Apelação/Remessa Necessária Nº 5002439-22.2021.4.04.7110/RS
RELATORA: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (INTERESSADO)
APELADO: ORALDO AMARAL DA COSTA (IMPETRANTE)
ADVOGADO: PAULO ROBERTO DA SILVA DE MORAES (OAB RS097774)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação e reexame necessário de sentença na qual o juízo a quo concedeu a segurança, para determinar à autoridade impetrada a análise e conclusão do processo administrativo, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, sob pena de multa diária de R$ 100,00, limitado o total a R$ 1.500,00. Sem condenação em honorários advocatícios ou em custas.
Em suas razões, o INSS sustenta que a tutela jurisdicional deve limitar-se à garantia do controle da legalidade, sob pena de afronta ao princípio da separação de poderes. Afirma que a decisão judicial que determinar a decisão de determinado processo administrativo em detrimento daqueles que aguardam na fila de espera configura afronta ao princípio da isonomia. Argui a ausência de prazo peremptório na lei previdenciária para duração do processo administrativo previdenciário, e que o prazo para proferimento da decisão a que alude o art. 49 da Lei nº 9.784/99 começa a correr após a finalização da instrução do processo administrativo. Afirma que, diante da crescente demanda de requerimentos administrativos, estão sendo buscadas soluções tecnológicas para aperfeiçoar os atendimentos. Subsidiariamente, requer seja adotado como parâmetro o prazo de 120 dias, ou de 90 dias, para fins de cumprimento da decisão. Alega, ainda, que não é razoável a fixação de multa diária para cumprimento de decisão em prazo inferior a 45 dias, e pede que seja afastada a multa, ou que seja afastada a majoração preventiva sem prévia verificação concreta e objetiva pelo juízo, após esgotado o prazo, da efetiva recalcitrância.
Sem contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
O representante do Ministério Público Federal ofertou parecer pelo desprovimento da remessa oficial e da apelação.
É o relatório.
VOTO
A questão a ser examinada é relativa à concessão da segurança para a que o INSS proceda à análise do pedido administrativo de concessão de aposentadoria por idade rural.
O texto constitucional vigente, por força da EC nº 45/04, assegura a todos a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. De acrescentar, que a Carta Magna ainda estabelece que a Administração Pública tem o dever de obediência a inúmeros princípios, dentre eles, a legalidade e a eficiência (art. 37, caput).
No âmbito da legislação infraconstitucional, o processo administrativo na esfera federal é regulado pela Lei nº 9.874/99, sendo que os artigos 48 e 49 tratam de disciplinar o dever de decidir, nos seguintes termos:
"Art. 48. A Administração tem o dever de explicitamente emitir decisão nos processos administrativos e sobre solicitações ou reclamações, em matéria de sua competência.
Art. 49. Concluída a instrução de processo administrativo, a Administração tem o prazo de até trinta dias para decidir, salvo prorrogação por igual período expressamente motivada."
Ainda que o art. 49 da Lei n.º 9.784/99 determine que a Administração Pública Federal tem o prazo de até trinta dias, após a conclusão do processo administrativo para decidir, salvo prorrogação por igual período, expressamente motivada, não se desconhece o acúmulo de serviço a que são submetidos os servidores do instituto previdenciário, impossibilitando, muitas vezes, o atendimento do prazo determinado pela legislação.
A Autarquia vem adotando medidas tecnológicas visando ao aperfeiçoamento e à celeridade do atendimento aos segurados, as quais dependem de instalação de equipamentos adequados nas APS's, treinamento e ajustes do quadro de servidores. Por essa razão, em deliberação do Fórum Interinstitucional Previdenciário, em reunião de 29/11/2018, foi decidido no sentido de (ii) considerar razoável o prazo de 180 (cento e oitenta) dias, a contar da data do respectivo protocolo, para análise de requerimentos administrativos, tendo em vista a implantação de novos sistemas de trabalho na autarquia e o empenho da Superintendência Regional em aprimorá-los com recursos tecnológicos, para dar vazão ao número crescente de demandas, evitando a judicialização de questões que podem ser resolvidas na via administrativa (impetração de mandados de segurança e concessão de benefícios previdenciários,via liminar).
Posteriormente, em deliberação aprovada em 29/11/2019, o Fórum Interinstitucional Previdenciário decidiu no sentido de "reduzir o prazo, anteriormente fixado de 180 dias, para 120 dias para análise de requerimentos administrativos, como forma de reconhecer e incentivar as ações de melhorias de gestão adotadas pelo Instituto Nacional do Seguro Social, a partir da implantação de novos sistemas de trabalho e o aprimoramento dos recursos tecnológicos".
No caso, tendo a impetrante protocolado o seu requerimento em 19/11/2019, transcorreram os 120 dias considerados razoáveis para sua análise pelo INSS. A situação é de especial prejuízo aos princípios da eficiência e da razoabilidade, previstos, respectivamente, no art. 37, caput, da Constituição Federal e no art. 2º, caput, da Lei do Processo Administrativo Federal. Além disso, a autoridade apontada como coatora não apresentou justificativa suficiente para a demora na apreciação do pedido, muito menos motivo para que a análise fosse prolongada indefinidamente.
Acrescento que, no que se refere ao acordo homologado no RE 1171152/SC, foi estabelecido que os benefícios previdenciários devem ser implantados dentro de prazo razoável (não superior a 90 dias), de acordo com a espécie e grau de complexidade, estando assim disposto:
CLÁUSULA SEXTA 6.1. Os prazos para análise e conclusão dos processos administrativos operacionalizados pelo INSS, fixados nas Cláusulas Primeira à Quinta, serão aplicáveis após 6 (seis) meses da homologação do presente acordo judicial para que a Autarquia e a Subsecretaria de Perícia Médica Federal (SPMF) construam os fluxos operacionais que viabilizem o cumprimento dos prazos neste instrumento.
Registro que a homologação do acordo judicial ocorreu no julgamento virtual finalizado em 05/02/2021, com trânsito em julgado em 17/02/2021, não havendo óbice para sua aplicabilidade às ações individuais que tratem da mesma controvérsia e para os pedidos que tenham sido formulados a partir do prazo nela estabelecido.
No caso em apreço, no entanto, trata-se de pedido administrativo formulado antes da homologação do referido acordo, restando inviável a aplicação retroativa dos respectivos termos. O prazo convencionado, inclusive, pressupõe que o INSS, para poder cumprir, a partir de 6 meses, o compromisso de processar em 90 dias os novos pedidos, regularize o acervo de pendências já existente. Não houve moratória em relação aos pedidos não apreciados.
Em tais termos, deve ser reconhecido o direito líquido e certo da parte impetrante à apreciação de seu requerimento administrativo no prazo de 30 dias. Na hipótese de necessidade de cumprimento de diligências, o prazo fica interrompido, voltando a fluir, em sua integralidade, a partir de seu cumprimento.
Assim, o apelo e a remessa oficial merecem parcial provimento, para determinar a interrupção do prazo de cumprimento enquanto a análise demandar providências a cargo de outros órgãos ou da parte impetrante.
Multa diária
Quanto à multa, embora em tese sejam cabíveis as astreintes, funcionando como meio coercitivo para o cumprimento de ordens judiciais, não se pode desconhecer a excepcional situação de dificuldade na manutenção dos serviços públicos, inclusive os essenciais, diante das medidas de contenção e isolamento social determinadas em busca de prevenção e controle da COVID-19 e, sobretudo, por força do estado de calamidade pública decretado em razão da pandemia ainda em curso.
Em tais condições, mesmo que com trabalho à distância seja possível o encaminhamento de diversas medidas administrativas pelo impetrado, entendo que enquanto não superadas as medidas excepcionais relacionadas à prestação do serviço, é incabível a cobrança de astreintes. Tal exigência, no atual contexto, apenas contribuiria para agravar ainda mais o déficit econômico estatal.
Dessa forma, deve ser provido o recurso do INSS, no ponto.
Conclusão
Parcialmente provido o recurso, para determinar a interrupção do prazo de cumprimento enquanto a análise demandar providências a cargo de outros órgãos ou da parte impetrante, e suspender a aplicação da multa fixada na sentença, conforme a fundamentação supra.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação e à remessa oficial.
Documento eletrônico assinado por TAIS SCHILLING FERRAZ, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003196815v5 e do código CRC d164a3e2.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): TAIS SCHILLING FERRAZ
Data e Hora: 20/5/2022, às 17:58:6
Conferência de autenticidade emitida em 28/05/2022 12:01:04.
Apelação/Remessa Necessária Nº 5002439-22.2021.4.04.7110/RS
RELATORA: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (INTERESSADO)
APELADO: ORALDO AMARAL DA COSTA (IMPETRANTE)
ADVOGADO: PAULO ROBERTO DA SILVA DE MORAES (OAB RS097774)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO. PRAZO RAZOÁVEL. DESCUMPRIMENTO.
1. A Administração Pública tem o dever de obediência aos princípios da legalidade e da eficiência, previstos no artigo 37, caput, da Constituição Federal, devendo ainda observar o postulado do due process of law estabelecido no inciso LV do artigo 5º da Carta Política. Por outro lado, desde o advento da EC nº 45/04 são assegurados a todos pelo inciso LXXVIII do artigo 5º a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
2. A prática de atos processuais administrativos e respectiva decisão em matéria previdenciária encontram limites nas disposições dos artigos 1º, 2º, 24, 48 e 49 da Lei nº 9.784/99, e 41, § 6º, da Lei nº 8.213/91.
3. Postergada, pela Administração, manifestação sobre pretensão do segurado, resta caracterizada ilegalidade, ainda que a inércia não decorra de voluntária omissão dos agentes públicos competentes, mas de problemas estruturais ou mesmo conjunturais da máquina estatal.
4. Hipótese em que transcorreram os 120 dias considerados razoáveis para sua análise pelo INSS, devendo ser mantida a sentença que concedeu a segurança.
5. A aplicação da multa diária por descumprimento da decisão judicial, à exceção de situações de excepcional reiteração de descumprimento, a serem assim reconhecidas pelo juízo, deve ficar suspensa enquanto estiverem em vigor as medidas de contenção e isolamento social determinadas pela pandemia de COVID-19 e, sobretudo, por força do estado de calamidade pública decretado em razão da pandemia em curso, a impedir a retomada plena das atividades dos órgãos.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação e à remessa oficial, com ressalva do entendimento do Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 18 de maio de 2022.
Documento eletrônico assinado por TAIS SCHILLING FERRAZ, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003196816v3 e do código CRC f9c044fa.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): TAIS SCHILLING FERRAZ
Data e Hora: 20/5/2022, às 17:58:6
Conferência de autenticidade emitida em 28/05/2022 12:01:04.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 11/05/2022 A 18/05/2022
Apelação/Remessa Necessária Nº 5002439-22.2021.4.04.7110/RS
RELATORA: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PRESIDENTE: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PROCURADOR(A): ADRIANA ZAWADA MELO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (INTERESSADO)
APELADO: ORALDO AMARAL DA COSTA (IMPETRANTE)
ADVOGADO: PAULO ROBERTO DA SILVA DE MORAES (OAB RS097774)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 11/05/2022, às 00:00, a 18/05/2022, às 14:00, na sequência 324, disponibilizada no DE de 02/05/2022.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO E À REMESSA OFICIAL, COM RESSALVA DO ENTENDIMENTO DO DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES
Secretário
MANIFESTAÇÕES DOS MAGISTRADOS VOTANTES
Ressalva - GAB. 61 (Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA) - Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA.
Acompanho a Relatora. Todavia, reputo que o prazo de 120 dias deliberado no Fórum Interinstitucional Previdenciário não afasta o direito de peticionar em juízo quando excedido o prazo legal de que trata o art. 49 da Lei n. 9.784/99.
Conferência de autenticidade emitida em 28/05/2022 12:01:04.