Mandado de Segurança (Turma) Nº 5009114-54.2022.4.04.0000/RS
RELATORA: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
IMPETRANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
IMPETRADO: JUIZO DE DIREITO DA 1A VARA CIVEL DA COMARCA DE SANTO CRISTO/RS
IMPETRADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RELATÓRIO
Trata-se de mandado de segurança impetrado em face do Juízo de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Santo Cristo que determinou ao Instituto Nacional do Seguro Social que proceda ao desconto de 10% (dez por cento) nos proventos pagos a Guido Paulus e Maria Teresinha Paulus, até a satisfação da execução movida contra eles por Kuhn & Marmitt Assessoria e Consultoria Jurídica.
Em suas razões, o impetrante alegou que (1) cabe a impetração do mandamus; (2) é ilegal a obrigação que lhe fora imposta, em face do disposto nos artigos 114 e 115 da Lei n.º 8.213/1991; (3) os descontos não previstos em lei não encontram qualquer viabilidade operacional, por demandarem, mensalmente, bloqueio manual dos benefícios, e (4) estão configurados os pressupostos legais para a concessão de medida liminar, uma vez que está sendo coagido a praticar ato ilegal, sob ameaça de pena de desobediência.
O Ministério Público Federal exarou parecer opinando pela concessão da segurança.
É o relatório. Decido.
VOTO
Por ocasião da análise da medida liminar, foi prolatada a decisão nos seguintes termos:
I - Consoante a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, compete ao Tribunal Regional Federal processar e julgar mandado de segurança impetrado contra ato de juiz estadual, praticado no exercício de jurisdição delegada, nos moldes do art. 109, § 3º, da Constituição Federal.
Essa, contudo, não é a hipótese dos autos.
A decisão impugnada pelo Instituto Nacional do Seguro Social foi proferida por juiz estadual, no desempenho de competência jurisdicional própria, e não de jurisdição delegada.
Nesse contexto, não há se falar em competência originária desta Corte para conhecer da ação. Com efeito, a interpretação do artigo 109, inciso I, da Constituição Federal, não pode estar dissociada da regra prevista no artigo 108, inciso I, alínea c, da Constituição Federal - que atribui aos Tribunais Regionais Federais competência para processar e julgar, originariamente, os mandados de segurança contra ato do próprio Tribunal ou de juiz federal (sem qualquer alusão a juiz estadual), preservando, destarte, o sistema recursal e a estrutura organizacional do Judiciário. Em outros termos, a autarquia federal sujeita-se à jurisdição estadual, mais precisamente à jurisdição do Tribunal de Justiça do Estado, quando impugna, via mandamental, ato jurisdicional praticado por juiz de direito (ou estadual) no exercício de competência própria. À míngua de previsão de competência originária ou recursal do TRF para julgar mandado de segurança contra decisão de juiz estadual, a menos que esteja investido de jurisdição federal, aplica-se, na espécie, o enunciado da súmula n.º 55 do STJ (Tribunal Regional Federal não é competente para julgar recurso de decisão proferida por juiz estadual não investido de jurisdição federal).
Ademais, em face da antinomia sistêmica, é preferível que o ato jurisdicional praticado por juiz estadual esteja sujeito à revisão pelo Tribunal de Justiça do Estado a que está funcionalmente vinculado, dado o caráter eminentemente recursal do mandado de segurança no caso concreto e o risco de decisões conflitantes (neste mandado de segurança e em eventual agravo de instrumento interposto pelo devedor da verba honorária perante o Tribunal de Justiça do Estado).
Afinal, a competência para julgar mandado de segurança define-se pela categoria da autoridade coatora e pela sua sede funcional, independentemente do tema objeto da lide (MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança. 13.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 44).
Esse critério, aliás, é o adotado na Constituição Federal, que, no artigo 109, inciso VIII, estabelece que compete ao Juiz Federal processar e julgar os mandado de segurança contra ato de autoridade federal, excetuados os casos de competência dos tribunais federais, dentre outros dispositivos similares (artigos 102, I, d, 105, I, b, 108, I, c, da CF).
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO DE DESEMBARGADOR DE TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INGRESSO DE AUTARQUIA FEDERAL NA LIDE, NA CONDIÇÃO DE ASSISTENTE DO IMPETRANTE. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. 1. Conflito de competência entre o Tribunal Regional Federal da 1ª Região e o Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, referente à ação mandamental impetrada pela Empresa de Revitalização do Porto de Manaus S/A contra ato de Desembargador do TJAM. A Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) requereu sua integração na lide, na condição de assistente do impetrante. 2. A jurisprudência das 1ª, 2ª e 3ª Seções do Superior Tribunal de Justiça possui entendimento pacífico no sentido de que em sede de mandado de segurança a competência é definida pela natureza da autoridade coatora, e não em razão da pessoa do impetrante ou da matéria apreciada no mandamus. 3. Conflito conhecido para se declarar competente o Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, o suscitado. (STJ, 1ª Seção, CC 47219/AM, Relator Ministro JOSÉ DELGADO, DJ 03/04/2006, p. 200)
Cumpre, ainda, referir que os precedentes que deram origem ao enunciado da súmula n.º 511 do STF (Compete à Justiça Federal, em ambas as instâncias, processar e julgar as causas entre autarquias federais e entidades públicas locais, inclusive mandados de segurança, ressalvada a ação fiscal, nos termos da Constituição Federal de 1967, art. 119, § 3º) - relativamente às Constituições pretéritas de 67/69 e 1946 (RMS 18.884, AI 36205, ACi 9633 e CJ 2980) - não envolviam a impetração de mandado de segurança contra ato judicial.
Não obstante tais fundamentos, outro foi o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do recurso extraordinário n.º 176.881 (Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 08/03/1998), ratificado em decisão posterior:
MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO POR AUTARQUIA FEDERAL CONTRA ATO DE JUIZ DE DIREITO. COMPETÊNCIA. Em princípio, qualquer ação proposta pelos entes relacionados no inc. I do art. 109 da Constituição é de competência da Justiça Federal. Tratando-se, entretanto, de mandado de segurança, que, em nosso sistema jurídico-processual, se rege também pelo princípio da hierarquia, prevê o inc. VIII do mesmo dispositivo a competência dos tribunais federais, obviamente, em razão do respectivo grau hierárquico. Em relação aos juízes federais, a competência é dos tribunais regionais federais (art. 108, I, c, da Carta da República), regra que, por simetria, é de aplicar-se aos juízes de direito. Acórdão que, por encontrar-se orientado no sentido exposto, não merece reparo. Recurso extraordinário não conhecido. (STF, Pleno, RE 176.881, Relator Min. CARLOS VELLOSO, Relator p/ac. Min. ILMAR GALVÃO, julgado em 13/03/1997, DJ 06/03/1998, p. 18)
Agravo regimental em recurso extraordinário. 2. Recurso que não demonstra o desacerto da decisão agravada. 3. Competência da Justiça Federal. mandado de segurança. Interesse do INSS na causa. Precedente. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF, 2ª Turma, RE 409.200 AgR, Relator Min. GILMAR MENDES, julgado em 18/09/2007, DJe-121 DIVULG 10/10/2007 PUBLIC 11/10/2007, DJ 11/10/2007, p. 49)
Essa orientação foi incorporada em precedentes mais recentes do Superior Tribunal de Justiça, como se vê do voto condutor do julgamento do RMS 28350/RS (STJ, 3ª Turma, Rel. Nancy Andrighi, DJe 23/11/2009).
Citem-se ainda:
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO PELA UNIÃO (FAZENDA NACIONAL) CONTRA ATO DE JUIZ DE DIREITO. COMPETÊNCIA DE TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL. PRESENÇA DE NULIDADE ABSOLUTA. JURISPRUDÊNCIA DO STF. 1. Em se tratando de mandado de segurança impetrado contra ato de Juiz de Direito, aplica-se também o art. 109, I, da Constituição Federal de 1988, que determina a competência absoluta da Justiça Federal. Por simetria, aplicam-se o inciso VIII, do mesmo art. 109 c/c art. 108, I, "c", que vão determinar o julgamento do ato pelo Tribunal Regional Federal. Precedente do STF: RE 176.881/RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, Relator para acórdão o Ministro Ilmar Galvão, publicado no DJ de 6.3.1998; CC Nº 45.709 - SP. Precedentes no STJ: Primeira Seção, Rel. Min. Eliana Calmon, Relator para o acórdão Min. Luiz Fux, julgado em 26.8.2006; CC 46.512 - RN, Relatora Min. Denise Arruda, Primeira Seção, DJ de 05 de setembro de 2005. 2. Decretada de ofício a nulidade absoluta do julgamento proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná e determinado o envio dos autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região para novo julgamento. (STJ, 2ª Turma, RMS 22.873/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, julgado em 14/09/2010, DJe 06/10/2010 - grifei)
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA ENTRE JUÍZO ESTADUAL E FEDERAL. MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO PELA CEF CONTRA ATO DE JUIZ DE DIREITO. INCIDÊNCIA DO ART. 109, I, DA CARTA MAGNA DE 1988. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. O art. 109, I, da Carta Magna de 1988, não faz qualquer distinção entre os diversos tipos de procedimento, de tal sorte a contemplar o mandado de segurança, bastando para a definição da competência da Justiça Federal a presença dos entes lá enumerados (ratione personae). 2. O inciso VIII do art. 109, da Lei Maior, por sua vez, dispõe que aos juízes federais compete processar e julgar os mandados de segurança e os habeas data contra ato de autoridade federal, excetuando os casos de competência dos tribunais federais, no sentido da fixação de competência hierárquica. Sob este enfoque, tem-se que o inciso VIII tutela o grau de hierarquia dentre as diversas autoridades federais. 3. In casu, tratando-se de mandado de segurança impetrado pela CEF, empresa pública federal, há que se aplicar a regra insculpida no art. 109, I, da Constituição Federal, a fim que seja determinada a competência da Justiça Federal. Ato contínuo, incide a regra do inciso VIII para indicar, conforme for a autoridade impetrada, o órgão competente na Justiça Federal (1ª ou 2ª instância). Precedente da Suprema Corte: RExt 176.881 - RS, Relator para acórdão Ministro ILMAR GALVÃO, Tribunal Pleno, DJ de 06 de março de 1998 e CC 46.512 - RN. Ainda quanto a este particular, a egrégia Primeira Seção deste STJ decidiu que: CONFLITO DE COMPETÊNCIA - MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO POR AUTARQUIA FEDERAL CONTRA ATO DE JUIZ ESTADUAL - ARTS. 108, I, "c", E 109, I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL - PRINCÍPIOS DA HIERARQUIA E SIMETRIA - ORIENTAÇÃO DO PRETÓRIO EXCELSO. 1. O art. 109, I, da Constituição Federal, que estabelece regra de competência ratione personae, atrai a competência para a Justiça Federal inclusive nas hipóteses de mandado de segurança impetrado pela União, entidade autárquica ou empresa pública federal contra entidade pública local, consoante a previsão do enunciado da Súmula 511/STF: "Compete à Justiça Federal, em ambas as instâncias, processar e julgar as causas entre autarquias federais e entidades públicas locais, inclusive mandado de segurança, ressalvada a ação fiscal, nos termos da Constituição Federal de 1967, art. 119, § 3º". 2. Apesar da existência de respeitável corrente doutrinária e jurisprudencial em sentido contrário, o Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do RE 176.881/RS, Relator para acórdão o Ministro Ilmar Galvão, publicado no DJ de 6.3.1998, sufragou o entendimento de que o art. 109, I, da Constituição Federal, aplica-se inclusive aos casos de mandado de segurança impetrado por entidade federal contra ato de Juiz Estadual. 3. Além disso, firmou-se a orientação de que é imperiosa a análise do mandamus, nesses casos, pelo Tribunal Regional Federal, e não por um juiz federal. Isso porque, em razão do princípio da hierarquia, os mandados de segurança impetrados contra atos praticados por juízes federais, nos termos do art. 108, I, 'c', da Carta Magna, são processados e julgados originariamente pelos Tribunais Regionais Federais. Desse modo, em respeito ao princípio da simetria, as ações mandamentais impetradas contra ato de Juiz Estadual também devem ser processadas e julgadas originariamente pela Corte Regional. 4. Evidencia-se, portanto, a competência da Justiça Federal para processar e julgar o mandado de segurança em questão, nos termos do art. 109, I, da Carta Magna. Registre-se, entretanto, que a demanda deverá ser julgada pelo Tribunal Regional Federal, e não pelo Juízo Federal Suscitante, com fundamento no art. 108, I, "c". 5. Conflito conhecido para declarar a competência do Tribunal Regional Federal da 5ª Região. (CC 46.512 - RN, Relatora Ministra DENISE ARRUDA, Primeira Seção, DJ de 05 de setembro de 2005) 4. Ademais, in casu, aplica-se integralmente o disposto no art. 2º da Lei 1.533/51, verbis: Considerar-se-á federal a autoridade coatora se as conseqüências de ordem patrimonial do ato contra o qual se requer o mandado houverem de ser supostamente pela União Federal ou pelas entidades autárquicas federais, porquanto à CEF foi determinado restituísse verba retirada da conta de cliente de cuja responsabilidade diz estar inume. 5. A jurisprudência da Corte, quanto à qualificação da autoridade coatora, visa fixar a competência funcional de juízes ou tribunais, sem olivar as regras de competência absoluta previstas na CF. 6. Competência da Justiça Federal. (STJ, 1ª Seção, CC 45.709/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, Rel. p/ Acórdão Ministro LUIZ FUX, julgado em 23/08/2006, DJ 18/09/2006, p. 247)
À vista desse posicionamento, e com ressalva de ponto de vista pessoal, reconheço a competência deste Tribunal para processar e julgar o mandado de segurança.
II - No tocante ao pleito mandamental propriamente dito, as alegações de impenhorabilidade e impossibilidade de desconto de benefício previdenciário (artigo 649 do CPC e artigos 114 e 115 da Lei n.º 8.213) configuram matéria de defesa do executado, a ser por ele arguida na via recursal adequada (direcionada ao Tribunal de Justiça), não cabendo ao INSS postular, em nome próprio, direito alheio.
O argumento de que a autarquia federal estaria sendo coagido a realizar procedimento não previsto em lei, despendendo recursos públicos para tutelar interesse privado, não lhe aproveita, pois, na condição de órgão pagador, sua atuação limitar-se-á à implementação e operacionalização do desconto determinado pelo juízo trabalhista, o qual incidirá sobre os rendimentos dos segurados, com o respectivo repasse ao credor, sem qualquer ônus aos cofres públicos.
A despeito dessa compreensão acerca da controvérsia, esta Corte, em ações semelhantes, reiteradamente, aprecia o mérito do mandamus, para acolher as razões deduzidas pelo INSS.
Diante desse contexto, curvo-me a esse posicionamento, ressalvando o ponto de vista pessoal:
MANDADO DE SEGURANÇA ORIGINÁRIO. PENHORA DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. CARÁTER ALIMENTAR. IMPOSSIBILIDADE. 1. As hipóteses de descontos de valores de benefício previdenciário dependem da existência de requisitos que estão previstos na legislação específica. A existência de dívida não implica, por si só, deferimento dos descontos. 2. Inadequado exigir da autarquia previdenciária, detentora de precária estrutura administrativa, o deslocamento de recursos humanos e materiais para a execução e controle, mês a mês, do cumprimento de decisões judiciais que visam resguardar interesses privados. (TRF4, 3ª Turma, MANDADO DE SEGURANÇA (TURMA) Nº 5004159-48.2020.4.04.0000, Relator Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO, juntado aos autos em 08/09/2020)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA. INADEQUAÇÃO DE EXIGIR DA AUTARQUIA PREVIDENCIÁRIA O DESLOCAMENTO DE RECURSOS HUMANOS E MATERIAIS PARA A EXECUÇÃO E CONTROLE, MÊS A MÊS, DO CUMPRIMENTO DE DECISÕES JUDICIAIS QUE VISAM A RESGUARDAR INTERESSES PRIVADOS. SEGURANÇA CONCEDIDA, PARA QUE SEJA AFASTADA A DETERMINAÇÃO DA AUTORIDADE IMPETRADA AO INSS, DE EFETUAR QUAISQUER DESCONTOS NO VALOR DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. (TRF4, 4ª Turma, MANDADO DE SEGURANÇA (TURMA) Nº 5026202-13.2019.4.04.0000, Relator Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, juntado aos autos em 05/12/2019)
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. DESCONTO SOBRE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. INSS. ILEGALIDADE. ARTS. 114 E 115 DA LEI N. 8.213/91. 1. Há ilegalidade na determinação judicial para desconto de 30% sobre o benefício previdenciário mensal. 2. No caso, não cabe aplicar a exceção constante do art. 649, inciso IV, do Código de Processo Civil, por não ser possível a leitura ampliativa do dispositivo quando se trata de penhorar proventos de aposentadoria para saldar dívida de natureza distinta da prestação alimentícia (TRF4, 4ª Turma, MANDADO DE SEGURANÇA Nº 0005484-90.2013.404.0000, Relator Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE, D.E. 13/11/2013)
Depreende-se da análise dos autos que os valores cobrados na ação que tramita no juízo estadual correspondem a honorários advocatícios sucumbenciais, os quais não são abrangidos pela exceção prevista no § 2º do artigo 833 do CPC, nem pelo artigo 154 do Decreto n.º 3.048/1999, que dispõem, respectivamente:
CPC
Art. 833. São impenhoráveis:
(...)
IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º;
(...)
§ 2º O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8º, e no art. 529, § 3º.
Decreto n.º 3.048/1999
Art. 154. O Instituto Nacional do Seguro Social pode descontar da renda mensal do benefício:
(...)
IV - alimentos decorrentes de sentença judicial;
(...)
Na esteira dos precedentes do eg. Superior Tribunal de Justiça, não é possível a mitigação da impenhorabilidade de verba salarial do devedor quando se tratar de crédito lastreado em honorários advocatícios, os quais não se enquadram no conceito de "prestação alimentícia" (STJ, 3ª Turma, AgInt no REsp 1.922.434/SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, julgado em 09/08/2021, DJe 12/08/2021; STJ, 3ª Turma, AgInt no REsp 1.869.029/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, julgado em 16/11/2021, DJe 18/11/2021; STJ, 4ª Turma, AgInt no REsp 1.949.617/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, julgado em 25/10/2021, DJe 28/10/2021).
Por tais razões, impõe-se a suspensão da ordem expedida pela autoridade coatora, para eximir o INSS do ônus de efetuar quaisquer descontos nos valores dos benefícios previdenciários pagos a Guido Paulus e Maria Teresinha Paulus.
Ante o exposto, defiro o pedido de concessão de liminar, nos termos da fundamentação.
Intimem-se. Solicitem-se informações. Cite-se.
Após, ao Ministério Público Federal.
Estando o decisum em consonância com a jurisprudência e as circunstâncias do caso concreto, não vejo motivos para alterar o posicionamento adotado, que mantenho integralmente.
Sem condenação em honorários.
Ante o exposto, voto por conceder a segurança, nos termos da fundamentação.
Documento eletrônico assinado por VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003231359v3 e do código CRC 3438c547.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
Data e Hora: 3/6/2022, às 18:39:31
Conferência de autenticidade emitida em 13/10/2022 13:39:51.
Mandado de Segurança (Turma) Nº 5009114-54.2022.4.04.0000/RS
RELATORA: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
IMPETRANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
IMPETRADO: JUIZO DE DIREITO DA 1A VARA CIVEL DA COMARCA DE SANTO CRISTO/RS
IMPETRADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
EMENTA
MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO DE JUIZ DE DIREITO. COMPETÊNCIA. DESCONTO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. (IM)POSSIBILIDADE.
1. Em se tratando de mandado de segurança impetrado contra ato de Juiz de Direito, aplica-se também o art. 109, I, da Constituição Federal de 1988, que determina a competência absoluta da Justiça Federal.
2. Na esteira dos precedentes do eg. Superior Tribunal de Justiça, não é possível a mitigação da impenhorabilidade de verba salarial do devedor quando se tratar de crédito lastreado em honorários advocatícios, os quais não se enquadram no conceito de "prestação alimentícia.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, conceder a segurança, nos termos da fundamentação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 01 de junho de 2022.
Documento eletrônico assinado por VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003231360v4 e do código CRC 6c6bb13f.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
Data e Hora: 3/6/2022, às 18:39:31
Conferência de autenticidade emitida em 13/10/2022 13:39:51.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 24/05/2022 A 01/06/2022
Mandado de Segurança (Turma) Nº 5009114-54.2022.4.04.0000/RS
RELATORA: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
PRESIDENTE: Desembargador Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE
IMPETRANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
IMPETRADO: JUIZO DE DIREITO DA 1A VARA CIVEL DA COMARCA DE SANTO CRISTO/RS
IMPETRADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 24/05/2022, às 00:00, a 01/06/2022, às 16:00, na sequência 465, disponibilizada no DE de 13/05/2022.
Certifico que a 4ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 4ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONCEDER A SEGURANÇA, NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
Votante: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
Votante: Juíza Federal ANA RAQUEL PINTO DE LIMA
Votante: Desembargador Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE
GILBERTO FLORES DO NASCIMENTO
Secretário
Conferência de autenticidade emitida em 13/10/2022 13:39:51.