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EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. NÃO DEMONSTRADO. ORDEM DENEGADA. TRF4. 5051289-59.2015.4.04.7000...

Data da publicação: 07/07/2020, 22:50:20

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. NÃO DEMONSTRADO. ORDEM DENEGADA. 1. Tratando-se de mandado de segurança, a remessa oficial é devida quando concedida a ordem, ainda que parcialmente, nos termos do artigo 14, § 1º, da Lei nº 12.016/2009. 2. O direito líquido e certo a ser amparado por meio de mandado de segurança é aquele que se apresenta manifesto na sua existência, insuscetível de controvérsia. 3. A impetrante não demonstrou a existência de direito líquido e certo porque a decisão judicial que fundamenta seu pedido é clara quando determina a averbação do período rural em questão, exceto para fins de carência. 4. Mantida a sentença que denegou a ordem. (TRF4, AC 5051289-59.2015.4.04.7000, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, juntado aos autos em 21/08/2018)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5051289-59.2015.4.04.7000/PR

RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

APELANTE: TEREZA CANDIDA DE FREITAS DA SILVA (IMPETRANTE)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (INTERESSADO)

RELATÓRIO

Trata-se de mandado de segurança em que a impetrante insurge-se contra ato administrativo que lhe indeferiu concessão de benefício de aposentadoria por idade, sob o argumento de não comprovação de número de contribuições exigidas. Alegou equívoco em tal decisão, pois houve cumprimento dos requisitos necessários para o benefício pretendido, inclusive por meio da averbação de tempo rural de 22 anos e 18 dias, em conformidade com decisão judicial proferida nos autos nº 50229307020134047000, com trânsito em julgado. Fundamentou seu direito na Lei nº 8.213/91, com as modificações impostas pela Lei nº 11.758/08, as quais instituíram a aposentadoria híbrida.

A autoridade coatora prestou informações, alegando a existência de coisa julgada material, advinda do trânsito em julgado da sentença proferida nos autos nº 50229307020134047000, no sentido de que o período rural reconhecido à autora não pode ser computado para fins de carência. Na oportunidade, foi anexado ao feito o processo administrativo referente ao presente caso (ev10).

Sobreveio sentença, proferida em 01.12.2015, que denegou a ordem requerida na inicial (ev. 18).

Apela a impetrante repisando os termos da inicial (ev. 30).

Com contrarrazões e diante da remessa oficial, vieram os autos a esta Corte.

O Ministério Público Federal apresentou parecer pelo no sentido de ser desnecessária a manifestação de mérito em casos como estes dos autos (ev. 5).

É o relatório. Peço dia.

VOTO

Inicialmente, cumpre o registro de que a sentença recorrida foi publicada em data anterior a 18.3.2016, quando passou a vigorar o novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105, de 16.3.2015).

Remessa Ex Officio

Tratando-se de mandado de segurança, a remessa oficial é devida quando concedida a ordem, ainda que parcialmente, nos termos do artigo 14, § 1º, da Lei nº 12.016/2009. No caso em tela, no entanto, a sentença denegou a ordem, não sendo o caso de recurso de ofício.

Mérito

O mandado de segurança é o remédio cabível para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas-corpus ou habeas-data, sempre que, ilegalmente ou com abuso do poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça, segundo o art. 1º da Lei nº 12.016/09.

O direito líquido e certo a ser amparado por meio de mandado de segurança é aquele que se apresenta manifesto na sua existência, insuscetível de controvérsia.

Evidenciando-se a desnecessidade da construção de nova fundamentação jurídica, destinada à confirmação da bem lançada sentença da MM. Juíza Federal, Dra. Vanessa de Lazzari Hoffmann, transcrevo e adoto como razões de decidir os seus fundamentos, verbis:

[...]

Requer a impetrante a concessão do benefício de aposentadoria por idade híbrida, prevista no § 3º do artigo 48 da Lei n.º 8.213/91:

"Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)

(...)

§ 1o Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinqüenta e cinco anos no caso de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do inciso I, na alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11. (Redação dada pela Lei nº 9.876, de 1999)

(...)

§ 2o Para os efeitos do disposto no § 1o deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os incisos III a VIII do § 9o do art. 11 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 11,718, de 2008)

§ 3o Os trabalhadores rurais de que trata o § 1o deste artigo que não atendam ao disposto no § 2o deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher. (Incluído pela Lei nº 11,718, de 2008)

§ 4o Para efeito do § 3o deste artigo, o cálculo da renda mensal do benefício será apurado de acordo com o disposto no inciso II do caput do art. 29 desta Lei, considerando-se como salário-de-contribuição mensal do período como segurado especial o limite mínimo de salário-de-contribuição da Previdência Social. (Incluído pela Lei nº 11,718, de 2008)".

Da leitura supra, observa-se que a Lei n.º 11.718/2008 previu a possibilidade de concessão de aposentadoria por idade àquele trabalhador rural que, durante o período de carência, tiver exercido atividade urbana, inovando, pois, no ordenamento jurídico. Nesse caso, o segurado poderá se aposentar na qualidade de trabalhador rural, porém deverá preencher o requisito etário idêntico ao dos trabalhadores urbanos (65 anos de idade, se homem, e 60 anos, se mulher), justamente por haver cumulado labor urbano no período legitimador do benefício.

Em outras palavras, a Lei nº 11.718/2008 autorizou que o trabalhador rural se utilize do tempo de trabalho exercido no regime urbano, para fins de carência da aposentadoria por idade rural, com idade da regra geral.

Para o período de carência, é necessário observar a existência de duas regras distintas. Para o segurado inscrito na Previdência Social após a edição de Lei n° 8.213/91, vale a regra geral do artigo 25 da referida norma:

Art. 25. A concessão das prestações pecuniárias do Regime Geral de Previdência Social depende dos seguintes períodos de carência, ressalvado o disposto no art. 26:

...

II - aposentadoria por idade, aposentadoria por tempo de serviço e aposentadoria especial: 180 contribuições mensais. (Redação dada pela Lei nº 8.870, de 1994)

De outro lado, para os inscritos antes de 24/07/1991, aplica-se a tabela do artigo 142, para a qual é necessário observar a data em que o segurado atingiu a idade mínima a fim de apurar os meses de contribuição exigidos.

No caso em comento, a segurada implementou a idade mínima de 60 anos para a aposentadoria por idade híbrida, que permite a conjugação de tempo rural com urbano dentro do período de carência, em 2012, o que exige o cumprimento de 180 meses ou 15 anos, mesmo se considerada a tabela do art. 142 da Lei nº 8.213/91. Entretanto, foram computadas 132 contribuições a título de carência para a autora (fl. 12/PROCADM6/ev10).

A impetrante defende o preenchimento dos requisitos para a aposentadoria pretendida mediante a utilização do tempo rural reconhecido na sentença proferida nos autos n° 50229307020134047000.

No entanto, da leitura do título judicial formado nos autos nº 50229307020134047000 não se chega à conclusão pretendida pela impetrante. Ao contrário, a sentença lá proferida, que transitou em julgado sem alterações, reconhece o tempo rural, mas com vedação expressa para que seja utilizado para fins de carência. Neste sentido, passo a transcrever a decisão judicial em comento:

"...

I. RELATÓRIO

Dispensado o relatório, nos termos do artigo 38 da Lei 9.099/95, combinado com o artigo 1º da Lei 10.259/01.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Trata-se de ação ajuizada em face do INSS visando à concessão do benefício previdenciário de aposentadoria por idade, mediante a soma de atividade rural com atividade urbana.

O requerimento administrativo formulado pela parte autora (NB 41/163.566.277-7, DER 13/02/2013) foi indeferido por 'falta de período de carência - início de atividade antes de 24/07/1991, sem a perda da qualidade do segurado mas não atingiu a tabela progressiva' (evento 1, DEC4).

O INSS postula pela improcedência do pedido, alegando, preliminarmente, a inépcia da petição inicial. No mérito, aduziu que o benefício de aposentadoria por idade híbrida só se aplica aos segurados que comprovem o exercício de atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo (evento 20).

1 - Inépcia da inicial

Em que pese a parte autora não tenha delimitado na inicial o período de atividade rural que pretende ver reconhecido, não vejo razão para o indeferimento da inicial.

Com efeito, verifico que a parte autora juntou no processo administrativo inúmeros documentos que indicam sua atividade rural, mas que sequer foram analisados pela autarquia previdenciária quando do indeferimento do benefício.

Conforme na sequência se demonstrará, dá análise das datas constantes de tais documentos é possível aferir que a autora esteve vinculada às lidas rurais entre os anos de 1967 a 1990.

Desta forma, por não vislumbrar qualquer prejuízo para a promoção da defesa da autarquia previdenciária, indefiro o pedido do INSS de indeferimento da petição inicial.

2 - Considerações gerais

Para que o segurado faça jus ao benefício de aposentadoria por idade deve preencher dois requisitos, quais sejam: (a) cumprir a carência exigida e (b) implementar a idade de sessenta e cinco anos, se homem, e sessenta anos, se mulher, reduzidos em cinco anos o limite para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nos termos do art. 201, §7º, II, da Constituição Federal e do art. 48 da Lei 8.213/91.

No que se refere à carência, no caso dos trabalhadores rurais, a regra do art. 25, II, da Lei nº 8.213 foi flexibilizada, bastando, para o cumprimento da carência, a comprovação do efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido, nos termos do art. 39, I, art. 48, §2º, e art. 143, ambos da Lei nº 8.213/91.

Por outro lado, há também a previsão do art. 48, § 3º, com a seguinte redação:

Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher.

(...)

§ 3º. Os trabalhadores rurais de que trata o § 1º deste artigo que não atendam ao disposto no § 2º deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher. (Incluído pela Lei nº 11,718, de 2008)

Embora, num primeiro momento, possa-se entender - como já entendi, inclusive - que se trata de benefício exclusivo do trabalhador rural, que detenha essa qualidade na data do requerimento administrativo ou no implemento da idade, trata-se leitura apressada e isolada do benefício.

Se, de um lado, pode-se presumir a intenção do legislador de incentivar o retorno ao meio rural, também é certo que aquele que, buscando melhores condições, migra para o meio urbano e nele se estabelece não pode ter as suas condições drasticamente pioradas por conta dessa opção, muitas vezes inevitável, tendo em vista as dificuldades cada vez maiores da lida rural.

O princípio da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais (CF. art. 194, II) impede a perplexidade e perversidade da situação em que o trabalhador já não tem perspectiva de receber um benefício rural por ter saído da lavoura antes do implemento da idade e, tampouco, tem perspectiva de receber um benefício por idade avançada urbana, por ter migrado tardiamente, estando, por isso, distante do implemento da carência.

Eis, penso, o sentido da alteração legislativa, na tentativa de abarcar essas situações, temperando-as com o aumento da idade.

O art. 39, I, da Lei nº 8.213/91 prevê - mesmo estando superado o prazo do art. 143 - que o segurado especial tem direito a aposentadoria por idade desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício, em regra, 180 meses, respeitada a regra de transição do art. 142.

Entendo que o reconhecimento misto do tempo de atividade rural e do período de contribuição urbana para atender ao requisito da carência, para os fins do art. 48, § 3º, da Lei nº 8.213/91, deve ficar limitado ao período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, de modo a compatibilizar essa interpretação, inclusive, ao art. 55, §2, que veda o reconhecimento do período rural anterior à vigência da Lei para fins de carência.

Compatibiliza-se também com o entendimento consolidado que impõe a necessidade de satisfação concomitante dos requisitos de carência (a rigor, tempo de exercício de atividade rural) e idade no caso dos trabalhadores rurais (STJ, Pet 7.476/PR, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/ Acórdão Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/12/2010, DJe 25/04/2011), tendo em vista o advérbio expresso 'imediatamente anterior', evitando que o trabalhador que tenha exercido atividade rural em tempos remotos e, também há tempos, já não seja segurado obrigatório, receba o benefício.

Não se trata de entendimento isolado:

'Em face do princípio constitucional da uniformidade e da equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais (art. 194, parágrafo único, II), entendemos aplicável essa regra também em favor do trabalhador urbano. Assim, quem deixou a área rural e foi trabalhar em atividade urbana, poderá somar os dois períodos para atingir a carência necessária para a concessão de aposentadoria por idade de valor mínimo'(Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari. Manual de Direito Previdenciário, 12ª edição, p. 624).

Trata-se de entendimento, admito, meramente incipiente na jurisprudência, mas que, entendo, melhor se coaduna a uma interpretação principiológica do regime constitucional previdenciário.

Veja, inclusive, no voto vencido do Des. Rogério Favreto (TRF4, Apelação Cível nº 0014935-23.2010.404.9999, Quinta Turma, Relator Rogerio Favreto, D.E. 24/11/2011), citando que a própria interpretação administrativa é favorável ao segurado (g.n.):

'De uma breve leitura do texto legal [art. 48 e §§ da lei nº 8.213/91 emanam três possibilidades de concessão da aposentadoria por idade:

1. aposentadoria por idade, mediante preenchimento da carência com tempo de serviço urbano (aposentadoria por idade urbana): tem direito a aposentar-se por idade o segurado que, preenchida a carência, completar 65 anos, se homem, e 60 anos, se mulher;

2. aposentadoria por idade, mediante preenchimento da carência com tempo de serviço rural (aposentadoria rural por idade): tem direito a aposentar-se por idade o trabalhador rural (empregado, eventual, avulso, individual ou segurado especial) que, preenchida a carência, completar 60 anos, se homem, e 55 anos, se mulher;

3. aposentadoria por idade, mediante preenchimento da carência com tempo de serviço rural e urbano (aposentadoria híbrida por idade): com o advento da lei nº 11.718/08, passa a ter direito à aposentadoria por idade o trabalhador rural que, para preenchimento da carência, integra períodos de tempo rural com categoria diversa; nesse caso, o requisito etário volta a ser 65 anos, se homem, e 60 anos, se mulher.

Defendo a especificação híbrida acima estabelecida não apenas pela composição de tempos de serviço e faixas etárias diversas, mas diante dos contornos existentes quanto à comprovação da carência e cálculo do salário-de-contribuição, a seguir abordados.

Por derradeiro, no ponto, destaco que para concessão da aposentadoria por idade, na modalidade híbrida, desimporta qual seja a atividade exercida pelo segurado ao tempo do requerimento administrativo, ou a última a ser considerada na concessão do benefício; é o entendimento que deflui do art. 52, §4º, do Decreto nº 3.048/99, ao dispor que a inovação legislativa (especialmente as alterações dos §§ 2º e 3º), aplica-se ainda que na oportunidade do requerimento da aposentadoria o segurado não se enquadre como trabalhador rural.'

Assim, para os fins do art. 48, 3§, entendo que a parte deve comprovar que o tempo de atividade rural como segurado especial posterior a julho de 1991 somado a atividade urbana atende a carência na data do implemento da idade de 65 anos, para homens, e 60 anos, para mulheres, sendo indiferente à categoria de segurado nesta mesma data.

Analisemos o caso concreto.

3 - Período de trabalho rural

A comprovação de tempo de serviço deve se dar nos termos do artigo 55, § 3°, da Lei 8.213/91, é dizer, deve estar baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal. Neste sentido, está consolidado o entendimento dos Tribunais, valendo transcrever a Súmula nº 149 do Superior Tribunal de Justiça: 'A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário'.

Duas são as situações decorrentes do reconhecimento de labor rural. A primeira diz respeito aos trabalhadores rurais - desde sempre rurais -, que postulam os benefícios mínimos de que tratam os artigos 39, I, e 143, ambos da Lei n° 8.213/91. A segunda se refere aos ex-trabalhadores rurais que buscam o reconhecimento desta espécie de labor para fins de concessão de benefícios previdenciários pelo RGPS por meio da benesse do artigo 55, § 2°, da Lei 8.213/91.

Ora, com respeito aos primeiros, é dizer, aos trabalhadores rurais que perseguem concessão de benefício mínimo, é razoável que a exigência de 'início de prova material' se satisfaça com apresentação de documentos idôneos que, ainda que distantes do tempo chamado 'período de carência', indiquem a condição de rurícola do segurado. Isto pela singela razão de que, em relação a estes trabalhadores que buscam benefício mínimo, opera presunção de que sempre trabalharam na lavoura, já que de regra inexiste qualquer indicativo de alteração de atividade. Os segurados rurais que fazem jus ao benefício mínimo nascem no campo, aprendem com a família e lá continuam. Nessas circunstâncias, é possível que um único documento de registro público possa, por vezes, atender o reclame de prova material, cuja exigência deve ser flexibilizada. Mas não é só, as testemunhas de que se valem se referem ao que conhecem de modo geral, tendo conhecimento básico do exercício da atividade e sua continuidade ao longo da vida do segurado.

Já no que alude aos trabalhadores urbanos que buscam aproveitar o tempo rural para fins de concessão de benefícios calculados com base no salário-de-benefício (artigo 29, da Lei 8.213/91), não há presunção de continuidade do exercício de atividade rural, devendo se emprestar maior rigor à satisfação dos elementos materiais hábeis a confortar a prova testemunhal. Nestas hipóteses, a exigência de prova material é inafastável à segurança da declaração judicial e deve a parte apresentar documentação contemporânea ao fato ou circunstância que deseja comprovar.

Outrossim, importa ressaltar que as provas não necessitam estar em nome do segurado, podendo ser atendida a exigência de prova material com 'documentos de terceiros, membros do grupo parental' (Súmula nº 73 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região) desde que o restante do conjunto probatório conforte o exercício de atividade rural pelo próprio segurado.

No caso dos autos, visando atender aos reclames de prova material foram apresentados os seguintes documentos:

Ano

Descrição

Doc

1967-1990

matrícula do imóvel e declaração de que a autora trabalhou em terras de José Horácio Bueno, herdadas por Apanique Moraes de Melo

ev. 16, procadm3, fl. 18-21

1967

certidão de casamento, constando o marido como lavrador

ev. 16, procadm1, fl. 24

1969

certidão de nascimento de filha, constando o marido como lavrador

ev. 16, procadm2, fl. 3

1971

certidão de nascimento de filho, constando o marido como lavrador

ev. 16, procadm2, fl. 7

1976

certidão de nascimento de filho, constando o marido como lavrador

ev. 16, procadm3, fl. 3

1978

certidão de nascimento de filho, constando o marido como lavrador

ev. 16, procadm3, fl. 7

1981-1984

histórico escolar de Joel, filho da autora, expedido pela Escola Rural de Jacaré do Lagedo

ev. 16, procadm3, fl. 14

1983-1987

histórico escolar de Ademar, filho da autora, expedido pela Escola Rural de Jacaré do Lagedo

ev. 16, procadm3, fl. 10

1989

requerimento de matrícula escolar, constando a profissão do marido como retireiro (ordenhador)

ev. 16, procadm3, fl. 12

declaração do sindicato dos trabalhadores rurais, incompleta

ev. 16, procadm3, fl. 26

Os demais documentos apresentados não se referem à profissão da autora ou não dizem respeito ao período pleiteado.

Note-se que a parte autora apresentou, como início de prova material, documentação hábil a demonstrar sua condição de trabalhador rural, pois trouxe aos autos documentos que comprovam que sua família residia em área rural e a condição de lavrador de seu marido, desde o ano de 1967 até o ano de 1989, sendo que a autora afirmou que veio residir em Curitiba/PR no ano de 1990 (evento 22).

Vale destacar que a legislação previdenciária não exige início de prova material para cada ano que se pretende ver reconhecido, entendimento que é majoritário na jurisprudência e reiterado pela Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais:

EMENTA TURMA NACIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO. PREVIDENCIÁRIO. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CONTEMPORÂNEA. EXISTÊNCIA. AMPLIAÇÃO DA EFICÁCIA PROBATÓRIA DA PROVA TESTEMUNHAL. 1. Pedido de Uniformização de Jurisprudência conhecido apenas em face da apontada divergência jurisprudencial em relação ao REsp 980762, no qual reconheço a jurisprudência dominante do STJ. Incidência da Questão de Ordem nº 05 da TNU. 2. (...). 3. (...). 4. A existência de prova testemunhal idônea tem aptidão, diante da corroboração do início de prova material razoável, de ampliar a eficácia probatória dos documentos aceitos, não sendo razoável a exigência de que os documentos apresentados devam corresponder a todo o período postulado. Precedentes da TNU (Processo n. 200570510023599 e Processo n. 200570510042764) e do STJ (REsp 980762/SP e AR 2.972/SP). 5. Embora alguns dos julgados mencionados façam referência à comprovação do período de carência para fins de obtenção do benefício de aposentadoria, tal particularidade não tem o condão de afastar a pertinência das decisões em relação ao tema ora decidido. Seja para fins de carência, seja para fins de averbação, o que se discute é a valoração das provas na demonstração de desempenho da atividade rural. 6. Pedido de Uniformização parcialmente conhecido e, na parte conhecida, provido para restabelecer a sentença de fls. 94/102 dos autos.

(PEDIDO 200672950036684, JUIZ FEDERAL DERIVALDO DE FIGUEIREDO BEZERRA FILHO, DJ 05/03/2010.).

No presente caso, entendo ser possível o reconhecimento da atividade rural, pois a prova testemunhal e o depoimento pessoal da autora são bastante convincentes no sentido de que desenvolveu atividades rurais até o período anterior ao início de seu trabalho urbano.

A meu ver, o período a ser reconhecido deve ser limitado 13/12/1967 (data do casamento da autora) a 31/12/1989. Esta a data final, primeiro porque a própria autora declarou que veio morar em Curitiba em 1990, mas que um pouco antes ficou sem trabalhar em razão de estar acometida de reumatismo (evento 22), e, segundo, porque verifico da fl. 8 do procadm1 do evento 16 que a autora teve sua CTPS emitida em 14/02/1990.

Por outro lado, não há nenhuma evidência de que a autora tenha se afastado do meio rural nesse período.

Portanto, diante da presunção de continuidade do exercício de atividade rural, considero, em princípio, possível o reconhecimento do exercício de atividade rural pela segurada de 13/12/1967 a 31/12/1989.

Corroborando os documentos apresentados, as declarações das testemunhas ouvidas em audiência convergem para o fato de a autora ter trabalhado desde seu casamento em propriedade inicialmente pertencente a José Horácio Bueno, posteriormente adquiridas por Apanique Moraes de Melo, cultivando essencialmente arroz, milho e feijão (lavoura branca), sem a contratação de empregados nem a utilização de maquinário, até que adoentou, vindo morar em Curitiba logo depois.

Pelo exposto, reconheço o labor rural exercido pela parte autora no período 13/12/1967 a 31/12/1989, que deverá ser averbado pelo INSS como tempo de serviço independentemente do recolhimento de contribuições previdenciárias, nos termos do artigo 55, §2º, da Lei de Benefícios, exceto para fins de carência.

Não obstante, conforme supramencionado, para que a parte autora possa se beneficiar da aposentadoria rural híbrida prevista no art. 48, § 3º, da Lei nº 8.213/91, deve comprovar que exerceu tempo de atividade rural como segurado especial posterior a julho de 1991, o que não é o caso dos autos.

Desta forma, não é devido à autora o benefício pretendido, mas tão somente a averbação do período rural ora reconhecido.

III. DISPOSITIVO

Ante o exposto, julgo PROCEDENTES em parte os pedidos contidos na inicial, extinguindo o processo com resolução do mérito, na forma do art. 269, I, do CPC, para condenar o INSS a averbar tempo rural em favor da parte autora no período de 13/12/1967 a 31/12/1989, exceto para fins de carência.

Defiro à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita, nos termos da Lei 1.060/50. Anote-se.

Sem custas ou honorários advocatícios de sucumbência em primeira instância, nos termos do art. 55 da Lei nº 9.099/95, c/c art. 1º da Lei nº 10.259/2001.

Intimem-se.

Caso haja recurso de quaisquer das partes dentro do prazo de 10 (dez) dias, intimem-se os recorridos para, querendo, oferecerem resposta escrita no mesmo prazo, nos termos do § 2º do art. 42 da Lei nº 9.099/95, c/c o art. 1º da Lei nº 10.259/01. Após, apresentadas, ou não, as contrarrazões, remetam-se os autos às Turmas Recursais da Seção Judiciária do Estado do Paraná.

Curitiba, 07 de agosto de 2014."

Sendo assim, a impetrante não demonstrou a existência de direito líquido e certo porque a decisão judicial que fundamenta seu pedido é clara quando determina a averbação do período rural de 13/12/1967 a 31/12/1989, exceto para fins de carência. Além disso, referida sentença não acolhe o pedido de aposentadoria híbrida pela autora afirmando que, para tanto, a impetrante deveria comprovar que exerceu tempo de atividade rural como segurada especial posteriormente a julho de 1991, o que não é o caso dos autos.

Logo, mesmo em se tratando de renovação administrativa do pedido de concessão de aposentadoria por idade híbrida, é certo que a autora não pode se valer de decisão judicial que foi explícita no indeferimento do requerimento de cômputo do período de 13/12/1967 a 31/12/1989 para fins de carência.

Lembre-se que, no mandado de segurança, a prova deve ser pré-constituída. Desse modo, não comprovado o direito líquido e certo à aposentadoria por idade híbrida.

III) DISPOSITIVO

Ante o exposto, denego a ordem requerida na inicial.

[...]

Portanto, há de ser mantida íntegra a sentença que denegou a segurança pleiteada.

Consectários da Sucumbência

Honorários Advocatícios

Incabível a condenação ao pagamento de honorários advocatícios em sede de mandado de segurança, consoante entendimento consolidado pela jurisprudência pátria, a teor do disposto no art. 25 da Lei nº 12.016/09 e nas Súmulas nºs 512 do STF e 105 do STJ.

Custas Processuais

O INSS é isento do pagamento das custas processuais no Foro Federal (artigo 4.º, I, da Lei n.º 9.289/96).

Prequestionamento

Objetivando possibilitar o acesso das partes às Instâncias Superiores, considero prequestionadas as matérias constitucionais e legais suscitadas nos autos, conquanto não referidos expressamente os respectivos artigos na fundamentação do voto.

Conclusão

Remessa oficial não conhecida.

Apelação da parte impetrante desprovida.

DISPOSITIVO

Ante o exposto, voto por não conhecer da remessa oficial e negar provimento à apelação da impetrante.



Documento eletrônico assinado por MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000596905v16 e do código CRC cba37f2a.Informações adicionais da assinatura:
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5051289-59.2015.4.04.7000
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Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5051289-59.2015.4.04.7000/PR

RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

APELANTE: TEREZA CANDIDA DE FREITAS DA SILVA (IMPETRANTE)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (INTERESSADO)

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. NÃO DEMONSTRADO. ordem denegada.

1. Tratando-se de mandado de segurança, a remessa oficial é devida quando concedida a ordem, ainda que parcialmente, nos termos do artigo 14, § 1º, da Lei nº 12.016/2009.

2. O direito líquido e certo a ser amparado por meio de mandado de segurança é aquele que se apresenta manifesto na sua existência, insuscetível de controvérsia.

3. A impetrante não demonstrou a existência de direito líquido e certo porque a decisão judicial que fundamenta seu pedido é clara quando determina a averbação do período rural em questão, exceto para fins de carência.

4. Mantida a sentença que denegou a ordem.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar do Paraná do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, decidiu não conhecer da remessa oficial e negar provimento à apelação da impetrante, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Curitiba, 17 de agosto de 2018.



Documento eletrônico assinado por MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000596906v6 e do código CRC 81f18eef.Informações adicionais da assinatura:
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5051289-59.2015.4.04.7000
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Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 17/08/2018

Apelação Cível Nº 5051289-59.2015.4.04.7000/PR

RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

PRESIDENTE: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO

APELANTE: TEREZA CANDIDA DE FREITAS DA SILVA (IMPETRANTE)

ADVOGADO: SELSON RODRIGUES DE CAMPOS

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (INTERESSADO)

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 17/08/2018, na seqüência 699, disponibilizada no DE de 01/08/2018.

Certifico que a Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma Regional Suplementar do Paraná, por unanimidade, decidiu não conhecer da remessa oficial e negar provimento à apelação da impetrante.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

Votante: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

Votante: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO

Votante: Desembargador Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA

SUZANA ROESSING

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 19:50:19.

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