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EMENTA: EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. DÍVIDA NÃO TRIBUTÁRIA. RESSARCIMENTO DE VERBAS INDENIZATÓRIAS. SERVIDOR PÚBLICO. INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA. POSSIBILIDAD...

Data da publicação: 27/05/2022, 19:00:59

EMENTA: EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. DÍVIDA NÃO TRIBUTÁRIA. RESSARCIMENTO DE VERBAS INDENIZATÓRIAS. SERVIDOR PÚBLICO. INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA. POSSIBILIDADE. 1. Conforme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a inscrição em dívida ativa de débitos de natureza não tributária é possível, desde que observados os seguintes requisitos: (1) autorização legal para a apuração administrativa, (2) oportunização do contraditório na via administrativa e (3) autorização legal para a inscrição do débito em dívida ativa. REsp 1852691/PB. 2. Não há impedimento legal à cobrança, por meio de execução fiscal, de dívida de natureza não tributária apurada em conformidade com as atribuições legais da Administração Pública, no regular exercício de seus poderes disciplinar ou de polícia, por meio de procedimento no qual seja assegurado o contraditório ao interessado, desde que haja autorização legal para a inscrição em dívida ativa. 3. Tratando-se de débito relativo ao ressarcimento de valores recebidos indevidamente, a título de indenização, por servidor público demitido ou exonerado, a autorização legal para a inscrição em dívida ativa consta do art. 47, parágrafo único, do art. 47 da Lei nº 8.112/90, aplicável analogicamente aos militares. 4. O militar transferido de município por interesse da Administração que postula o desligamento do órgão antes de iniciar o exercício do cargo na nova localidade deve restituir os valores recebidos a título de indenização pelas despesas com transporte e com instalação que não tenham sido comprovadas, na forma dos art. 39, 40, §1º, 58 e 59, §1º do Decreto nº 4.307/2002, sob pena de enriquecimento ilícito. (TRF4, AC 5004262-57.2018.4.04.7103, SEGUNDA TURMA, Relator ALEXANDRE ROSSATO DA SILVA ÁVILA, juntado aos autos em 19/05/2022)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5004262-57.2018.4.04.7103/RS

RELATOR: Juiz Federal ALEXANDRE ROSSATO DA SILVA ÁVILA

APELANTE: ALEKSANDRA PECANHA SHARAPIN SAGRILO (EMBARGANTE)

ADVOGADO: RODRIGO ORTIZ SALDANHA (OAB RS063472)

APELANTE: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL (EMBARGADO)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de apelações interpostas por ALEKSANDRA PECANHA SHARAPIN SAGRILLO e pela União em face de sentença prolatada pelo Juízo Substituto da 2ª VF de Uruguaiana que julgou procedentes os embargos à execução fiscal para reconhecer "a nulidade da CDA nº 0061803119048, JULGANDO EXTINTA a Execução Fiscal nº 5002269-76.2018.4.04.7103".

Em suas razões, a União relata que a embargante, militar da reserva, recebeu de forma indevida indenizações a título de ajuda de custo e de auxílio para transporte em razão da transferência do Hospital de Guarnição de Uruguaiana/RS para o Hospital de Guarnição de Natal/RN, em fevereiro de 2014. Refere que foi aberta sindicância para apurar o recebimento indevido de valores pela militar, na qual foi devidamente oportunizado o contraditório, e que a inscrição do débito em dívida ativa possui amparo legal, na forma do art. 39, §2º, da Lei nº 4.320/64.

Quanto ao mérito, afirma que a embargante recebeu ajuda de custo e indenização pelas "despesas de transporte do veículo, mudança, bagagem e passagens aéreas da embargante e de seus dependentes", mas não comprovou as despesas. Argumenta, ainda, que por ocasião do recebimento das indenizações, a autora estava ciente da Ação Civil Pública por improbidade administrativa ajuizada pelo Ministério Público Federal em seu desfavor, em razão da cumulação indevida de cargos públicos, e já tinha manifestado interesse em se desligar do cargo militar, o que ocorreu efetivamente em 13.05.2014. Dessa forma, considerando que a embargante permaneceu no cargo civil de perita do INSS no município de Uruguaiana/RS, teria sido indevido o recebimento de indenização pela suposta mudança para o Natal/RN, em razão de despesas que não restaram devidamente comprovadas. Requer, assim, a reforma da sentença recorrida.

A parte embargante, por sua vez, defende a nulidade das Sindicâncias NUP 64592.003417/2014-06, 64592.006661/2014-12 e 64592.018288/2015-23, apontando vícios quanto à competência da autoridade para a sua instauração e quanto à forma do processo administrativo, por violação aos princípiso do contraditório, da ampla defesa e da legalidade. Sustenta, ainda, ser indevida a imposição de sanções administrativas contrárias à Medida Provisória 2215/2001 e ao Decreto nº 4.307/2002. Requer, assim, a reforma da sentença.

Com contrarrazões, vieram os autos conclusos.

É o relatório.

VOTO

1. Preliminares

1.1 Recursais

1.1.1 Admissibilidade

As apelações são tempestivas, recolhidas as custas da apelação da embargante.

1.1.2 Remessa oficial

Tratando-se de sentença que extingue execução fiscal, cabível seu reexame necessário.

2. Mérito

Conforme prevê o art. 39, §2º, da Lei nº 4.320/64, consideram-se Dívidas Ativas não Tributárias, passíveis de inscrição na Procuradoria da Fazenda Nacional, os créditos da Fazenda Pública, "tais como os provenientes de empréstimos compulsórios, contribuições estabelecidas em lei, multa de qualquer origem ou natureza, exceto as tributárias, foros, laudêmios, alugueis ou taxas de ocupação, custas processuais, preços de serviços prestados por estabelecimentos públicos, indenizações, reposições, restituições, alcances dos responsáveis definitivamente julgados, bem assim os créditos decorrentes de obrigações em moeda estrangeira, de subrogação de hipoteca, fiança, aval ou outra garantia, de contratos em geral (...)".

Tendo em vista que a inscrição de dívida ativa é uma forma de constituição de título executivo extrajudicial (art. 784, inciso IX, do CPC), que autoriza o ajuizamento de execução fiscal, na forma do art. 1º, da Lei nº 6.830/80, inaugurou-se debate a respeito da possibilidade de inscrição de valores relativos à restituição de pagamentos indevidos feitos pela Fazenda Pública a particular, sem a necessidade de prévio ajuizamento de ação de conhecimento.

Sobre o tema, ao tratar a respeito da restituição de valores recebidos de forma indevida por beneficiário da previdência social, o Superior Tribunal de Justiça firmou a tese do Tema nº 598 (REsp 1.350.804/PR), no sentido de que "À mingua de lei expressa, a inscrição em dívida ativa não é a forma de cobrança adequada para os valores indevidamente recebidos a título de benefício previdenciário previstos no art. 115, II, da Lei n. 8.213/91 que devem submeter-se a ação de cobrança por enriquecimento ilícito para apuração da responsabilidade civil".

Por ocasião do julgamento, o Min. Rel. Mauro Campbell Marques distinguiu as hipóteses de valores recebidos indevidamente por beneficiários da previdência social e por servidores públcos, nos seguintes termos:

"(...) o que aqui afirmamos não agride os valores decorrentes de casos de ilícitos administrativos cometidos por servidores públicos federais da autarquia previdenciária como o alcance , a reposição e a indenização , justamente porque sua inscrição em dívida ativa se submete a disciplina legal específica. Além disso, nesses casos há uma relação jurídica entre o causador do dano e a administração pública (condição de servidor ou funcionário público) que preexiste ao próprio dano causado, veja-se:

a) reposição : devolução feita ao erário, pelo servidor público , de determinado quantum , em razão de recebimento indevido (normalmente de remuneração ou proventos) ou de indenização indevida (art. 45, parágrafo único, e art. 46, da Lei n. 8.112/90);

b) indenização : reparação do dano causado pelo servidor público ao erário no exercício de suas funções (art. 46, da Lei n. 8.112/90);

c) alcance : diferença para menos apurada em um processo de tomada de contas entre os valores confiados a um funcionário público , ante o cargo por ele ocupado ou função pública por ele desempenhada, perante a Administração, em virtude de ter havido sua sonegação, extravio ou desvio (art. 214, §1º e art. 225, §1º, da Lei n. 1.711/52, e art. 1º, do Decreto-lei n. 3.415/41).

Em todos os casos citados acima, a inscrição em dívida ativa decorre da aplicação conjunta do art. 47, caput e parágrafo único, da Lei n. 8.112/90, c/c art. 39, §2º, da Lei n. 4.320/64. Observe-se também que as hipóteses citadas para o servidor público em muito diferem da inscrição em dívida ativa de pessoa que, sem qualquer relação jurídica prévia com a administração pública, lhe causa dano, v.g. acidente de veículo ou outros ilícitos extracontratuais de natureza civil para os quais a lei não expressamente reserva o rito da inscrição em dívida ativa. (...)"

Dessa forma, os valores recebidos indevidamente por servidor público a título de remuneração ou de indenização, apurados em processo administrativo conduzido em observância aos princípios da ampla defesa do contraditório, podem ser validamente inscritos em dívida ativa, com fundamento no art. 47, parágrafo único, da Lei nº 8.112/90.

Em recente julgamento, o Superior Tribunal de Justiça apreciou novamente os critérios para a inscrição de débito em dívida ativa, concluindo que extraem-se "da ratio decidendi do repetitivo REsp. n. 1.350.804-PR três requisitos prévios à inscrição em dívida ativa: 1º) a presença de lei autorizativa para a apuração administrativa (constituição); 2º) a oportunização de contraditório prévio nessa apuração; e 3º) a presença de lei autorizativa para a inscrição do débito em dívida ativa" (REsp 1852691/PB, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 23/06/2021, DJe 28/06/2021).

Em resumo, o que se verifica é que não há impedimento à cobrança, por meio de execução fiscal, de dívida de natureza não tributária apurada em conformidade com as atribuições legais da Administração Pública, no regular exercício de seus poderes disciplinar ou de polícia, por meio de processo administrativo no qual seja assegurado o contraditório e a ampla defesa ao interessado, desde que haja autorização legal para a inscrição em dívida ativa.

Por outro lado, na hipótese de dano causado ao erário público por particular que não possui vínculo com a Administração Pública, considerando a inexistência de lei que autorize a apuração administrativa e a inscrição do débito em dívida ativa, é incabível a cobrança por meio de execução fiscal, sendo necessário o ajuizamento de ação judicial própria para que seja determinada a restituição.

Estabelecidas as premissas, passo à apreciação do caso concreto.

Trata-se, na origem, de execução fiscal ajuizada pela União em face de ALEKSANDRA PECANHA SHARAPIN SAGRILO, para a cobrança da CDA nº 00 6 18 031190-48, relativa a ressarcimento ao erário público de ajuda de custo e de indenizações por transporte pagas indevidamente, apuradas por meio do PAD nº 11598720072/2018-58 (Ev. 1.1).

A parte executada opôs os embargos à execução fiscal, ora apreciados, sustentando, em síntese, a impossibilidade de inscrição do débito em dívida ativa e a necessidade de ajuizamento de ação própria para a apuração de sua responsabilidade pela restituição dos valores recebidos a título de indenização.

Compulsando os autos, contudo, verifico que a inscrição do débito em dívida ativa ocorreu em conformidade com a legislação, uma vez que a Lei nº 8.112/90, aplicável analogicamente aos militares, em razão da omissão da Lei nº 6.880/80 sobre a matéria, autoriza a Administração Pública a instaurar procedimento para a apuração de valores pagos indevidamente aos servidores e a inscrever em dívida ativa tais valores. Confira-se a redação do art. 47, p. único, da Lei nº 8.112/90:

Art. 47. O servidor em débito com o erário, que for demitido, exonerado ou que tiver sua aposentadoria ou disponibilidade cassada, terá o prazo de sessenta dias para quitar o débito.

Parágrafo único. A não quitação do débito no prazo previsto implicará sua inscrição em dívida ativa.

Especificamente quanto aos processos administrativos que culminaram na inscrição em dívida ativa, não constato a existência de nenhuma ilegalidade.

O Ministério Público Federal ajuizou em face da ora embargante, em 18.04.2013, Ação Civil Pública por improbidade administrativa nº 50009322820134047103, em razão da cumulação indevida de cargos públicos (perita médica do INSS e médica do Exército Brasileiro), em afronta ao art. 142, §3º, inciso II, da Constituição Federal.

A parte embargante apresentou defesa prévia e contestação e, em 14.10.2013, foi prolatada naqueles autos sentença de parcial procedência "para reconhecer a impossibilidade de acumulação dos cargos de médica capitã do Exército e médica perita do INSS, nos termos do art. 143, §3º, inciso II, da Constituição Federal, e, em conseqüência, determinar que a ré, no prazo de até 10 (dez) dias, contados do trânsito em julgado desta decisão, exerça a escolha entre a permanência no INSS - caso em que passará para a reserva - ou no Exército - hipótese em que será desligada da autarquia previdenciária" (Ev. 37.1).

Após a interposição de apelação, a parte embargante, em 21.02.2014, requereu a desistência do recurso, "optando por permanecer no INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), culminando com a sua entrada para a Reserva Militar" (Ev. 2.1). Em 13.05.2014, foi publicada no Diário Oficial da União a transferência da embargante para a reserva não remunerada (Ev. 1.5).

Ocorre que, conforme restou comprovado em processo administrativo, a militar efetuou requerimento administrativo, em 28.11.2013, de ajuda de custo e de indenização por despesas com o transporte de suas bagagens, de seu veículo e com as passagens aréas suas e de seus dois filhos, em razão de sua transferência definitiva do Hospital de Guarnição de Uruguaiana/RS para o de Natal/RN (Ev. 1.13, p. 26). O pedido foi deferido, e a embargante recebeu o valor de R$ 38.861,24 (Ev. 1.15, p. 8).

A efetiva nomeação da embargante para o exercício da função de Médica Perita da Guarnição de Natal/RN ocorreu apenas em 06.03.2014 (Ev. 1.6), dias depois de ter manifestado judicialmente a sua opção pelo cargo de perito do INSS, na cidade de Uruguaiana/RS, em 21.02.2014 (Ev. 2.1).

Para investigar as condições em que ocorrido o pedido de desligamento da embargante e o recebimento de verbas indenizatórias, o Diretor do Hospital de Guarnição de Natal/RN determinou, em 30.04.2014, a instauração de sindicância, a partir do Parecer nº 02/14, emitido por Diretor de Serviço Militar (Ev. 1.7).

Quanto ao ponto, registro, como bem assentado pelo juízo de origem, que não se verifica a existência de nulidade por vício de competência, uma vez que "o parecer a que se refere o texto constitucional cuja competência é exclusiva da Advocacia-Geral da União é o parecer jurídico, isto é, aquele parecer normativo, com caráter vinculante. Já o Parecer nº 02/14, emitido pelo Exército Brasileiro, no caso concreto, se trata de parecer administrativo, não havendo que se falar de nulidade por falta de competência da autoridade assinante".

Compulsando os autos, verifica-se que nos três processos administrativos instaurados para a apuração dos fatos (sindicâncias NUP: 64592.003417/2014-06; NUP:64592.006661/2014-12; e NUP64592.018288/2015-23), houve regular observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa, com a intimação para manifestação em diversas oportunidades.

Conforme consta do Relatório da Sindicância NUP 64592.003417/ 2014-06, "em 05 de maio de 2014 foi feito um contato verbal com a referida militar dando-lhe ciência sobre a sindicância" (Ev. 1.12, p. 26). Em 12.05.2014, a militar assinou notificação para a prestação de informações (1.7, p. 15), mas não compareceu no horário agendado (p. 16). Na Sindicância NUP 64592.006661/2014-12, de igual forma, a embargante foi devidamente notificada para comprovar as despesas com transporte e com instalação na cidade de Natal/RN (Ev. 1.13, p. 45), restando silente. Após nova tentativa, a militar "recusou-se a receber a referida notificação, alegando orientação de seu advogado" (Ev. 1.14, p. 24). A militar foi, ainda, notificada para a apresentação de alegações finais, restando silente (p. 38). Por fim, na Sindicância NUP 64592.018288/2015-23, que apurou o valor devido, houve regular intimação da embargante (Ev. 1.15, p. 65 e Ev. 1.16, p. 5 e 17), que manifestou-se de forma regular através de seu procurador (p. 47-62).

Dessa forma, constata-se que a inscrição em dívida ativa, no caso, foi realizada em plena conformidade com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, considerando "1º) a presença de lei autorizativa para a apuração administrativa (constituição); 2º) a oportunização de contraditório prévio nessa apuração; e 3º) a presença de lei autorizativa para a inscrição do débito em dívida ativa" (REsp 1852691/PB, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 23/06/2021, DJe 28/06/2021).

Ao final dos processos administrativos, constatou-se que a parte embargante não realizou a comprovação das despesas com instalação na cidade de Natal/RS, com passagens aéreas de seus dependentes, com transporte de bagagens e com a transferência de seu automóvel, embora tenha recebido a quantia de R$ 38.861,24 para essa finalidade. A partir da apuração realizada na esfera administrativa, verifica-se que a mudança definitiva da militar para Natal/RN sequer era possível, considerando o exercício concomitante do cargo de perita do INSS no município de Uruguaiana/RS, cargo no qual a embargante optou por permanecer.

Nestes autos, de igual forma, a embargante não apresentou nenhum documento apto a comprovar as despesas, limitando-se a alegar que a legislação não exige comprovação de despesas com transporte ou com ajuda de custo.

Observo, contudo, que os art. 39 e 58 do Decreto nº 4.307/2002, que dispõe sobre a remuneração dos militares das Forças Armadas, preveem de forma expressa que cabe ao militar a restituição dos valores recebidos a título de indenização por transporte e de ajuda de custo, "quando deixar de seguir destino". Nesses casos, sendo o impedimento motivado por fato alheio à vontade do militar, somente será possível o abatimento das despesas efetivamente comprovadas, conforme preveem os art. 40, §1º, e 59, §1º, do Decreto nº 4.307/2002. Confira-se:

"Art. 39. O militar restituirá o valor recebido em espécie pelo transporte, quando deixar de seguir destino:

I - em cumprimento de ordem superior;

II - por motivo outro independente de sua vontade, acatado pela autoridade competente; ou

III - por interesse próprio.

Parágrafo único. A restituição será previamente comunicada ao militar.

Art. 40. A restituição de que trata o art. 39 será previamente comunicada ao militar e amortizada em parcelas mensais cujos valores não excederão a dez por cento da remuneração, nos casos dos seus incisos I e II, e integral, em parcela única, no caso do inciso III do mesmo artigo.

§ 1o Nas hipóteses dos incisos I e II do art. 39, do valor a ser restituído serão descontadas as despesas que, comprovadamente, tiverem sido efetuadas com o objetivo do transporte.

(...)

Art. 58. O militar restituirá o valor recebido em espécie como ajuda de custo, quando deixar de seguir destino:

I - em cumprimento de ordem superior;

II - por motivo outro independente de sua vontade, acatado pela autoridade competente; ou

III - por interesse próprio.

Parágrafo único. A restituição será previamente comunicada ao militar.

Art. 59. Nas restituições de que trata o art. 58, aplicam-se as disposições do art. 40 deste Decreto.

§ 1o Nas hipóteses dos incisos I e II do art. 58, do valor a ser restituído serão descontadas as despesas que, comprovadamente, tiverem sido efetuadas com o objetivo do transporte".

No caso, apurou-se por meio de processo administrativo regular que a embargante foi nomeada para o cargo de médica no Hospital de Guarnição de Natal/RN em 06.03.2014 (Ev. 1.6), após ter manifestado judicialmente a sua opção pela transferência para a reserva e pela manutenção apenas no cargo de perita médica do INSS em Uruguaiana/RS, em 21.02.2014 (Ev. 2.1).

É certo, assim, que a embargante recebeu indenização no valor de R$ 38.861,24 em razão das despesas que teria com a transferência definitiva de moradia de Uruguaiana/RS para Natal/RN, mas, antes de ser nomeada para o novo cargo, requereu o desligamento da instituição, deixando de seguir o destino.

Quanto ao ponto, cabe salientar que embora a parte embargante tenha, de fato, se apresentado junto ao Hospital de Guanição de Natal/RN — motivo pelo qual não foi solicitado o ressarcimento da despesa com as suas passagens aéreas —, não fixou residência naquele município, deixando de cumprir a finalidade para a qual foram fornecidas as indenizações. Assim, considerando a inexistência de comprovação de seus gastos com instalação, passagem aérea de seus filhos, transferência de veículo e transporte de bagagens, é devida a restituição dos valores, não havendo ilegalidade a ser reconhecida.

Ora, se o servidor recebe indenização em razão de despesas com o deslocamento de sua família e de seus pertences, inclusive automóvel, e com a instalação definitiva em novo município, mas, antes de iniciar suas novas funções, postula o desligamento do órgão, é evidente que deve restituir os valores que não tenham sido comprovadamente utilizados, sob pena de enriquecimento ilícito.

Por fim, quanto à CDA que instrumentaliza a execução fiscal, verifico que contém o nome do devedor, seu endereço, o valor originário do débito, a forma de cálculo e a origem da dívida, requisitos exigidos pelo art. 202 do CTN e § 5º do art. 2º da Lei 6.830/80.

Vale ressaltar que as exigências formais previstas nos arts 202 do CTN e § 5º do art. 2º da Lei 6830/80 tem a finalidade precípua de possibilitar ao devedor impugnar a imputação fiscal. Para tanto, deve o mesmo apresentar argumentos plausíveis e concretos e não se limitar a afirmar que a certidão não contém os requisitos legais. Deve, ainda, consultar a legislação de regência, bem como os dados de que dispõe, para verificar se os cálculos do credor estão corretos. Entendendo que não estão corretos, deve apontar com clareza e de forma articulada os motivos de sua inconformidade.

Ressalto que outras informações acerca do débito não consubstanciam requisito de validade das CDAs e podem ser obtidas através do processo administrativo.

A cópia do processo administrativo pode ser requisitada diretamente na repartição competente, conforme preceitua o art. 41 da Lei nº 6.830/1980.

Portanto, a CDA possui todos os requisitos exigidos pela legislação, não havendo qualquer nulidade a ser declarada.

Merece reforma, assim, a sentença recorrida.

3. Ônus sucumbenciais

Considerando que os honorários advocatícios devidos pela parte executada são contemplados pelo encargo legal previsto no Decreto-lei nº 1.025/69, é incabível a fixação de honorários advocatícios nos embargos à execução fiscal.

4. Prequestionamento

Em arremate, consigno que o enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as fundamentam, em especial os art. 40, §1º, e 59, §1º, do Decreto nº 4.307/2002, art. 202 do CTN e § 5º do art. 2º da Lei 6830/80, art. 41 da Lei nº 6.830/1980 e art. 47, p. único, da Lei nº 8.112/90. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração para esse exclusivo fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa (art. 1.026, § 2º, do CPC).

5. Dispositivo

Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação da União e à remessa oficial e negar provimento à apelação da parte embargante.



Documento eletrônico assinado por ALEXANDRE ROSSATO DA SILVA ÁVILA, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003170958v55 e do código CRC f03bbf58.Informações adicionais da assinatura:
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5004262-57.2018.4.04.7103
40003170958.V55


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Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5004262-57.2018.4.04.7103/RS

RELATOR: Juiz Federal ALEXANDRE ROSSATO DA SILVA ÁVILA

APELANTE: ALEKSANDRA PECANHA SHARAPIN SAGRILO (EMBARGANTE)

ADVOGADO: RODRIGO ORTIZ SALDANHA (OAB RS063472)

APELANTE: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL (EMBARGADO)

APELADO: OS MESMOS

EMENTA

embargos à execução fiscal. Dívida não tributária. ressarcimento de verbas indenizatórias. servidor público. inscrição em dívida ativa. possibilidade.

1. Conforme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a inscrição em dívida ativa de débitos de natureza não tributária é possível, desde que observados os seguintes requisitos: (1) autorização legal para a apuração administrativa, (2) oportunização do contraditório na via administrativa e (3) autorização legal para a inscrição do débito em dívida ativa. REsp 1852691/PB.

2. Não há impedimento legal à cobrança, por meio de execução fiscal, de dívida de natureza não tributária apurada em conformidade com as atribuições legais da Administração Pública, no regular exercício de seus poderes disciplinar ou de polícia, por meio de procedimento no qual seja assegurado o contraditório ao interessado, desde que haja autorização legal para a inscrição em dívida ativa.

3. Tratando-se de débito relativo ao ressarcimento de valores recebidos indevidamente, a título de indenização, por servidor público demitido ou exonerado, a autorização legal para a inscrição em dívida ativa consta do art. 47, parágrafo único, do art. 47 da Lei nº 8.112/90, aplicável analogicamente aos militares.

4. O militar transferido de município por interesse da Administração que postula o desligamento do órgão antes de iniciar o exercício do cargo na nova localidade deve restituir os valores recebidos a título de indenização pelas despesas com transporte e com instalação que não tenham sido comprovadas, na forma dos art. 39, 40, §1º, 58 e 59, §1º do Decreto nº 4.307/2002, sob pena de enriquecimento ilícito.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação da União e à remessa oficial e negar provimento à apelação da parte embargante, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 17 de maio de 2022.



Documento eletrônico assinado por ALEXANDRE ROSSATO DA SILVA ÁVILA, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003170959v6 e do código CRC 7f834d16.Informações adicionais da assinatura:
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Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 10/05/2022 A 17/05/2022

Apelação Cível Nº 5004262-57.2018.4.04.7103/RS

RELATOR: Juiz Federal ALEXANDRE ROSSATO DA SILVA ÁVILA

PRESIDENTE: Desembargador Federal RÔMULO PIZZOLATTI

PROCURADOR(A): ANDREA FALCÃO DE MORAES

APELANTE: ALEKSANDRA PECANHA SHARAPIN SAGRILO (EMBARGANTE)

ADVOGADO: RODRIGO ORTIZ SALDANHA (OAB RS063472)

ADVOGADO: ISMAEL CASSIANO FAGUNDES PIRES (OAB RS049220)

ADVOGADO: ISMAEL CASSIANO FAGUNDES PIRES

APELANTE: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL (EMBARGADO)

APELADO: OS MESMOS

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 10/05/2022, às 00:00, a 17/05/2022, às 16:00, na sequência 2251, disponibilizada no DE de 29/04/2022.

Certifico que a 2ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 2ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA UNIÃO E À REMESSA OFICIAL E NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE EMBARGANTE.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal ALEXANDRE ROSSATO DA SILVA ÁVILA

Votante: Juiz Federal ALEXANDRE ROSSATO DA SILVA ÁVILA

Votante: Desembargador Federal RÔMULO PIZZOLATTI

Votante: Desembargadora Federal MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE

MARIA CECÍLIA DRESCH DA SILVEIRA

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 27/05/2022 16:00:58.

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