Rua Otávio Francisco Caruso da Rocha, 300, Gabinete do Des. Federal João Batista Pinto Silveira - Bairro: Praia de Belas - CEP: 90010-395 - Fone: (51)3213-3191 - www.trf4.jus.br - Email: gbatista@trf4.jus.br
Apelação Cível Nº 5006328-20.2017.4.04.7111/RS
RELATOR: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELANTE: ELOI FERREIRA (AUTOR)
APELADO: OS MESMOS
RELATÓRIO
A parte autora da presente ação previdenciária obteve na via administrativa a concessão do benefício de aposentadoria integral por tempo de contribuição por ocasião do requerimento administrativo formulado em 25/05/2011, ocasião em que a Autarquia computou 38 anos, 07 meses e 13 dias de tempo de contribuição.
Posteriormente o INSS efetuou revisão administrativa do benefício, excluindo o lapso de 16/06/2007 a 12/04/2011, durante o qual o autor recebeu auxílio-doença previdenciário (NB 31/515.775.912-2), que acabou sendo transformado por este Tribunal em auxílio-acidente (Apelação n.º 0015527-67.2010.404.9999/RS), de modo que o segurado passou a computar, na DER reafirmada administrativamente para 07/07/2011, apenas 34 anos 09 meses e 13 dias, o que resultou, por consequência, na transformação da aposentadoria integral para proporcional, com redução do valor do salário de benefício.
Assim, o INSS passou a cobrar do autor a diferença entre o valor das mensalidades que seriam devidas e aquelas efetivamente pagas até a efetivação da revisão, descontando mensalmente 30% do valor de seu pagamento mensal.
Nesse contexto fático, o autor ajuizou a presente ação, requerendo, liminarmente, a suspensão dos descontos no valor mensal de seu benefício e, no mérito, (a) o reconhecimento do direito de recolher, na qualidade de segurado facultativo, as contribuições previdenciárias referentes aos três meses que lhe faltaram na DER para atingir os 35 anos de contribuição (as competências 03/2011, 04/2011 e 05/2011), mantendo-se seu benefício de aposentadoria por tempo de contribuição integral; (b) subsidiariamente, a reafirmação da DER para 20/08/2012, data em que completados 35 anos de contribuição; (c) a anulação da dívida exigida pelo INSS, em razão de não ser devida a repetição dos valores percebidos de boa-fé e (d) por fim, a condenação do INSS ao reembolso dos valores descontados indevidamente da aposentadoria do autor.
A sentença de parcial procedência (publicada na vigência do CPC/2015) foi proferida com o seguinte dispositivo:
Ante o exposto, julgo parcialmente procedente o pedido formulado na ação proposta pela parte autora em face do Instituto Nacional do Seguro Social, resolvendo o mérito, com fulcro no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para:
a) reconhecer o direito do autor a reafirmar a DER do benefício de aposentadoria, determinando que o INSS reafirme a DER do benefício do autor para a data que completar exatos 35 anos de contribuição, recalculando a RMI do benefício do autor, com efeitos financeiros a contar da data desta sentença.
b) reconhecer a inexibilidade da restituição dos valores recebidos pela parte autora a título da aposentadoria NB 155398403-7, determinando ao INSS que se abstenha de efetuar a cobrança do valor, bem como de inscrever o crédito em questão em qualquer cadastro de inadimplência em razão do referido débito;
c) condenar o INSS a restituir ao autor os valores indevidamente descontados em seu benefício em razão do débito declarado inexigível, com acréscimo de correção monetária e juros, nos termos da fundamentação.
Condeno o INSS ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor declarado inexigível, considerando os critérios elencados no art. 85, §§ 2° e 3°, do CPC.
Sem condenação em custas, em razão da isenção prevista no art. 4°, I, da Lei n° 9.289/1996 e da ausência de adiantamento pela parte autora em razão da AJG.
Incabível a remessa necessária, nos termos da Súmula 490 do STJ, pois ainda que ilíquida a sentença o valor da condenação jamais ultrapassará mil salários mínimos, conforme Art. 496, §3º, I, do NCPC (TRF4 5023876-53.2015.404.7200, QUINTA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, juntado aos autos em 08/09/2016 e TRF4 5074445-13.2014.404.7000, QUINTA TURMA, Relator TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 06/09/2016).
Ambas as partes interpuseram recursos de apelação, a parte autora, adesivamente.
O INSS requer a reforma da sentença. Alega, em síntese: (a) que a dívida cobrada da parte autora originou-se da concessão de benefício de forma precária, por antecipação de tutela posteriormente revogada, em razão da verificação de irregularidades na concessão; (b) que a Administração Pública tem o poder-dever de anular atos ilegais, conforme art. 114 da Lei 8.112/1991 e art. 53 da Lei 9.784/1999, bem como que desses atos não se originam direitos, conforme preceitua a Súmula 473 do STF; (c) que o processo administrativo, desde que respeitado o princípio do devido processo legal, é um meio legítimo para apurar irregularidades na concessão de benefícios e constituir créditos não-tributários; (d) que o não ressarcimento ao erário pelos valores indevidamente percebidos configura enriquecimento sem causa do segurado, vedado pelo ordenamento brasileiro (art. 876 do Código Civil); (e) que a resistência ao ressarcimento daquilo que fora indevidamente percebido por parte do segurado implica em violação aos deveres de lealdade e boa-fé, motivo pelo qual afirma não ter cabimento a alegação quanto à irrepetibilidade das parcelas alimentares percebidas de boa-fé; (f) que o fato de a data do requerimento do benefício irregularmente concedido (25/05/2011) ser posterior à publicação pelo TRF4 do acórdão que converteu o auxílio-doença deferido à parte autora em auxílio-acidente (05/04/2011) evidencia a má-fé do segurado, que postulou o cômputo de período ao qual já sabia não fazer jus; (g) que há expressa previsão legal para o desconto dos valores pagos indevidamente pela Previdência Social no valor dos benefícios, conforme art. 115, II, da Lei 8.213/1991, de modo que o afastamento dessa possibilidade exigiria a declaração incidental de inconstitucionalidade desse dispositivo; (h) que a questão de os valores indevidos terem sido recebidos de boa ou de má-fé só faz diferença quanto à possibilidade de parcelamento da dívida, conforme o texto legal já citado, sendo devido o ressarcimento em ambos os casos; (i) que a jurisprudência das Turmas de Direito Administrativo do STJ é no sentido de que, mesmo sendo alimentar a verba percebida irregularmente, o servidor ou aposentado deve devolver tudo o que recebeu indevidamente, em razão de expressa previsão legal (Lei nº 8.112/1990, art. 46), e que as decisões das Turmas de Direito Previdenciário têm se encaminhado nesse mesmo sentido.
Em resumo, requer o INSS o provimento do recurso para que seja reconhecida a exigibilidade do débito, implicando, por conseguinte, na manutenção dos descontos desses valores no pagamento mensal do benefício da parte autora. Pela eventualidade do não provimento do apelo, prequestiona a matéria alegada para fins recursais.
A parte autora, por sua vez, interpõe recurso de apelação adesivo, no qual esclarece que o propósito da presente demanda é a manutenção de sua aposentadoria na modalidade integral, desde a DER/DIB, em 07/07/2011. Invoca o princípio da razoabilidade para a solução da questão, com a necessária adequação da situação de forma justa, conforme exigido pelas peculiaridades do caso concreto.
Alega que não se discute a existência de equívoco no cômputo dos períodos laborais quando da concessão do benefício, mas que esse equívoco foi cometido pelo INSS, que possuía todos os meios e a expertise necessária para fazer a correta análise do benefício postulado, computando adequadamente os tempos de contribuição do segurado.
Nesse contexto, e considerando a possibilidade de provimento do recurso da autarquia, requer o reconhecimento do direito de computar a indenização dos três meses faltantes para completar os 35 anos de tempo de contribuição, a ser realizada como contribuinte facultativo, devendo o INSS ser compelido a emitir Guia da Previdência Social para que possa efetuar esse recolhimento, sugerindo um dos seguintes intervalos: setembro a novembro de 1997, julho a setembro de 2007 ou março a maio de 2011, com a finalidade de manter seu benefício como Aposentadoria Integral por Tempo de Contribuição, com sua respectiva renda mensal.
Regularmente processados, subiram os autos a este Tribunal.
Verificando que o feito envolvia controvérsia discutida no Tema nº 979 do STJ, representativo de controvérsia repetitiva (devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social), determinei o sobrestamento do processo (evento 2).
Com a conclusão do julgamento do mencionado precedente, foi reativada a movimentação processual (evento 12).
É o relatório.
VOTO
Juízo de admissibilidade
Os apelos preenchem os requisitos legais de admissibilidade.
Da remessa necessária
Considerando a DIB e a data da sentença verifica-se de plano não se tratar de hipótese para o conhecimento do reexame obrigatório, portanto, correta a sentença que não submeteu o feito à remessa necessária.
Da questão controversa
A questão controversa dos presentes autos na fase recursal cinge-se à possibilidade de:
- recolhimento pela parte autora, como segurado facultativo, das três contribuições previdenciárias necessárias ao implemento do requisito de 35 anos de contribuição na DER, em 07/07/2011, para fins de manutenção do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição integral conforme concedido nessa ocasião;
- exigibilidade da devolução dos valores auferidos pela parte autora em decorrência da concessão indevida do benefício previdenciário de aposentadoria por tempo de contribuição integral em 07/07/2011, mediante descontos no valor dos pagamentos mensais do benefício ora percebido.
Do recolhimento de contribuições como segurado facultativo
A origem da presente lide reside no fato de o intervalo de 16/06/2007 a 12/04/2011, originalmente considerado como tempo de percepção de auxílio-doença pela parte autora, e, portanto, computado como tempo de contribuição para fins de concessão da aposentadoria por tempo de contribuição concedida em 07/07/2011, ter sido convertido por esta Corte em período de auxílio-acidente, e, portanto, ter sido posteriormente excluído do tempo de contribuição do segurado, que passou a contar, na DER, com apenas 34 anos 09 meses e 13 dias.
No processo administrativo de revisão o INSS transformou o benefício do autor de aposentadoria integral para proporcional, com redução do valor do salário de benefício, e passou a descontar do pagamento mensal do benefício remanescente a diferença entre o valor das mensalidades que seriam devidas e aquelas efetivamente pagas até a efetivação da revisão.
Assim, o pleito do autor de recolhimento de três contribuições previdenciárias na qualidade de contribuinte facultativo é no sentido de completar o tempo de contribuição necessário para o deferimento da aposentadoria na modalidade integral, com vistas à sua manutenção.
O juízo singular indeferiu o pedido sob o fundamento de que "no caso de segurado facultativo (não obrigatório) a filiação ao RGPS não é automática, mas um ato volitivo que, portanto, somente gera efeitos a partir do efetivo recolhimento das contribuições".
Merece reparos a sentença quanto ao ponto.
Está correto que o segurado facultativo é uma categoria diferenciada de segurado da Previdência Social, porquanto não é o exercício de atividade remunerada que induz a sua filiação ao sistema, mas sim o efetivo recolhimento voluntário das contribuições, já que não há exercício de atividade remunerada por essa categoria de segurados. Todavia, uma vez já estando filiado ao sistema, o segurado facultativo pode, sim, recolher contribuições em atraso, enquanto não houver perdido sua qualidade de segurado, conforme se verifica no Decreto 3.048/1999, que aprova o Regulamento da Previdência Social:
Art. 11. É segurado facultativo o maior de dezesseis anos de idade que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social, mediante contribuição, na forma do art. 199, desde que não esteja exercendo atividade remunerada que o enquadre como segurado obrigatório da previdência social.
(...)
§ 4º Após a inscrição, o segurado facultativo somente poderá recolher contribuições em atraso quando não tiver ocorrido perda da qualidade de segurado, conforme o disposto no inciso VI do art. 13.
(...)
Art. 13. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:
(...)
VI - até seis meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo.
Analisando o CNIS da parte autora (evento 1, item 7, páginas 25 e seguintes), verifico que nos três trimestres que ela indica em seu apelo como opções de períodos para recolhimento das contribuições faltantes (setembro a novembro de 1997, julho a setembro de 2007 ou março a maio de 2011), em nenhum deles houve perda da qualidade de segurado.
Assim, não há qualquer óbice ao recolhimento pretendido pela parte autora, motivo pelo qual deve ser dado provimento ao seu recurso quanto ao ponto.
Todavia, importa salientar a impossibilidade de deferimento de benefício condicionado a evento futuro e incerto, o que certamente inquinaria o presente acórdão de nulidade, em flagrante ofensa ao parágrafo único do art. 492 do CPC/2015 (nulidade da decisão condicional). Ademais, eventual recolhimento das contribuições faltantes pela parte autora somente teria efeitos prospectivos, não tendo o condão de fazer o benefício ser devido em momento anterior ao pagamento, porquanto não estariam, até então, implementadas todas as condições para o benefício postulado e, tampouco adquirido o direito a ele.
Da reafirmação da DER
Diante do que foi exposto acima, e em atenção à peculiaridade do caso concreto, a melhor solução foi aquela adotada pela sentença, que admitiu o procedimento da reafirmação da DER para fins de colmatação do tempo que faltava, na DER, para o implemento do requisito temporal da aposentadoria integral.
Relevante esclarecer que essa solução havia sido proposta pela 18ª Junta de Recursos do Conselho de Recursos da Previdência Social, que, atenta à peculiaridade do caso, e buscando a solução mais justa para o problema, assim se manifestou:
Uma vez que foram juntados relações previdenciárias - Porta CNIS, fls. 289/290, onde se verifica que o segurado retornou ao trabalho em 03.06.2012 a 15.09.2012, como empregado, junto à empresa Universal LEAF TABACOS LTDA e de 10.03.2013 a 26.07.2013 e de 10.02.2014 a 02.09.2014, portanto, já computando tempo suficiente para a aposentadoria integral, solicitamos seja emitido correspondência ao mesmo para que informe se aceita REAFIRMAÇÃO DA DER para 15.09.2012 ou na data em que entender oportuna, desde que seja posterior a 07.07.2011, quando atingiu o tempo de 34 anos, 09 meses e 13 dias (pois este será o tempo a ser considerado quando da revisão de ofício a ser efetivada), já que para completar o tempo de 35 anos de contribuição necessita comprovar mais 2 meses e 17 dias de trabalho (como há contrato de trabalho de 03.06.2012 a 15.09.2012) poderia reafirmar a DER a partir de 20.08.2012.
Salienta-se, ainda, que não havendo recurso contra a sentença quanto a esse ponto, a reafirmação da DER resta integralmente mantida.
Por fim, necessário esclarecer que, mesmo mantido o direito da parte autora à obtenção do benefício na modalidade integral desde a DER reafirmada, não se pode falar na inexistência de controvérsia acerca dos valores a serem (ou não) ressarcidos pelo segurado à Autarquia, tanto em razão da prorrogação da DER, pela qual o benefício passa a ser devido em momento posterior àquele em que fora inicialmente implantado, quanto em razão da redução do tempo de contribuição que ensejou o cálculo do salário de benefício (de mais de 38 anos para 35 anos), o que certamente implicará uma nova renda mensal inicial inferior.
Assim, a questão da possibilidade de ressarcimento das diferenças entre os valores efetivamente pagos ao segurado e aqueles que seriam devidos não fica prejudicada pela manutenção do direito ao benefício, pelo que passo a analisá-la.
Da (ir)repetibilidade dos valores recebidos de boa-fé por erro da Administração da Previdência Social
Inicialmente, afasto a alegação do INSS quanto à ocorrência de má-fé por parte do segurado. Quanto ao ponto, para evitar tautologia, transcrevo os fundamentos da sentença, adotando-os como razão de decidir:
A concessão do benefício de aposentadoria do autor foi realizado pelo INSS de forma voluntária, sem qualquer contribuição eivada de má-fé ou fraude por parte da segurado.
Se é fato que o acórdão do TRF da 4ª Região, o qual reformou a sentença e converteu o auxílio-doença em auxílio-acidente desde 16/06/2007, foi publicado antes do requerimento administrativo, cabia ao INSS não computar como tempo de contribuição o período de auxílio-doença, pois também já tinha sido intimado da decisão do TRF à época do requerimento.
Desta maneira, no presente caso, não há que se falar em outra hipótese que não a culpa exclusiva da administração, que calculou erroneamente a RMI do benefício, computando tempo de contribuição (tempo em gozo de aui que já tinha sido excluído judicialmente.
Oportuno mencionar que a 18ª Junta de Recursos do Conselho de Recursos da Previdência Social - órgão que, dando provimento ao recurso administrativo interposto pelo autor da decisão de indeferimento, concedeu-lhe inicialmente o benefício - ao receber pedido de revisão por parte da Agência da Previdência Social concessora, afastou a má-fé do segurado e de sua procuradora, nos seguintes termos (evento 1, item 10, página 87):
No entanto, no caso presente, muito embora a tutela antecipada tenha sido revogada, no periodo de 16.05.2007 a 12.04.2011, sendo esta revogação ocorrida em sede de APELAÇÃO, já que na sentença proferida em 26.032010 aquela havia sido tornada definitiva conforme exposto no final da sentença que assim disse: (...), portanto não caracterizando a nosso ver qualquer má-fé de parte do segurado ou de sua procuradora.
Também deve ser afastada a alegação de que a dívida cobrada originou-se da concessão judicial do benefício de forma precária, por antecipação de tutela posteriormente revogada (o que ensejaria o enquadramento do caso ao Tema STJ 692). Trata-se de concessão administrativa, deferida, conforme já mencionado, pela 18ª Junta de Recursos do Conselho de Recursos da Previdência Social, que deu provimento ao recurso administrativo interposto pelo autor da decisão de indeferimento (evento 1, item 7, páginas 80 e seguintes, e item 8).
Afastada a má-fé por parte do segurado e assentada a hipótese de concessão indevida de benefício previdenciário exclusivamente em virtude de erro da Administração, a questão relativa à necessidade de devolução ou não dos valores irregularmente percebidos amolda-se ao precedente REsp 1.381.734/RN, selecionado pelo STJ como representativo de controvérsia repetitiva, sob o Tema n.° 979, cuja questão submetida a julgamento é a seguinte:
Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social.
A questão foi julgada em 10/03/2021, tendo a Primeira Seção do STJ fixado entendimento que, na análise dos casos de erro material ou operacional, deve-se averiguar a presença da boa-fé do segurado, concernente à sua aptidão para compreender, de forma inequívoca, a irregularidade do pagamento.
A tese jurídica desse precedente foi assim firmada:
"Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo (material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido."
Não se deve perder de vista que, no caso concreto, se está diante de pessoa idosa e de pouca instrução, que não concorreu para o erro verificado no pagamento do benefício, conforme reconhecido pela própria instância recursal administrativa.
Assim, é impossível pressupor inequivocamente que o autor sabia estar recebendo valores que não correspondiam ao benefício que lhe seria devido. Não é razoável exigir do segurado, leigo em matéria de direito previdenciário, que tivesse conhecimento sobre a impossibilidade de aproveitamento do período de contribuição que viria a ser posteriormente excluído pelo INSS, sendo que tal fato passou despercebido pela própria Autarquia.
As próprias circunstâncias do caso, consubstanciadas no fato de se tratar de pessoa hipossuficiente, com parca instrução, não nos permitem afirmar que tivesse o segurado aptidão para compreender de forma inequívoca que o pagamento, feito pela entidade pública que detém a competência para calcular o valor dos benefícios previdenciários, pudesse estar irregular.
Desse modo, reputo presente no caso concreto a boa-fé, nos moldes em que definida no julgamento do Tema 979 do STJ, em que foi sustentado que para afastá-la seria necessário demonstrar que o beneficiário tinha condições de compreender que o valor não era devido, sendo possível exigir-se dele comportamento diverso, diante do seu dever de lealdade para com a Administração Previdenciária.
Portanto, são irrepetíveis as parcelas indevidas percebidas de boa-fé pela parte autora, devendo ser cancelada a dívida dela exigida pelo INSS, bem como cessados os descontos mensais efetuados nos salários a ela pagos, e, ainda, devem ser-lhe restituídos os valores já descontados administrativamente até a data da cessação dos descontos por decisão judicial.
Dos Consectários
Correção monetária
A correção monetária das parcelas vencidas dos benefícios previdenciários será calculada conforme a variação dos seguintes índices:
- IGP-DI de 05/96 a 03/2006 (art. 10 da Lei 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5.º e 6.º, da Lei 8.880/94);
- INPC a partir de 04/2006 (art. 41-A da lei 8.213/91, na redação da Lei 11.430/06, precedida da MP 316, de 11.08.2006, e art. 31 da Lei 10.741/03, que determina a aplicação do índice de reajustamento dos benefícios do RGPS às parcelas pagas em atraso).
A utilização da TR como índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública, que fora prevista na Lei 11.960/2009, que introduziu o art. 1º-F na Lei 9.494/1997, foi afastada pelo STF no julgamento do RE 870.947, Tema 810 da repercussão geral, o que restou confirmado no julgamento de embargos de declaração por aquela Corte, sem qualquer modulação de efeitos.
No julgamento do REsp 1.495.146, Tema 905 representativo de controvérsia repetitiva, o STJ, interpretando o precedente do STF, definiu quais os índices que se aplicariam em substituição à TR, concluindo que aos benefícios assistenciais deveria ser utilizado IPCA-E, conforme decidiu a Suprema Corte, e que, aos benefícios previdenciários voltaria a ser aplicável o INPC, uma vez que a inconstitucionalidade reconhecida restabeleceu a validade e os efeitos da legislação anterior, que determinava a adoção deste último índice, nos termos acima indicados.
A conjugação dos precedentes dos tribunais superiores resulta, assim, na aplicação do INPC aos benefícios previdenciários, a partir de abril 2006, reservando-se a aplicação do IPCA-E aos benefícios de natureza assistencial.
Importante ter presente, para a adequada compreensão do eventual impacto sobre os créditos dos segurados, que os índices em referência - INPC e IPCA-E tiveram variação muito próxima no período de julho de 2009 (data em que começou a vigorar a TR) e até setembro de 2019, quando julgados os embargos de declaração no RE 870947 pelo STF (IPCA-E: 76,77%; INPC 75,11), de forma que a adoção de um ou outro índice nas decisões judiciais já proferidas não produzirá diferenças significativas sobre o valor da condenação.
Juros de mora
Os juros de mora devem incidir a partir da citação.
Até 29.06.2009, já tendo havido citação, deve-se adotar a taxa de 1% ao mês a título de juros de mora, conforme o art. 3.º do Decreto-Lei 2.322/1987, aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar, consoante firme entendimento consagrado na jurisprudência do STJ e na Súmula 75 desta Corte.
A partir de então, deve haver incidência dos juros, uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo percentual aplicado à caderneta de poupança, nos termos estabelecidos no art. 1º-F, da Lei 9.494/1997, na redação da Lei 11.960/2009, considerado, no ponto, constitucional pelo STF no RE 870947, decisão com repercussão geral.
Os juros de mora devem ser calculados sem capitalização, tendo em vista que o dispositivo legal em referência determina que os índices devem ser aplicados "uma única vez" e porque a capitalização, no direito brasileiro, pressupõe expressa autorização legal (STJ, AgRgno AgRg no Ag 1211604/SP).
Da sucumbência
Mantido o provimento da ação, fica mantida a sucumbência do INSS.
Das Custas Processuais
O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4.º, I, da Lei 9.289/96).
Da Verba Honorária
A sentença condenou o INSS ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor declarado inexigível, considerando os critérios elencados no art. 85, §§ 2° e 3°, do CPC.
Diante do improvimento do recurso da autarquia, o percentual acima deve ser majorado para 15%, incidente sobre a mesma base de cálculo.
Prequestionamento
A fim de possibilitar o acesso às instâncias superiores, consideram-se prequestionadas as matérias constitucionais e legais suscitadas nos recursos oferecidos pela(s) parte(s), nos termos dos fundamentos do voto, deixando de aplicar dispositivos constitucionais ou legais não expressamente mencionados e/ou havidos como aptos a fundamentar pronunciamento judicial em sentido diverso do que está declarado.
Conclusão
Dou parcial provimento ao recurso da parte autora apenas para admitir a possibilidade de recolhimento, como segurado facultativo, das contribuições previdenciárias nos intervalos requeridos (setembro a novembro de 1997, julho a setembro de 2007 ou março a maio de 2011), uma vez que em nenhum deles houve perda da qualidade de segurado, salientando, contudo, que eventual pagamento somente teria efeitos prospectivos, não tendo o condão de fazer o benefício questionado ser devido em momento anterior ao próprio pagamento, porquanto não estariam, até então, implementadas todas as condições para a inativação.
Mantida a sentença quanto a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição integral à parte autora mediante reafirmação da DER para a data em que implementado o requisito temporal de 35 anos de contribuição.
Nego provimento ao recurso do INSS, declarando irrepetíveis os valores auferidos pela parte autora em decorrência da concessão equivocada do benefício previdenciário de aposentadoria por tempo de contribuição integral em 07/07/2011, uma vez que demonstrada a boa-fé do segurado, devendo, portanto, ser cessados os descontos mensais efetuados nos salários do benefício atualmente pago ao autor e restituídos os valores já descontados administrativamente até a data da cessação dos descontos por decisão judicial.
Dispositivo
Frente ao exposto, voto por dar parcial provimento ao recurso da parte autora e negar provimento ao recurso do INSS.
Documento eletrônico assinado por JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001704735v52 e do código CRC 5ff40ef1.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Data e Hora: 9/9/2021, às 20:33:19
Conferência de autenticidade emitida em 16/09/2021 04:01:15.
Rua Otávio Francisco Caruso da Rocha, 300, Gabinete do Des. Federal João Batista Pinto Silveira - Bairro: Praia de Belas - CEP: 90010-395 - Fone: (51)3213-3191 - www.trf4.jus.br - Email: gbatista@trf4.jus.br
Apelação Cível Nº 5006328-20.2017.4.04.7111/RS
RELATOR: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELANTE: ELOI FERREIRA (AUTOR)
APELADO: OS MESMOS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE POR ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. BENEFICIÁRIO DE BOA-FÉ. IRREPETIBILIDADE.
1. A orientação jurisprudencial deste Tribunal é firme no sentido de que apenas é possível a restituição de verbas indevidamente percebidas por beneficiário da Previdência Social, em razão de erro da administração, quando comprovada a ocorrência de má-fé.
2. O STJ, ao julgar o REsp 1.381.734/RN, selecionado como recurso repetitivo, Tema 979, firmou tese no sentido de que os pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo (material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela administração, são repetíveis, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.
3. Demonstrada no caso concreto a boa-fé da parte autora, porquanto evidenciado que não tinha condições de compreender que o valor não era devido, devem ser declaradas irrepetíveis as parcelas indevidas percebidas de boa-fé, com a cessação dos descontos efetuados pelo INSS nos pagamentos mensais, e a devolução dos valores eventualmente já descontados.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso da parte autora e negar provimento ao recurso do INSS, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 08 de setembro de 2021.
Documento eletrônico assinado por JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001704736v4 e do código CRC 445e097f.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Data e Hora: 9/9/2021, às 20:33:19
Conferência de autenticidade emitida em 16/09/2021 04:01:15.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO TELEPRESENCIAL DE 08/09/2021
Apelação Cível Nº 5006328-20.2017.4.04.7111/RS
RELATOR: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
PRESIDENTE: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PROCURADOR(A): CARLOS EDUARDO COPETTI LEITE
APELANTE: ELOI FERREIRA (AUTOR)
ADVOGADO: JEFERSON KESSLER (OAB RS062430)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Telepresencial do dia 08/09/2021, na sequência 78, disponibilizada no DE de 27/08/2021.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DA PARTE AUTORA E NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DO INSS.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Votante: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES
Secretário
Conferência de autenticidade emitida em 16/09/2021 04:01:15.