Apelação Cível Nº 5001856-35.2015.4.04.7114/RS
RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: LUIS LERMEN (AUTOR)
ADVOGADO: ELISÉTE MARIA COLOMBO LAZZARI (OAB RS057945)
ADVOGADO: ADRIANA MARIA SCHORR DIEMER (OAB RS073616)
ADVOGADO: JANE LUCIA WILHELM BERWANGER (OAB RS046917)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação de sentença (proferida na vigência do novo CPC), cujo dispositivo tem o seguinte teor (EVENTO 107 do originário):
III - DISPOSITIVO
Ante o exposto, julgo parcialmente procedentes os pedidos formulados nos autos, com base no art. 487, I, do Código de Processo Civil, para o efeito de:
a) reconhecer o caráter especial do tempo de serviço nos períodos de 01/12/1996 a 30/04/2000 e 01/06/2000 a 13/07/2010, determinando a sua conversão e averbação;
b) condenar o INSS a converter o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição titularizado pela parte autora em aposentadoria especial, nos termos da fundamentação;
c) condenar o INSS a pagar o valor das parcelas vencidas desde a DER, atualizado e acrescido de juros, nos termos da fundamentação supra, facultada a compensação com os valores já adimplidos.
Encargos processuais nos termos da fundamentação.
Espécie sujeita ao duplo grau de jurisdição (art. 496 do NCPC).
Na hipótese de interposição de recursos voluntários, intime-se a parte contrária para apresentação de contrarrazões, no devido prazo (15 dias úteis). Após, observadas as formalidade previstas nos §§ 1º e 2º do art. 1.010 do NCPC remetam-se os autos ao Egr. TRF-4.
Com o trânsito em julgado, e nada mais sendo requerido, proceda-se à baixa e arquivamento.
Em suas razões de apelação (EVENTO 122 do originário), a Autarquia Previdenciária aduz ser indevido o reconhecimento da especialidade nos períodos de 31-3-1995 a 13-7-2010 , com base nos seguintes argumentos: [a] ausência de provas da habitualidade e permanência da exposição a agentes biológicos; [b] laudo pericial produzido a partir de informações unilaterais do segurado; [c] condição de contribuinte autônomo do segurado. Alega, ainda, o caráter irrenunciável da aposentadoria por tempo de contribuição e a impossibilidade de transformá-la em aposentadoria especial, salvo a prévia devolução dos valores recebidos. Subsidiariamente, requer a fixação do termo inicial dos efeitos financeiros a contar da citação e a aplicação do disposto no artigo 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei n.º 11.960/2009.
Houve apresentação de contrarrazões.
É o relatório.
VOTO
I
Trata-se de mera pretensão revisional de aposentadoria por tempo de serviço, fundada no reconhecimento de tempo especial anterior a DER, cuja conversão em aposentadoria especial prescinde da prévia renúncia do segurado ao benefício originário. Desnecessária também a devolução dos valores recebidos a título de aposentadoria por tempo de contribuição na medida em que a sentença condenou o INSS apenas ao pagamento das "diferenças vencidas".
II
No que concerne ao reconhecimento da especialidade nos períodos controvertidos, adoto os fundamentos da sentença, a seguir colacionados:
Primeiramente, destaco que, a partir do período pleiteado, a parte autora registra os seguintes vínculos previdenciários hábeis a serem considerados na condição de médico: a) 01/12/1996 a 30/04/2000 (contribuinte individual); b) 01/06/2000 a 13/07/2010 (contribuinte individual).
Especificamente quanto às atividades na área da saúde, destaco que é possível o reconhecimento de sua especialidade, até 28/04/1995, por categoria profissional.
Por outro lado, a partir de 05/03/1997, pelo Decreto n.º 2.172/97, código 3.0.1, "a", para a caracterização da atividade especial é necessário que o trabalho em estabelecimento de saúde ocorra em contato permanente com pacientes portadores de doenças infecto-contagiosas ou com o manuseio de materiais contaminados.
Entretanto, nos serviços prestados em ambiente hospitalar, o risco de contágio por agentes biológicos pode ser entendido como inerente às atividades de todos os profissionais que no desempenho de suas funções diuturnas mantenham contato com pacientes ou materiais por eles utilizados, mesmo que não se possa dizer que todos os pacientes sejam portadores de doença infecto contagiosa, ou que o contato com esse tipo de paciente seja permanente.
Logo, desde que não fique caracterizada a eventualidade da exposição aos agentes biológicos, pelo exercício das atividades, na maior parte da jornada de trabalho, em locais em que ela não ocorra, não se deve considerar a intermitência da exposição como fator de exclusão do enquadramento da atividade especial.
Portanto, o reconhecimento da especialidade não deve ficar restrito aos segurados que trabalham de modo permanente com pacientes portadores de doenças infectocontagiosas, segregados em áreas ou ambulatórios específicos, e aos que manuseiam exclusivamente materiais contaminados proveniente dessas áreas, como entende a Autarquia (art. 244, parágrafo único, da IN 45/2010).
Destaco que é nesse sentido que ambas as Turmas de Direito Previdenciário do E. TRF4 vem decidindo, referindo que "a exposição a agentes biológicos não precisa ser permanente para caracterizar a insalubridade do labor, sendo possível a conversão do tempo de serviço especial, diante do risco de contágio sempre presente." (TRF4, APELREEX 2008.70.01.006885-6, Quinta Turma, Relator p/ Acórdão Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 25/08/2011).
A Terceira Seção do TRF da 4ª Região decidiu que "a exposição de forma intermitente aos agentes biológicos não descaracteriza o risco de contágio, uma vez que o perigo existe tanto para aquele que está exposto de forma contínua como para aquele que, durante a jornada, ainda que não de forma permanente, tem contato com tais agentes". (TRF4, EINF 2005.72.10.000389-1, Terceira Seção, Relator João Batista Pinto Silveira, D.E. 18/05/2011).
É assente na jurisprudência, também, que o contato com agentes biológicos em ambiente hospitalar, caracteriza, por si só, a especialidade da função desenvolvida. Transcrevo excerto da decisão proferida na APELREEX 0010534-44.2011.404.9999 (TRF4, Sexta Turma, Relatora Vivian Josete Pantaleão Caminha, D.E. 26/01/2012):
(...) em relação aos agentes biológicos, tem-se entendido que a exposição de forma intermitente não descaracteriza o risco produzido pelo contato com o material contaminado, uma vez que o perigo existe tanto para aquele que está sujeito de forma contínua a nocividade desses fatores insalutíferos como para aquele que, durante a jornada, por diversas vezes, ainda que não de forma permanente, tem contato com os referidos agentes.
Desse modo, em se tratando de periculosidade por sujeição a material possivelmente contaminado com agentes biológicos, o requisito da permanência não é imprescindível, já que o tempo de exposição não é um fator condicionante para que ocorra a contaminação do segurado, tendo em vista a presença constante do risco potencial, não restando desnaturada a especialidade da atividade pelos intervalos sem perigo direto.
No mesmo sentido, APELREEX 5036202-93.2011.404.7100 (TRF4, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Ezio Teixeira, juntado aos autos em 11/11/2013) e APELREEX 5004107-37.2012.404.7112 (TRF4, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Paulo Paim da Silva, juntado aos autos em 28/10/2013).
Isso posto, passo à análise do período de atividade especial postulado pela parte autora, de acordo com as atividades exercidas no seu decorrer.
Para comprovar o exercício da função de médico e a exposição a agentes insalubres o autor juntou aos autos os seguintes documentos (E1, PROCADM10 e PROVADM11; E7):
- Declarações da Direção do Hospital Bruno Born, no sentido de o autor haver realizado plantões naquele nosocômio com regularidade, no período de 1983 a 2010;
- Diploma de colação de grau no Curso de Medicina, de 1981;
- Fichas clínicas de atendimentos médicos, com aposição de carimbo do autor, no período de 1988 a 2004;
- Declaração da UNIMED, informando os valores recolhidos em sede de contribuições previdenciárias em decorrência dos serviços prestados pelo autor como médico;
- Certidão expedida pela Prefeitura Municipal de Lajeado/RS, dando conta do pagamento de ISS pelo autor, pela mantença de consultório médico;
- Laudo pericial firmado por técnico do trabalho contratado pelo autor.
Realizada justificação administrativa, as testemunhas ratificaram a profissão e atividades desenvolvidas pelo autor, a nível ambulatorial e junto ao nosocômio local.
De outro vértice, realizada perícia técnica, sobreveio a tese no sentido de que o autor, no regular desempenho de suas atividades, encontrava-se exposto, de modo habitual e permanente, a agentes biológicos, bem como que os equipamentos de proteção utilizados não detinham o condão de eliminar a especialidade das atividades. Pois, senão, veja-se:
CONCLUSÃO
As observações resultantes da inspeção pericial permitem-nos considerar que as atividades do autor são passíveis de ser consideradas especiais, conforme:
-item 1.3.4 – Doentes ou Materiais Infecto Contagiantes – médicos, do Quadro do Anexo I do Decreto 83.080/79, de 31/03/1995 a 05/03/97;
-item 1.3.2 – trabalhos permanentes de assistência médica, do Quadro a que se refere o Art. 2º do Decreto 53.831/64 de 31/03/1995 a 05/03/97;
-Anexo IV (Decreto 2.172/97) - Decreto 3048/99, item 3.0.1 letra “a – trabalhos em estabelecimentos de saúde em contato com pacientes portadores de doenças infecto-contagiosas ou com manuseio de materiais contaminados” de 06/03/97 até hoje; e
-Portaria 3.214/78 do MTb em sua NR-15, Anexo 14, de 31/03/1995 até hoje.
(...)
d) Em seu ambiente de trabalho, a parte autora ficava exposta a algum agente agressivo insalubre ou perigoso? Caso positivo, indique quais as espécies dos agentes (químicos, físicos, biológicos ou em associação, que prejudiquem a saúde ou a integridade física), bem como se a exposição era habitual, permanente e não intermitente? Exposição habitual a agentes biológicos.
(...)
i) É possível afirmar se o(a) autor(a) utilizasse os equipamentos de proteção individual disponíveis no mercado [uma vez que era trabalhador(a) autônomo(a)], esses EPI´s efetivamente seriam capazes de eliminar a nocividade dos agentes a que estava exposto(a)? Não.
Deste modo, a procedência dos pedidos é medida que se impõe.
A prova pericial foi antecedida de justificação administrativa na qual testemunhas confirmaram as atividades desenvolvidas pelo segurado no hospital da cidade na condição de médico. Ao INSS foi oportunizado participar da elaboração do laudo através da apresentação de quesitos técnicos e da comunicação da data e local da perícia. Não há, portanto, unilateralidade na prova pericial produzida.
Relativamente à exposição a agentes biológicos, a jurisprudência da Turma indica que "não precisa ocorrer durante toda a jornada de trabalho, uma vez que basta a existência de algum contato para que haja risco de contração de doenças. A habitualidade e permanência do tempo de trabalho em condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física referidas no artigo 57, § 3º, da Lei 8.213/91 não pressupõem a submissão contínua ao agente nocivo durante toda a jornada de trabalho. (5038112-87.2013.4.04.7100 - JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER).
No que tange ao uso de EPI, o Desembargador-Federal Jorge Antônio Maurique, em voto-divergente integrante do julgamento de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (nº 5054341-77.2016.404.0000), pronunciou-se pela sua "reconhecida ineficácia" em se tratando de agentes nocivos biológicos.
III
Acerca do reconhecimento da especialidade da atividade exercida por contribuinte individual, a fim de evitar tautologia, transcreve-se trecho do voto do Des. Federal Celso Kipper, no processo de nº 0001774-09.2011.404.9999/RS:
Alega o INSS que o tempo de serviço laborado na condição de contribuinte individual não pode ser reconhecido como especial, tendo em vista que este não contribui para o financiamento do benefício de aposentadoria especial.
Em primeiro lugar, a Lei de Benefícios da Previdência Social, ao instituir, nos artigos 57 e 58, a aposentadoria especial e a conversão de tempo especial em comum, não excepcionou o contribuinte individual, apenas exigiu que o segurado, sem qualquer limitação quanto à sua categoria (empregado, trabalhador avulso ou contribuinte individual), trabalhasse sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.
Veja-se, a propósito, a redação do caput e §§ 3º e 4º do referido artigo:
Art. 57 - A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhando sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15, 20 ou 25 anos, conforme dispuser a lei.
(...)
§ 3º - A concessão de aposentadoria especial dependerá de comprovação pelo segurado, perante o INSS, do tempo de trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante o período mínimo fixado.
§ 4º - O segurado deverá comprovar, além do tempo de trabalho, exposição aos agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, pelo período equivalente ao exigido para a concessão de qualquer benefício.
(...)
Por outro lado, o art. 64 do Decreto n. 3.048/99, com a redação dada pelo Decreto 4.729, de 09-06-2003, assim estabelece:
Art. 64 - A aposentadoria especial, uma vez cumprida a carência exigida, será devida ao segurado empregado, trabalhador avulso e contribuinte individual, este somente quando cooperado filiado a cooperativa de trabalho ou de produção, que tenha trabalhado durante quinze, vinte ou vinte e cinco anos, conforme o caso, sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.
O Regulamento da Previdência Social, entretanto, ao não possibilitar o reconhecimento, como especial, do tempo de serviço prestado pelo segurado contribuinte individual que não seja cooperado, filiado a cooperativa de trabalho ou de produção, estabeleceu diferença não consignada em lei para o exercício de direito de segurados que se encontram em situações idênticas, razão pela qual extrapola os limites da lei e deve ser considerado nulo nesse tocante. A respeito da nulidade das disposições do decreto regulamentador que extrapolarem os limites da lei a que se referem, vejam-se os seguintes precedentes do e. Superior Tribunal de Justiça:
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. IPVA. ISENÇÃO. ARTIGO 1º, DO DECRETO ESTADUAL 9.918/2000. RESTRIÇÃO AOS VEÍCULOS ADQUIRIDOS DE REVENDEDORES LOCALIZADOS NO MATO GROSSO DO SUL. EXORBITÂNCIA DOS LIMITES IMPOSTOS PELA LEI ESTADUAL 1.810/97. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA LEGALIDADE ESTRITA. INOBSERVÂNCIA. AFASTAMENTO DE ATO NORMATIVO SECUNDÁRIO POR ÓRGÃO FRACIONÁRIO DO TRIBUNAL. POSSIBILIDADE. SÚMULA VINCULANTE 10/STF. OBSERVÂNCIA.
1. A isenção do Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), concedida pelo Decreto Estadual 9.918/2000, revela-se ilegal i inconstitucional, porquanto introduzida, no ordenamento jurídico, por ato normativo secundário, que extrapolou os limites do texto legal regulamentado (qual seja, a Lei Estadual 1.810/97), bem como ante a inobservância do princípio constitucional da legalidade estrita, encartado no artigo 150, § 6º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
(...)
4. Como de sabença, a validade dos atos normativos secundários (entre os quais figura o decreto regulamentador) pressupõe a estrita observância dos limites impostos pelos atos normativos primários a que se subordinam (leis, tratados, convenções internacionais, etc.), sendo certo que, se vierem a positivar em seu texto uma exegese que possa irromper a hierarquia normativa subjacente, viciar-se-ão de ilegalidade e não de inconstitucionalidade (precedentes do Supremo tribunal Federal: ADI 531 AgR, Rel. Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 11.12.1991, DJ 03.04.1992; e ADI 365 AgR, Rel. Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 07.11.1990, DJ 15.03.1991).
(...)
(RO em MS n. 21.942, Primeira Turma, Rel. Ministro Luiz Fux, julgado em 15-02-2011) Grifei
TRIBUTÁRIO. AITP. LEI 8.630/93 E DECRETO 1.035/93. SUJEITO PASSIVO DA OBRIGAÇÃO. NULIDADE DO ACÓRDÃO. PRELIMINAR REJEITADA. JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA. PRECEDENTES.
- Preliminar de nulidade rejeitada, por não caracterizada violação ao art. 535 do CPC.
- O decreto regulamentar não pode ir além do disposto na lei a que se refere.
(...)
(REsp n. 433.829, Segunda Turma, Rel. Ministro Francisco Peçanha Martins, julgado em 20-09-2005) Grifei
FINANCEIRO. MUTUÁRIOS DO S.F.H. CONVERSÃO DO DÉBITO, EM FACE DA IMPLANTAÇÃO DO PLANO CRUZADO. DECRETO-LEI Nº 2.284/86 (ARTIGO 10 - ANEXO III). ALTERAÇÃO DE CRITÉRIO (DECRETO Nº 92.591/86). ILEGITIMIDADE. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.
I - O regulamento não pode extrapolar das disposições contidas na lei, sob pena de resultar eivado de nulidade.
(...)
(REsp n. 14.741-0, Primeira Turma, Rel. Ministro Demócrito Reinaldo, julgado em 02-06-1993) Grifei
De outra banda, é verdade que, a teor do art. 195, § 5º, da Constituição Federal, nenhum benefício da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.
No entanto, para a concessão de aposentadoria especial ou conversão de tempo exercido sob condições especiais em tempo de trabalho comum, previstas nos artigos 57 e 58 da Lei de benefícios, existe específica indicação legislativa de fonte de custeio: o parágrafo 6º do mesmo art. 57 supracitado, combinado com o art. 22, inc. II, da Lei n. 8.212/91, os quais possuem o seguinte teor:
Art. 57 - (...)
§ 6º - O benefício previsto neste artigo será financiado com os recursos provenientes da contribuição de que trata o inc. II do art. 22 da Lei 8.212, de 24/07/91, cujas alíquotas serão acrescidas de 12, 9 ou 6 pontos percentuais, conforme a atividade exercida pelo segurado a serviço da empresa permita a concessão de aposentadoria especial após 15, 20 ou 25 anos de contribuição, respectivamente.
Art. 22 - (...)
II - para o financiamento do benefício previsto nos arts. 57 e 58 da Lei 8.213/91, e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos:
a) 1% para as empresas em cuja atividade preponderante o risco de acidentes do trabalho seja considerado leve;
b) 2% para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado médio;
c) 3% para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado grave.
Ademais, não vejo óbice ao fato de a lei indicar como fonte do financiamento da aposentadoria especial e da conversão de tempo especial em comum as contribuições a cargo da empresa, pois o art. 195, caput e incisos, da Constituição Federal, dispõem que a seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e, dentre outras ali elencadas, das contribuições sociais do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei.
Por fim, ressalto que, a rigor, sequer haveria, no caso, necessidade de específica indicação legislativa da fonte de custeio, uma vez que se trata de benefício previdenciário previsto pela própria Constituição Federal (art. 201, § 1º c/c art. 15 da EC n. 20/98), hipótese em que sua concessão independe de identificação da fonte de custeio (STF, RE n. 220.742-6, Segunda Turma, Rel. Ministro Néri da Silveira, julgado em 03-03-1998; RE n. 170.574, Primeira Turma, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, julgado em 31-05-1994; AI n. 614.268 AgR, Primeira Turma, Rel. Ministro Ricardo Lewandowski, julgado em 20-11-2007; ADI n. 352-6, Plenário, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, julgada em 30-10-1997; RE n. 215.401-6, Segunda Turma, Rel. Ministro Néri da Silveira, julgado em 26-08-1997; AI n. 553.993, Rel. Ministro Joaquim Barbosa, decisão monocrática, DJ de 28-09-2005), regra esta dirigida à legislação ordinária posterior que venha a criar novo benefício ou a majorar e estender benefício já existente.
Diante dessas considerações, o tempo de serviço sujeito a condições nocivas à saúde, prestado pela parte autora na condição de contribuinte individual, deve ser reconhecido como especial."
Nesse sentido a Turma tem decidido que "é possível o reconhecimento do caráter especial das atividades desempenhadas pelo segurado contribuinte individual, desde que o trabalhador consiga demonstrar o efetivo exercício de atividades nocivas, conforme a legislação vigente na data da prestação do trabalho, ou então, em decorrência do exercício de atividade considerada especial por enquadramento por categoria profissional, no período até a vigência da Lei 9.032/1995. A falta de previsão legal para o recolhimento de adicional sobre a contribuição do contribuinte individual para fins de custeio da aposentadoria especial não pode obstar-lhe o reconhecimento do caráter especial dos períodos laborados em exposição a agentes nocivos." (50035485620164047107 - JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA).
Destarte, tenho que são improcedentes as alegações apresentadas pela autarquia quanto ao assunto discutido.
IV
O início dos efeitos financeiros do benefício, consoante o artigo 54 c/c o inciso II do artigo 49 da Lei 8.213/1991, deve ser a partir da data de entrada do requerimento administrativo, sendo irrelevante se, à época, houve requerimento específico quanto à especialidade ou se a documentação juntada era insuficiente para esse fim. O direito não se confunde com a prova do direito. Se, ao requerer a aposentadoria, o segurado já havia cumprido seus requisitos, estava exercendo um direito de que já era titular. A comprovação posterior não compromete a existência do direito adquirido e não traz prejuízo algum à Previdência Social, pois não confere ao segurado nenhuma vantagem que já não estivesse em seu patrimônio jurídico.
A Turma tem decidido que "os efeitos financeiros da revisão devem retroagir à data da concessão do benefício" (5003811-04.2015.4.04.7114 - JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER). Portanto, a revisão é devida desde a DER, ressalvada eventual prescrição quinquenal.
V
Após o julgamento do RE n. 870.947 pelo Supremo Tribunal Federal (inclusive dos embargos de declaração), a Turma tem decidido da seguinte forma.
A correção monetária incide a contar do vencimento de cada prestação e é calculada pelos seguintes índices oficiais: [a] IGP-DI de 5-1996 a 3-2006, de acordo com o artigo 10 da Lei n. 9.711/1998 combinado com os §§ 5º e 6º do artigo 20 da Lei n. 8.880/1994; e, [b] INPC a partir de 4-2006, de acordo com a Lei n. 11.430/2006, que foi precedida pela MP n. 316/2006, que acrescentou o artigo 41-A à Lei n. 8.213/1991 (o artigo 31 da Lei n. 10.741/2003 determina a aplicação do índice de reajustamento do RGPS às parcelas pagas em atraso).
A incidência da TR como índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública foi afastada pelo Supremo naquele julgamento. No recurso paradigma foi determinada a utilização do IPCA-E, como já o havia sido para o período subsequente à inscrição do precatório (ADI n. 4.357 e ADI n. 4.425).
O Superior Tribunal de Justiça (REsp 149146) - a partir da decisão do STF e levando em conta que o recurso paradigma que originou o precedente tratava de condenação da Fazenda Pública ao pagamento de débito de natureza não previdenciária (benefício assistencial) - distinguiu os créditos de natureza previdenciária para estabelecer que, tendo sido reconhecida a inconstitucionalidade da TR como fator de atualização, deveria voltar a incidir, em relação a eles, o INPC, que era o índice que os reajustava à edição da Lei n. 11.960/2009.
É importante registrar que os índices em questão (INPC e IPCA-E) tiveram variação praticamente idêntica no período transcorrido desde 7-2009 até 9-2017 (mês do julgamento do RE n. 870.947): 64,23% contra 63,63%. Assim, a adoção de um ou outro índice nas decisões judiciais já proferidas não produzirá diferenças significativas sobre o valor da condenação.
A conjugação dos precedentes acima resulta na aplicação, a partir de 4-2006, do INPC aos benefícios previdenciários e o IPCA-E aos de natureza assistencial.
Os juros de mora devem incidir a partir da citação. Até 29-6-2009 à taxa de 1% ao mês (artigo 3º do Decreto-Lei n. 2.322/1987), aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar (Súmula n. 75 do Tribunal).
A partir de então, deve haver incidência dos juros até o efetivo pagamento do débito, segundo o índice oficial de remuneração básica aplicado à caderneta de poupança, de acordo com o artigo 1º-F, da Lei n. 9.494/1997, com a redação que lhe foi conferida pela Lei n. 11.960/2009. Eles devem ser calculados sem capitalização, tendo em vista que o dispositivo determina que os índices devem ser aplicados "uma única vez".
Por fim, a partir de 8-12-2021, incidirá o artigo 3º da Emenda n. 113:
Nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente.
VI
Considerando que o magistrado postergou para a liquidação a definição do valor da verba honorária, fixo em 10% sobre o valor da condenação, nos termos dos §§ 2º e 3º do artigo 85 do CPC/2015, compreendidas as parcelas vencidas até a sentença, conforme Súmula 111 do STJ e 76 desta Corte.
Honorários advocatícios majorados em 50% (§ 11 do artigo 85 do CPC). Em face da pendência do Tema 1.059 (STJ), o acréscimo tão somente poderá ser exigido na fase de execução (se for o caso), após a resolução da questão pelo Tribunal Superior.
VII
Assim, em face da ausência de efeito suspensivo de qualquer outro recurso, é determinado ao INSS (obrigação de fazer) que revise a renda mensal do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição. A ele é deferido o prazo máximo de 20 dias para cumprimento. Sobre as parcelas vencidas (obrigação de pagar quantia certa), desde a DER, serão acrescidos correção monetária (a partir do vencimento de cada prestação), juros (a partir da citação) e honorários advocatícios arbitrados nos valores mínimos previstos no § 3º do artigo 85 do CPC. A Autarquia deve reembolsar os valores adiantados a título de honorários periciais.
Dados para cumprimento: ( ) Concessão ( ) Restabelecimento (x) Revisão | |
NB | 42/168.349.507-9 |
Espécie | Aposentadoria por tempo de contribuição |
DIB | 13-7-2010 |
DIP | No primeiro dia do mês da implantação do benefício |
DCB | |
RMI | a apurar |
Observações | conversão da ATC em aposentadoria especial |
Conclusão
Negar provimento ao recurso do INSS.
Adequar os consectários.
Determinar a revisão do benefício, via CEAB.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento ao recurso do INSS e determinar a revisão do benefício, via CEAB.
Documento eletrônico assinado por JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003153864v9 e do código CRC bdec25d5.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Data e Hora: 22/4/2022, às 15:11:14
Conferência de autenticidade emitida em 30/04/2022 04:01:04.
Apelação Cível Nº 5001856-35.2015.4.04.7114/RS
RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: LUIS LERMEN (AUTOR)
ADVOGADO: ELISÉTE MARIA COLOMBO LAZZARI (OAB RS057945)
ADVOGADO: ADRIANA MARIA SCHORR DIEMER (OAB RS073616)
ADVOGADO: JANE LUCIA WILHELM BERWANGER (OAB RS046917)
EMENTA
1. exposição a agentes biológicos não precisa ocorrer durante toda a jornada de trabalho, uma vez que basta a existência de algum contato para que haja risco de contração de doenças (EIAC nº 1999.04.01.021460-0, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Celso Kipper, DJ de 05-10-2005).
2. NO CASO DE EXPOSIÇÃO A AGENTES BIOLÓGICOS, AINDA QUE TENHAM SIDO FORNECIDOS EPIS, TAIS EQUIPAMENTOS NÃO SÃO SUFICIENTES PARA A EFETIVA PROTEÇÃO DO TRABALHADOR CONTRA ESSES AGENTES NOCIVOS.
3. "O TEMPO DE SERVIÇO SUJEITO A CONDIÇÕES NOCIVAS À SAÚDE, PRESTADO PELA PARTE AUTORA NA CONDIÇÃO DE CONTRIBUINTE INDIVIDUAL, DEVE SER RECONHECIDO COMO ESPECIAL" (0001774-09.2011.404.9999 - CELSO KIPPER).
4. os efeitos financeiros da revisão devem retroagir à data da concessão do benefício.
5. A UTILIZAÇÃO DA TR COMO ÍNDICE DE CORREÇÃO MONETÁRIA DOS DÉBITOS JUDICIAIS DA FAZENDA PÚBLICA, PREVISTA NA LEI 11.960/2009, FOI AFASTADA PELO STF NO JULGAMENTO DO TEMA 810, ATRAVÉS DO RE 870947, COM REPERCUSSÃO GERAL, O QUE RESTOU CONFIRMADO, NO JULGAMENTO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO POR AQUELA CORTE, SEM QUALQUER MODULAÇÃO DE EFEITOS.
6. O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, NO RESP 1495146, EM PRECEDENTE TAMBÉM VINCULANTE, E TENDO PRESENTE A INCONSTITUCIONALIDADE DA TR COMO FATOR DE ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA, DISTINGUIU OS CRÉDITOS DE NATUREZA PREVIDENCIÁRIA, EM RELAÇÃO AOS QUAIS, COM BASE NA LEGISLAÇÃO ANTERIOR, DETERMINOU A APLICAÇÃO DO INPC, DAQUELES DE CARÁTER ADMINISTRATIVO, PARA OS QUAIS DEVERÁ SER UTILIZADO O IPCA-E.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento ao recurso do INSS e determinar a revisão do benefício, via CEAB, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 20 de abril de 2022.
Documento eletrônico assinado por JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003153865v3 e do código CRC b0e4e879.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Data e Hora: 22/4/2022, às 15:11:15
Conferência de autenticidade emitida em 30/04/2022 04:01:04.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 08/04/2022 A 20/04/2022
Apelação Cível Nº 5001856-35.2015.4.04.7114/RS
RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
PRESIDENTE: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PROCURADOR(A): CAROLINA DA SILVEIRA MEDEIROS
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: LUIS LERMEN (AUTOR)
ADVOGADO: ELISÉTE MARIA COLOMBO LAZZARI (OAB RS057945)
ADVOGADO: ADRIANA MARIA SCHORR DIEMER (OAB RS073616)
ADVOGADO: JANE LUCIA WILHELM BERWANGER (OAB RS046917)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 08/04/2022, às 00:00, a 20/04/2022, às 14:00, na sequência 648, disponibilizada no DE de 30/03/2022.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DO INSS E DETERMINAR A REVISÃO DO BENEFÍCIO, VIA CEAB.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Votante: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Votante: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 30/04/2022 04:01:04.