Apelação Cível Nº 5021264-20.2021.4.04.7205/SC
PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5021264-20.2021.4.04.7205/SC
RELATOR: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
APELANTE: ROQUE JOAO URBAN (IMPETRANTE)
ADVOGADO: JOAO LEANDRO LONGO (OAB SC052287)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (INTERESSADO)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
INTERESSADO: GERENTE EXECUTIVO - INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS - Blumenau (IMPETRADO)
RELATÓRIO
Trata-se, na origem, de mandado de segurança impetrado contra ato atribuído ao Gerente Executivo do INSS em Blumenau, objetivando a reabertura do processo administrativo relativo a pedido de aposentadoria por tempo de contribuição (protocolo nº 1722922357; NB 42/197.085.625-1).
Regularmente processado, adveio sentença que denegou a segurança.
A parte impetrante interpôs apelação.
Refere ter protocolado pedido de aposentadoria por tempo de contribuição em 13/02/2021, no qual requereu "a conversão do período especial em comum de 12/09/2005 até a atualidade e o cômputo do período rural de 11/06/1967 a 09/04/1983 e de 10/04/1983 a 31/10/1991, com base no Ofício-Circular Conjunto nº 25 /DIRBEN/PFE/INSS, oriundo da Ação Civil Pública nº 5017267.34.2013.4.04.7100".
Sustenta ter juntado inúmeros documentos que comprovariam a atividade rural (fls. 16 a 66 do processo administrativo) e requerido fosse aberto procedimento de justificação administrativa, se julgado necessário pela Autoridade, bem como emitida carta de exigências para complementação à instrução do pedido. Narra, outrossim, que procedeu à juntada de PPP da atividade especial.
Alega que, não obstante, a autoridade impetrada perpetrou diversas ilegalidades e equívocos na análise do pedido, o que resultou em uma decisão arbitrária.
Sustenta que, diferentemente do suposto pela sentença, não visa, pelo presente, a concessão de benefício ou que o INSS siga determinada interpretação, mas tão somente a aplicação do devido processo legal administrativo e a observância dos princípios que regem o procedimento.
No tocante ao PPP, refere que foi simplesmente desconsiderado, sem que houvesse sido emitida carta de exigências para a juntada de documentos adicionais.
Quanto ao período de atividade rural, refere que o INSS não apenas desconsiderou diversos documentos que deveriam ser computados ao menos para fim de início de prova material e, caso julgados insuficientes, complementados por procedimento de Justificação Administrativa.
Refere que a suposição de que as assinaturas constantes da procuração e da autodeclaração rural não são verdadeiras é ofensiva e beira o absurdo. Entende que tal suspeita jamais poderia ter levado à desconsideração dos documentos, mas, se julgado necessário, à emissão de notificação para apresentação de novos documentos com reconhecimento de firma.
Alega, portanto, que a decisão viola frontalmente os princípios que devem reger os atos da Administração Pública, previstos no artigo 2º da Lei nº 9.784/99, os direitos dos administrados previstos no artigo 3º da mesma lei, e o dever de motivação "explícita, clara e congruente", prevista no parágrafo único do artigo 50 da referida lei.
Requer, assim, a concessão de liminar a fim de determinar a imediata reabertura do processo administrativo e, ao final, a reforma da sentença com a concessão da segurança, a fim de que seja garantida a reabertura do processo administrativo e concluída a instrução naquela esfera.
A antecipação da tutela recursal foi deferida, a fim de determinar à autoridade impetrada que procedesse à reabertura do processo administrativo (evento 3).
O Ministério Público Federal renunciou ao prazo para parecer (evento 9).
É o relatório.
VOTO
A decisão que examinou o pedido de antecipação da tutela tem o seguinte teor (DESPADEC1, evento 3):
A decisão administrativa foi proferida nos seguintes termos:
1. Trata-se de Benefício de Aposentadoria por Tempo de Contribuição Indeferido em razão do(a) Requerente não completar os requisitos para a Aposentadoria Programada introduzidos pela Emenda Constitucional nº 103/2019 (Idade: 62 anos (mulher) / 65 anos (homem), Tempo de Contribuição: 15 anos (mulher) / 20 anos (homem), Carência: 180 contribuições), nos termos do art. 51 do Decreto nº 3.048/99; não se enquadrar em nenhuma das Regras de Transição instituídas pela mesma Emenda Constitucional nº 103/2019; e não possuir direito adquirido ao benefício na sua regra anterior, descrita na alínea "b", inc. II, art. 188-A do Decreto nº 3.048/99, tendo completado apenas 15 anos 5 meses e 2 dias de Tempo de Contribuição até a Data de Entrada do Requerimento - DER.2. Foram considerados todos os vínculos regulares constantes no(s) documento(s) apresentado(s) (Carteira Profissional - CP ou Carteira de Trabalho - CTPS), e no Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, nos termos do §1º e caput, art. 19, e §1º, art. 19-B, ambos do Decreto nº 3.048/99.3. Não há qualquer indício do exercício de atividade como Contribuinte Individual ou realização de contribuições, em documentos ou no Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS. Não há qualquer indício de contribuições como Facultativo, em documentos ou no Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS.4. Foi(ram) apresentado(s) documento(s) para comprovação de Atividade Especial, porém não houve o enquadramento de quaisquer períodos. Há período(s) não enquadrados, em razão da não comprovação de exposição a agentes nocivos/fatores de risco, conforme Instrução Normativa nº 77/2015. Por não haver uma menção expressa de que a atividade era habitual e permanente (não ocasional nem intermitente), exigido pelo artigo 64 do Decreto 3.048/99 e artigos 259 e 271 da IN 77/2015, foi(ram) desconsiderado(s).5. Foram apresentados documentos para comprovação de Atividade Rural, porém não foi possível o reconhecimento de quaisquer dos períodos requeridos, em razão de não ter sido apresentada Autodeclaração do Segurado Especial, devidamente preenchida e assinada de forma legal, nos moldes dos Anexos I/II/III do Ofício-Circular nº 46, de 13/09/2019. Urge ressaltar que quanto à extensão do instrumento de ratificação em relação ao grupo familiar, toda e qualquer prova material vale para qualquer membro do grupo familiar, devendo o titular do documento possuir condição de SE no período pretendido, conforme Ofício-Circular nº 46 /DIRBEN/INSS, 7, III, a. Todavia, os documentos apresentados estão em nome do pai do(a) requerente, sendo que este possui vínculo em outra categoria de segurado obrigatório do RGPS, como desempregado (conforme consulta ao sistema Plenus), anexo ao processo, onde consta a mesma data de óbito no benefício e certidão de óbito, anexo à fl. 28, deste processo, o que exclui da categoria como segurado especial, de acordo com o art. 43, inciso I, alínea b, da Instrução Normativa nº 77/PRES/INSS, de 21 de janeiro de 2015. Notamos que há indícios claros de montagem eletrônica nas assinaturas do requerente nos documentos: procuração (fl. 03, deste processo), autodeclaração do segurado especial (fls. 77 à 82), uma vez que há indícios de recortes e são idênticos se sobrepostos e que não levam a convicção de que foi assinado pelo requerente, razão pela qual desconsideramos tais documentos. 6. Foram formuladas exigências ao(à) Requerente, anexas à fl. 73, deste processo, cujo cumprimento se deu de forma parcial. Não houve o cumprimento das exigências referentes a Autodeclaração do segurado especial - rural, nos moldes do modelo em anexo, original. Ressalta-se que a autodeclaração deve ser preenchida em todos os seus campos possíveis e assinada em todas as suas vias para a correta análise do direito. Todavia não houve convicção que tal documento foi assinado pelo requerente, pelos motivos expostos acima. 7. No presente requerimento, houve a necessidade de realização de procedimentos adicionais: houve o requerimento de Justificação Administrativa, porém a mesma não foi autorizada, em razão de não cumprir com seus requisitos de formalização do pedido ou apresentação de início de prova material suficiente para formar convicção quanto ao pretendido, nos termos do art. 151 do Decreto nº 3.048/99 e art. 587 da Instrução Normativa nº 77/2015.8. Benefício indeferido, e a tarefa correspondente encerrada nesta data. INSS - Instituto Nacional do Seguro Social. (grifei)
Não obstante a decisão mencione ter havido a emissão de carta de exigências, constata-se que elas não visaram à complementação da documentação da atividade especial, tampouco a reapresentação dos documentos sobre os quais pendia suspeita quanto à respectiva autenticidade.
Confira-se os termos da exigência (autos da origem, evento 12, PROCADM3, p. 73):
Prezado(a) Senhor(a), Para dar andamento ao processo 1722922357, solicitamos o envio eletrônico dos documentos descritos abaixo: Certidão de Casamento original do(a) requerente. Autodeclaração do segurado especial - rural, nos moldes do modelo em anexo, original. Ressalta-se que a autodeclaração deve ser preenchida em todos os seus campos possíveis e assinada em todas as suas vias para a correta análise do direito. Declaração de ROQUE JOAO URBAN, informando se possui ou já possuiu companheiro(a) com o qual convive ou conviveu maritalmente, se caso positivo, qual o período e se foi emancipado(a)(caso positivo, a data da emancipação). O cumprimento de exigência por meio eletrônico é feito diretamente pelo aplicativo ou site do Meu INSS. (...) O não atendimento desta exigência ou a ausência de manifestação até o dia 10/11/2021 (30 dias de prazo) poderá acarretar desistência do processo, o que não prejudica a apresentação de novo requerimento pelo interessado, conforme disposto no §9º do art. 678 da IN nº 77, de 2015.
Não consta do processo emissão de outra carta de exigências.
Num exame provisório do processo administrativo, constata-se que, aparentemente, houve cerceamento ao direito de defesa, acarretando, em tese, reflexos na decisão tomada.
Com efeito, conforme reconhecido na decisão administrativa,não há certeza acerca da inautenticidade dos documentos.
Haveria, apenas, "indícios de montagem eletrônica".
Esses indícios levaram à assertiva no sentido de que "não houve convicção de que tal documento foi assinado pelo requerente".
Sucede que, em princípio, diante da suspeita a respeito da assinatura dos documentos solicitados na primeira carta de exigências, caberia ao INSS abrir, ao ora impetrante, a oportunidade de comprovar a regularidade da documentação apresentada, o que não ocorreu.
Como consequência, o procedimento de justificação administrativa foi indeferido, no pressuposto de que ele não estaria secundado em início de prova material.
Assim, aparentemente, há sinais de ofensa ao devido processo administrativo, assim como ao direito ao contraditório e à ampla defesa.
Tais máculas comprometem a validade da decisão administrativa tomada.
Constato, portanto, a probabilidade do direito aventado.
Ante o exposto, defiro o pedido de antecipação da tutela recursal, para determinar que a autoridade impetrada proceda à reabertura do processo administrativo em comento, para complementar sua instrução e, após, proferir nova decisão.
Intimem-se.
Abra-se vistas ao MPF.
Após retornem conclusos para oportuna inclusão em pauta.
Não vejo motivos de fato ou de direito para modificar o entendimento exarado na liminar.
Com efeito, em consequência da não aceitação da autodeclaração apresentada, por mera suspeita quanto a sua assinatura, o procedimento de justificação administrativa foi indeferido, por ausência de início de prova material. Em outras palavras, por uma suspeita inicial sobre um documento, vetou-se a realização de procedimento que poderia justamente complementar os fatos alegados no documento suspeito, sem que antes tenha sido oportunizado o contraditóro e a ampla defesa.
A meu juízo, portanto, há elementos suficientes que denotam uma sucessão de atos que aponta para a violação ao princípio do devido processo administrativo, e seus corolários do contraditório e da ampla defesa, o que macula irremediavelmente a decisão administrativa.
Assim, cabe dar provimento à apelação, confirmando-se a liminar deferida e conceder a segurança, a fim de determinar a reabertura do processo administrativo, para complementação da instrução processual e nova decisão quanto ao mérito do requerimento.
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação.
Documento eletrônico assinado por SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003137931v3 e do código CRC 8194136c.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5021264-20.2021.4.04.7205/SC
PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5021264-20.2021.4.04.7205/SC
RELATOR: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
APELANTE: ROQUE JOAO URBAN (IMPETRANTE)
ADVOGADO: JOAO LEANDRO LONGO (OAB SC052287)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (INTERESSADO)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
INTERESSADO: GERENTE EXECUTIVO - INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS - Blumenau (IMPETRADO)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. DEVIDO PROCESSO ADMINISTRATIVO. VIOLAÇÃO AO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. REABERTURA DO PROCESSO ADMINISTRATIVO. CONCESSÃO DA SEGURANÇA.
1. A mera suspeita acerca da autenticidade de documentos juntados aos autos administrativos não permite o indeferimento sumário do requerimento administrativo, sem que tenha sido oportunizada a regularização da documentação.
2. Verificada a existência de elementos suficientes que denotam a violação ao princípio do devido processo administrativo e seus corolários do contraditório e da ampla defesa, resta maculada a decisão administrativa.
3. Apelação provida a fim de conceder a segurança e determinar a reabertura do processo administrativo para conclusão da instrução e nova decisão de mérito.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 08 de abril de 2022.
Documento eletrônico assinado por SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003137932v3 e do código CRC 751296ed.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
Data e Hora: 12/4/2022, às 18:10:32
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 01/04/2022 A 08/04/2022
Apelação Cível Nº 5021264-20.2021.4.04.7205/SC
RELATOR: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
APELANTE: ROQUE JOAO URBAN (IMPETRANTE)
ADVOGADO: JOAO LEANDRO LONGO (OAB SC052287)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (INTERESSADO)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 01/04/2022, às 00:00, a 08/04/2022, às 16:00, na sequência 937, disponibilizada no DE de 23/03/2022.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES
Secretária
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