Apelação Cível Nº 5012851-07.2023.4.04.9999/PR
RELATORA: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
APELANTE: ANGELICA BUENO DE SOUZA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Trata-se de ação de procedimento comum em face do INSS em que a parte autora postula a concessão de pensão por morte na condição de esposa do instituidor, falecido em 03/04/2020.
Processado o feito, sobreveio sentença, em que julgado improcedente o pedido, uma vez que não comprovada a qualidade de segurado do falecido. A parte autora foi condenada ao pagamento de custas processuais e de honorários advocatícios de 10% do valor da causa, cuja exigibilidade encontra-se suspensa em virtude da gratuidade da justiça concedida (evento 39).
A parte demandante apela, sustentando que não houve produção de prova testemunhal, imprescindível para o deslinde da controvérsia, razão pela qual é de ser anulada a sentença (evento 43).
Sem contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal.
Foi determinada ao INSS a juntada do processo administrativo de concessão do benefício assistencial ao de cujus (eventos 65 e 71), o que foi levado a efeito (eventos 75-76). A parte autora manifestou-se sobre o documento (evento 83).
É o relatório.
VOTO
PRELIMINAR - PROVA TESTEMUNHAL
Como a questão central apontada pela parte autora no recurso - indispensabilidade da prova testemunhal - se confunde com o mérito e demanda a análise global dos elementos trazidos aos autos, postergo a apreciação do ponto para o item subsequente.
MÉRITO
O benefício de pensão por morte depende do preenchimento dos seguintes requisitos: a) ocorrência do evento morte; b) condição de dependente de quem objetiva a pensão; e c) demonstração da qualidade de segurado do de cujus na data do óbito, nos termos do art. 74 e seguintes da Lei 8.213/91.
Quanto aos beneficiários, o art. 16 da Lei 8.213/91 delimita quem são os dependentes do segurado:
Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:
I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave; (Redação dada pela Lei 13.146, de 2015).
II - os pais;
III - o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave; (Redação dada pela Lei 13.146, de 2015).
§ 1º A existência de dependente de qualquer das classes deste artigo exclui do direito às prestações os das classes seguintes.
§ 2º .O enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econômica na forma estabelecida no Regulamento.
§ 3º Considera-se companheira ou companheiro a pessoa que, sem ser casada, mantém união estável com o segurado ou com a segurada, de acordo com o § 3º do art. 226 da Constituição Federal.
§ 4º A dependência econômica das pessoas indicadas no inciso I é presumida e a das demais deve ser comprovada
O deferimento do benefício independe de carência, conforme estabelecido no art. 26 da Lei de Benefícios.
Cumpre registrar que a legislação aplicável é a vigente na data do óbito, em consonância com o princípio tempus regit actum.
CASO CONCRETO
A parte autora requer a concessão de pensão por morte em virtude do falecimento do esposo, Ademar Emílio de Souza, ocorrido em 03/04/2020 (evento 1.8).
O requerimento administrativo, protocolado em 21/06/2022, foi indeferido, sob o argumento de que não comprovada a qualidade de segurado (evento 1.9, p. 40).
A presente ação foi ajuizada em 28/11/2022.
Não houve questionamento sobre a qualidade de dependente da autora, visto que casada com o instituidor desde 1974, conforme certidão de casamento (evento 1.5) e certidão de óbito acostadas.
A controvérsia recursal cinge-se à comprovação da qualidade de segurado do instituidor. Na inicial, a requerente alega que ele era segurado especial e teria direito a benefício por incapacidade previamente ao óbito.
QUALIDADE DE SEGURADO
O trabalho rural, na condição de segurado especial, está previsto no art. 11, VII e § 1º da Lei 8.213/91, podendo ser demonstrado mediante início de prova material contemporânea dos fatos, complementado por prova testemunhal quando necessário complementar eventuais lacunas, conforme disposto no art. 55, § 3º da mencionada legislação.
Quanto à comprovação, importa consignar que: a) não se admite prova exclusivamente testemunhal (art. 55, § 3º da Lei 8.213/91 e Súmula nº 149 do STJ); b) o rol de documentos listado no art. 106 da Lei de Benefícios não é taxativo, admitindo-se como prova material documentos civis, como certificado de alistamento/dispensa militar e certidões de nascimento, casamento e óbito, entre outros (entendimento deste Tribunal); c) é possível a apresentação de documentos em nome de terceiros integrantes do mesmo grupo familiar (Súmula nº 73 do TRF4).
No CNIS do falecido consta um vínculo empregatício entre 1989 e 07/1990 e recolhimentos como contribuinte individual de 07/2009 a 10/2010 (evento 17.3).
Vale destacar que, conforme laudos médicos acostados pela autarquia, o falecido passou por duas perícias administrativas, em 12/2009 e em 09/2010, em virtude de pedidos de auxílio-doença. Em ambas as ocasiões foi identificada incapacidade laboral por CID J43 - enfisema pulmonar, com DID em 03/2000 e DII em 03/2007, com crises frequentes de broncoespasmo e pneumonia de repetição (evento 17.7).
No primeiro laudo há a seguinte informação: "PELO RELATO DO PACIENTE QUE FAZ MUITO TEMPO QUE NAO TRABALHA E ATESTADO DR. CLAUDIO QUE ACOMPANHA DESDE 13032007 PODE SE CONCLUIR QUE A INCAPACIDADE É ANTERIOR AS CONTRIBUIÇOES".
Posteriormente, o de cujus ajuizou ação na Comarca de Congonhinhas/PR (autos n. 00010844420108160073), pleiteando a concessão de auxílio-doença a contar da DER 27/05/2010. A sentença de procedência foi reformada nesta Corte, sob o argumento de que o instituidor verteu contribuições como contribuinte individual de 07/2009 a 10/2010 quando já estava incapacitado, em decorrência de enfisema pulmonar (evento 21.2):
Contudo, conforme se verifica do CNIS de fl. 38, o autor verteu quinze contribuições previdenciárias entre 07/2009 e 10/2010. Logo, considerando que o autor já estava afastado do labor havia mais de um ano quando voltou a contribuir em julho de 2009, embora tenha preenchido a carência mínima no hiato entre esta contribuição e o requerimento administrativo (05/2010), o quadro fático é indicativo que o autor se vinculou com o RGPS exclusivamente com o intuito de obter o benefício previdenciário.
Ressalto que, mesmo se fossem desconsiderados os depoimentos das testemunhas e do próprio autor, e apenas apreciada a perícia e os documentos médicos que retroagem a incapacidade ao início de 2010, há de se observar que o laudo demonstra, ainda, que patologia é crônica, não se configurando repentinamente, e que o demandante já se encontrava em tratamento para ela desde 2007, levando a crer que, quando da refiliação, o autor já tinha ciência do seu quadro mórbido incapacitante. Portanto, entendo que não restou configurado o requisito da qualidade de segurado, merecendo reforma a sentença que julgou procedente o pedido.
O trânsito em julgado ocorreu em 08/06/2015.
Na sequência, o falecido propôs ação rescisória, julgada improcedente (evento 21.4).
A partir de 25/11/2015 o instituidor passou a titularizar amparo social à pessoa portadora de deficiência, benefício que esteve ativo até a data do óbito (evento 17.3, p. 3).
Consta deste processo administrativo que foi realizada perícia médica à época, constatando-se que o de cujus apresentava doença pulmonar obstrutiva crônica - CID J448 e preenchia os requisitos para concessão do benefício à pessoa com deficiência (evento 75).
Vale lembrar que o instituidor veio a óbito em 04/2020, aos 66 anos de idade, sendo identificadas como causas mortis: parada cardiorrespiratória, insuficiência respiratória, doença pulmonar obstrutiva crônica, neoplasia de pulmão e uso de tabaco (evento 1.8).
Sopesando as informações colhidas observa-se que o falecido estava incapacitado desde 2007/2008 por insuficiência respiratória grave, situação confirmada em 2015, quando concedido o benefício assistencial ao deficiente, e que o levou a óbito quatro anos depois, com agravamentos, como diagnóstico de neoplasia de pulmão e de doença pulmonar obstrutiva crônica.
Não há que se discutir a comprovação da qualidade de segurado especial do falecido previamente ao pedido de benefício por incapacidade, em 2010, visto que tal questão já foi decidida judicialmente, com trânsito em julgado em 06/2015, e posteriormente rediscutida em ação rescisória julgada improcedente.
A evolução das patologias crônicas e graves que acometiam o instituidor, que o incapacitaram para o trabalho por mais de uma década e que o levaram a óbito afastam qualquer argumentação sobre eventual recuperação da qualidade de segurado especial previamente ao passamento (em especial, à época da concessão do benefício assistencial, em 2015), principalmente considerando que o trabalho rural envolve atividade pesada, que exige esforços físicos, inviável em um quadro de doença respiratória grave.
Nesse contexto, a prova testemunhal se mostra despicienda.
Portanto, não merece reparos a sentença de improcedência.
Improvido o recurso da parte autora.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Na espécie, diante do não acolhimento do apelo, impõe-se a majoração dos honorários advocatícios de 10% sobre a base de cálculo fixada na sentença para 15% sobre a mesma base de cálculo, com base no artigo 85, §11, do CPC, suspensa a exigibilidade em razão da gratuidade da justiça.
PREQUESTIONAMENTO
Objetivando possibilitar o acesso das partes às instâncias superiores, considero prequestionadas as matérias constitucionais e/ou legais suscitadas, conquanto não referidos expressamente os respectivos artigos na fundamentação do voto.
CONCLUSÃO
Apelação da parte autora improvida e majorados os ônus sucumbenciais.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação da parte autora, nos termos da fundamentação.
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Apelação Cível Nº 5012851-07.2023.4.04.9999/PR
RELATORA: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
APELANTE: ANGELICA BUENO DE SOUZA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. qualidade de segurado especial. comprovação. inocorrência. prova testemunhal. desnecessidade. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. majoração.
1. A concessão de pensão por morte depende do preenchimento dos seguintes requisitos: a) ocorrência do evento morte; b) condição de dependente de quem objetiva a pensão; c) demonstração da qualidade de segurado do de cujus por ocasião do óbito. O benefício independe de carência e é regido pela legislação vigente à época do falecimento.
2. Cônjuge, companheiro e filho não emancipado menor de 21 anos ou inválido ou com deficiência grave ou mental ou intelectual tem dependência econômica presumida, nos termos do § 4º do art. 16 da Lei de Benefícios.
3. Hipótese em que o instituidor esteve incapacitado por mais de uma década por insuficiência respiratória grave, patologia que o levou a óbito com agravamentos - diagnóstico da neoplasia de pulmão e de doença pulmonar obstrutiva crônica -, situação que afasta qualquer possibilidade de recuperação da capacidade laborativa previamente o óbito e eventual desenvolvimento de atividade rural. Nesse contexto, desnecessária a produção de prova testemunhal sobre o labor rurícola. Improcedência mantida.
4. Majorados os honorários advocatícios em grau recursal em face do improvimento do recurso. Exigibilidade suspensa em virtude da gratuidade da justiça concedida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 10ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 09 de julho de 2024.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 02/07/2024 A 09/07/2024
Apelação Cível Nº 5012851-07.2023.4.04.9999/PR
RELATORA: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
PRESIDENTE: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
PROCURADOR(A): JANUÁRIO PALUDO
APELANTE: ANGELICA BUENO DE SOUZA
ADVOGADO(A): GEMERSON JUNIOR DA SILVA (OAB PR043976)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 02/07/2024, às 00:00, a 09/07/2024, às 16:00, na sequência 1038, disponibilizada no DE de 21/06/2024.
Certifico que a 10ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 10ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
Votante: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
Votante: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
Votante: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
SUZANA ROESSING
Secretária
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