Apelação Cível Nº 5002675-47.2021.4.04.7215/SC
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
APELANTE: OSNI VENERI (IMPETRANTE)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (INTERESSADO)
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação contra sentença em que o magistrado a quo INDEFERIU a petição inicial e DECLAROU EXTINTO O PROCESSO, sem resolução de mérito, na forma do art. 485, inc. IV, do CPC, c/c o art. 1º da Lei n. 12.016/09, nos termos da fundamentação. Deferiu à parte impetrante o benefício da gratuidade da justiça (CPC, art. 98). Honorários advocatícios indevidos (Lei n. 12.016/09, art. 25). Parte impetrante dispensada do pagamento de custas processuais (Lei n. 9.289/96, art. 4º, inc. II).
Em suas razões, a parte impetrante sustenta que há direito líquido e certo à manutenção do benefício de auxílio-doença enquanto não for reabilitado para o desempenho de atividade profissional que lhe garanta a subsistência. Alega que, conforme demonstra a sentença emitida nos autos do Processo nº 5002905-60.2019.4.04.7215, que se encontra anexada ao evento 1, DECISÃO/5, fls. 16/23, o INSS foi condenado a encaminhar o Recorrente ao processo de reabilitação profissional. Diante disso, afirma que a sentença, ao indeferir de plano a petição inicial e julgar extinto o feito sem resolução do mérito, por falta de interesse processual, não observou a totalidade das provas documentais anexadas aos autos, cerceando o direito do Recorrente, devendo ser declarada a nulidade da r. sentença e devolvido o processo ao MM. Juízo de 1ª instância para que promova o prosseguimento do saneamento e instrução processual e posterior julgamento da causa. Subsidiariamente, requer que, em análise do mérito, seja a presente ação julgada totalmente procedente, determinando o restabelecimento do benefício de auxílio-doença até que o Recorrente esteja devidamente reabilitado para o exercício de atividade laborativa que lhe garanta a subsistência, com o pagamento das parcelas em atraso desde a data da cessação do benefício.
Sem contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
Nesta instância, o MPF manifestou-se pelo provimento da apelação.
É o relatório.
VOTO
Trata-se de mandado de segurança em que a parte impetrante buscava que o INSS fosse compelido a restabelecer o benefício de auxílio-doença NB 31/631.539.156-0, desde a data da cessação indevida (13-10-2021) até a realização do procedimento de reabilitação, em atendimento ao que foi determinado judicialmente nos autos do Processo nº 5002905-60.2019.4.04.7215, com o pagamento das parcelas do benefício devidas pelo período em que foi indevidamente cessado (evento 1, INIC1).
Sobreveio sentença indeferindo a petição inicial antes mesmo de angularizada a relação processual, com fulcro no art. 485, inc. IV, do Código de Processo Civil, c/c o art. 1º da Lei n. 12.016/09, nestes termos (evento 3, SENT1):
2. Fundamentação
O mandado de segurança é o remédio constitucional vocacionado à proteção de direito líquido e certo, de natureza individual ou coletiva, não amparado por habeas corpus ou habeas data, lesado ou ameaçado de lesão, em decorrência de ato de autoridade de qualquer categoria ou funções que exerça (CRFB, art. 5º, inc. LXIXI e LXX e Lei n. 12.016/09, art. 1º).
Segundo definição doutrinária, direito líquido e certo "é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: se sua existência for duvidosa, se sua extensão ainda não estiver delimitada, se seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais. Quando a lei alude a direito líquido e certo, está exigindo que esse direito se apresente com todos os requisitos pra seu reconhecimento e exercício no momento da impetração. Em última análise, direito líquido e certo é direito comprovado de plano. Se depender de comprovação posterior não é líquido, nem certo, para fins de segurança" (MEIRELLES, Hely Lopes; WALD, Arnaldo; MENDES, Gilmar Ferreira. Mandado de segurança e ações constitucionais. 35 ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 37).
No caso concreto, o que se extrai da sentença proferida na demanda pretérita é que não havia determinação de realização de reabilitação profissional, conforme sustenta o impetrante na inicial (E1, DECISAO5). Nesse quadro, a aferição da capacidade laborativa do autor - ou da necessidade da promoção de reabilitação profissional pela Autarquia - torna a via processual utilizada inadequada para a satisfação do direito perseguido, dada a necessidade de abertura de instrução probatória, providência incompatível com o rito célere do mandado de segurança, cuja impetração pressupõe a existência de direito líquido e certo, como já mencionado.
Reforçando esse entendimento, a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região - TRF4 é sólida no sentido de que, "por direito líquido e certo, compreende-se o que é comprovado de plano (prova pré-constituída), apto a ser exercido pelo titular sem necessidade de instrução probatória. Se a sua existência for duvidosa ou a sua extensão ainda não estiver perfeitamente delineada, dependendo o seu exercício de situações e fatos indeterminados ou que reclamam maior dilação probatória, é inadequada a via mandamental, embora ao direito possa ser defendido por outros meios judiciais" (TRF4, AC 5018192-59.2015.4.04.7100, Terceira Turma, Relator Fernando Quadros da Silva, juntado aos autos em 03/12/2015).
Outrossim, cumpre recordar que "em julgamentos sob o regime da repercussão geral e dos recursos repetitivos, o STF e o STJ estabeleceram a necessidade do prévio requerimento administrativo de concessão de benefício, como condição para ter por caracterizado o interesse de agir, assentando, porém, que esta exigência não se confunde com a do esgotamento da via administrativa, que não é condição para o ajuizamento da ação previdenciária (...)" (TRF4, AC 5094149-27.2019.4.04.7100, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 05/08/2021). Resta facultado à impetrante, dessarte, veicular sua pretensão por rito que admita instrução ampla.
Nesse contexto, impõe-se o indeferimento da petição inicial e a extinção do processo, sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, inc. IV, do Código de Processo Civil - CPC, não sendo necessária a apreciação dos demais argumentos deduzidos pela parte impetrante, pois "o julgador não é obrigado a examinar todas as questões arguidas pelas partes e a responder questionário, bastando que exponha as razões de seu convencimento, decidindo a matéria controversa sob fundamento suficiente para sustentar a manifestação jurisdicional" (TRF4 5003048-54.2015.4.04.7000, Turma Regional Suplementar do PR, Relator Luiz Fernando Wowk Penteado, juntado aos autos em 26/02/2019).
3. Dispositivo
Ante o exposto, INDEFIRO a petição inicial e DECLARO EXTINTO O PROCESSO, sem resolução de mérito, na forma do art. 485, inc. IV, do CPC, c/c o art. 1º da Lei n. 12.016/09, nos termos da fundamentação.
Na hipótese dos autos, como visto acima, o magistrado a quo entendeu não haver direito líquido e certo a justificar a impetração do presente mandado, sendo este, pois, inadequado para a satisfação da pretensão, uma vez que necessária a dilação probatória.
Ocorre que o fundamento utilizado na sentença, consubstanciado na inexistência de direito líquido e certo, é questão de mérito, que justifica a denegação da segurança, e não o indeferimento da petição inicial. Houve, em verdade, na sentença, exame do mérito do mandado de segurança, não podendo ser confundida com a ausência de uma das condições da ação que autorizasse o indeferimento de plano da inicial.
Acerca da adequação da via processual eleita, tanto a Constituição Federal, no inc. LXIX do art. 5º, quanto a Lei n. 1.533/51, em seu art. 1º, exigem como pressuposto para a impetração da ação mandamental que o direito subjetivo, a ser protegido pelo órgão jurisdicional, seja líquido e certo. E, no prestigiado ensinamento de Hely Lopes Meirelles (Mandado de Segurança. 16ª ed., São Paulo: Malheiros, 1995, p. 29.), direito líquido e certo é o que se apresenta com todos os requisitos para seu reconhecimento e exercício no momento da impetração. Em última análise, direito líquido e certo é comprovado de plano. Complementa o já citado professor que o conceito legal está mal expresso, porque traz referência ao direito, quando, na verdade, deveria aludir à precisão e à comprovação dos fatos e situações que propiciam o exercício desse direito. Por isso, não haveria dilação probatória no mandado de segurança, limitando-se às informações prestadas pelo impetrado, sendo que a existência ou não do direito e do seu suporte fático deriva do exame da inicial e dessas informações.
O writ constitui, pois, um instituto de direito processual constitucional que visa a garantir a recomposição imediata do direito individual ou coletivo lesado por ato ilegal ou abusivo da autoridade, a exigir prova pré-constituída das situações e fatos que amparam o direito do impetrante.
Nessa linha, em uma análise superficial da questão, verifico que o impetrante busca a manutenção do benefício cessado até a reabilitação para o desempenho de atividade profissional que lhe garanta a subsistência, alegando a existência ordem judicial nesse sentido, e, para tanto, juntou, no processo administrativo apresentado com a inicial, a decisão proferida nos autos n. 5002905-60.2019.4.04.7215, que tramitou perante a 1ª Vara Federal de Brusque, em que houve parcial procedência do pedido, determinando-se ao INSS a concessão do benefício de auxílio-doença à parte autora, desde 05/04/2018 (DIB), com manutenção do benefício até a data em que o segurado seja dado como habilitado para o desempenho de nova função, observada a possibilidade de autoreabilitação ou de recusa do segurado a se submeter ao programa; e/ou a falta de colaboração, que darão ensejo à cessação do benefício, bem como o encaminhamento da parte autora ao processo de reabilitação profissional, nos termos do art. 62 da Lei n. 8.213/91 (evento 1, DECISÃO/5).
Assim, diante da existência de prova pré-constituída do direito alegado, entendo que a via mandamental eleita é adequada à pretensão do impetrante.
Todavia, tendo havido o indeferimento da inicial imediatamente após a impetração do mandamus, sem a angularização da relação processual, torna-se inviável a este Corte examinar desde logo o mérito do pedido.
Dentro desse contexto, impõe-se a anulação da sentença para que seja devidamente processado o presente mandado de segurança, com a prolação de nova decisão após a angularização da relação processual e o regular trâmite deste mandamus. Merece parcial provimento, pois, a apelação da parte autora.
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação da parte autora para anular a sentença, e para que, após angularizada a relação processual e o regular trâmite do presente writ, outra seja proferida.
Documento eletrônico assinado por CELSO KIPPER, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003166428v12 e do código CRC 7a44eb58.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5002675-47.2021.4.04.7215/SC
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
APELANTE: OSNI VENERI (IMPETRANTE)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (INTERESSADO)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. AUSÊNCIA DE ANGULARIZAÇÃO DA RELAÇÃO PROCESSUAL. ANULAÇÃO DA SENTENÇA.
1. Tendo havido o indeferimento da inicial imediatamente após a impetração do mandamus, sem a angularização da relação processual, torna-se inviável a este Corte examinar desde logo o mérito do pedido.
2. Em uma análise superficial da questão, verifico que, no caso concreto, há prova pré-constituída dos fatos que amparam o direito do autor, hábil a constituir seu direito líquido e certo à segurança pleiteada.
3. Dentro desse contexto, impõe-se a anulação da sentença para que seja devidamente processado o presente mandado de segurança, com a prolação de nova sentença após a angularização da relação processual e o regular trâmite deste mandamus. Merece provimento, pois, a apelação da parte autora.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação da parte autora para anular a sentença, e para que, após angularizada a relação processual e o regular trâmite do presente writ, outra seja proferida, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 17 de maio de 2022.
Documento eletrônico assinado por CELSO KIPPER, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003166429v3 e do código CRC 14dc2076.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 10/05/2022 A 17/05/2022
Apelação Cível Nº 5002675-47.2021.4.04.7215/SC
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
PRESIDENTE: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
PROCURADOR(A): WALDIR ALVES
APELANTE: OSNI VENERI (IMPETRANTE)
ADVOGADO: ROSANA FERREIRA DA SILVA (OAB SC013730)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (INTERESSADO)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 10/05/2022, às 00:00, a 17/05/2022, às 16:00, na sequência 774, disponibilizada no DE de 29/04/2022.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PARA ANULAR A SENTENÇA, E PARA QUE, APÓS ANGULARIZADA A RELAÇÃO PROCESSUAL E O REGULAR TRÂMITE DO PRESENTE WRIT, OUTRA SEJA PROFERIDA.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
ALEXSANDRA FERNANDES DE MACEDO
Secretária
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