Apelação Cível Nº 5065696-51.2021.4.04.7100/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: CRISTIANE MARIA MOREIRA PIRES MARRONE (IMPETRANTE)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (INTERESSADO)
RELATÓRIO
Cristiane Maria Moreira Pires Marrone interpôs apelação em face de sentença que denegou a segurança, no bojo de mandado de segurança no qual pretende obter a concessão de ordem para determinar à autoridade coatora proceda à reabertura do processo administrativo a fim de que se realize avaliação biopsicossocial, com vistas à obtenção de aposentadoria por tempo de contribuição ao portador de deficiência.
Argumentou que é imprescindível a realização da perícia biopsicossocial para que se analise o grau de deficiência e a quantidade de tempo a diminuir para que possa se aposentar. Mencionou que é dever da autarquia instruir o processo administrativo com todos os exames, documentos e provas necessários ao julgamento do processo administrativo, sob pena de cerceamento de defesa e ofensa ao devido processo legal. Prequestionou a matéria (evento 29).
Com contrarrazões, subiram os autos.
O Ministério Público Federal manifestou-se em parecer.
VOTO
Considerações iniciais
A Lei Complementar nº 142, conferindo aplicabilidade imediata ao art. 201, §1º, da CF/88, disciplinou a aposentadoria da pessoa portadora de deficiência segurada do Regime Geral de Previdência Social.
Para o fim de definir o beneficiário da prestação, definiu, no art. 2º: a pessoa com deficiência é aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
Para a concessão da aposentadoria, portanto, além de obrigatoriamente identificar-se a qualidade de segurado e a carência, a concessão do benefício não dispensa a avaliação do grau de deficiência médica e funcional, conforme previsão dos artigos 4º e 5º da LC 142, a seguir transcritos:
Art. 4o A avaliação da deficiência será médica e funcional, nos termos do Regulamento.
Art. 5o O grau de deficiência será atestado por perícia própria do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, por meio de instrumentos desenvolvidos para esse fim.
Com efeito, o grau de deficiência é fator indispensável para definir o tempo de contribuição necessário à aposentação. Quanto maior o grau de deficiência, menor a exigência legal de obtenção do benefício.
Para a identificação, contudo, da intensidade da deficiência, deverá ser realizada perícia específica (art. 5º, LC 142).
Sobre o enquadramento no conceito de deficiência ou impedimento a longo prazo, assim dispôs o art. 70-D do Decreto 3.048, que regulamenta a matéria, com a alteração dada pelo Decreto n. 8.145/2013:
Para efeito de concessão da aposentadoria da pessoa com deficiência, compete à perícia própria do INSS, nos termos de ato conjunto do Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, dos Ministros de Estado da Previdência Social, da Fazenda, do Planejamento, Orçamento e Gestão e do Advogado-Geral da União:
I - avaliar o segurado e fixar a data provável do início da deficiência e o seu grau; e
II - identificar a ocorrência de variação no grau de deficiência e indicar os respectivos períodos em cada grau.
§ 1º A comprovação da deficiência anterior à data da vigência da Lei Complementar nº 142, de 8 de maio de 2013, será instruída por documentos que subsidiem a avaliação médica e funcional, vedada a prova exclusivamente testemunhal.
§ 2º A avaliação da pessoa com deficiência será realizada para fazer prova dessa condição exclusivamente para fins previdenciários.
§ 3º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
A definição de impedimento de longo prazo, por sua vez, é estabelecida, nos termos do art. 70-D do Decreto n. 3.048/99 acima transcrito, pela Portaria Interministerial nº 01, de 27 de janeiro de 2014.
Assim, para solução da controvérsia, é imprescindível, nos termos do art. 4º da LC 142, a realização de perícias médica e funcional, haja vista que a avaliação dos requisitos para a concessão do benefício postulado exige conhecimentos estritamente técnicos em ambas as áreas, sendo que as avaliações devem considerar a limitação do desempenho de atividades e a restrição da participação do indivíduo em sua vida diária.
Especificamente sobre a produção da prova pericial, a previsão legal da avaliação médica e funcional e das categorias de deficiência foi inserida pelo Decreto nº 8.145/2013 no Decreto nº 3.048/99, em subseção própria (Subseção IVA):
Art. 70-A. A concessão da aposentadoria por tempo de contribuição ou por idade ao segurado que tenha reconhecido, em avaliação médica e funcional realizada por perícia própria do INSS, grau de deficiência leve, moderada ou grave, está condicionada à comprovação da condição de pessoa com deficiência na data da entrada do requerimento ou na data da implementação dos requisitos para o benefício.
Diante de tais ponderações, não basta a mera limitação funcional para a caracterização da deficiência, sendo imprescindível a análise do caso concreto para a verificação das dificuldades de interação social dela decorrentes. Para tanto, a Portaria Interministerial nº 01, de 27 de janeiro de 2014, estabelece, em seu anexo, formulário de avaliação multidisciplinar que contempla justamente os aspectos da deficiência (impedimento de longo prazo e dificuldade de inserção social), cuja avaliação conduz a uma pontuação indicativa do enquadramento do caso nas categorias de deficiência grave, moderada, leve ou de ausência de deficiência.
Exame do caso concreto
O magistrado a quo denegou a ordem, nos seguintes termos (ev. 6):
No caso, tenho que não há direito líquido e certo a reclamar a concessão da segurança.
Conforme informado pela autoridade coatora (
):Informamos que o requerimento nº 955732859 teve sua análise concluída em 15/07/2021, conforme processo em anexo. Informamos que a requerente não comprova a condição de pessoa com Deficiência em avaliação médica e funcional, para fins da LC nº 142/2013, nos termos do art. 70-A do Decreto nº 3.048/99, sendo desnecessária avaliação social. Respeitosamente.
Não se tratando de caso de fundamentação genérica, omissa ou inexistente, não há falar em violação ao devido processo legal a justificar a reabertura do processo administrativo.
Havendo inconformidade em relação ao mérito do ato administrativo, sua reforma deve ser buscada pela via adequada.
A jurisprudência é consolidada no sentido da impossibilidade de discutir questões controversas que envolvam fatos e provas em mandado de segurança, em razão da impossibilidade de dilação probatória.
Neste sentido, a jurisprudência:
PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. INEXISTENTE. Não se justifica o pedido de reabertura do procedimento administrativo para ter examinado o direito ao benefício requerido, aposentadoria ao portador de deficiência, uma vez que inexistente o direito líquido e certo. (TRF da 4ª Região, AC 5034967-76.2020.4.04.7100, Sexta Turma, Relator João Batista Pinto Silveira, juntado aos autos em 23/09/2021)
PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. INDEFERIMENTO FUNDAMENTADO. 1. Considerando que o indeferimento administrativo de cômputo do tempo de serviço rural foi motivado de forma clara e congruente, restou atendido o disposto no §1º e no inciso I do art. 50 da Lei n. 9.784/1999, razão pela qual não há qualquer justificativa para a reabertura do procedimento administrativo. 2. Em relação ao pedido de reconhecimento do tempo de serviço urbano como empresário, constata-se que tal pretensão não foi veiculada na esfera administrativa, razão pela qual ausente o direito líquido e certo à reabertura do procedimento administrativo para análise deste. (TRF da 4ª Região, AC 5007751-22.2020.4.04.7204, Turma Regional Suplementar de SC, Relator Celso Kipper, juntado aos autos em 21/06/2021)
Disso resulta que não há direito líquido e certo a amparar a pretensão da impetrante, devendo ser denegada a segurança.
Todavia, não é a adequada solução para a hipótese, na medida em que, para se possa indeferir ou deferir o pedido do impetrante, seja na esfera administrativa, seja na judicial, a realização da perícia biopsicossocial, juntamente com a perícia médica, é diligência imprescindível em se tratando de aposentadoria ao portador de deficiência, conforme mencionado no item anterior.
Não se trata aqui, na estreita via da ação mandamental, de deferir ou não a concessão do benefício. No entanto, o impetrante tem direito líquido e certo a amparar seu pedido no sentido de que seja realizada a correta e completa instrução de seu expediente administrativo, o que não foi observado pela autarquia, pois, de plano, já referiu que não há preenchimento dos requisitos mínimos.
Em conclusão deve ser dado provimento à apelação do impetrante para que seja concedida a ordem, devendo ser realizada a perícia biopsicossocial.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto no sentido de dar provimento à apelação.
Documento eletrônico assinado por ADRIANE BATTISTI, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003174011v2 e do código CRC 2567fa77.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5065696-51.2021.4.04.7100/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: CRISTIANE MARIA MOREIRA PIRES MARRONE (IMPETRANTE)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (INTERESSADO)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. REABERTURA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO AO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA. GRAUS DE DEFICIÊNCIA. PERÍCIAS MÉDICA E BIOPSICOSSOCIAL. LEI COMPLEMENTAR Nº 142. PORTARIA INTERMINISTERIAL Nº 01, DE 27 DE JANEIRO DE 2014. SENTENÇA ANULADA.
1. A Lei Complementar nº 142, conferindo aplicabilidade imediata ao art. 201, §1º, da CF/88, disciplinou a aposentadoria da pessoa portadora de deficiência segurada do Regime Geral de Previdência Social. São requisitos para a concessão da aposentadoria: qualidade de segurado, carência, e avaliação do grau de deficiência médica e funcional, conforme previsão dos artigos 4º e 5º daquela lei.
2. A análise do pedido para concessão de aposentadoria por tempo de contribuição destinada à pessoa portadora de deficiência exige, além da avaliação médica, simultânea ou paralelamente, a avaliação por profissional da assistência social, para averiguar o grau de funcionalidade diante da deficiência e nos termos da Portaria Interministerial nº 01, de 27/01/2014.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 24 de maio de 2022.
Documento eletrônico assinado por ADRIANE BATTISTI, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003174012v3 e do código CRC 0d2b0ce4.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 17/05/2022 A 24/05/2022
Apelação Cível Nº 5065696-51.2021.4.04.7100/RS
RELATORA: Juíza Federal ADRIANE BATTISTI
PRESIDENTE: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
PROCURADOR(A): CÍCERO AUGUSTO PUJOL CORRÊA
APELANTE: CRISTIANE MARIA MOREIRA PIRES MARRONE (IMPETRANTE)
ADVOGADO: ALEXANDRA LONGONI PFEIL (OAB RS075297)
ADVOGADO: ANILDO IVO DA SILVA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (INTERESSADO)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 17/05/2022, às 00:00, a 24/05/2022, às 16:00, na sequência 416, disponibilizada no DE de 06/05/2022.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Juíza Federal ADRIANE BATTISTI
Votante: Juíza Federal ADRIANE BATTISTI
Votante: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
Votante: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES
Secretário
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