
Apelação Cível Nº 5002667-67.2016.4.04.7111/RS
RELATORA: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
APELANTE: JOSE CARLOS DOS SANTOS FONSECA (AUTOR)
ADVOGADO: LEONARDO DA COSTA
APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)
RELATÓRIO
José Carlos dos Santos Fonseca ajuizou a presente ação em face da União, pretendendo a condenação da ré ao pagamento de danos morais em razão da omissão no fornecimento de equipamentos de proteção individual para o exercício da função nas campanhas de endemias.
Narrou que foi admitido, em 03 de fevereiro de 1983, pela Superintendência de Campanhas de Saúde Pública, vinculada ao Ministério da Saúde, para exercer o cargo de motorista oficial. Nessas condições, estava em permanente contato direto com inseticidas de altíssima potencialidade tóxico à saúde humana. Disse que, no desempenho das atividades, realizava o carregamento, transporte, armazenamento e aplicação de inseticidas organoclorados como DDT, BHC e Aldrin, e de organofosforados como Temefós e Malathion, sem o uso de qualquer tipo de EPI. Discorre sobre os produtos químicos utilizados na execução das atividades laborais, da ausência dos EPIs e da responsabilidade da ré. Dissertou sobre o dever da União em pagar os danos morais que entende sofridos.
Devidamente processado o feito, sobreveio sentença, proferida com o seguinte dispositivo:
"Ante o exposto, julgo improcedente o pedido, resolvendo o mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC.
Condeno o autor ao pagamento de honorários advocatícios em favor do União, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, nos termos do art. 85, § 4º, III, do CPC, cuja exigibilidade suspendo em razão da parte autora litigar sob o pálio da gratuidade judiciária. Não houve adiantamento de custas pela parte autora.
Sentença não sujeita à remessa necessária.
Publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se."
O autor apelou (evento 31). Preliminarmente, alega que houve cerceamento de defesa, uma vez que foi indeferido seu pedido de produção de prova testemunhal e pericial. No mérito, sustenta que a comprovação de que o Apelante exerce a função de Motorista Oficial, cujas atribuições envolvem o combate de vetores de endemias, mediante o uso de inseticidas organoclorados, organofosforados, piretróides e carbamatos, pode ser verificado em sua ficha funcional, documento este que instruiu a inicial. Neste mesmo sentido, o Manual de Controles de Vetores, elaborado pela FUNASA em conjunto com o Ministério da Saúde, descreve objetivamente as atividades inerentes à função de combatente de endemias, assim como a efetiva exposição desses servidores aos inseticidas de alto potencial tóxico. As Apeladas não lograram êxito em demonstrar que os combatentes de endemias, especificamente o Apelante, exercia suas atividades munido de equipamentos de segurança. Ademais, alega que pretender que o Apelante faça prova do não-fato constitutivo do seu direito, neste caso, revela-se em produção impossível de provas, ou, quando menos, excessivamente dispendiosa para a parte, considerando que todo o histórico funcional está sob os cuidados das Apeladas. Por fim, a exposição inadequada do Apelante aos inseticidas altamente tóxicos, sem o fornecimento de Equipamentos de Proteção Individual pelas Apeladas, demonstra o nexo causal entre a ação das Apeladas e o dano provocado ao Apelante, com potencialidade de causar doenças relacionadas aos venenos nos anos vindouros.
Com contrarrazões, vieram os autos.
É o relatório.
VOTO
Preliminarmente - cerceamento de defesa
De acordo com os arts. 370 e 371 do CPC/2015, o magistrado deve propiciar a produção das provas que considera necessárias à instrução do processo, de ofício ou a requerimento das partes, dispensando as diligências inúteis ou as que julgar desimportantes para o julgamento da lide, bem como apreciá-las, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório.
Assim, sendo o juiz o destinatário final da prova no processo, pode indeferir, fundamentadamente, aquelas que considerar desnecessárias para o deslinde do feito. Nesses termos:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AUXÍLIO-ACIDENTE. INDEFERIMENTO DE PROVA TESTEMUNHAL E DE NOVA PERÍCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. POSTULADO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL. SÚMULA 7 DO STJ. 1. O Plenário do STJ decidiu que "aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça" (Enunciado Administrativo n. 2). 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é assente no sentido de que o juiz é o destinatário da prova e pode, assim, indeferir, fundamentadamente, aquelas que considerar desnecessárias, a teor do princípio do livre convencimento motivado. 3. O julgado do Tribunal de origem decidiu a questão ventilada com base na realidade que se delineou à luz do suporte fático-probatório constante nos autos (laudo técnico-pericial), cuja revisão é inviável no âmbito do recurso especial, ante o óbice estampado na Súmula 7 do STJ. Precedentes. 4. Não se conhece de recurso especial cujas razões estejam dissociadas do fundamento do acórdão recorrido. Incidência da Súmula 284 do STF.
5. Caso em que o aresto impugnado reconheceu a presença de patologia inflamatória, sem nexo de causalidade com a atividade desenvolvida pelo segurado, que somente alegou fazer jus ao benefício acidentário, ainda que a disacusia seja assimétrica. 6. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp 342.927/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 09/08/2016, DJe 12/09/2016)
Desta feita, não há que se falar em cerceamento de defesa.
Mérito
Nos termos do art. 373, I e II, do CPC de 2015, recai sobre o autor o ônus de comprovar os fatos constitutivos de seu direito, e sobre o réu, o de comprovar os fatos impeditivos, extintivos ou modificativos do direito do autor.
Vale referir, quanto ao dano moral, que, via de regra, não pode ser considerado como in re ipsa, visto que não é presumido pela simples ocorrência do ilícito. O reconhecimento do dano ocorre quando trazidos aos autos dados suficientes à conformação do convencimento do magistrado acerca da existência não só da conduta ilícita, mas também do prejuízo dela decorrente. Entre eles deve, necessariamente, existir o nexo de causalidade, que nada mais é do que a situação probante da relação entre a conduta ilícita e o dano causado.
A reparação do dano moral pressupõe que a conduta lesiva seja de tal monta a provocar no lesado dor e sofrimento aptos a ocasionar modificação em seu estado emocional, suficiente para afetar sua vida pessoal e até mesmo social. O dano moral é aquele que, embora não atinja o patrimônio material da vítima, afeta-lhe o patrimônio ideal, causando-lhe dor, mágoa, tristeza.
Desse modo, é importante salientar que o dano moral, apto a ensejar a indenização respectiva, não se confunde com mero transtorno ou dissabor experimentado pelo indivíduo. Assim, as circunstâncias fáticas do caso concreto devem ser avaliadas com cuidado, a fim de verificar se são relevantes para acarretar a indenização pretendida. Em suma, não se prescinde de uma cuidadosa análise dos fatos ocorridos, pois, caso contrário, qualquer transtorno passível de ocorrer na vida em sociedade daria ensejo ao ressarcimento a título de dano moral, o que não se revela proporcional.
No caso trazido ao julgamento, quanto à configuração do dano moral, adoto as considerações do magistrado senteciante, in verbis:
"(...)
(B) Análise fática
O autor sustenta que esteve exposto a uma série de produtos químicos de efeitos nocivos, por ter trabalhado durante sucessivas horas com inseticidas organoclorados e organofosforados, durante um longo período de anos, sem uso de qualquer EPI ou material adequado, e sem qualquer informação pela ré dos efeitos nocivos de tais produtos em sua saúde. Isso, apesar da nocividade de tais inseticidas ser plenamente difundida na comunidade científica desde a década de 70, a ponto de terem seu uso restringindo no Brasil a partir de 1985. Sustenta que o uso contínuo de produtos nocivos à saúde, os quais contém em sua composição agentes químicos organoclorados, tais como DDT, BHC e Aldrin, e organofosforados ABATE/TEMEFÓS e MALATHION, entre outros, geram vários problemas de saúde, dentre os quais: doenças ou distúrbios neurológicos, respiratórios, digestivos, renais, endócrinos, dermatológicos e neoplasias (câncer).
Argumentou que o simples fato de ter havido tal exposição, da forma como ocorrida, seria suficiente para caracterizar o dano moral indenizável, pois seria potencializadora de desenvolvimento de diversas doenças graves. Importante salientar, que essa é a causa de pedir deduzida na inicial, o que repito: a exposição a tais químicos, sem fornecimento de EPI e sem controle médico ocupacional periodico, implicaria dano moral indenizável, independentemente do desenvolvimento de qualquer enfermidade.
O argumento não se sustenta.
Na esteira do que que foi dito no item (A) acima, a mera submissão aos pesticidas no exercício da atividade laboral não implica dano extrapatrimonial, uma vez que não é possível deduzir desse fato, para além da negligência do empregador (ato ilícito) qualquer sofrimento, angústica, desconforto substancial que implique no pagamento de indenização. Por outras palavras, analisado o pedido sob a perspectiva do item (A)(iii), ainda que o não fornecimento de EPI implique ato ilícito, não há qualquer comprovação dos transtornos que daí decorreram - e que não podem ser presumidos.
Cito a respeito os seguintes precedentes:
ADMINISTRATIVO. INDENIZAÇÃO. COMBATE ENDEMIAS. O pedido está alicerçado basicamente na omissão no fornecimento de equipamento de proteção individual enseja o reconhecimento de indenização a título de danos morais. Ora, é necessário haver nexo entre as alegadas moléstias da parte demandante (alergias e transtorno de humor/depressão - evento 01, outros 5, fls. 05/06) e o exercício das atividades laborativas com o uso de substâncias tóxicas. O mero risco da potencialidade nociva de pesticidas não são suficientes para embasar tal pretensão, sendo necessária a comprovação da efetiva violação da integridade com contaminação ou intoxicação das substâncias químicas utilizadas, o que no caso, não ocorreu. (TRF4, AC 5007341-50.2014.404.7114, QUARTA TURMA, Relator LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE, juntado aos autos em 20/05/2016)
ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INDENIZAÇÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. EXPOSIÇÃO A PRODUTOS AGROTÓXICOS. INTOXICAÇÃO. NÃO COMPROVAÇÃO. 1. Aplicabilidade das disposições do art. 109, I, da CF/88, sendo competente a Justiça Federal para processar e julgar esta causa uma vez que a mesma versa sobre apuração de responsabilidade civil quanto aos danos causados, não guardando relação com ocorrência de acidente de trabalho. 2. A responsabilidade objetiva independe da comprovação de culpa ou dolo, ou seja, basta estar configurada a existência do dano, da ação e do nexo de causalidade entre ambos (art. 37, §6º da CF/88). 3. A configuração da responsabilidade civil pressupõe a ilegalidade, o dano e o nexo de causalidade entre um e outro. No presente, caso, contudo, não restou comprovado qualquer prática pelas rés de ato ilícito, pois o laudo médico pericial demonstrou que a intoxicação alegada pelo autor não causou danos em sua saúde 4. Apelação provida em parte. (TRF4, AC 5023687-60.2010.404.7100, QUARTA TURMA, Relator LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE, juntado aos autos em 19/09/2013)
Por fim, o dano moral não exerce a função de multa pela negligência do empregador, no caso, a Administração Pública. Assim, não estando comprovado qualquer transtorno extrapatrimonial indenizável, há que se pronunciar a improcedência do pedido."
Nesse prisma, observe-se que, independentemente da discussão acerca da subjetividade ou objetividade da responsabilidade civil, o dano é dos pressupostos inafastáveis do dever de indenizar, não tendo restado provado.
Assim, não há que se fazer reparos à sentença.
Com a interposição do recurso, forte no artigo 85, parágrafo 11, do NCPC, majoro os honorários advocatícios para 12% sobre o valor da causa.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
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Apelação Cível Nº 5002667-67.2016.4.04.7111/RS
RELATORA: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
APELANTE: JOSE CARLOS DOS SANTOS FONSECA (AUTOR)
ADVOGADO: LEONARDO DA COSTA
APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)
EMENTA
MOTORISTA OFICIAL DO MINISTÉRIO DA SAÚDE. CAMPANHA DE COMBATE A ENDEMIAS. EXPOSIÇÃO A INSETICIDAS. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. improvimento.
No caso em apreço, o autor ajuizou a presente ação em face da União, pretendendo a condenação da ré ao pagamento de danos morais em razão da omissão no fornecimento de equipamentos de proteção individual para o exercício da função nas campanhas de endemias. Não há nos autos qualquer comprovação, além de alegações, no sentido de que o autor tenha desenvolvido alguma patologia como decorrência (situação de causa e efeito) da exposição aos pesticidas. Nesse prisma, independentemente da discussão acerca da subjetividade ou objetividade da responsabilidade civil, o dano é dos pressupostos inafastáveis do dever de indenizar, pelo que, inexistente a comprovação de efetivo dano, improcede a pretensão acerca dos danos morais.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, decidiu negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 21 de novembro de 2017.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 21/11/2017
Apelação Cível Nº 5002667-67.2016.4.04.7111/RS
RELATORA: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
PRESIDENTE: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
SUSTENTAÇÃO ORAL: MARCOS RENIE WIEBBELLING por JOSE CARLOS DOS SANTOS FONSECA
APELANTE: JOSE CARLOS DOS SANTOS FONSECA (AUTOR)
ADVOGADO: LEONARDO DA COSTA
ADVOGADO: MARCOS RENIE WIEBBELLING
APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 21/11/2017, na seqüência 144, disponibilizada no DE de 27/10/2017.
Certifico que a 3ª Turma , ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A 3ª Turma, por unanimidade, decidiu negar provimento à apelação. DETERMINADA A JUNTADA DO VÍDEO DO JULGAMENTO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
Votante: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
Votante: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
Votante: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
LUIZ FELIPE OLIVEIRA DOS SANTOS
Secretário
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