
Apelação Cível Nº 5002924-51.2022.4.04.9999/PR
PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 0004304-49.2018.8.16.0112/PR
RELATORA: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
RELATÓRIO
A Vice-Presidência deste Tribunal Regional Federal da 4ª Região remeteu o presente feito para eventual juízo de retratação, em consonância com o que dispõe o art. 1.030, II, e art. 1.040, II, do Código de Processo Civil, em face do julgamento, pelo Superior Tribunal de Justiça, do Tema 1007, conforme despacho juntado ao evento 259, DECRESP1:
Trata-se de recurso especial interposto pela parte autora, com fundamento no art. 105, III, "a" e "c", da Constituição Federal, contra acórdão de Órgão Colegiado desta Corte, assim ementado:
PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE RURAL. PERÍODO EQUIVALENTE À CARÊNCIA. DOCUMENTOS EXTEMPORÂNEOS. AUSÊNCIA DE PROVA MATERIAL APTA A COMPROVAR O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL. HIPÓTESE DE CARÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E DESENVOLVIMENTO VÁLIDO DO PROCESSO. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO.
1. O início de prova material não precisa abranger todo o período de carência, de forma a ser comprovado ano a ano, entretanto, deve ser produzido, ao menos parcialmente, dentro do período equivalente à carência.
2. Para a comprovação do tempo de atividade rural é preciso existir início de prova material, não sendo admitida, em regra, prova exclusivamente testemunhal.
3. Hipótese em que a falta de precisão dos depoimentos e/ou a escassez de provas materiais impedem o reconhecimento do direito ao benefício de aposentadoria rural.
4. Verificada a ausência de conteúdo probatório material eficaz a instruir a inicial, conforme estabelece o artigo 320 do Código de Processo Civil, resta configurada a hipótese de carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, o que implica decidir a causa sem resolução do mérito, consoante os termos do artigo 485, IV, do Código de Processo Civil.
5. Apelação desprovida.
Opostos embargos de declaração, a Turma decidiu por acolhê-los.
Sustenta a parte recorrente que o acórdão contrariou os dispositivos legais que indica, bem como o Tema nº 1007 e a Súmula 577 do STJ. Requer seja conhecido e provido o recurso, para fins de deferir a aposentadoria por idade híbrida com a fixação de efeitos financeiros desde a DER 21.08.2017 ou a partir do ajuizamento da ação em 02.07.2018, ou, reafirmar a DER para a data em que todos os requisitos estejam presentes. Aponta e anexa divergência jurisprudencial.
É o relatório. Decido.
O Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar recurso(s) submetido(s) à sistemática dos recursos repetitivos, fixou a(s) seguinte(s) tese(s):
Tema STJ 1007 - O tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do art. 48, § 3o. da Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo.
Em relação à(s) matéria(s), o acórdão recorrido parece divergir do entendimento da Corte Superior.
Desse modo, em atenção ao disposto nos arts. 1.030, II, e 1.040, II, do CPC/2015, determino a devolução dos autos ao Órgão julgador deste Regional, para eventual juízo de retratação.
É o relatório.
VOTO
Juízo de Retratação. Tema 1007 do STJ
O caso não enseja retratação em face da decisão do Superior Tribunal de Justiça no Tema 1007.
A análise do pedido alternativo de concessão da aposentadoria híbrida foi realizada no voto condutor do julgado juntado ao evento 229, RELVOTO1:
"(...)
Quanto ao pedido alternativo de concessão de aposentadoria por idade, na forma híbrida, não há como prosperar, pois em consulta ao CNIS, é possível constatar que efetuou apenas 03 recolhimentos, de 01/06/2018 a 31/07/2018, de 01/09/2018 a 30/09/2018, de 01/02/2019 a 28/02/2019, como facultativo, onde consta, inclusive, o indicador IREC-INDPEND - Recolhimentos com indicadores/pendências.
Vale destacar que, em casos muito semelhantes ao dos autos, esta Corte já decidiu que o recolhimento de poucas contribuições pela parte autora, evidencia o intuito deliberado de buscar futuro benefício previdenciário para ela ou seus dependentes, o que não pode ser considerado uma filiação de boa-fé, apta a produzir uma obrigação do Estado de amparar tal estado de necessidade social, não podendo, por consequência, ser albergada pelo Poder Judiciário.
Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA HÍBRIDA POR IDADE. INEXISTÊNCIA DE ATIVIDADE URBANA. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. 1. A teor do disposto na Lei nº 11.718/2008, que acrescentou o § 3º ao artigo 48 da Lei nº 8.213/1991, é devida aposentadoria por idade mediante conjugação de tempo rural e urbano, desde que cumpridos o requisito etário (60 anos para mulher e 65 anos para homem) e a carência mínima exigida. 2. Conforme a sentença ressaltou, a autora "efetuou apenas 03 recolhimentos ao RGPS, na qualidade de contribuinte individual (entre 01/07/2019 a 30/09/2019) todas pagas no dia 15/10/2019, data do requerimento do benefício". 3. Em casos similares ao presente, a jurisprudência deste Tribunal é no sentido de que as contribuições vertidas não podem ser computadas como tempo de trabalho urbano para fins de concessão de aposentadoria híbrida por idade. 4. Não foram preenchidos os requisitos para a concessão de aposentadoria híbrida por idade. (TRF4, AC 5001103-56.2021.4.04.7215, NONA TURMA, Relator SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, juntado aos autos em 15/02/2022)
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. APLICAÇÃO DO ART. 48, CAPUT E § 3º, DA LBPS. RECOLHIMENTO DE duas CONTRIBUIÇoes poucos meses ANTES DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. SIMULAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. 1. Implementado o requisito etário (60 anos de idade para mulher), é possível o deferimento de aposentadoria por idade com a soma de tempo de serviço urbano e rural, na forma do art. 48, §§ 3º e 4º, da Lei n. 8.213/91, incluído pela Lei nº. 11.718/2008. 2. O recolhimento de duas contribuições na condição de contribuinte facultativa pela autora, poucos dias antes do requerimento administrativo, evidencia o intuito deliberado de buscar futuro benefício previdenciário para ela ou seus dependentes, o que não pode ser considerado uma filiação de boa-fé, apta a produzir uma obrigação do Estado de amparar tal estado de necessidade social, não podendo, por consequência, ser albergada pelo Poder Judiciário. (TRF4, AC 5017459-87.2019.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator ALTAIR ANTONIO GREGÓRIO, juntado aos autos em 27/05/2020)
(...)"
A aposentadoria por idade híbrida encontra-se prevista no § 3º do art. 48 da Lei nº 8.213/91:
§ 3o Os trabalhadores rurais de que trata o § 1o deste artigo que não atendam ao disposto no § 2o deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher.
Embora a destinação legal tenha sido aos trabalhadores rurais, convencionou-se no meio jurídico denominar essa modalidade de benefício como aposentadoria por idade híbrida ou mista. Isso porque o requisito etário exigido é o mesmo dos trabalhadores urbanos e o cálculo da RMI também obedece esse parâmetro (§ 4º do art. 48), com mescla de períodos rurais e urbanos.
A parte autora efetuou poucas contribuições como segurado facultativo visando especificamente o reconhecimento de período de atividade rural no passado remoto para fins de carência da aposentadoria por idade. Ainda que esse reconhecimento seja considerado possível pela jurisprudência do STJ, em entendimento em relação a que guardo ressalvas, o fato é que os recolhimentos efetuados visam burlar os fins pretendidos pela norma, pois mira um benefício planejável pelo recolhimento mínimo, desvinculado de qualquer histórico laborativo urbano, em detrimento de todos os demais segurados do RGPS, que deverão arcar com os custos da aposentadoria pretendida pela parte autora.
Nesse sentido, a atitude da parte autora configura abuso de direito, nos termos do artigo 187 do Código Civil, pois excede manifestamente os limites dos fins econômicos e sociais da Previdência Social - fins esses marcados pela solidariedade mútua dos trabalhadores, aqui maculada por uma operação preordenada que passou ao largo do entendimento jurisprudencial de que busca se beneficiar a autora.
Faço notar que toda a construção do raciocínio jurídico subjacente ao Tema 1007 do STJ tem por pressuposto o efetivo exercício de trabalho urbano contributivo que pudesse se somar ao tempo de atividade rural remoto. Cito, a propósito, a ementa do acórdão que firmou a tese deste Tema:
"[...] 4. A aposentadoria híbrida consagra o princípio constitucional de uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, conferindo proteção àqueles Trabalhadores que migraram, temporária ou definitivamente, muitas vezes acossados pela penúria, para o meio urbano, em busca de uma vida mais digna, e não conseguiram implementar os requisitos para a concessão de qualquer aposentadoria, encontrando-se em situação de extrema vulnerabilidade social. 5. A inovação legislativa objetivou conferir o máximo aproveitamento e valorização ao labor rural, ao admitir que o Trabalhador que não preenche os requisitos para concessão de aposentadoria rural ou aposentadoria urbana por idade possa integrar os períodos de labor rural com outros períodos contributivos em modalidade diversa de Segurado, para fins de comprovação da carência de 180 meses para a concessão da aposentadoria híbrida, desde que cumprido o requisito etário de 65 anos, se homem, e 60 anos, se mulher. 6. Analisando o tema, esta Corte é uníssona ao reconhecer apossibilidade de soma de lapsos de atividade rural, ainda que anteriores à edição da Lei 8.213/1991, sem necessidade de recolhimento de contribuições ou comprovação de que houve exercício de atividade rural no período contemporâneo ao requerimento administrativo ou implemento da idade, para fins de concessão de aposentadoria híbrida, desde que a soma do tempo de serviço urbano ou rural alcance a carência exigida para a concessão do benefício de aposentadoria por idade.(REsp 1674221 SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRASEÇÃO, julgado em 14/08/2019, DJe 04/09/2019)(REsp 1788404 PR, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRASEÇÃO, julgado em 14/08/2019, DJe 04/09/2019)
Portanto, ausente comprovação de tempo de serviço urbano, e tendo havido apenas algumas contribuições como segurado facultativo (01/06/2018 a 31/07/2018, de 01/09/2018 a 30/09/2018, de 01/02/2019 a 28/02/2019), visando especificamente o cômputo de tempo de labor rural remoto, tenho que está configurado o abuso de direito.
Assim, não é razoável que o entendimento do STJ seja aplicado de forma literal, pois dissonante dos demais princípios norteadores da Seguridade Social, mormente o da prévia fonte de custeio (art. 195, § 5º, da CF/88), o que desvirtuaria por completo o instituto jurídico em questão.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por, em juízo de retratação, manter o julgamento da Turma.
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Apelação Cível Nº 5002924-51.2022.4.04.9999/PR
PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 0004304-49.2018.8.16.0112/PR
RELATORA: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
EMENTA
JUÍZO DE RETRATAÇÃO. TEMA 1007.
1. A construção do raciocínio jurídico subjacente ao Tema 1007 do STJ tem por pressuposto o efetivo exercício de trabalho urbano contributivo que pudesse se somar ao tempo de atividade rural remota.
2. Decisão que não reclama retratação, pois se submete à regra do § 2º do art. 48 da Lei 8.213/1991, exigindo que no período imediatamente anterior ao implemento do requisito etário ou requerimento administrativo o segurado tenha exercido atividade urbana, rural ou rural e urbana, em período razoável.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 10ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, em juízo de retratação, manter o julgamento da Turma, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 01 de outubro de 2024.
Documento eletrônico assinado por FLAVIA DA SILVA XAVIER, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004680933v4 e do código CRC 1c723091.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 24/09/2024 A 01/10/2024
Apelação Cível Nº 5002924-51.2022.4.04.9999/PR
INCIDENTE: JUÍZO DE RETRATAÇÃO
RELATORA: Juíza Federal FLÁVIA DA SILVA XAVIER
PRESIDENTE: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
PROCURADOR(A): JANUÁRIO PALUDO
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 24/09/2024, às 00:00, a 01/10/2024, às 16:00, na sequência 255, disponibilizada no DE de 12/09/2024.
Certifico que a 10ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 10ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, EM JUÍZO DE RETRATAÇÃO, MANTER O JULGAMENTO DA TURMA.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Juíza Federal FLÁVIA DA SILVA XAVIER
Votante: Juíza Federal FLÁVIA DA SILVA XAVIER
Votante: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
Votante: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
SUZANA ROESSING
Secretária
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