Apelação Cível Nº 5057672-39.2018.4.04.7100/RS
PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5057672-39.2018.4.04.7100/RS
RELATOR: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
APELANTE: CLECI DE OLIVEIRA GONCALVES (AUTOR)
ADVOGADO: BRUNA GONCALVES MONTENEGRO (OAB RS100993)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
APELADO: OS MESMOS
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação interpostas em face de sentença (
) publicada em 15/04/2021 na qual o juízo a quo julgou improcedente pedido, lançando o seguinte dispositivo:Ante o exposto, AFASTO a prescrição quinquenal e JULGO IMPROCEDENTE o pedido, com resolução de mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC.
Condeno a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios ao procurador da parte adversa, levando em conta o art. 85, § 4º, III do CPC e atentando-se aos parâmetros do § 2º e dos incisos I a V do §3º e à determinação do § 5º, todos do artigo 85 do CPC, fixados nos percentuais mínimos dos incisos do §3º, sobre o valor da causa atualizado, bem como ao pagamento das despesas processuais, cuja execução fica suspensa, nos termos do disposto no art. 98, §3º do CPC.
Condeno-a, ainda, à multa por litigância de má fé, com fulcro no art. 81 do CPC, em 1% sobre o valor da causa atualizado.
Intime-se o INSS para que mantenha ou restabeleça o benefício assistencial da autora (NB 702.322.648-7), caso cessado, no prazo de 15 dias, comprovando nos autos.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Havendo interposição de apelação, verifique-se a sua regularidade e dê-se seguimento, nos termos da lei.
Transcorrido o prazo sem interposição de recursos, certifique-se o trânsito em julgado e, após, dê-se baixa e arquivem-se.
A parte autora apelou (
) defendendo fazer jus ao benefício de pensão por morte, defendendo que as declarações firmadas para o fim de obtenção de benefício assistencial foram firmadas sem ciência de seu teor, por ter sido aconselhada por seu então procurador. Defende, que nunca houve separação do casal, que permaneceu convivendo maritalmente até o falecimento do instituidor do benefício, nos termos da documentação apresentada, corroborada pela prova testemunhal, fazendo jus ao benefício mais vantajoso. Requer seja afastada a litigância de má-fé, por ter a autora efetuado pedido de benefício que, por lei, considera ser beneficiária.Processado o feito com a apresentação de contrarrazões (
), vieram os autos a esta Corte para julgamento.É o relatório.
VOTO
Legislação Aplicável
Nos termos do artigo 1.046 do Código de Processo Civil (CPC), em vigor desde 18 de março de 2016, com a redação que lhe deu a Lei 13.105, de 16 de março de 2015, suas disposições aplicar-se-ão, desde logo, aos processos pendentes, ficando revogada a Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973.
Com as ressalvas feitas nas disposições seguintes a este artigo 1.046 do CPC, compreende-se que não terá aplicação a nova legislação para retroativamente atingir atos processuais já praticados nos processos em curso e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada, conforme expressamente estabelece seu artigo 14.
Recebimento do recurso
Importa referir que a apelação deve ser conhecida, por ser própria, regular e tempestiva.
Remessa Oficial
O Colendo Superior Tribunal de Justiça, seguindo a sistemática dos recursos repetitivos, decidiu que é obrigatório o reexame de sentença ilíquida proferida contra a União, Estados, Distrito Federal e Municípios e as respectivas autarquias e fundações de direito público (REsp 1101727/PR, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, Corte Especial, julgado em 4/11/2009, DJe 3/12/2009).
No caso em exame, tendo em conta que o valor da condenação fica aquém do limite referido artigo 496, §3º, inciso I, do NCPC/2015, ainda que considerados os critérios de juros e correção monetária, a sentença proferida nos autos não está sujeita a reexame necessário.
Prescrição Quinquenal
Tendo o requerimento administrativo sido protocolado em 18/04/2018 (
), e a ação sido ajuizada em 27/09/2018, não há parcelas atingidas pela prescrição.Da pensão por morte
Como é sabido, a pensão por morte independe de carência e rege-se pela legislação vigente quando da sua causa legal. No caso, tendo o óbito ocorrido em 06/04/2018 (
), são aplicáveis as disposições da Lei 8.213/91, pelas Leis nº 13.135/2015 e nº 13.183/15, que estatuem:Art. 74. A pensão por morte será devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer, aposentado ou não, a contar da data:
I - do óbito, quando requerida até 90 (noventa) dias depois deste;
II - do requerimento, quando requerida após o prazo previsto no inciso anterior;
III - da decisão judicial, no caso de morte presumida.
§1º - Perde o direito à pensão por morte, após o trânsito em julgado, o condenado pela prática de crime que tenha dolosamente resultado a morte do segurado.
§2º - Perde o direito à pensão por morte o cônjuge, o companheiro ou a companheira se comprovada, a qualquer tempo, simulação ou fraude no casamento ou na união estável, ou a formalização desses com o fim exclusivo de constituir benefício previdenciário, apuradas em processo judicial no qual será assegurado o direito de contraditório e à ampla defesa.
Art. 76. (...)
§ 2º - O cônjuge divorciado ou separado judicialmente ou de fato que recebia pensão de alimentos concorrerá em igualdade de condições com os dependentes referidos no inc. I do art. 16 desta Lei.
Art. 77. A pensão por morte, havendo mais de um pensionista será rateada entre todos em partes iguais.
§1º Reverterá em favor dos demais a parte daquele cujo direito à pensão cessar.
§2º O direito à percepção de cada cota individual cessará:
I - pela morte do pensionista;
II - para filho, pessoa a ele equiparada ou o irmão, de ambos os sexos, ao completar 21 (vinte e um) anos de idade, salvo se for inválido ou com deficiência intelectual ou mental grave;
III - para filho ou irmão inválido, pela cessação da invalidez;
IV - para filho ou irmão que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave, pelo afastamento da deficiência, nos termos do regulamento; (Vigência)
V - para cônjuge ou companheiro:
a) se inválido ou com deficiência, pela cessação da invalidez ou pelo afastamento da deficiência, respeitados os períodos mínimos decorrentes da aplicação das alíneas "b" e "c";
b) em 4 (quatro) meses, se o óbito ocorrer sem que o segurado tenha vertido 18 (dezoito) contribuições mensais ou se o casamento ou a união estável tiverem sido iniciados em menos de 2 (dois) anos antes do óbito do segurado;
c) transcorridos os seguintes períodos, estabelecidos de acordo com a idade do beneficiário na data de óbito do segurado, se o óbito ocorrer depois de vertidas 18 (dezoito) contribuições mensais e pelo menos 2 (dois) anos após o início do casamento ou da união estável:
1) 3 (três) anos, com menos de 21 (vinte e um) anos de idade;
2) 6 (seis) anos, entre 21 (vinte e um) e 26 (vinte e seis) anos de idade;
3) 10 (dez) anos, entre 27 (vinte e sete) e 29 (vinte e nove) anos de idade;
4) 15 (quinze) anos, entre 30 (trinta) e 40 (quarenta) anos de idade;
5) 20 (vinte) anos, entre 41 (quarenta e um) e 43 (quarenta e três) anos de idade;
6) vitalícia, com 44 (quarenta e quatro) ou mais anos de idade.
§ 2o-A. Serão aplicados, conforme o caso, a regra contida na alínea "a" ou os prazos previstos na alínea "c", ambas do inciso V do § 2o, se o óbito do segurado decorrer de acidente de qualquer natureza ou de doença profissional ou do trabalho, independentemente do recolhimento de 18 (dezoito) contribuições mensais ou da comprovação de 2 (dois) anos de casamento ou de união estável.
§ 2o-B. Após o transcurso de pelo menos 3 (três) anos e desde que nesse período se verifique o incremento mínimo de um ano inteiro na média nacional única, para ambos os sexos, correspondente à expectativa de sobrevida da população brasileira ao nascer, poderão ser fixadas, em números inteiros, novas idades para os fins previstos na alínea "c" do inciso V do § 2o, em ato do Ministro de Estado da Previdência Social, limitado o acréscimo na comparação com as idades anteriores ao referido incremento.
§3º Com a extinção da parte do último pensionista a pensão extinguir-se-á.
§ 4º revogado.
§ 5o O tempo de contribuição a Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) será considerado na contagem das 18 (dezoito) contribuições mensais de que tratam as alíneas "b" e "c" do inciso V do § 2o." (NR)
§6º - O exercício de atividade remunerada, inclusive na condição de microempreendedor individual, não impede a concessão ou manutençã da parte individual da pensão do dependente com deficiência intelectual ou mental ou com deficiência grave.
Art. 26. Independe de carência a concessão das seguintes prestações:
I - pensão por morte, auxílio-reclusão, salário-família, salário-maternidade e auxílio-acidente;
(...)
III - os benefícios concedidos na forma do inciso I do artigo 39, aos segurados especiais referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei.
Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:
I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente;
II - os pais;
III - o irmão de qualquer condição menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave, nos termos do regulamento;
§1º A existência de dependente de qualquer das classes deste artigo exclui do direito às prestações os das classes seguintes.
§2º O enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econômica na forma estabelecida no Regulamento.
§3º Considera-se companheira ou companheiro a pessoa que, sem ser casada, mantém união estável com o segurado ou com a segurada, de acordo com o §3º do art. 226 da Constituição Federal.
§4º A dependência econômica das pessoas indicadas no inciso I é presumida e a das demais deve ser comprovada.
Desta forma, para fazer jus à pensão por morte, o requerente deve comprovar a qualidade de segurado do de cujus quando do óbito e a dependência econômica, nos casos em que esta não é presumida.
Da qualidade de segurado
Não há controvérsia quanto à qualidade de segurado do falecido.
Da condição de dependente
A sentença assim tratou da questão:
Primeiramente, destaca-se que a condição de casados, no aspecto formal, até o falecimento, é fato incontroverso.
Todavia, não se pode ignorar alegação apontada pelo INSS em contestação de vital importância, até por envolver interesse público, de que por ocasião do requerimento do benefício assistencial atualmente titulado a autora declarou estar separada de fato do falecido. Tal assertiva encontra respaldo no respectivo processo administrativo (evento 58, PROCADM119), no qual constata-se que assinou quatro documentos que contradizem frontalmente a tese inicial, porquanto afirmou, naquela oportunidade, em 2016, que era "separada (fl. 07), "separada de fato" (fl. 11), "vive sozinho" e que "estou separada de fato do Sr. Ubirajara da Rosa Gonçalves" (fl. 14), deixando dúvidas sobre a real manutenção do matrimônio.
Foi designada audiência para esclarecer o ponto e as testemunhas foram uníssonas no sentido de que o casal jamais se separou até o óbito.
De início, cumpre salientar que fica evidente que, ou a autora deu declarações falsas por quatro vezes para viabilizar a concessão de benefício assistencial (o qual já é recebido há mais de quatro anos), ou não manteve vida de casada, sem separação, com o de cujus, até o óbito, a fim de justificar a dependência econômica para garantir pensão por morte. Acerca da alegação de que equivocadamente informou que estava separada de fato (evento 58, PET1), não é crível que tenha assinado quatro documentos, dois deles com simples marcação de "x" em afirmações singelas e objetivas ("vive sozinha" e "é separada"). Ora, a pessoa que assina quatro documentos é, para efeitos legais (e isso ainda estava expressamente consignado) responsável por aquilo que afirma, sob pena de cometimento de crime de falsidade ideológica.
Dessa forma, máxime quando a demandante em todas as manifestações expendidas no presente feito reitera expressamente que nunca se separou do marido, resta nítido que as teses são totalmente incompatíveis, de forma que apenas uma delas deve prevalecer. A propósito, é bom transcrever trecho da réplica juntada no evento 34 pela requerente, que traz mais uma "tese" sobre o ocorrido, tumultuando ainda mais o feito:
Importante salientar que na época que foi requerido o BPC, a Requerente preenchia os requisitos necessários para a concessão, consoante o art. 20 da Lei 8.742/93, senão vejamos:
....
Pois, a Requerente é portadora de doença de natureza mental, sendo portadora de depressão (CID F33), portadora de hipertensão (CID I10), diabetes mellitus (CID E11) e apresentou quadro AVC isquêmico (CID I64) que a impede a longo prazo ter uma interação com a sociedade, ou seja, obstruindo a participação plena e efetiva da Autora na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Evidentemente que a Requerente não pode cumular o benefício de Seguridade Social, entretanto, pode optar pelo benefício mais vantajoso que neste caso é a pensão por morte do de cujus Razão pela qual, restando comprovado a condição de dependência econômica por ser a Autora casada com o de cujus, e ainda, restar comprovado o evento morte e a condição de segurado, pois o de cujus era bancário, preenchendo todos os requisitos, faz jus o recebimento da pensão por morte.
Por todo o exposto, fica perfeitamente demonstrado que para fundamentar seus argumentos o requerido não trouxe qualquer prova ou elemento suficiente para desconstituir o direito da Autora, razão pela qual não merecem acolhimento.
Ora, a informação sobre as quatro declarações e suas consequências jurídicas de mais de quatro anos não esteve presente na peça inicial. Pelo contrário, só veio à tona quando juntado processo administrativo do benefício assistencial que escancarou a contradição, deixando evidente que a autora adotou estratégias incompatíveis para tentar se beneficiar nas duas ocasiões.
Não se pode admitir que fatos tão essenciais sejam simplesmente "ignorados", como se não tivessem ocorrido, demonstrando, a meu ver, nítida má fé, por uma sucessão de razões, já que a parte autora:
- assinou quatro documentos dizendo, em suma, que não morava com o marido (afirmou que "morava sozinha" e estava "separada de fato"), para viabilizar o benefício assistencial, em 2016;
- omitiu tais declarações até ela vir à tona;
- jamais admitiu a irregularidade do ato concessório do benefício assistencial que recebeu por mais de quatro anos, ao contrário, persistiu na tese de que o benefício era-lhe devido, ao passo que, segundo alega, nunca teria se separado do esposo (a propósito, veja-se que teve muito tempo para tanto, pois tanto o processo administrativo, quanto a peça inicial, mencionam a percepção de benefício assistencial, de forma que, se não soubesse disso, poderia cautelosamente desvendar tais pontos, seja pessoalmente ou por advogado, e já trazê-los ao feito;
- tentou, de forma tímida, esclarecer o ocorrido apenas quase dois anos após o início do feito, quando juntado processo administrativo que comprometia alguma das suas duas teses;
- manteve ao longo do presente processo, agora para tentar viabilizar o direito à pensão por morte, que nunca esteve separada do esposo, algo contraditário com os fatos narrados acima.
Ou seja, o caso revela uma tentativa de dupla vantagem incompatível, através de falsas alegações, seja no benefício assistencial, seja na pensão. Ainda que, eventualmente, a parte autora não tenha tido ciência integral de todos os detalhes, o que se afirma apenas por razões argumentativas, entendo que, indubitavelmente, no mínimo, agiu de forma negligente, seja na assinatura de documentos e alegações contraditórias, seja na omissão de esclarecimentos nos momentos próprios.
Portanto, havendo tantas teses contraditórias, considero que devem, ainda, prevalecer as declarações dadas no benefício assistencial, de modo que não entendo comprovada a manutenção do matrimônio até o óbito, tampouco a dependência econômica (através de pensão alimentícia, por exemplo, o que sequer foi alegado).
Assim, a autora não faz jus à pensão por morte.
Tenho que a sentença não merece confirmação.
Isso porque, as relevantes informações carreadas pelo INSS quanto à falsidade das declarações firmadas pela parte nos sentido de ser separada de fato do falecido autor, levam à conclusão de que houve falso, de fato, para a obtenção indevida do benefício assistencial, não para a obtenção do benefício de pensão por morte.
Colhem-se da instrução os seguintes documentos:
a) certidão de óbito de Ubirajara da Rosa Gonçalves, em que consta averbação de casamento do autor com Cleci de Oliveira Gonçalves (
);b) certidão de casamento de Ubirajara da Rosa Gonçalves e de Cleci Moura de Oliveira, celebrado em 15/05/1971, expedida em 11/04/2018, sem registro de separação (
);c) comprovante de residência de Cleci de Oliveira Gonçalves, no endereço da Estrada dos Barcelos, 2278, ap 0004, Glória, Porto Alegre, datada de 01/10/2018 (
);d) contrato de compra e venda firmado pelo falecido Ubirajara e pela autora para venda de lote urbano na Praia do Magistério, Balneário Pinhal/RS ao Sr. Carlos Leonel Pinto Marques, datado de 18/01/2018 (
e );e) Pedido de providência formulado perante a Prefeitura Municipal de Balneário Pinhal, formulado pelo falecido Ubirajara, datado de 31/10/2009, em que o autor informou o endereço da Estrada dos Barcellos, 2278, CS02, Cascata, Porto Alegre (
);f) Nota Fiscal de compra de Colchão, datada de 04/03/2015, em nome do falecido, no endereço da Estrada dos Barcellos, 2278 (
);g) faturas telefônicas em nome do falecido, no endereço da Estrada dos Barcellos, 2278, casa 4, datadas de 2014, 2015, faturas de energia elétrica datadas de 2013 e 2014 e 2015 (
a )h) fotografias de família em que identificados o falecido e a autora (
e ).Dos documentos apresentados pode-se concluir que a separação de fato, não se efetuou. Tal é corroborado pela prova testemunhal produzida (evento 77 e 88).
Assim, tenho que restam presentes os elementos para configurar o direito da autora ao benefício de pensão por morte.
No que toca ao falso, como sobredito, na medida em que produzido para o fim de obter benefício assistencial, tenho que as eventuais sanções ao falso devem ser apuradas em procedimento próprio, em que se hão de apreciar suas repercussões previdenciárias relativas ao benefício assistencial e pecuniárias.
Não se pode, assevero, validar a defesa segundo a qual as declarações foram firmadas por pessoa de baixa instrução levada por seu procurador, diante da falta de prova destas alegações. Tampouco, se pode justificar o falso pelo direito ao benefício mais vantajoso, uma vez que as informações sonegadas, principalmente as relativas ao aspecto pecuniário, afastam o possível direito à percepção de benefício assistencial, pois a monta da aposentadoria de que era titular o falecido esposo tem a condição de afastar a autora da condição de miserabilidade, inexistindo direito à opção por benefício.
Entretanto, o referido falso não macula o direito da autora ao benefício de pensão por morte, fundado no fato de que a autora era casada com o falecido, do qual não se separou.
Litigância de má-fé.
Em face do provimento do recurso, entendo não estarem caracterizadas neste processo as condutas previstas nos incisos incisos I(deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso), II (alterar a verdade dos fatos) e III (usar do processo para conseguir objetivo ilegal), do art. 80, do CPC, que fundamentaram a condenação da parte autora em litigância de má-fé.
Da cumulação dos benefícios
O benefício assistencial é inacumulável com pensão por morte, ex vi do art. § 4º do art. 20, da LOAS, com a redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011.
Esclareço que, anteriormente a essa alteração legislativa já não seria possível a cumulação, pois o mesmo artigo 20, § 4°, continha, em sua redação original, a vedação de cumulação, que teve apenas uma exceção agregada pela Lei n° 12.435/11, a qual não alcança a ora apelante.
Vê-se, portanto, que há óbice à acumulação do benefício assistencial com qualquer outro benefício de natureza previdenciária, inserindo-se nesta proibição, por óbvio, a pensão por morte.
Por oportuno, cito os seguintes precedentes deste TRF:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. AMPARO SOCIAL AO IDOSO. REQUISITOS. PENSÃO POR MORTE. CUMULAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. OPÇÃO PELO BENEFÍCIO MAIS VANTAJOSO. ABATIMENTO DOS VALORES JÁ RECEBIDOS NO MESMO PERÍODO. 1. O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: a) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, de acordo com a redação original do art. 20 da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, conforme redação atual do referido dispositivo) ou idoso (neste caso, considerando-se, desde 1º de janeiro de 2004, a idade de 65 anos); e b) situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) da parte autora e de sua família. 2. Atendidos os pressupostos, deve ser concedido o benefício. 3. É vedado o recebimento conjunto de benefício assistencial e pensão por morte, consoante previsão legal inserta no artigo 20, parágrafo 4°, da Lei 8.742/93. 4. Considerando a impossibilidade de cumulação dos benefícios, bem como o preenchimento dos requisitos necessários à percepção das duas espécies pela parte autora, deve-se respeitar a possibilidade de optar pelo benefício mais vantajoso. 5. Por ocasião do pagamento das parcelas vencidas, deverá ser efetuado o abatimento dos valores já pagos a título de pensão por morte no mesmo período. (TRF4, AC 0014517-75.2016.404.9999, QUINTA TURMA, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, D.E. 21/06/2017)
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. CUMULAÇÃO COM AMPARO PREVIDENCIÁRIO. VEDAÇÃO. ART. 20, § 4º DA LEI 8.742/93. 1. Ao postular o benefício assistencial previsto no artigo 20 da Lei nº 8.742/93, deve a parte comprovar incapacidade para o trabalho e para a vida independente, e renda familiar mensal inferior a ¼ do salário mínimo. 2. É vedado o recebimento conjunto de amparo previdenciário e pensão por morte, consoante previsão legal inserta no artigo 20, parágrafo 4º, da Lei 8.742-93. (AC Nº 0011804-40.2010.404.9999/PR, Relator JUIZ FEDERAL LORACI FLORES DE LIMA, 6ª Turma, decisão unânime, D.E. de 20/01/2011)
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PENSÃO POR MORTE. ART. 20 § 4º DA LEI Nº 8.742/93. CUMULAÇÃO DE BENEFÍCIOS. IMPOSSIBILIDADE. O art. 20, § 4º, da Lei 8.742/93, determina a não acumulação do benefício assistencial com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o da assistência médica. (AC Nº 2009.71.99.005391-6/RS, Relator: Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE, 6ª Turma, D.E. de 15/03/2010)
Assim sendo, e considerando-se que o autor optou por perceber os benefícios de pensão por morte, cabe descontar dos valores devidos à título de pensão por morte, os valores percebidos à título de amparo social no período concomitante.
Do termo inicial do benefício
O termo inicial do benefício deve ser fixado na data do óbito (06/04/2018), tendo em vista que não transcorreram mais de 90 dias entre o falecimento e o requerimento administrativo, nos termos do art. 74, II, da Lei 8.213/91 c/c Lei nº 13.183/15, descontadas as parcelas referentes ao benefício inacumulável.
Do termo final do benefício
Considerando a idade da autora na data do requerimento administrativo (nascida em 23/05/1950 - 67 anos), do cumprimento da carência e do período pelo qual perdurou o casamento (47 anos), a pensão é vitalícia, nos termos do art. 77, inc. V, alínea "c", número 6, da Lei nº 8.213/91, pelas Leis nº 13.135/2015 e nº 13.183/15.
Consectários da condenação. Correção monetária. Juros de mora.
Após o julgamento, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, em regime de repercussão geral, do Tema 810 (RE 870.947), a que se seguiu, o dos embargos de declaração da mesma decisão, rejeitados e com afirmação de inexistência de modulação de efeitos, deve a atualização monetária obedecer o Tema 905 do Superior Tribunal de Justiça, que estabelece para as condenações judiciais de natureza previdenciária:
As condenações impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária, no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o artigo 41-A na Lei 8.213/1991.
Assim, a correção monetária das parcelas vencidas dos benefícios previdenciários será calculada conforme a variação dos seguintes índices, que se aplicam conforme a pertinente incidência ao período compreendido na condenação:
- IGP-DI de 5/1996 a 3/2006 (artigo 10 da Lei 9.711/1998, combinado com o artigo 20, §§5º e 6º, da Lei 8.880/1994);
- INPC a partir de 4/2006 (artigo 41-A da Lei 8.213/1991)
Quanto aos juros de mora, devem incidir a contar da citação (Súmula 204 do STJ), na taxa de 1% (um por cento) ao mês, até 29 de junho de 2009. A partir de 30 de junho de 2009, os juros moratórios serão computados, uma única vez (sem capitalização), segundo percentual aplicável à caderneta de poupança, conforme dispõe o artigo 5º da Lei 11.960/2009, que deu nova redação ao artigo 1º-F da Lei 9.494/1997, considerado constitucional pelo STF (RE 870.947, com repercussão geral).
A partir de 9/12/2021, para fins de atualização monetária e juros de mora, deve ser observada a redação dada ao artigo 3º da EC 113/2021, a qual estabelece que, nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente.
Honorários advocatícios
Os honorários advocatícios devem ser fixados no patamar mínimo de cada uma das faixas de valor, considerando as variáveis previstas nos incisos I a IV do § 2º e § 3º do artigo 85 do CPC/2015, incidente sobre as parcelas vencidas até a data do acórdão (Súmulas 111 do Superior Tribunal de Justiça e 76 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região).
Caso o valor da condenação apurado em liquidação do julgado venha a superar o valor de 200 salários mínimos previsto no § 3º, inciso I, do artigo 85 do CPC/2015, o excedente deverá observar o percentual mínimo da faixa subsequente, assim sucessivamente, na forma do §§ 4º, inciso III e 5º do referido dispositivo legal.
Registro, por oportuno, que o CPC/2015 não inovou nas regras que justificaram a tradicional jurisprudência sobre o termo final da base de cálculo dos honorários nas ações previdenciárias, havendo compatibilidade entre ambos.
Uma vez que a sentença foi proferida após 18/3/2016 (data da vigência do NCPC), aplica-se a majoração prevista no artigo 85, § 11, desse diploma, observando-se os ditames dos §§ 2º a 6º quanto aos critérios e limites estabelecidos. Assim, majoro a verba honorária em 20% sobre o percentual mínimo da primeira faixa (artigo 85, § 3º, inciso I, do NCPC).
Custas Processuais
O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (artigo 4, inciso I, da Lei 9.289/1996) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (artigo 11 da Lei Estadual 8.121/1985, com a redação da Lei Estadual 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADIN 70038755864, julgada pelo Órgão Especial do TJ/RS); para os feitos ajuizados a partir de 2015 é isento o INSS da taxa única de serviços judiciais, na forma do estabelecido na lei estadual 14.634/2014 (artigo 5º). Tais isenções não se aplicam quando demandado na Justiça Estadual do Paraná (Súmula 20 do TRF4), devendo ser ressalvado, ainda, que no Estado de Santa Catarina (artigo 33, parágrafo único, da Lei Complementar Estadual 156/1997), a Autarquia responde pela metade do valor.
Implantação imediata do benefício
Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados no artigo 497, caput, do Código de Processo Civil, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo (TRF4, 3ª Seção, Questão de Ordem na AC 2002.71.00.050349-7/RS, Relator para o acórdão Desembargador Federal Celso Kipper, julgado em 9/8/2007), determino o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício da parte autora (CPF nº 31558542000), a contar da competência da publicação do acórdão, a ser efetivada em quarenta e cinco dias.
Na hipótese de a parte autora já se encontrar em gozo de benefício previdenciário, deve o INSS implantar o benefício deferido judicialmente apenas se o valor de sua renda mensal atual for superior ao daquele.
Em homenagem aos princípios da celeridade e da economia processual, tendo em vista que o INSS vem opondo embargos de declaração sempre que determinada a implantação imediata do benefício, alegando, para fins de prequestionamento, violação dos artigos 128 e 475-O, I, do CPC/1973, e 37 da CF/1988, impende esclarecer que não se configura a negativa de vigência a tais dispositivos legais e constitucionais. Isso porque, em primeiro lugar, não se está tratando de antecipação ex officio de atos executórios, mas, sim, de efetivo cumprimento de obrigação de fazer decorrente da própria natureza condenatória e mandamental do provimento judicial; em segundo lugar, não se pode, nem mesmo em tese, cogitar de ofensa ao princípio da moralidade administrativa, uma vez que se trata de concessão de benefício previdenciário determinada por autoridade judicial competente.
Conclusão
Dar provimento à apelação da parte autora para julgar procedente o pedido e conceder o benefício de pensão por morte à autora desde o óbito do instituidor (06/04/2018), descontando-se das parcelas inacumuláveis correspondentes à percepção do benefício assistencial pela parte autora.
Determinar a imediata implantação do benefício.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação da parte autora e determinar a implantação do benefício, via CEAB, com comprovação nos autos.
Documento eletrônico assinado por FRANCISCO DONIZETE GOMES, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003313083v19 e do código CRC 6d4736dc.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5057672-39.2018.4.04.7100/RS
PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5057672-39.2018.4.04.7100/RS
RELATOR: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
APELANTE: CLECI DE OLIVEIRA GONCALVES (AUTOR)
ADVOGADO: BRUNA GONCALVES MONTENEGRO (OAB RS100993)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
APELADO: OS MESMOS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. CONDIÇÃO DE DEPENDENTE. casamento. COMPROVADA. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. AFASTADA.
1. Os requisitos para a obtenção do benefício de pensão por morte estão elencados na legislação previdenciária vigente à data do óbito, cabendo a parte interessada preenchê-los. No caso, a parte deve comprovar: (a) ocorrência do evento morte; (b) a qualidade de segurado do de cujus e (c) a condição de dependente de quem objetiva a pensão. 2. Não afasta a condição da casada da autora, e por consequência a condição de benefíciária do benefício de pensão por morte, a firma da autora em declaração de separação de fato emitida para o fim de obter benefício previdenciário inacumulável, quando a prova produzida é coerente e coesa de que a convivência marital permaneceu até o óbito do instituidor do benefício. A declaração falsa macula a percepção do benefício que se viabilizou mediante o falso, sem macular a percepção do benefício previdenciário ora debatido, motivo pelo qual inexiste litigância da má-fé a declarar.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação da parte autora e determinar a implantação do benefício, via CEAB, com comprovação nos autos, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 26 de julho de 2022.
Documento eletrônico assinado por FRANCISCO DONIZETE GOMES, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003313084v3 e do código CRC d0b6211b.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 19/07/2022 A 26/07/2022
Apelação Cível Nº 5057672-39.2018.4.04.7100/RS
RELATOR: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
PRESIDENTE: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
PROCURADOR(A): JOÃO HELIOFAR DE JESUS VILLAR
APELANTE: CLECI DE OLIVEIRA GONCALVES (AUTOR)
ADVOGADO: BRUNA GONCALVES MONTENEGRO (OAB RS100993)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
APELADO: OS MESMOS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 19/07/2022, às 00:00, a 26/07/2022, às 16:00, na sequência 254, disponibilizada no DE de 08/07/2022.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA E DETERMINAR A IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO, VIA CEAB, COM COMPROVAÇÃO NOS AUTOS.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
Votante: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
Votante: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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