Apelação/Remessa Necessária Nº 5048833-92.2017.4.04.9999/RS
RELATORA: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
APELANTE: DIONETE MISTURA GAMBATTO
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
A autora ajuizou a presente ação contra o INSS em 23-07-2015, pretendendo a revisão da renda mensal inicial de seu benefício previdenciário (espécie 42 com DIB em 07-10-2014), mediante a consideração dos salários de contribuição de 26-10-1998 a 01-10-2004, em que manteve vínculo com a Prefeitura Municipal de Itapuca-RS. Argumentou que o período foi considerado como tempo de contribuição na concessão da aposentadoria, mas o INSS deixou de utilizar os valores dos salários de contribuição anteriores a 2005 no PBC. Sustentou que a obrigação do recolhimento das contribuições previdenciárias dos segurados empregados é do empregador, e, se este deixa de recolhê-las, o segurado não pode ser penalizado.
Em contestação, o INSS alegou a falta de interesse de agir por ausência de prévio requerimento administrativo.
O juízo a quo julgou extinto o feito, sem julgamento do mérito, por carência de ação, com fundamento no art. 485, VI, do CPC. Condenou a autora ao pagamento das custas processuais, suspensa a exigibilidade em razão da gratuidade de justiça concedida.
A autora apelou sustentando que, quando do requerimento administrativo de concessão, juntou documentos hábeis a comprovar os salários de contribuição. Frisou que a demanda tem origem na falta de cômputo de salários de contribuição de parte do período em que exerceu atividades laborativas na Prefeitura de Itapuca/RS, tendo sido reconhecido administrativamente o tempo de contribuição, mas não os salários de contribuição; como a obrigação do recolhimento era do empregador, não pode a apelante ser penalizada. Pediu, pois, a reforma da sentença para que seja revisada a renda mensal inicial do benefício desde a DIB, ou, em assim não se entendendo, dede a data do ajuizamento.
Sem contrarrazões, vieram os autos para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Ausência de Interesse de Agir e Prévio Requerimento Administrativo
O Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral, assentou entendimento sobre a matéria, nos autos do RE 631.240/MG, no sentido da dispensabilidade do prévio requerimento administrativo como pressuposto para que se possa acionar legitimamente o Poder Judiciário, nos casos de ações que visam somente ao melhoramento ou à proteção de vantagem já concedida ao demandante (pedidos de revisão, conversão de benefício em modalidades mais vantajosa, restabelecimento, manutenção, etc.).
Com efeito, o Relator do RE 631.240, Ministro Luís Roberto Barroso, dividiu as ações previdenciárias em dois grupos, quais sejam:
(i) demandas que pretendem obter uma prestação ou vantagem inteiramente nova ao patrimônio jurídico do autor (concessão de benefício, averbação de tempo de serviço e respectiva certidão, etc.); e
(ii) ações que visam ao melhoramento ou à proteção de vantagem já concedida ao demandante (pedidos de revisão, conversão de benefício em modalidades mais vantajosa, restabelecimento, manutenção, etc.).
E concluiu o Ministro afirmando que: "no primeiro grupo, como regra, exige-se a demonstração de que o interessado já levou sua pretensão ao conhecimento da Autarquia e não obteve a resposta desejada", sendo que a falta de prévio requerimento administrativo de concessão deve implicar na extinção do processo judicial sem resolução de mérito, por ausência de interesse de agir; "no segundo grupo, precisamente porque já houve a inauguração da relação entre o beneficiário e a Previdência, não se faz necessário, de forma geral, que o autor provoque novamente o INSS para ingressar em juízo." Importante menção fez ainda o Relator aos casos em que o entendimento da Autarquia for notoriamente contrário à pretensão do interessado, salientando não ser exigível o prévio requerimento administrativo, todavia assegurou não se enquadrar aqui os casos em que se pretende obter benefício para trabalhador informal.
Veja-se, a respeito, a ementa do julgado:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO E INTERESSE EM AGIR. 1. A instituição de condições para o regular exercício do direito de ação é compatível com o art. 5º, XXXV, da Constituição. Para se caracterizar a presença de interesse em agir, é preciso haver necessidade de ir a juízo. 2. A concessão de benefícios previdenciários depende de requerimento do interessado, não se caracterizando ameaça ou lesão a direito antes de sua apreciação e indeferimento pelo INSS, ou se excedido o prazo legal para sua análise. É bem de ver, no entanto, que a exigência de prévio requerimento não se confunde com o exaurimento das vias administrativas. 3. A exigência de prévio requerimento administrativo não deve prevalecer quando o entendimento da Administração for notória e reiteradamente contrário à postulação do segurado. 4. Na hipótese de pretensão de revisão, restabelecimento ou manutenção de benefício anteriormente concedido, considerando que o INSS tem o dever legal de conceder a prestação mais vantajosa possível, o pedido poderá ser formulado diretamente em juízo - salvo se depender da análise de matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração -, uma vez que, nesses casos, a conduta do INSS já configura o não acolhimento ao menos tácito da pretensão. 5. Tendo em vista a prolongada oscilação jurisprudencial na matéria, inclusive no Supremo Tribunal Federal, deve-se estabelecer uma fórmula de transição para lidar com as ações em curso, nos termos a seguir expostos. 6. Quanto às ações ajuizadas até a conclusão do presente julgamento (03.09.2014), sem que tenha havido prévio requerimento administrativo nas hipóteses em que exigível, será observado o seguinte: (i) caso a ação tenha sido ajuizada no âmbito de Juizado Itinerante, a ausência de anterior pedido administrativo não deverá implicar a extinção do feito; (ii) caso o INSS já tenha apresentado contestação de mérito, está caracterizado o interesse em agir pela resistência à pretensão; (iii) as demais ações que não se enquadrem nos itens (i) e (ii) ficarão sobrestadas, observando-se a sistemática a seguir. 7. Nas ações sobrestadas, o autor será intimado a dar entrada no pedido administrativo em 30 dias, sob pena de extinção do processo. Comprovada a postulação administrativa, o INSS será intimado a se manifestar acerca do pedido em até 90 dias, prazo dentro do qual a Autarquia deverá colher todas as provas eventualmente necessárias e proferir decisão. Se o pedido for acolhido administrativamente ou não puder ter o seu mérito analisado devido a razões imputáveis ao próprio requerente, extingue-se a ação. Do contrário, estará caracterizado o interesse em agir e o feito deverá prosseguir. 8. Em todos os casos acima - itens (i), (ii) e (iii) -, tanto a análise administrativa quanto a judicial deverão levar em conta a data do início da ação como data de entrada do requerimento, para todos os efeitos legais. 9. Recurso extraordinário a que se dá parcial provimento, reformando-se o acórdão recorrido para determinar a baixa dos autos ao juiz de primeiro grau, o qual deverá intimar a autora - que alega ser trabalhadora rural informal - a dar entrada no pedido administrativo em 30 dias, sob pena de extinção. Comprovada a postulação administrativa, o INSS será intimado para que, em 90 dias, colha as provas necessárias e profira decisão administrativa, considerando como data de entrada do requerimento a data do início da ação, para todos os efeitos legais. O resultado será comunicado ao juiz, que apreciará a subsistência ou não do interesse em agir. (RE 631240, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 03/09/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-220 DIVULG 07-11-2014 PUBLIC 10-11-2014) (negritei e sublinhei)
No caso dos autos, a parte autora pretende a revisão de benefício previdenciário já concedido, hipótese em que, como se viu, não se faz necessário, de forma geral, que se provoque novamente o INSS para ingressar em juízo.
A regra geral de dispensa do prévio requerimento de revisão ficou excepcionada se a pretensão depender da análise de matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração.
Nas hipóteses em que requerida, por exemplo, a revisão do benefício para fins de cômputo, nos salários de contribuição do período básico de cálculo, de verbas salariais reconhecidas em reclamatória trabalhista, a jurisprudência desta Corte alinha-se no sentido de que o INSS (que, na maior parte das vezes, não participa daquela lide) não acolhe em seus sistemas, de forma automática, que foram reconhecidas parcelas salariais no juízo trabalhista, ainda que receba, por consequência da procedência daquela demanda, as contribuições previdenciárias respectivas. A matéria não configura hipótese em que o INSS se nega sistematicamente a apreciar, ou indefere de pronto a pretensão do segurado. Em tais condições, a situação se enquadra na exceção acima referida, como decidido, v.g., na Apelação Cível nº 5004480-67.2014.4.04.7122/RS, julgada em 27-01-2016.
No caso dos autos, a autora pretende a revisão do benefício ao argumento de que, no período laborado junto ao Município de Itapuca, embora considerado pelo INSS o tempo de contribuição, não foram utilizados no cálculo da aposentadoria os reais salários de contribuição do período de 26-10-1998 a 01-10-2004.
A pretensão, pois, depende da análise de matéria de fato.
Entretanto, não se está diante de matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração. Como se pode verificar de cópia do processo administrativo de concessão juntado aos autos, houve discussão acerca do registro das remunerações da segurada no sistema informatizado (evento 3 - anexos pet4, fls. 60/81).
Aqui, portanto, aplica-se a solução preconizada pelo STF: considerando que o INSS tem o dever legal de conceder a prestação mais vantajosa possível, o pedido poderá ser formulado diretamente em juízo ..... uma vez que, nesses casos, a conduta do INSS já configura o não acolhimento ao menos tácito da pretensão.
Nesse passo, uma vez que não é exigido exaurimento da via administrativa, ou seja, o esgotamento de todas as instâncias a ela inerentes, o que, a propósito, é rechaçado pelas Súmulas 213 do extinto TFR e 89 do Superior Tribunal de Justiça, deve ser afastada a carência de ação por falta de interesse de agir.
O processo, porém, não se encontra pronto para julgamento, não se afigurando possível a aplicação do disposto no art. 1.013, § 3º, do CPC/2015, já que se faz necessária a dilação probatória.
Desse modo, a sentença deve ser anulada, de ofício, com o retorno dos autos à origem, para a complementação da instrução processual e posterior prolação de nova sentença.
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação.
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Apelação/Remessa Necessária Nº 5048833-92.2017.4.04.9999/RS
RELATORA: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
APELANTE: DIONETE MISTURA GAMBATTO
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. REVISÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO 631.240/MG. REPERCUSSÃO GERAL. SENENÇA DE EXTINÇÃO ANULADA.
1. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário n. 631.240/MG em sede de repercussão geral, assentou entendimento no sentido de ser necessário, como regra geral, o requerimento administrativo antes do ajuizamento de ações de concessão de benefícios previdenciários.
2. Em caso de revisão de benefícios previdenciários já concedidos, não se faz necessário, de forma geral, que se provoque novamente o INSS para ingressar em juízo. A regra geral de dispensa do prévio requerimento de revisão é excepcionada se a pretensão depender da análise de matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração.
3. No caso em apreço, não se está diante de matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração.
4. Não é aplicável ao caso o disposto no art. 1.013, § 3º, do CPC/2015, uma vez que se faz necessária dilação probatória, razão pela qual se anula a sentença, determinando-se o retorno dos autos à origem para complementação da instrução processual e posteiror prolação de nova sentença.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 27 de junho de 2018.
Documento eletrônico assinado por TAIS SCHILLING FERRAZ, Juíza Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000482078v4 e do código CRC 9ea42d96.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 27/06/2018
Apelação/Remessa Necessária Nº 5048833-92.2017.4.04.9999/RS
RELATORA: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
APELANTE: DIONETE MISTURA GAMBATTO
ADVOGADO: RAFAELA CALVI ECHER
ADVOGADO: JORGE CALVI
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 27/06/2018, na seqüência 16, disponibilizada no DE de 12/06/2018.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª Turma, por unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 15:31:47.