Apelação Cível Nº 5008311-61.2020.4.04.7204/SC
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
APELANTE: ANTONIO FERRARI (IMPETRANTE)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (INTERESSADO)
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação contra sentença em que o magistrado a quo indeferiu a petição inicial, com fundamento no art. 10 da Lei nº 12.016/2009, e determinou a extinção do processo sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, I, do Código de Processo Civil. Sem condenação em honorários advocatícios (art. 25 da Lei nº 12.016/09 e Súmulas nº 512 do STF e nº 105 do STJ). Custas legais, a serem suportadas pela parte impetrante. Fica suspensa a execução, entretanto, ante a gratuidade judicial deferida.
Apela a parte autora requerendo seja reconhecido o CERCEAMENTO DE DEFESA e consequentemente a intimação do INSS para reabrir o processo administrativo e reanalisar em primeira instância e reconhecer a especialidade por categoria profissional nos 15 ANOS dos períodos de 09.03.1984 à 23.05.1987 e de 10.03.1988 à 16.06.1989, bem como que o INSS fundamente o que ensejou a sua decisão.
Apresentadas as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
Nesta instância, o MPF deixou de se manifestar sobre o mérito.
É o relatório.
VOTO
Trata-se de mandado de segurança cuja controvérsia cinge-se à reabertura do procedimento administrativo de aposentadoria por tempo de contribuição da parte impetrante para que seja apreciado, fundamentadamente, pela autoridade coatora, o pedido de reconhecimento da especialidade dos períodos de 09-03-1984 a 23-05-1987 e 10-03-1988 a 16-06-1989, com a conversão para tempo comum pelo fator 2,33.
Veja-se o teor da sentença (evento 6, SENT1):
Trata-se de mandado de segurança em que o impetrante requer a concessão de medida liminar para reabertura do processo administrativo nº 42/183.382.661-0, reconhecimento da especialidade (por categoria profissional) e a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição.
Alega, em síntese, que a autarquia a autarquia deixou de reconhecer a especialidade por grupo/categoria profissional sob o fundamento de que não restou comprovada a exposição a agentes nocivos.
Requereu o benefício da gratuidade da justiça, atribuiu à causa o valor de R$ 1.045,00 e anexou documentos (evento 1, PROC2 a PROCADM4).
II. FUNDAMENTAÇÃO.
Conceder-se-á mandado de segurança, a teor do art. 5º, LXIX, da CF/88,
[...] para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público
A Lei nº 12.016/09, que "disciplina o mandado de segurança individual e coletivo e dá outras providências", em seus arts. 1º e 2º assim dispõe:
Art. 1o Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.
§ 1o Equiparam-se às autoridades, para os efeitos desta Lei, os representantes ou órgãos de partidos políticos e os administradores de entidades autárquicas, bem como os dirigentes de pessoas jurídicas ou as pessoas naturais no exercício de atribuições do poder público, somente no que disser respeito a essas atribuições.
§ 2o Não cabe mandado de segurança contra os atos de gestão comercial praticados pelos administradores de empresas públicas, de sociedade de economia mista e de concessionárias de serviço público.
§ 3o Quando o direito ameaçado ou violado couber a várias pessoas, qualquer delas poderá requerer o mandado de segurança.
Art. 2o Considerar-se-á federal a autoridade coatora se as consequências de ordem patrimonial do ato contra o qual se requer o mandado houverem de ser suportadas pela União ou entidade por ela controlada.
A estreita via do mandado de segurança exige a demonstração, de plano, da existência do direito líquido e certo, ou seja, de inexistência de dúvida quanto à situação de fato comprovada documentalmente.
É, a propósito, a lição de Greco Filho:
O pressuposto do mandado de segurança, portanto, é a ausência de dúvida quanto à situação de fato, que deve ser provada documentalmente. Qualquer incerteza sobre os fatos decreta o descabimento da reparação da lesão através do mandado, devendo a parte pleitear seus direitos através de ação que comporte a dilação probatória. (GRECO FILHO, Vicente. Tutela constitucional das liberdades. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 162) (grifei)
Em outras palavras, a noção de direito líquido e certo "ajusta-se, em seu específico sentido jurídico, ao conceito de situação que deriva de fato incontestável, vale dizer, de fato passível de comprovação documental imediata e inequívoca" (STF. MS 21865, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 18/10/1995, DJ 01-12-2006 PP-00066 EMENT VOL-02258-01 PP-00141 LEX STF v. 29, n. 339, 2007, p. 187-200). (grifei)
Entende-se por abusivo e ilegal, então, como sendo aquele que "pode ser demonstrado de plano, mediante prova meramente documental", por tutelar direito evidente, e que "caso exista a necessidade de cognição profunda para a averiguação da ilegalidade ou prática do abuso, a situação não permitirá o uso da via estreita do mandado de segurança" (GOMES JUNIOR, Luiz Manoel [et al.]. Comentários à Lei do mandado de segurança [livro eletrônico] 2. ed. São Paulo : Thomson Reuters, Brasil, 2020). (grifei)
Nesse sentido, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
MANDADO DE SEGURANÇA. AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. 1. É requisito do mandado de segurança a existência de direito líquido e certo, ou seja, prova pré-constituída dos fatos alegados pela parte impetrante. Se depender de comprovação posterior, não é líquido e certo, para fins de segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais. 2. Assim, tratando-se de mandado de segurança, a prova dos fatos deve estar pré-constituída e deve acompanhar a inicial, uma vez que não se permite a posterior juntada de documentos face à ausência de fase probatória, sob pena de indeferimento da petição inicial, nos termos do artigo 10, da Lei nº 12.016/2009, c/c os artigos 485, incisos I e VI, e 330, inciso III, do CPC. (TRF4, AC 5016354-82.2018.4.04.7001, TERCEIRA TURMA, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER, juntado aos autos em 22/05/2019) (grifei)
No caso concreto, em que pese a impetrante tenha alegado que a autoridade coatora se omitiu na análise do período, verifico que houve sim pronunciamento administrativo, ainda que em desacordo com seu interesse.
O suposto equívoco na análise das provas, que não se confunde com a alegada omissão, não resulta, por si só, na ilegalidade do ato, e por isso não enseja a impetração do mandamus.
A propósito, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
AGRAVO REGIMENTAL. MANDADO DE SEGURANÇA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. INDEFERIMENTO DA INICIAL. 1. O que pretende o autor é obter, nesta via, aquilo que lhe foi negado liminarmente tanto no Mandado de Segurança nº 5007477-25.2015.404.7110 quanto no Agravo de Instrumento nº 5046136-93.2015.404.0000. No caso dos autos, a questão já foi examinada pelo Poder Judiciário, por meio de decisão que desafia a interposição de recurso, nos termos previstos no Regimento Interno desta Corte. 2. A decisão impugnada, conforme se vê dos autos do agravo de instrumento em comento, encontra-se devidamente fundamentada. Embora tenha sido proferida em desacordo com os interesses do impetrante, não se mostra equivocada, não contém manifesta ilegalidade e não representa abuso de poder. 3. A questão controvertida encontra-se devidamente judicializada. Foi examinada liminarmente tanto na instância originária quanto em segundo grau de jurisdição. Em ambas as instâncias, será objeto de nova análise pelo Poder Judiciário. 4. Agravo regimental improvido. (TRF4 5046605-42.2015.4.04.0000, SEGUNDA SEÇÃO, Relator FERNANDO QUADROS DA SILVA, juntado aos autos em 22/02/2016) (grifei)
Não é demais lembrar que o pedido de reconhecimento da especialidade, ainda que por categoria/grupo profissional, também exige a demonstração da situação fática referenciada na prova documental acostada à inicial da impetração (exercício de atividade especial em atividades em subsolo de minas e em frentes de serviço, regularidade de contribuições, cumprimento de carência, etc) - circunstâncias que demandam dilação probatória, incabível na via estreita do mandado de segurança.
Mutatis mutandis, quanto ao indeferimento da inicial tendo em vista a impossibilidade de análise de matéria de fato, já decidiu o Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. PROVA PERICIAL. MANUTENÇÃO DA INCAPACIDADE. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. Correta a sentença que indeferiu a petição inicial de mandado de segurança, porquanto para avaliar eventual irregularidade na perícia administrativa e comprovar a persistência de incapacidade laborativa, é necessária a realização de perícia médica, o que não é possível postular na via estreita do mandado de segurança. (TRF4, AC 5049811-45.2017.4.04.7000, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, juntado aos autos em 19/12/2018)
Em obiter dictum, também não há demonstração de que no processo administrativo tenha sido realizado pedido de reconsideração e/ou interposto recurso contra a decisão, ou então de que eles não tenham sido regularmente processados (cuja omissão poderia, em tese, ser tachada de ilegal).
Não há prova, ainda, de infrutífera tentativa de reabertura do processo administrativo.
E, nesse sentido, não socorreria à parte autora, inclusive, eventual alegação de morosidade na tramitação. Isso porque, ainda que houvessem sido adotadas as providências anteriormente destacadas (pedido de reconsideração e/ou interposição de recurso administrativo), não teria transcorrido, até então, tempo superior a 180 dias desde a data do requerimento administrativo (DER), prazo assinalado como razoável, no Fórum Interinstitucional Previdenciário Regional, realizado em 29/11/2018, para a análise do requerimento administrativo.
Desse modo, não sendo caso de mandado de segurança, ante a evidente ausência de direito líquido e certo, a inicial deve ser indeferida, nos termos do art. 10 da Lei nº 12.016/09.
III. DISPOSITIVO.
Ante o exposto, indefiro a petição inicial, com fundamento no art. 10 da Lei nº 12.016/2009, e determino a extinção do processo sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, I, do Código de Processo Civil.
Pois bem. Como se verifica pelo procedimento administrativo acostado aos autos, houve análise acerca da especialidade dos intervalos controversos, tendo a Autarquia reconhecido o exercício de atividade sujeita a condições nocivas no período de 10-03-1988 a 16-06-1989, porém com fator de conversão 1,4, diverso, pois, daquele pleiteado pelo autor (2,33). Houve despacho fundamentado na ocasião em que apreciada a especialidade (evento 1, PROCADM4, p. 39):
Evento 1, PROCADM4, p. 69 (análise do período pela área técnica do INSS):
Quando do indeferimento administrativo, assim se manifestou o INSS (evento 1, PROCADM4, p.66):
Considerando que houve análise do pedido na esfera administrativa, tendo o INSS, inclusive, reconhecido um dos períodos especiais postulados, ainda que de forma diversa da postulada pelo autor, e levando em conta que o indeferimento administrativo foi motivado de forma clara e congruente, entendo que restou atendido o disposto no §1º e no inciso I do art. 50 da Lei n. 9.784/1999, razão pela qual não há qualquer justificativa para a reabertura do procedimento administrativo.
Havendo inconformidade em relação ao mérito do ato administrativo, sua reforma deve ser buscada pela via adequada.
Deve, pois, ser mantida a sentença nos termos em que proferida.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
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Apelação Cível Nº 5008311-61.2020.4.04.7204/SC
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
APELANTE: ANTONIO FERRARI (IMPETRANTE)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (INTERESSADO)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. procedimento administrativo. indeferimento fundamentado.
Considerando que o indeferimento administrativo foi motivado de forma clara e congruente, restou atendido o disposto no §1º e no inciso I do art. 50 da Lei n. 9.784/1999, razão pela qual não há qualquer justificativa para a reabertura do procedimento administrativo.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 17 de dezembro de 2020.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 10/12/2020 A 17/12/2020
Apelação Cível Nº 5008311-61.2020.4.04.7204/SC
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
PRESIDENTE: Desembargador Federal CELSO KIPPER
PROCURADOR(A): WALDIR ALVES
APELANTE: ANTONIO FERRARI (IMPETRANTE)
ADVOGADO: FLAVIO GHISLANDI CUNICO (OAB SC038227)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (INTERESSADO)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 10/12/2020, às 00:00, a 17/12/2020, às 16:00, na sequência 761, disponibilizada no DE de 30/11/2020.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES
Secretária
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