das preliminares
Do reconhecimento parcial do pedido
Compulsando os autos, verifica-se que o INSS já reconheceu o labor rural no período de 01-01-1996 a 31-12-2006 (ev. 3, anexospet 4, fl. 18), razão pela qual o pleito deve ser extinto sem julgamento do mérito no ponto, com base no art. 485, VI, do CPC/2015.
Da preliminar de coisa julgada
Sustenta o apelante a ocorrência de coisa julgada no presente feito, com relação ao período de 01-01-2007 a 07-11-2012.
A parte autora ajuizou primeiramente a ação previdenciária que tramitou perante a Justiça Federal sob n. 5006941-16.2012.4.04.711, na qual pretendeu a concessão do benefício de aposentadoria rural por idade, com DER em 07-11-2012. A sentença, posteriormente confirmada na 3ª Turma Recursal do Estado do Rio Grande do Sul, julgou parcialmente procedente o pedido, nos seguintes termos:
Ante o exposto, com base no art. 269, inc. I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE EM PARTE o pedido formulado por TEREZINHA ODETE DA SILVA MARTINS contra o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, para o fim exclusivo de determinar que o INSS averbe 07 meses e 09 dias de tempo de atividade rural, em nome da autora, referente ao período de 23/05/1981 a 31/12/1981, nos termos da fundamentação.
Custas e honorários incabíveis na espécie, por força dos artigos 54 e 55 da Lei n° 9.099/95 c/c art. 1º da Lei 10.259/01.
Apresentado recurso, depois de verificados os pressupostos de admissibilidade, dê-se vista à parte contrária para contrarrazões, no prazo de 10 (dez) dias. Decorrido o prazo remetam-se os autos à Turma Recursal.
Após o trânsito em julgado, dê-se baixa e arquive-se o feito.
Posteriormente, a parte autora ajuizou a presente ação previdenciária, postulando novamente a concessão do benefício de aposentadoria com base em novo pedido administrativo, com DER em 06-08-2014.
Verifico que na ação anteriormente ajuizada e julgada improcedente no mérito, foi postulado o reconhecimento do mesmo período rural ora requerido.
A sentença anterior, em seus motivos, considerou contraditória (em cotejo com os depoimentos) a prova acostada para a comprovação do labor rural em regime de economia familiar no período de 01-01-2007 a 07-11-2012, sem o qual foi inviável a concessão da aposentadoria por idade rural requerida. Assim, o juízo concluiu que na ocasião a parte autora não implementava os requisitos para a concessão do benefício e determinou, tão somente, a averbação do período de 23-05-1981 a 31-12-1981. Invocou ainda a percepção de pensão por morte do marido da autora, no valor de um salário mínimo, como motivo excludente para a concessão do benefício.
Transcrevo trecho da fundamentação dessa sentença:
Quanto ao lapso de 2007 a 2012, em que pese as notas fiscais de produção juntadas, entendo não comprovada a condição de segurada especial. Efetivamente, a autora informou que trabalhava na plantação de fumo, porém, as notas fiscais apresentadas referem venda de aipim (2007), arroz (2008 a 2010), milho (2011) e arroz (2012), o que não confere com as informações prestadas, tanto pela autora como pelas testemunhas. Ademais, a prova oral informa que a autora vive em uma chácara alugada, e, embora afirmem que trabalhe em terras de terceiros, não ha provas de que se mantenha na atividade rural produtiva, ressaltando que a mera agricultura de subsistência não caracteriza a condição de segurada especial. Ainda, a autora recebe pensão por morte do cônjuge desde 2002, o que demonstra a existência de rendimentos básicos diversos da agricultura.
Na presente ação, a autora requer novamente a concessão do benefício de aposentadoria por idade rural antes indeferido, mas com base em outra DER, renovando o pedido de reconhecimento do período de labor rural de 01-01-2007 a 07-11-2012, acrescido de outros intervalos.
Inicialmente, é preciso ressaltar que no Direito Previdenciário, apesar do caráter social que o permeia, e da fundamentalidade dos bens jurídicos que tutela, não tem sido admitido o entendimento de que a coisa julgada operar-se-ia secundum eventum litis ou secundum eventum probationis. Todavia, a jurisprudência tem se encaminhado no sentido de que, em caso de ausência ou insuficiência de prova do direito alegado, o desfecho da ação deve se dar sem exame do mérito, permitindo-se, assim, a renovação do pedido pelo segurado quando houver a produção de novas provas.
É relevante que se faça a distinção entre ausência ou insuficiência de prova, e (in)existência de início de prova material suficiente a um juízo seguro de (im)procedência.
A propósito das distinções que se impõe estabelecer, permito-me transcrever trecho de voto-vista de minha lavra, proferido na AI 5069572-13.2017.4.04.0000/RS:
Pedi vista para melhor exame da questão que tantas vezes tem afligido os operadores do direito previdenciário, qual seja, formas de dar concretude ao direito fundamental de percepção dos benefícios previdenciários e evitar a "privação perpétua de cobertura previdenciária a que, na realidade, faz jus", até mesmo porque reiteradas vezes defendi a tese da coisa julgada secundum eventum probationem sem que tenha logrado êxito em seu acolhimento.
A 3ª Seção desta Corte vem rechaçando esta compreensão, exemplo disso a Ação Rescisória 2009.04.00.027595-8/SC, Relator Des. Fed. Ricardo Teixeira do Valle Pereira, DE de 28.06.2010, cuja ementa transcrevo:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. OFENSA A COISA JULGADA. VIOLAÇÃO DE LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI. ART. 485, INCISO IV.
1. Consoante estabelece o Código de Processo Civil em seu artigo 333, I, o ônus da prova, no que toca aos fatos constitutivos do direito, é do autor. Assim, havendo rejeição do pedido, ainda que por reputar o julgador que a prova mostrou-se insuficiente à comprovação do que alegado, a extinção do feito se dá com resolução do mérito (art. 269, I, do CPC).
2. A sentença que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas (art. 468 do CPC), e, quando não mais sujeita a recurso, faz coisa julgada material, ou seja, adquire eficácia que a torna imutável e indiscutível (art. 467 do CPC).
3. Conquanto em direito previdenciário muitas vezes o rigor processual deva ser mitigado, não podem ser ignorados os limites expressamente estabelecidos pela legislação processual e, mais do que isso, ditados pelos princípios que informam o direito processual e o próprio ordenamento, sendo certo que coisa julgada goza de expressa proteção constitucional (art. 5º, inciso XXXVI) a bem da segurança jurídica, pilar fundamental do estado de direito. Inviável, assim, a relativização da coisa julgada em matéria previdenciária ou mesmo se entenda pela formação de coisa julgada secundum eventum probationem em todas as situações nas quais a sentença considere frágil ou inconsistente a prova documental do alegado trabalho rural.
4. Hipótese em que a demandada, tanto na primeira como na segunda ação judicial, questionou indeferimento de benefício previdenciário ocorrido em 2004, de modo que na espécie houve clara repetição de ação anterior, na qual o direito da parte havia sido negado.
5. Quanto aos valores pagos pelo INSS por força das decisões exaradas na demanda de origem, deve ser esclarecido que devido ao caráter alimentar do benefício não há se falar em restituição, porquanto presente boa-fé (Precedentes: TRF4, AR 2002.04.01.049702-7; STJ, AgRg no REsp 705.249).
6. Rescisória parcialmente acolhida, uma vez que violada a coisa julgada (art. 485, IV, do CPC), desconstituindo-se a segunda decisão, que apreciou novamente o mérito da pretensão.
Naquela oportunidade se sustentava que até mesmo a prova frágil levaria a um juízo de improcedência e que "o juiz não pode eximir-se de decidir apenas porque tenha dúvidas quanto à "verdade dos fatos". A questão acabou evoluindo e hoje já restou pacificado pelo STJ recurso representativo de controvérsia nº REsp 1.352.721/SP (Corte Especial, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 16-12-2015) que, ao menos em se tratando de rurícolas, a prova inconsistente levaria à extinção do processo sem resolução de mérito, demonstrando clara tendência de proteção ao trabalhador nas hipóteses de riscos sociais constitucionalmente eleitos como forma de evitar a privação definitiva de um direito a que eventualmente faça jus.
É o que se extrai do seguinte trecho do voto do Relator:
Com efeito, a Constituição Federal de 1988, atenta à necessidade de proteção do trabalhador nas hipóteses de riscos sociais constitucional e legalmente eleitos, deu primazia à função social do RGPS, erigindo como direito fundamental de segunda geração o acesso à Previdência do Regime Geral.
8. Diante desse contexto, as normas previdenciárias devem ser interpretadas de modo a favorecer os valores morais da Constituição Federal/1988, que prima pela proteção do Trabalhador Segurado da Previdência Social, motivo pelo qual os pleitos previdenciários devem ser julgados no sentido de amparar a parte hipossuficiente e que, por esse motivo, possui proteção legal que lhe garante a flexibilização dos rígidos institutos processuais. Assim, deve-se procurar encontrar na hermenêutica previdenciária a solução que mais se aproxime do caráter social da Carta Magna, a fim de que as normas processuais não venham a obstar a concretude do direito fundamental à prestação previdenciária a que faz jus o segurado.
9. Aliás, assim como ocorre no Direito Penal, em que se afastam as regras da processualística civil em razão do especial garantismo conferido por suas normas ao indivíduo, deve-se dar prioridade ao princípio da busca da verdade real, diante do interesse social que envolve essas demandas.
10. Não se está aqui a defender a impossibilidade de restrição de direitos fundamentais, nem a busca pela justiça social a qualquer custo, mas apenas quando juridicamente viável; sendo certo que a concessão de benefício devido configura direito subjetivo individual, que em nada desestrutura o sistema previdenciário, na medida em que não perturba o equilíbrio financeiro e atuarial dele.
A tendência, como se vê, avançou para não mais se prestigiar afirmação como a que restou consignada no julgamento da rescisória referida, no sentido de que por ser a verdade inatingível "Não é possível passar a vida inteira tentando descobrir a verdade" em nome da preponderância ou valorização da segurança jurídica. Pensando nesta premissa, relativamente aos benefícios previdenciários, se questionaria qual o abalo maior, privar-se o trabalhador definitivamente de frutos de seus esforços diários promovidos durante uma vida inteira ou evitar que o INSS pague o que se verificou devido, com a vantagem de adimplir valores apenas em face da posterior demanda. Nesse sopesar penso que seria desejável a incansável busca da verdade, que embora inatingível como um conceito filosófico abstrato, seria de possível alcance pela concretização da justiça.
Tem afirmado o eminente Des. Paulo Afonso Brum Vaz, reiteradamente em seus votos que pela eficácia normativa do devido processo legal em sua dimensão substancial, as disposições do processo civil comum são flexibilizadas quando tocam uma causa previdenciária, de modo que a decisão denegatória de proteção social, por insuficiência de prova material, não pode impedir futura comprovação da existência desse direito fundamental à subsistência digna. Não se avançou no raciocínio visando à aplicação de forma generalizada para toda e qualquer causa previdenciária a partir do REsp 1.352.721/SP, que ao sentir da jurisprudência majoritária, restringiu-se a demandas relativas aos rurícolas, notadamente hipossuficientes. Não ouso afirmar que seria a solução mais adequada para se promover a justiça, mas evitaria discussões como as que vêm, de longa data, se renovando relativamente à coisa julgada, inclusive como as que levaram a construção da coisa julgada secundum eventum probationem nos casos clássicos de investigação de paternidade, diante do surgimento de novas tecnologias inexistentes ao tempo da propositura da demanda anterior.
Não insistirei, todavia, por ora, na tese já reiterada e rechaçada, inclusive no próprio STJ da coisa julgada secundum eventum probationem relativamente aos benefícios previdenciários. Isso porque, no mesmo representativo que, majoritariamente, manifestou-se pela extinção sem apreciação de mérito, nos casos de ausência ou insuficiência de prova, o Ministro Mauro Campbell Marques restou vencido na proposição da tese de que :"na ausência de prova constitutiva do direito previdenciário, o processo será extinto com fulcro no artigo 269,I do CPC, com julgamento de mérito, sendo a coisa julgada material secundum eventum probationem".
Feitas estas colocações, por outro lado, reputo recomendável e possível, mesmo sem flexibilizar a legislação civilista, que se insista que a imutabilidade da coisa julgada se dá apenas diante das questões apreciadas e decididas na demanda anterior, atentando para o fato de que a coisa julgada se estabelece pela existência de tríplice identidade, mesmas partes, mesmo pedido e mesma causa de pedir.
É a partir daí, segundo estes critérios objetivos, que se vai poder afirmar qual relação jurídica de direito material foi decidida e não poderá ser novamente apreciada:
Embora os fundamentos de fato e de direito (causa de pedir) não integrem a pretensão, esta não pode ser corretamente compreendida e delimitada sem a visualização daqueles, pois é por meio de tais fundamentos que os limites do objeto litigioso são precisamente definidos. (Leonel, Ricardo de Barros, 1967. Causa de Pedir e pedido: o direito superveniente, Ed. Método 2006)
O provimento judicial está adstrito, não somente ao pedido formulado pela parte na inicial, mas também à causa de pedir, que, segundo a teoria da substanciação, adotada pela nossa legislação processual, é delimitada também pelos fatos narrados na petição inicial, fatos estes definidos pelo autor, cujas oposições feitas pelo réu, a princípio, não são capazes de ampliar.
No tocante à causa petendi relativamente à teoria da substanciação não é demais lembrar alguns balizadores doutrinários:
Pela teoria da Substanciação, seriam elementos integrantes da causa de pedir: (a) a situação de fato que dera origem à relação jurídica afirmada objeto de discussão no processo e (b) essa própria relação jurídica (que nada mais é do que o enquadramento do fato à previsão abstrata, "contida no ordenamento de direito positivo, e do qual decorre a juridicidade daquela e, em imediata sequência, a materialização, no pedido, da conseqüência jurídica alvitrada pelo autor"). Assim, a causa de pedir, para a teoria da substanciação é afirmada pelos fatos afirmados pelo autor e também pela atribuição jurídica desses fatos afirmada pelo autor.(Scalabrin, Felipe André. Causa de Pedir e Atuação no Supremo Tribunal Federal, vol. 3, Ed. Verbo Jurídico, 2013)
A partir do representativo citado, em algumas oportunidades em que se julgou improcedente o pedido pela insuficiência ou ausência de prova, reputei que o provimento deveria ter se dado sem exame de mérito e, a par das divergências doutrinárias acerca do melhor encaminhamento, lastreado na convicção de que a insuficiência de prova material, não pode impedir futura comprovação da existência desse direito fundamental à subsistência digna, afastei a coisa julgada permitindo o exame do pedido em nova ação com suporte probatório diverso.
Porém, do que se vê da transcrição de parte do representativo, foram definidos dois balizadores pelo STJ, ainda que não de forma unânime: deve haver extinção sem apreciação de mérito, nos casos de ausência ou insuficiência de prova, porém diferente do que defendido pelo Ministro Mauro Campbell Marques, não se estabeleceu a tese de que: "na ausência de prova constitutiva do direito previdenciário, o processo será extinto com fulcro no artigo 269, I do CPC, com julgamento de mérito, sendo a coisa julgada material secundum eventum probationem".
Reputo relevante termos presente estes dois balizadores para que se possa transitar com um mínimo de segurança na avaliação dos casos concretos, sendo que lançarei mão adiante dessas distinções, inclusive com o questionamento acerca do momento em que se poderia afirmar a insuficiência de prova, ou seja, se seria possível fazê-lo a posteriori, diante das novas provas colacionadas, quando somente o cotejo destas novas provas com a prova juntada no processo anterior revelaria sua flagrante insuficiência.
Agora abro parenteses para abordar ponto distinto, não ventilado no referido precedente, que é o entendimento de que o reconhecimento do tempo rural laborado na condição de segurado especial para fins de concessão de aposentadoria rural não seria um pedido em si, mas sim uma causa de pedir do pedido de aposentadoria rural e, como tal, o reconhecimento ou não do exercício dessa atividade não integraria a decisão, mas sim a fundamentação, de modo que se trata de matéria não abarcada pela coisa julgada.
Embora esta Turma já tenha se valido da tese, melhor refletindo, verifico dois obstáculos para defendê-la, apesar de, em casos de flagrante injustiça, ficar tentado a fazê-lo.
Primeiro, não encontro margem para sustentar a distinção do reconhecimento do tempo rural nas hipóteses de aposentadoria por idade rural como causa de pedir, conferindo-lhe outra classificação jurídica, qual seja, de pedido, nas causas em que se busca aposentadoria por tempo de serviço/contribuição, em que é igualmente requerido o reconhecimento de períodos de trabalho rural.
Ademais, o mesmo raciocínio poderia ser aplicado ao requerimento de reconhecimento de períodos trabalhados em condições especiais, ensejando sua classificação como causa de pedir e não como pedido, na medida em que o pedido, afinal, seria a concessão de aposentadoria especial e não (também) o reconhecimento da qualidade de determinados períodos como tempo especial.
A natureza do benefício postulado (aposentadoria rural ou aposentadoria urbana/especial) poderia ser utilizada como critério de discrímen para a conotação a ser dada ao requerimento de reconhecimento de um período de contribuição, ora como causa de pedir, ora como pedido?
Entendo que a possibilidade de se flexibilizar as regras do processo com a finalidade de corrigir eventuais injustiças imporia a necessidade de, por simetria, também permitir a desaverbação de períodos que posteriormente se vier a verificar terem sido injustamente admitidos.
O segundo obstáculo diz respeito ao tratamento que se vem conferindo ao tempo de labor rural reconhecido/declarado judicialmente, pois mesmo quando não é deferido o benefício postulado, havendo reconhecimento de algum período rural é determinada sua averbação e, uma vez realizada, não se admite nova discussão em ação futura. Fosse o período reconhecido considerado mera fundamentação, ficaria inviabilizada sua declaração e determinação de averbação para fim de futura utilização em outro pedido de benefício.
Além disso, é pacífica na jurisprudência (estando o entendimento sumulado: Súmula 242, STJ) a possibilidade de postulação de reconhecimento de períodos laborados no meio rural em ação meramente declaratória, cujo objetivo é unicamente o reconhecimento e averbação de tempo de serviço, sem pedido de concessão do benefício.
Assim, não há como se retirar da postulação de reconhecimento de períodos laborais a qualidade de pedido, passível de ser veiculado de forma autônoma em ação declaratória. Quando veiculado de forma conjunta com pedido de concessão de benefício, trata-se de ação de cunho declaratório e condenatório, ambos passíveis de serem atingidos pela coisa julgada.
Feitas estas considerações, retomo a questão acerca da extinção sem mérito nos casos de insuficiência de prova, que sequer daria margem ao tratamento anti-isonômico.
Reitero que até mesmo nas hipóteses em que, diante de insuficiência de prova, há equivocado improvimento do mérito ao invés de extinção sem julgamento de mérito, tenho recepcionado a segunda ação, permitindo nova apreciação diante da complementação da prova, agora suficiente para a formação de um juízo seguro e sem a qual não seria sequer possível a identificação da precariedade ou insuficiência da prova à época da primeira ação, em um contexto de que a insuficiência da primeira prova só pôde ser corretamente dimensionada após a constatação destes novos elementos.
Quando se esta diante de ausência de prova não há problema em se identificar logo a necessidade de extinção sem julgamento de mérito. A dificuldade surge quando nos deparamos com a insuficiência da prova. E é de se ressaltar que insuficiência não se confunde com início de prova material.
Para melhor pontuar a distinção, digamos que sejam juntadas em uma demanda notas fiscais de comercialização de determinada cultura agrícola como lastro probatório para o pedido de reconhecimento de tempo de trabalho rural, e, em uma segunda ação, a parte traga novas notas fiscais atestando exatamente aquilo que já se constatou na primeira ação. Nesse caso, a princípio, não se estaria diante de insuficiência de prova.
Por outro lado, caso a improcedência na primeira ação tenha se dado em razão do descompasso entre a prova material e o depoimento do autor e, na nova ação se constate que houve precipitação no desfecho do processo, revela-se a insuficiência da instrução.
Reconheço que aqui estamos a transitar na linha tênue ente os balizadores estabelecidos no REsp 1.352.721/SP, porém em nome do que se defendeu, naquela oportunidade, "dar prioridade ao princípio da busca da verdade real, diante do interesse social que envolve essas demandas", que não se pode ignorar por completo, diante de evidente precipitação, o direito tolhido "quando juridicamente viável; sendo certo que a concessão de benefício devido configura direito subjetivo individual, que em nada desestrutura o sistema previdenciário, na medida em que não perturba o equilíbrio financeiro e atuarial dele".
Fixadas tais premissas, resta então analisar, no caso concreto, a presença elementos/novas provas que evidenciem claramente a insuficiência da instrução e das provas colhidas à época.
Comporta trazer trecho da sentença da ação anterior para que se visualize a necessária afirmação de insuficiência de prova para a formação de um juízo seguro:
Quanto ao lapso de 2007 a 2012, em que pese as notas fiscais de produção juntadas, entendo não comprovada a condição de segurada especial. Efetivamente, a autora informou que trabalhava na plantação de fumo, porém, as notas fiscais apresentadas referem venda de aipim (2007), arroz (2008 a 2010), milho (2011) e arroz (2012), o que não confere com as informações prestadas, tanto pela autora como pelas testemunhas.
Ademais, a prova oral informa que a autora vive em uma chácara alugada, e, embora afirmem que trabalhe nas terras de terceiros, não há provas de que se mantenha na atividade rural produtiva, ressaltando que a mera agricultura de subsistência não caracteriza a condição de segurada especial.
Ainda, a autora recebe pensão por morte do cônjuge desde 2002, o que demonstra a existência de rendimentos básicos diversos da agricultura. Assim, considero que não há elementos que confirmem que a atividade rurícola era a principal fonte de rendimentos da autora em todo o período postulado.
Transcrevo também trecho da sentença de procedência, ora em revisão, onde se vêm estes novos elementos:
A autora trouxe de fato nos documentos, como o contrato de parceria agrícola com Valdori Martins no período de 31-05-1997 a 31-05-1998, de 31-05-98 a 31-05-99, de 31-05-99 a 31-05-2000; contrato de comodato de 14-05-2003 a 30-06-2011, de 01-07-2011 a 30-07-2013 com Rejane Isabel da Silva; contrato particular de compra e venda de 14-02-2013 referente a área de 230,00 m2 da Linha Picada Nova firmado com Maria Enar de Freitas. Ao exame da prova oral, REJANE ISABEL DA SILVA, relatou que a autora planta fumo com ela à uns 5 anos, e que a conhece há uns 10 anos. Sabe que a autora sempre exerceu essa mesma atividade, toda vez em parceria com alguém, já que ela não possuía terras. Disse que a autora não trabalha e nem trabalhou no meio urbano, somente na agricultura. Alegou que as notas de fumo saiam em seu nome, mas que a autora possuía notas também, mas nestas saiam os demais produtos plantados (milho, etc). Disse que a autora e a depoente eram meeiras, e que os filhos da demandante ajudavam na agricultura. (mídia audiovisual fl. 204)
CLENI MERENCIA DA SILVA, alegou que sua filha Rejane mora perto de sua casa, e que sua filha possui cerca de 20 ha. Disse que conhece a autora desde nova, mais ou menos desde que ela tinha 15 anos. Disse que a autora e sua família sempre trabalharam na agricultura, principalmente na fumicultura. Disse que desde a safra de 2002-2003 a autora é meeira de sua filha. Disse que o adubo e o fumo saiam em nome de Rejane, mas que ela dava a metade do dinheiro à autora. Não sabe dizer o valor que a autora recebia de Rejane. Disse saber que a demandante, antes de trabalhar com Rejane, trabalhava para Nara e Valdecir, exercendo sempre a mesma atividade. Disse que Rejane e a autora plantam milho e feijão, mas em pouca quantidade. (mídia audiovisual fl. 204)
DIOGO ROGES DOS SANTOS, relatou que conhece Terezinha desde a época que ela foi residir em Mangueirão. Disse que a autora trabalha cerca de 10 anos nas terras de Rejane, sendo meeira com ela. Disse que, pelo que sabe, o fumo produzido sai na nota de Rejane. (mídia audiovisual fl. 204)
TEREZINHA ODETE DA SILVA MARTINS, em seu depoimento pessoal, alegou que é natural de Venâncio Aires e que atualmente reside em Linha Mangueirão onde trabalhou e trabalha na fumicultura, sendo parceira de Nara no ano de 2002, e a partir deste ano, de Rejane. Disse que na safra produziam cerca de 25 à 30 mil pés de fumo. Disse que o fumo é comerciado no bloco da Rejane eis que a fumageira exige. Disse que uma época Rejane vendia para a C7J4, mas que agora venda para a Marasca. Disse que nunca trabalhou na cidade, que estudou em uma escola no meio rural e que até hoje seus filhos lhe ajudam na colheira de fumo. Disse que além de fumo, ela planta batata, aipim e milho. (mídia audiovisual fl. 204).
Não impressiona a juntada de ínfimas notas do produtor de 2009 a 2014, pois o nível de atividade agrícola de muitas famílias se esgota, não raras vezes, no suficiente para atender a mesa, a subsistência alimentar básica da família, de modo que não sobra muito para comercialização.
Verifico do exame dos autos que a prova documental trazida na presente ação foi praticamente a mesma juntada na ação anterior.
Fazendo o cotejo entre o que serviu de lastro para a decisão obtida na primeira ação e o complexo probatório acostado à presente, percebe-se que a distinção é justamente a constatação, obtida a partir dos depoimentos das novas testemunhas, ouvidas em juízo, de que, embora a autora fosse meeira na produção de fumo, as notas fiscais saiam em nome dos parceiros.
Na primeira ação foram considerados os testemunhos retirados de justificação administrativa, não submetida ao crivo do contraditório, tendo a sentença deixado consignado:
Prova oral: Em justificação administrativa realizada pelo INSS em 22/02/2013 (doc. PROCADM.2, evento 19) foram ouvidas as testemunhas João Auri Costa, Osilon Wagner Faleiro e Romeu Viana da Fonseca confirmaram a condição de trabalhadora rural da autora, em terras de terceiros, inicialmente com o cônjuge, após o óbito, sozinha. Que atualmente aluga uma pequena chácara, mas continua trabalhando com terceiros.
Não há dúvida quanto ao desempenho de cultura de subsistência, que não seria o fato distintivo. O que não restou suficientemente lastreado em adequada instrução na ação anterior é que, além desta atividade de subsistência, havia dedicação à cultura de fumo, para a qual as notas fiscais foram extraídas em nome de terceiros, o que é crível, na medida em que seu próprio bloco de produtor estava em nome do marido, agora falecido.
A partir destas novas informações poder-se-ia então afirmar que houve insuficiência probatória, que somente foi possível constatar-se pela ampliação dos novos elementos trazidos pelos testemunhos, submetidos ao contraditório, quanto a ponto crucial para se entender o porquê da ausência de notas de produção de fumo em nome próprio.
Teríamos ainda outro obstáculo a superar, qual seja: inexistindo lastro material novo, poderia ser admitida a nova prova testemunhal como suficiente, sem início de prova material? Fossem apenas os novos testemunhos, penso que não, mas no caso concreto, em que pese não tenha sido acrescida nova prova material à já existente, esta conforma-se ao que agora vem à luz. E, a partir deste cotejo com a prova material já constante dos autos, indicativa do vínculo profissional no meio rural, podem ser aceitos os novos testemunhos como elementos novos suficientes a um juízo seguro.
Ademais foi juntada nota fiscal de produção de fumo também em nome do marido da autora, relativa a período em que era vivo (ev. 3 ANEXOS PET4 fl. 24), demonstrando a existência de familiarização da autora com este tipo de cultura, o que não constava do processo anterior.
São por estes fatos e fundamentos que reputo que se revelou insuficiente a prova ao tempo do primeiro julgamento, permitindo concluir que o processo deveria ter sido extinto sem julgamento de mérito ou ao menos ouvidos testemunhos em juízo para esclarecimento dos pontos reputados contraditórios e que motivaram a improcedência.
Nesse contexto, afasto a preliminar de coisa julgada.
Da questão controversa
A questão controversa cinge-se, ao reconhecimento do período de 01-01-2007 a 04-08-2014, como de labor rural, em regime de economia familiar.
Passo, portanto, à análise desse interstício, nos termos do recurso da autarquia previdenciária.
Da demonstração da atividade rural
Como regra geral, a comprovação do tempo de atividade rural para fins previdenciários exige, pelo menos, início de prova material (documental), complementado por prova testemunhal idônea (art. 55, § 3º, da Lei n.º 8.213/91; Recurso Especial Repetitivo n.º 1.133.863/RN, Rel. Des. convocado Celso Limongi, 3ª Seção, julgado em 13-12-2010, DJe 15-04-2011).
Para a análise do início de prova material, associo-me aos seguintes entendimentos:
Súmula n.º 73 deste Regional: Admite-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental.
Súmula n.º 149 do STJ: A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de beneficio previdenciário.
Súmula n.º 577 do STJ: É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório.
Nos casos de trabalhadores informais, especialmente em labor rural de boia-fria, a dificuldade de obtenção de documentos permite maior abrangência na admissão do requisito legal de início de prova material, valendo como tal documentos não contemporâneos ou mesmo em nome terceiros (integrantes do grupo familiar, proprietários de terras, arrendatários), corroborados por robusta prova testemunhal.
Ainda acerca do reconhecimento do tempo rural via documento extemporâneo é bom ressaltar que no julgamento do REsp 1321.493/PR, se considerou documento do ano de 1981 para comprovação da qualidade de boia-fria para período de carência mais de uma década posterior.
Deve ser registrado que, quando se trata de mulheres, a prova se torna ainda mais difícil, pois se sabe que quando existiam documentos, estes eram lançados em nome do chefe da família onde, há certo tempo, era o único membro familiar a possuir direito à aposentadoria, de modo que deixar de atribuir-lhe a qualidade de trabalhadora rural em face da inexistência de documento em nome próprio, qualificando-a como tal, redunda em grande injustiça com as mulheres ativas neste tipo de trabalho árduo em que trabalham tanto quanto ou muitas vezes ainda mais que os homens.
Destaco, ainda, que a qualificação da mulher como "doméstica" ou "do lar" em certidões de registro civil é muito comum. Não se pode, no entanto, concluir a partir disso que as mulheres dedicavam-se apenas às tarefas da casa; ao contrário, sabe-se que na maioria das vezes elas acumulavam tais responsabilidades com o trabalho no campo, o que foi comprovado no presente caso.
A formação de início razoável de prova material sem a apresentação de notas fiscais de produtor rural em nome próprio é possível. Com efeito, a efetiva comprovação da contribuição é flexibilizada pelo fato de o art. 30, III, da Lei 8.212/91 atribuir a responsabilidade de recolher à empresa que participa da negociação dos produtos referidos nas notas fiscais de produtor, seja na condição de adquirente, consumidora, consignatária ou se trate de cooperativa. Nesse caso, a contribuição especificada não guarda relação direta com a prestação de serviço rural em família, motivo pelo qual se pode reconhecer o respectivo tempo ainda que ausentes notas fiscais de produtor rural como início de prova material.
Não há necessidade de que o início de prova material abarque todo o período de trabalho rural, desde que todo o contexto probatório permita a formação de juízo seguro de convicção: está pacificado nos Tribunais que não é exigível a comprovação documental, ano a ano, do período pretendido (TRF4, EINF 0016396-93.2011.404.9999, Terceira Seção, Relator Celso Kipper, D.E. 16/04/2013).
Também devem ser observados os precedentes vinculantes, conforme estipula o art. 927 do CPC/2015. Do STJ, temos as seguintes teses firmadas:
Tema 644 - Concessão de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição a trabalhador urbano mediante o cômputo de atividade rural
"Não ofende o § 2.º do art. 55 da Lei 8.213/91 o reconhecimento do tempo de serviço exercido por trabalhador rural registrado em carteira profissional para efeito de carência, tendo em vista que o empregador rural, juntamente com as demais fontes previstas na legislação de regência, eram os responsáveis pelo custeio do fundo de assistência e previdência rural (FUNRURAL). (REsp 1352791/SP)
Tema 554 - Abrandamento da prova para configurar tempo de serviço rural do "boia-fria"
"O STJ sedimentou o entendimento de que a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal. (REsp 1321493/PR)
Tema 532: O trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, incumbência esta das instâncias ordinárias (Súmula 7/STJ).
Tema 533: A extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana.
Tema 642: O segurado especial tem que estar laborando no campo, quando completar a idade mínima para se aposentar por idade rural, momento em que poderá requerer seu benefício. Ressalvada a hipótese do direito adquirido, em que o segurado especial, embora não tenha requerido sua aposentadoria por idade rural, preenchera de forma concomitante, no passado, ambos os requisitos carência e idade.
Tema 629: Ausência de prova material em ação de aposentadoria por idade de trabalhador rural e a possibilidade de reproposição de ação.
Acerca do exercício da atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, o STJ firmou o seguinte entedimento (REsp 1.354.908/SP - Tema 642):
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE RURAL NO PERÍODO IMEDIATAMENTE ANTERIOR AO REQUERIMENTO. REGRA DE TRANSIÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 143 DA LEI 8.213/1991. REQUISITOS QUE DEVEM SER PREENCHIDOS DE FORMA CONCOMITANTE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. Tese delimitada em sede de representativo da controvérsia, sob a exegese do artigo 55, § 3.º combinado com o artigo 143 da Lei 8.213/1991, no sentido de que o segurado especial tem que estar laborando no campo, quando completar a idade mínima para se aposentar por idade rural, momento em que poderá requerer seu benefício. Se, ao alcançar a faixa etária exigida no artigo 48, § 1.º, da Lei 8.213/1991, o segurado especial deixar de exercer atividade rural, sem ter atendido a regra transitória da carência, não fará jus à aposentadoria por idade rural pelo descumprimento de um dos dois únicos critérios legalmente previstos para a aquisição do direito. Ressalvada a hipótese do direito adquirido em que o segurado especial preencheu ambos os requisitos de forma concomitante, mas não requereu o benefício. 2. Recurso especial do INSS conhecido e provido, invertendo-se o ônus da sucumbência. Observância do art. 543-C do Código de Processo Civil (REsp 1354908/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09.09.2015, DJe 10.02.2016. (Grifou-se.)
O aproveitamento do tempo de atividade rural desenvolvida até 31 de outubro de 1991, independentemente do recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias e exceto para efeito de carência, está expressamente autorizado e previsto pelo art. 55, § 2º, da Lei n.º 8.213/91, e pelo art. 127, V, do Decreto n.º 3.048/99.
No que respeita à questão da inexibilidade do recolhimento de contribuições para a averbação do tempo de serviço do segurado segurado especial, a questão deve ser analisada sob o prisma constitucional, uma vez que em seu texto foi prevista a unificação da Previdência Social, outorgando a qualidade de segurado do RGPS aos trabalhadores rurais.
Da aposentadoria por idade rural
Aos trabalhadores rurais, filiados à Previdência à época da edição da Lei 8.213/91, que implementarem os requisitos da aposentadoria por idade no prazo de até quinze anos após a sua vigência (ou seja, até 24.07.2006), não se aplica o disposto no art. 25, II, mas a regra de transição prevista no art. 143, ambos da Lei de Benefícios.
Os requisitos para a aposentadoria por idade dos trabalhadores rurais afiliados à Previdência à época da edição da lei 8213/91 são os seguintes: (a) idade mínima de 60 anos para o homem e de 55 anos para a mulher (art. 48, § 1.º); e (b) efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao período correspondente à carência do benefício (art. 143). A concessão do benefício independe de recolhimento de contribuições previdenciárias.
Para a verificação do tempo que é necessário comprovar como de efetivo exercício do labor rural, considera-se a tabela constante do art. 142 da LB, com base no ano de implemento das condições necessárias para a obtenção da inativação - idade mínima e tempo de trabalho rural.
Na aplicação dos artigos 142 e 143 da referida lei, deve-se atentar para os seguintes pontos: a) ano-base para a averiguação do tempo rural (direito adquirido ou DER); b) termo inicial e final do período de trabalho rural correspondente à carência; c) termo inicial do direito ao benefício (DIB).
O ano-base para a constatação do tempo de serviço necessário, na maior parte dos casos, será o ano em que o segurado completou a idade mínima, desde que até então já disponha de tempo rural suficiente para o deferimento do benefício. Assim, o termo inicial do período a ser considerado como de efetivo exercício do trabalho agrícola, a ser contado retroativamente, como regra, é a data do implemento do requisito etário, mesmo se o requerimento administrativo ocorrer em anos posteriores, em homenagem ao princípio do direito adquirido (Constituição Federal/88, art. 5.º, inciso XXXVI; Lei de Benefícios/91, art. 102, § 1.º).
Nada obsta, entretanto, que o segurado, completando a idade necessária e não possuindo tempo correspondente à carência, permaneça exercendo atividade agrícola até a ocasião em que implementar o número de meses suficientes à concessão do benefício, caso em que tanto o ano-base para a verificação do tempo rural quanto o início do período de trabalho, sempre contado retroativamente, será a data da implementação do tempo equivalente à carência.
No caso em que a DER e os implementos da idade mínima tenham ocorrido antes de 31.08.1994 (data da publicação da Medida Provisória 598, que introduziu alterações na redação original do art. 143 da Lei de Benefícios, sucessivamente reeditada e posteriormente convertida na Lei 9.063/95), o segurado deve comprovar o implemento do requisito etário (65 anos), e o exercício da atividade rural pelo período de cinco anos (60 meses), não se aplicando a tabela do art. 142 da Lei 8.213/91.
Não é possível dispensar a necessidade de implementação simultânea dos requisitos de idade e trabalho durante o interregno correspondente à carência, uma vez que esse benefício não tem caráter atuarial, sendo vedado criar regime híbrido que comporte a ausência de contribuições e a dispensa do preenchimento concomitante das exigências legais.
Em qualquer caso, desde que implementados os requisitos, o benefício de aposentadoria por idade rural será devido a partir da data do requerimento administrativo ou, inexistente este, e desde que caracterizado o interesse processual para a propositura da ação judicial, da data do respectivo ajuizamento (STF, RE 631.240, com repercussão geral, Plenário, Rel. Ministro Luís Roberto Barroso, julgado em 03/09/2014).
Do caso concreto
Da idade e da carência
Observa-se que a parte autora preencheu o requisito etário (55 anos) em 07-11-2012, porquanto nascida em 07-11-1957, e requereu o benefício na via administrativa em 06-08-2014. Assim, deve comprovar o efetivo exercício da atividade rural, ainda que de forma descontínua, nos 180 meses anteriores ao implemento do requisito etário, ou que antecedem o requerimento administrativo, o que lhe for mais favorável.
Da comprovação do trabalho rural
A fim de demonstrar o labor agrícola, no período ora controverso, isto é, de 01-01-2007 a 04-08-2014, a parte autora acostou aos autos os seguintes documentos:
a) certidão de óbito de seu esposo, Valdori Nunes Martins, datada de 22-12-2002, onde constou a qualificação deste como agricultor (ev. 3, anexospet 4, fl. 3);
b) contratos de parceria agrícola do marido da autora e José Henrique Schneider, firmados em 1996, 1997 e 1999, referente à exploração de área rural de 05 hectares, nos períodos de 31-05-1996 a 31-05-1997, 31-05-1997 a 31-05-1999 e de 31-05-1999 a 31-05-2000, (ev. 3, anexospet 4, fls. 5-10);
c) contratos de comodatos, entre a autora e Rejane Isabel da Silva, firmados em 2003 e 2011, referente à exploração de área rural de 03 hectares, no primeiro, e 1 hectare no segundo interregno, nos períodos de 14-05-2003 a 30-06-2011 e de 01-07-2011 a 30-07-2013 (ev. 3, anexospet 4, fls. 11-12);
d) contrato particular de promessa de compra e venda de imóvel rural, de 0,023 hectare, firmado em 14-02-2013, entre a autora, Paulo Pires e Maria Enar de Freitas, localizado na Linha Picada Nova, Venâncio Aires/RS (ev. 3, anexospet 4, fls. 13-14);
e) notas fiscais de venda ou de compra de produtos agrícolas, tais como: fumo, lenha, feijão, milho, arroz e aipim, dos anos de 2001 a 2003, 2005 a 2014, em nome da autora e/ou de seu marido Valdori Nunes Martins (ev. 3, anexospet 4, fls. 24-50);
f) certidões de nascimento dos filhos da autora, Denise e Alexandre, ocorridos em 10-03-1984 e 19-09-1993, respectivamente, nas quais o esposo da parte autora é qualificado como agricultor (ev. 3, contes 7, fls. 27 e 28);
O CNIS da autora informa apenas o gozo do benefício de salário maternidade, no período de 15-04-1998 a 16-08-1998 e pensão por morte, de segurado especial, a partir de 22-12-2002 (ev. 3, contes7, fls. 80-82), no valor de 1 (um) salário mínimo;
O CNIS do marido da autora, Valdori Nunes Martins, informa o gozo do benefício de auxílio doença previdenciário, na condição de segurado especial, no período de 03-11-1995 a 21-12-1995, e de auxílio doença por acidente do trabalho, igualmente na condição de segurado especial, no período de 20-05-1999 a 22-09-1999 (ev. 3, contes7, fls. 84).
Observe-se que o fato de a autora perceber pensão por morte desde 22-12-2002, no valor de um salário mínimo (ev. 3, contes7, fls. 80-82), não afasta, por si só, o seu direito à aposentação.
O art. 11, § 9º, I da Lei 8.213/91, dispõe:
§ 9º Não é segurado especial o membro de grupo familiar que possuir outra fonte de rendimento, exceto se decorrente de:
I - benefício de pensão por morte, auxílio-acidente ou auxílio-reclusão, cujo valor não supere o do menor benefício de prestação continuada da Previdência Social;
Destarte, trata-se de benefícios com pressupostos fáticos diferentes e fatos geradores de naturezas distintas, consoante resta claro do precedente abaixo colacionado:
PREVIDENCIÁRIO - RECURSO ESPECIAL - BENEFÍCIO DE PENSÃO POR MORTE - CUMULAÇÃO COM APOSENTADORIA POR IDADE - RURÍCOLA - POSSIBILIDADE.
- Em se tratando de benefício previdenciário rural é legítima a percepção cumulativa de aposentadoria por idade e pensão por morte, tendo em vista diferentes pressupostos fáticos e fatos geradores de natureza distintas.
- Omissis" (REsp 244.917/RS, 5ª Turma, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJU 20-11-2000).
No tocante a alegação da Autarquia Federal de que as notas fiscais juntadas aos autos possuem valores ínfimos, não sendo suficientes à manutenção da entidade familiar, é notório o fato de que os produtos cultivados pelos trabalhadores rurais em regime de economia familiar geralmente são destinados ao consumo familiar.
No caso concreto, há a particularidade ora esclarecida de que as notas fiscais do fumo comercializado eram emitidas em nome de terceiros, parceiros agrícolas da autora.
Assim, entendo que os documentos juntados aos autos constituem início razoável de prova material para o período ora analisado, ou seja, de 01-01-2007 a 04-08-2014.
Da prova testemunhal
A prova oral colhida em audiência judicial, realizada em 10-10-2016 (ev. 7, vídeo 1-3), corroborou o início de prova material acostado aos autos, no sentido de que a parte autora trabalhou na agricultura em regime de parceria, como porcenteira, nas propriedades de Inara e Rejane, esta última localizada em Mangueirão, com área aproximada de 20 hectares. Que plantava fumo, mas, também, milho e feijão, sem o auxílio de empregados ou maquinários agrícolas. As testemunhas afirmaram, ainda, que a atividade agrícola sempre foi a única fonte de subsistência da família, bem como que a requerente nunca exerceu atividade diversa da rural até os dias atuais.
Assim, os documentos apresentados pela autora são válidos como início de prova material, pois as testemunhas foram uníssonas em corroborar o labor rural da parte autora, na condição de segurada especial, por tempo superior ao legalmente exigido para a concessão do benefício.
Quanto à questão da valoração da entrevista rural, colhida pelo INSS na via administrativa, cumpre salientar, também, que muitas vezes a Autarquia Previdenciária alega que os depoimentos e informações tomados na via administrativa apontam para a ausência de atividade agrícola no período de carência.
Entretanto, o conjunto probatório produzido nos autos não corroborou a conclusão da Autarquia Previdenciária. Ao prestarem seus depoimentos em Juízo, as testemunhas não confirmaram a referência autárquica. Existindo conflito entre as provas colhidas na esfera administrativa e em juízo, como na hipótese, deve-se optar por estas últimas, produzidas que são com todas as cautelas legais, garantido o contraditório. Não se trata aqui de imputar inverídicas as informações tomadas pelo INSS, mas sim de prestigiar a imparcialidade que caracteriza a prova produzida no curso do processo judicial.
Além disso, do extrato do CNIS juntado aos autos (Ev. 3, contes7, fls. 80-82), observa-se que a autora não possui registro de vínculos empregatícios urbanos, fortalecendo a indicação de que, de fato, sobrevive unicamente das lides rurais.
Conclusão
Tenho que a prova material acostada, aliada à prova testemunhal colhida, mostra-se suficiente à demonstração de que a parte autora trabalhou na atividade rural, em regime de economia familiar, em todo o período correspondente à carência.
Assim, preenchido o requisito da idade exigida e comprovado o exercício da atividade rural durante o período correspondente à carência, considerada a data do implemento do requisito etário, deve ser mantida a sentença para condenar o INSS a conceder o benefício de Aposentadoria Rural por Idade à autora, a partir do requerimento administrativo, em 06-08-2014 (art. 49, II, da Lei 8.213/91).
Da tutela específica
Considerando os termos do art. 497 do CPC/2015, que repete dispositivo constante do art. 461 do Código de Processo Civil/1973, e o fato de que, em princípio, a presente decisão não está sujeita a recurso com efeito suspensivo (Questão de Ordem na AC 2002.71.00.050349-7/RS - Rel. p/ acórdão Desembargador Federal Celso Kipper, julgado em 09.08.2007 - 3.ª Seção), o presente julgado deverá ser cumprido de imediato quanto à implantação do benefício concedido em favor da parte autora, no prazo de 45 dias.
Na hipótese de a parte autora já se encontrar em gozo de benefício previdenciário, deve o INSS implantar o benefício deferido judicialmente apenas se o valor da renda mensal atual desse benefício for superior ao daquele.
Faculta-se à parte beneficiária manifestar eventual desinteresse quanto ao cumprimento desta determinação.
Dos Consectários
Correção monetária
A correção monetária, segundo o entendimento consolidado na 3.ª Seção deste regional, incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelos seguintes índices oficiais:
- IGP-DI de 05/96 a 03/2006, art. 10 da Lei n.º 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5.º e 6.º, da Lei n.º 8.880/94;
- INPC a partir de 04/2006, de acordo com a Lei n.º 11.430/06, precedida da MP n.º 316, de 11/08/2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei n.º 8.213/91, sendo que o art. 31 da Lei n.º 10.741/03, determina a aplicabilidade do índice de reajustamento dos benefícios do RGPS às parcelas pagas em atraso.
A incidência da TR como índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública foi afastada pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 870947, com repercussão geral, tendo-se determinado, no recurso paradigma a utilização do IPCA-E, como já havia sido determinado para o período subsequente à inscrição em precatório, por meio das ADIs 4.357 e 4.425.
Interpretando a decisão do STF, e tendo presente que o recurso paradigma que originou o precedente tratava de condenação da Fazenda Pública ao pagamento de débito de natureza não previdenciária (benefício assistencial), o Superior Tribunal de Justiça, em precedente também vinculante (REsp 1495146), distinguiu, para fins de determinação do índice de atualização aplicável, os créditos de natureza previdenciária, para estabelecer que, tendo sido reconhecida a inconstitucionalidade da TR como fator de atualização, deveria voltar a incidir, em relação a tal natureza de obrigação, o índice que reajustava os créditos previdenciários anteriormente à Lei 11.960/09, ou seja, o INPC.
Importante ter presente, para a adequada compreensão do eventual impacto sobre os créditos dos segurados, que os índices em referência - INPC e IPCA-E tiveram variação praticamente idêntica no período transcorrido desde julho de 2009 até setembro de 2017, quando julgado o RE 870947, pelo STF (IPCA-E: 64,23%; INPC 63,63%), de forma que a adoção de um ou outro índice nas decisões judiciais já proferidas não produzirá diferenças significativas sobre o valor da condenação.
A conjugação dos precedentes acima resulta na aplicação do INPC aos benefícios previdenciários, a partir de abril 2006, reservando-se a aplicação do IPCA-E aos benefícios de natureza assistencial.
Em data de 24 de setembro de 2018, o Ministro Luiz Fux, relator do RE 870947 (tema 810), deferiu efeito suspensivo aos embargos de declaração opostos pela Fazenda Pública, por considerar que a imediata aplicação da decisão daquela Corte, frente à pendência de pedido de modulação de efeitos, poderia causar prejuízo "às já combalidas finanças públicas".
Em face do efeito suspensivo deferido pelo STF sobre o próprio acórdão, e considerando que a correção monetária é questão acessória no presente feito, bem como que o debate remanescente naquela Corte Suprema restringe-se à modulação dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade, impõe-se desde logo, inclusive em respeito à decisão também vinculante do STJ, no tema 905, o estabelecimento do índice aplicável - INPC para os benefícios previdenciários e IPCA-E para os assistenciais -, cabendo, porém, ao juízo de origem observar, na fase de cumprimento do presente julgado, o que vier a ser deliberado nos referidos embargos declaratórios. Se esta fase tiver início antes da decisão, deverá ser utilizada, provisoriamente, a TR, sem prejuízo de eventual complementação.
Juros de mora
Os juros de mora devem incidir a partir da citação.
Até 29.06.2009, os juros de mora devem incidir à taxa de 1% ao mês, com base no art. 3º do Decreto-Lei n.º 2.322/87, aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar, consoante firme entendimento consagrado na jurisprudência do STJ e na Súmula 75 desta Corte.
A partir de então, deve haver incidência dos juros, uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo percentual aplicado à caderneta de poupança, nos termos estabelecidos no art. 1.º-F, da Lei 9.494/97, na redação da Lei 11.960/2009, considerado hígido pelo STF no RE 870947, com repercussão geral reconhecida. Os juros devem ser calculados sem capitalização, tendo em vista que o dispositivo determina que os índices devem ser aplicados "uma única vez" e porque a capitalização, no direito brasileiro, pressupõe expressa autorização legal (STJ, 5.ª Turma, AgRgno AgRg no Ag 1211604/SP, Rel. Min. Laurita Vaz).
Das Custas Processuais
O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4.º, I, da Lei 9.289/96). Tratando-se de feitos afetos à competência delegada, tramitados na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, a autarquia também é isenta do pagamento dessas custas, de acordo com o disposto no art. 5.º, I, da Lei Estadual n.º 14.634/14, que institui a Taxa Única de Serviços Judiciais desse Estado, ressalvando-se que tal isenção não a exime da obrigação de reembolsar eventuais despesas judiciais feitas pela parte vencedora (parágrafo único, do art. 5.º). Salienta-se, ainda, que nessa taxa única não estão incluídas as despesas processuais mencionadas no parágrafo único, do art. 2.º, da referida Lei, tais como remuneração de peritos e assistentes técnicos, despesas de condução de oficiais de justiça, entre outras.
Assim, no ponto, provido o pleito do INSS.
Da Verba Honorária
Nas ações previdenciárias os honorários advocatícios devem ser fixados em 10% sobre o valor da condenação, excluídas as parcelas vincendas, observando-se a Súmula 76 desta Corte: "Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência".
No tocante ao cabimento da majoração da verba honorária, conforme previsão do parágrafo 11 do art. 85 do CPC/2015, devem ser adotados, simultaneamente, os critérios estabelecidos pela Segunda Seção do STJ no julgamento do AgInt nos EREsp n.º 1.539.725 – DF (DJe: 19.10.2017), a seguir relacionados:
a) vigência do CPC/2015 quando da publicação da decisão recorrida, ou seja, ela deve ter sido publicada a partir de 18.03.2016;
b) não conhecimento integralmente ou desprovimento do recurso, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente;
c) existência de condenação da parte recorrente ao pagamento de honorários desde a origem no feito em que interposto o recurso.
No referido julgado ainda ficaram assentadas as seguintes orientações:
- somente haverá majoração da verba honorária quando o recurso não conhecido ou desprovido inaugurar uma nova instância recursal, de modo que aqueles recursos que gravitam no mesmo grau de jurisdição, como os embargos de declaração e o agravo interno, não ensejam a aplicação da regra do parágrafo 11 do art. 85 do CPC/2015;
- da majoração dos honorários sucumbenciais não poderá resultar extrapolação dos limites previstos nos §§ 2.º e 3.º do art. 85 do CPC/2015;
- é dispensada a configuração do trabalho adicional do advogado da parte recorrida na instância recursal para que tenha ensejo a majoração dos honorários, o que será considerado, no entanto, para a quantificação de tal verba;
- quando for devida a majoração da verba honorária, mas, por omissão, não tiver sido aplicada no julgamento do recurso, poderá o colegiado arbitrá-la "ex officio", por se tratar de matéria de ordem pública, que independe de provocação da parte, não se verificando "reformatio in pejus".
No caso concreto não estão preenchidos todos os requisitos acima elencados, não sendo devida, portanto, a majoração da verba honorária.
Prequestionamento
A fim de possibilitar o acesso às instâncias superiores, consideram-se prequestionadas as matérias constitucionais e legais suscitadas nos recursos oferecidos pelo INSS, nos termos dos fundamentos do voto, deixando de aplicar dispositivos constitucionais ou legais não expressamente mencionados e/ou havidos como aptos a fundamentar pronunciamento judicial em sentido diverso do que está declarado.
Conclusão
Deixo de conhecer do recurso do INSS, por falta de interesse recursal, no ponto em que requer a fixação dos honorários advocatícios em 10% sobre o valor da condenação, com aplicação Súmula 111 do STJ, por verificar que a determinação da sentença é nesse mesmo sentido.
Dou parcial provimento ao recurso do INSS apenas para extinguir o feito sem julgamento do mérito com relação ao período de 01-01-1996 a 31-12-2006, em razão do prévio reconhecimento administrativo, bem como para reconhecer a isenção da autarquia quanto ao pagamento das custas processuais.
Afasto a preliminar de coisa julgada com relação ao período de 01-01-2007 a 07-11-2012, e, no mérito, mantenho o reconhecimento do desempenho do labor rural nesse intervalo, bem como o direito da parte autora à obtenção do benefício de aposentadoria rural por idade.
Ante o exposto, voto por conhecer parcialmente do recurso do INSS e, nessa extensão, dar-lhe parcial provimento e determinar a implantação do benefício.
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Apelação Cível Nº 5011458-23.2018.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: TEREZINHA ODETE DA SILVA MARTINS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO e processual civil. RECONHECIMENTO DA PROCEDÊNCIA do pedido na via administrativA. extinção do feito com resolução do mérito. coisa julgada. ATIVIDADE RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADO PELA PROVA TESTEMUNHAL. entrevista administrativa. pensão por morte. não descaracterização do labor rural. Aposentadoria por idade rural. REQUISITOS PREENCHIDOS. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. tutela específica.
1. Deve ser extinto, com resolução do mérito o pedido reconhecido na via administrativa.
2. Havendo a juntada de prova relativa a período de labor rural, não constante de processo anterior, o qual foi extinto com julgamento do mérito, por insuficiência probatória, e, submetida esta prova ao crivo do contraditório, deve ser afastada a coisa julgada, permitindo o exame do pedido em nova ação com suporte probatório diverso.
3. O tempo de serviço rural para fins previdenciários pode ser demonstrado mediante início de prova material suficiente, desde que complementado por prova testemunhal idônea.
4. Existindo conflito entre as provas colhidas na esfera administrativa e em juízo, deve-se optar por estas últimas, produzidas que são com todas as cautelas legais, garantido o contraditório.
5. O fato de a parte autora perceber pensão por morte em razão óbito de seu esposo, filiado no RGPS inferior a um salário mínimo não afasta o seu direito à aposentadoria por idade.
6. Comprovado nos autos o requisito etário e o exercício de atividade rural, no período de carência é de ser concedida a Aposentadoria por Idade Rural à parte autora, a contar do requerimento administrativo, a teor do disposto no art. 49, II, da Lei 8.213/91.
7. Determina-se o cumprimento imediato do acórdão naquilo que se refere à obrigação de implementar o benefício, por se tratar de decisão de eficácia mandamental que deverá ser efetivada mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 497 do CPC/15, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo).
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, conhecer parcialmente do recurso do INSS e, nessa extensão, dar-lhe parcial provimento e determinar a implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 16 de outubro de 2019.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual ENCERRADA EM 07/08/2019
Apelação Cível Nº 5011458-23.2018.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
PRESIDENTE: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: TEREZINHA ODETE DA SILVA MARTINS
ADVOGADO: ISABEL CRISTINA OESTREICH (OAB RS033334)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual encerrada em 07/08/2019, na sequência 457, disponibilizada no DE de 19/07/2019.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
RETIRADO DE PAUTA.
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 03:36:43.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Ordinária DE 04/09/2019
Apelação Cível Nº 5011458-23.2018.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
PRESIDENTE: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
PROCURADOR(A): CLAUDIO DUTRA FONTELLA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: TEREZINHA ODETE DA SILVA MARTINS
ADVOGADO: ISABEL CRISTINA OESTREICH (OAB RS033334)
Certifico que este processo foi incluído no 1º Aditamento da Sessão Ordinária do dia 04/09/2019, na sequência 395, disponibilizada no DE de 20/08/2019.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
RETIRADO DE PAUTA.
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 03:36:43.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Ordinária DE 16/10/2019
Apelação Cível Nº 5011458-23.2018.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
PRESIDENTE: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
PROCURADOR(A): CARLOS EDUARDO COPETTI LEITE
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: TEREZINHA ODETE DA SILVA MARTINS
ADVOGADO: ISABEL CRISTINA OESTREICH (OAB RS033334)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária do dia 16/10/2019, na sequência 386, disponibilizada no DE de 27/09/2019.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER PARCIALMENTE DO RECURSO DO INSS E, NESSA EXTENSÃO, DAR-LHE PARCIAL PROVIMENTO E DETERMINAR A IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Votante: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 03:36:43.