Apelação Cível Nº 5001742-92.2021.4.04.7112/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: PAULO ROBERTO COELHO VIEGAS (IMPETRANTE)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (INTERESSADO)
RELATÓRIO
Paulo Roberto Coelho Viegas interpôs apelação em face de sentença que denegou a segurança, no bojo de mandado de segurança no qual pretende obter a concessão de ordem para determinar à autoridade coatora proceda à reabertura do processo administrativo a fim de que se realize avaliação biopsicossocial, com vistas à obtenção de aposentadoria por tempo de contribuição ao portador de deficiência (ev. 6).
Argumentou que é imprescindível a realização da perícia biopsicossocial para que se analise o grau de deficiência e a quantidade de tempo a diminuir para que possa se aposentar. Mencionou que é dever da autarquia instruir o processo administrativo com todos os exames, documentos e provas necessários ao julgamento do processo administrativo, sob pena de cerceamento de defesa e ofensa ao devido processo legal. Prequestionou a matéria (ev. 17).
Com contrarrazões, subiram os autos.
O Ministério Público Federal manifestou-se em parecer.
VOTO
Considerações iniciais
A Lei Complementar nº 142, conferindo aplicabilidade imediata ao art. 201, §1º, da CF/88, disciplinou a aposentadoria da pessoa portadora de deficiência segurada do Regime Geral de Previdência Social.
Para o fim de definir o beneficiário da prestação, definiu, no art. 2º: a pessoa com deficiência é aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
Para a concessão da aposentadoria, portanto, além de obrigatoriamente identificar-se a qualidade de segurado e a carência, a concessão do benefício não dispensa a avaliação do grau de deficiência médica e funcional, conforme previsão dos artigos 4º e 5º da LC 142, a seguir transcritos:
Art. 4o A avaliação da deficiência será médica e funcional, nos termos do Regulamento.
Art. 5o O grau de deficiência será atestado por perícia própria do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, por meio de instrumentos desenvolvidos para esse fim.
Com efeito, o grau de deficiência é fator indispensável para definir o tempo de contribuição necessário à aposentação. Quanto maior o grau de deficiência, menor a exigência legal de obtenção do benefício.
Para a identificação, contudo, da intensidade da deficiência, deverá ser realizada perícia específica (art. 5º, LC 142).
Sobre o enquadramento no conceito de deficiência ou impedimento a longo prazo, assim dispôs o art. 70-D do Decreto 3.048, que regulamenta a matéria, com a alteração dada pelo Decreto n. 8.145/2013:
Para efeito de concessão da aposentadoria da pessoa com deficiência, compete à perícia própria do INSS, nos termos de ato conjunto do Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, dos Ministros de Estado da Previdência Social, da Fazenda, do Planejamento, Orçamento e Gestão e do Advogado-Geral da União:
I - avaliar o segurado e fixar a data provável do início da deficiência e o seu grau; e
II - identificar a ocorrência de variação no grau de deficiência e indicar os respectivos períodos em cada grau.
§ 1º A comprovação da deficiência anterior à data da vigência da Lei Complementar nº 142, de 8 de maio de 2013, será instruída por documentos que subsidiem a avaliação médica e funcional, vedada a prova exclusivamente testemunhal.
§ 2º A avaliação da pessoa com deficiência será realizada para fazer prova dessa condição exclusivamente para fins previdenciários.
§ 3º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
A definição de impedimento de longo prazo, por sua vez, é estabelecida, nos termos do art. 70-D do Decreto n. 3.048/99 acima transcrito, pela Portaria Interministerial nº 01, de 27 de janeiro de 2014.
Assim, para solução da controvérsia, é imprescindível, nos termos do art. 4º da LC 142, a realização de perícias médica e funcional, haja vista que a avaliação dos requisitos para a concessão do benefício postulado exige conhecimentos estritamente técnicos em ambas as áreas, sendo que as avaliações devem considerar a limitação do desempenho de atividades e a restrição da participação do indivíduo em sua vida diária.
Especificamente sobre a produção da prova pericial, a previsão legal da avaliação médica e funcional e das categorias de deficiência foi inserida pelo Decreto nº 8.145/2013 no Decreto nº 3.048/99, em subseção própria (Subseção IVA):
Art. 70-A. A concessão da aposentadoria por tempo de contribuição ou por idade ao segurado que tenha reconhecido, em avaliação médica e funcional realizada por perícia própria do INSS, grau de deficiência leve, moderada ou grave, está condicionada à comprovação da condição de pessoa com deficiência na data da entrada do requerimento ou na data da implementação dos requisitos para o benefício.
Diante de tais ponderações, não basta a mera limitação funcional para a caracterização da deficiência, sendo imprescindível a análise do caso concreto para a verificação das dificuldades de interação social dela decorrentes. Para tanto, a Portaria Interministerial nº 01, de 27 de janeiro de 2014, estabelece, em seu anexo, formulário de avaliação multidisciplinar que contempla justamente os aspectos da deficiência (impedimento de longo prazo e dificuldade de inserção social), cuja avaliação conduz a uma pontuação indicativa do enquadramento do caso nas categorias de deficiência grave, moderada, leve ou de ausência de deficiência.
Exame do caso concreto
O magistrado a quo denegou a ordem, nos seguintes termos (ev. 6):
Do cotejo dos autos, verifica-se através das informações juntadas pela parte impetrante, no evento 1 (PROCADM8), que houve decisão fundamentada em relação a não realização da perícia, assim como houve orientações acerca do canal correto para questionamento em caso de discordância em relação à decisão administrativa. Vejamos:
Em atenção ao requerimento de Aposentadoria por Tempo de Contribuição da pessoa com deficiência, efetuado em 29/05/2020, a Previdência Social comunica que, após a análise dos documentos, o pedido foi indeferido. A deficiência não foi avaliada pela pericia própria do INSS, em razão do não preenchimento dos requisitos mínimos previstos no par. 1o. do art. 2o. do Decreto no. 8.145, de 03/12/2013.
Caso discorde dessa decisão, o(a) Senhor(a) poderá apresentar Recurso à Junta de Recursos da Previdência Social, no prazo de 30 (trinta) dias contados a partir do recebimento desta comunicação, observado o disposto no art. 305, par. 1o., do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto no. 3.048/99.
A apresentação do Recurso poderá ser agendada por meio do portal do INSS na internet (www.inss.gov.br), da Central 135 ou em uma Agência da Previdência Social.
Ainda, observa-se que a autarquia previdenciária reconheceu menos de 25 anos de contribuição, não havendo prova pré-constituída de que a parte impetrante atenda a tal requisito. De igual modo inexiste qualquer razão apontada na inicial para que se considere incorreta a contagem do tempo feita pelo INSS.
Portanto, inexistente o direito líquido e certo do impetrante, impositivo o caminho para denegar a segurança.
Todavia, não é a adequada solução para a hipótese, na medida em que, para se possa indeferir ou deferir o pedido do impetrante, seja na esfera administrativa, seja na judicial, a realização da perícia biopsicossocial, juntamente com a perícia médica, é diligência imprescindível em se tratando de aposentadoria ao portador de deficiência, conforme mencionado no item anterior.
Não se trata aqui, na estreita via da ação mandamental, de deferir ou não a concessão do benefício. No entanto, o impetrante tem direito líquido e certo a amparar seu pedido no sentido de que seja realizada a correta e completa instrução de seu expediente administrativo, o que não foi observado pela autarquia, pois, de plano, já referiu que não há preenchimento dos requisitos mínimos.
Dito isso, e considerando que sequer houve a angularização da relação processual, a sentença deve ser anulada para retorno dos autos à origem e regular processamento.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto no sentido de anular, de ofício, a sentença, ficando prejudicada a análise da apelação.
Documento eletrônico assinado por ADRIANE BATTISTI, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002964745v4 e do código CRC aacc4396.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5001742-92.2021.4.04.7112/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: PAULO ROBERTO COELHO VIEGAS (IMPETRANTE)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (INTERESSADO)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. REABERTURA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO AO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA. GRAUS DE DEFICIÊNCIA. PERÍCIAS MÉDICA E BIOPSICOSSOCIAL. LEI COMPLEMENTAR Nº 142. PORTARIA INTERMINISTERIAL Nº 01, DE 27 DE JANEIRO DE 2014. SENTENÇA ANULADA.
1. A Lei Complementar nº 142, conferindo aplicabilidade imediata ao art. 201, §1º, da CF/88, disciplinou a aposentadoria da pessoa portadora de deficiência segurada do Regime Geral de Previdência Social. São requisitos para a concessão da aposentadoria: qualidade de segurado, carência, e avaliação do grau de deficiência médica e funcional, conforme previsão dos artigos 4º e 5º daquela lei.
2. A análise do pedido para concessão de aposentadoria por tempo de contribuição destinada à pessoa portadora de deficiência exige, além da avaliação médica, simultânea ou paralelamente, a avaliação por profissional da assistência social, para averiguar o grau de funcionalidade diante da deficiência e nos termos da Portaria Interministerial nº 01, de 27/01/2014.
3. Encerrado, pela autoridade coatora, o processo administrativo, sem a realização da perícia médica e biopsicossocial, e julgado o feito antes da angularização da relação processual, deve-se anular a sentença, de ofício, para retorno à origem a fim de que se dê regular processamento.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, anular, de ofício, a sentença, ficando prejudicada a análise da apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 14 de dezembro de 2021.
Documento eletrônico assinado por ADRIANE BATTISTI, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002964746v3 e do código CRC 8dcf3166.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 06/12/2021 A 14/12/2021
Apelação Cível Nº 5001742-92.2021.4.04.7112/RS
RELATORA: Juíza Federal ADRIANE BATTISTI
PRESIDENTE: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
PROCURADOR(A): ADRIANA ZAWADA MELO
APELANTE: PAULO ROBERTO COELHO VIEGAS (IMPETRANTE)
ADVOGADO: ALEXANDRA LONGONI PFEIL (OAB RS075297)
ADVOGADO: ANILDO IVO DA SILVA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (INTERESSADO)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 06/12/2021, às 00:00, a 14/12/2021, às 16:00, na sequência 40, disponibilizada no DE de 25/11/2021.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, ANULAR, DE OFÍCIO, A SENTENÇA, FICANDO PREJUDICADA A ANÁLISE DA APELAÇÃO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Juíza Federal ADRIANE BATTISTI
Votante: Juíza Federal ADRIANE BATTISTI
Votante: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
Votante: Juíza Federal ANDRÉIA CASTRO DIAS MOREIRA
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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