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PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. REQUISITOS. FILHO INVÁLIDO. RECEBIMENTO DE SALÁRIO CONCOMITANTEMENTE COM PENSÃO. DANO MORAL DEVIDO. AUTOR PORTADOR DE SÍNDR...

Data da publicação: 26/12/2020, 11:01:37

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. REQUISITOS. FILHO INVÁLIDO. RECEBIMENTO DE SALÁRIO CONCOMITANTEMENTE COM PENSÃO. DANO MORAL DEVIDO. AUTOR PORTADOR DE SÍNDROME DE DOWN. 1. São devidas as parcelas do benefício previdenciário recebidas, em qualquer época, pelo dependente com deficiência intelectual ou mental ou com deficiência grave concomitantes à renda do trabalho. 2. Presente a comprovação de ofensa ao patrimônio subjetivo da parte autora, bem como do ato administrativo ter sido desproporcionalmente desarrazoado, inclusive com reconhecimento administrativo posterior do direito ao recebimento dos benefícios pelo autor (portador de síndrome de Down que teve cancelado o direito ao recebimento de duas pensões por morte) existe direito à indenização por dano moral tendo em vista a peculiaridade do caso concreto. (TRF4, AC 5008196-85.2016.4.04.7202, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 18/12/2020)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5008196-85.2016.4.04.7202/SC

RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: SERGIO GURKEWICZ (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de ação previdenciária ajuizada por Sergio Gurkewicz, através de sua curadora, em face do INSS, objetivando o restabelecimento dos benefícios de pensão por morte de n. 21/147.187.192-1 e 21/092.586.319-3, suspensos pela Autarquia em razão da existência de vínculo empregatício do beneficiário. Postula o reconhecimento da existência dos requisitos caracterizadores da incapacidade e invalidez permanente, bem como a condenação da ré ao pagamento de danos morais.

A sentença julgou procedente o feito nos seguintes termos:

JULGO PROCEDENTES os pedidos constantes na inicial, resolvendo o feito no mérito na forma do art. 487, I do CPC, para o efeito de:

a) declarar nulo os procedimentos de revisão dos benefícios de n. 21/147.187.192-1 e 21/092.586.319-3, bem como declarar a inexistência do débito originado por estas revisões, combatidas nestes autos;

b) condenar o INSS a restabelecer os benefícios de pensão por morte (NBs 21/147.187.192-1 e 21/092.586.319-3), desde a cessação ocorrida em 30/09/2014, no prazo de 10 (dez) dias;

d) condenar o INSS a pagar à parte autora as parcelas atrasadas, desde a cessação até a data da efetiva implantação do benefício, permitido o desconto de 30% sobre cada prestação na forma do§4.º, do artigo 77, da Lei n.º 8.213/91 (redação anterior à Lei 13.135/2015) até 04/11/2015, quando imediatamente após entrou em vigência a Lei 13.135/2015 que excluiu a possibilidade do desconto, devendo sobre aquele montante incidir correção monetária e juros, tudo nos termos da fundamentação;

e) condenar o INSS ao pagamento à parte autora do valor de 20 (vinte) salários mínimos vigentes nesta data, devidamente atualizados na data do efetivo pagamento, seguindo-se as referências constantes na fundamentação, como ressarcimento a título de danos morais.

Recorre o INSS alegando, que:

a) o recorrido não se enquadra como filho inválido (art. 16, I, da Lei 8.213/91), não devendo estar abarcado pela legislação previdenciária e receber o benefício de pensão por morte, uma vez que não faz jus ao amparo; b) a autarquia não agiu de forma ilegal, tendo em vista que constatou a irregularidade da concessão do benefício e determinou sua suspensão.

Requer, por fim, em caso de manutenção da sentença quanto ao mérito, o reconhecimento de que indevida a condenação ao dano moral porquanto "a situação suportada pelo recorrido no presente caso trata-se de mero aborrecimento, não havendo qualquer dano à sua moral, não houve nenhum abalo que pudesse ser caracterizado como dano moral."

Juntadas as contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal para julgamento.

O MPF emitiu parecer pela manutenção da sentença (ev. 4, PET1).

Após juntada de documentação pelo INSS (ev. 6) e manifestação da parte autora, (ev. 11), vieram os autos conclusos.

É o relatório.

VOTO

Remessa necessária

Tendo sido o presente feito sentenciado na vigência do atual Diploma Processual Civil, não há falar em remessa oficial, porquanto foi interposto recurso voluntário pelo INSS, o que vai de encontro ao disposto no art. 496, § 1º, do vigente CPC. Com efeito, a redação do mencionado dispositivo é clara e inequívoca, não admitindo o seu texto outra interpretação, que seria ampliativa do condicionamento do trânsito em julgado da sentença ao reexame necessário. Trata-se de instituto excepcional e, sendo assim, há de ser restritivamente interpretado.

A propósito, Humberto Theodoro Júnior percucientemente observa que a novidade do CPC de 2015 é a supressão da superposição de remessa necessária e apelação. Se o recurso cabível já foi voluntariamente manifestado, o duplo grau já estará assegurado, não havendo necessidade de o juiz proceder à formalização da remessa oficial. (in Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum. 57. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 1101).

Nesta exata linha de conta, colaciona-se o seguinte aresto do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:

REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO CÍVEL. ACIDENTE DE TRABALHO. DESCABIMENTO DO DUPLO GRAU OBRIGATÓRIO DE JURISDIÇÃO. INCOMPATIBILIDADE LÓGICA ENTRE REMESSA OFICIAL E APELAÇÃO FAZENDÁRIA NA SISTEMÁTICA PROCESSUAL NOVA (ART. 496, § 1º, DO CPC VIGENTE). REMESSA NÃO CONHECIDA. AUXÍLIO-ACIDENTE. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO NA ESPÉCIE. REDUÇÃO FUNCIONAL SUFICIENTEMENTE EVIDENCIADA. 1. Reexame necessário. De acordo com o artigo 496 ,§ 1º, do novo Código de Processo Civil, é descabida a coexistência de remessa necessária e recurso voluntariamente interposto pela Fazenda Pública. Com efeito, a nova codificação processual instituiu uma lógica clara de mútua exclusão dos institutos em referência, resumida pela sistemática segundo a qual só caberá remessa obrigatória se não houver apelação no prazo legal; em contrapartida, sobrevindo apelo fazendário, não haverá lugar para a remessa oficial. Precedentes doutrinários. Caso em que a apelação interposta pelo ente público dispensa o reexame oficioso da causa. Remessa necessária não conhecida. [...]. REEXAME NECESSÁRIO NÃO CONHECIDO. APELAÇÃO CONHECIDA EM PARTE E, NESTA, DESPROVIDA. (TJ/RS, 9ª Câmara Cível, Apelação e Reexame Necessário nº 70076942127, Rel. Des. Carlos Eduardo Richinitti, julg. 30-05-2018)

No mesmo sentido, inclusive, recentemente pronunciou-se esta Turma Julgadora:

PREVIDENCIÁRIO. REEXAME (DES)NECESSÁRIO. NÃO CABIMENTO EM CASO DE RECURSO DA FAZENDA PÚBLICA. CONCESSÃO DE AUXÍLIO-DOENÇA. REQUISITOS COMPROVADOS E NÃO QUESTIONADOS PELO APELANTE. ANULAÇÃO DA PERÍCIA. DESCABIMENTO. IMPUGNAÇÃO À PESSOA DO PERITO EM MOMENTO INOPORTUNO. PRECLUSÃO.

1. O reexame necessário é instituto de utilidade superada no processo civil diante da estruturação atual da Advocacia Pública, que inclusive percebe honorários advocatícios de sucumbência. Nada obstante, persiste positivado com aplicabilidade muito restrita. Considerada a redação do art. 496, § 1º, do NCPC, somente tem cabimento quando não houver apelação da Fazenda Pública. São incompatíveis e não convivem o apelo da Fazenda Pública e o reexame necessário, mera desconfiança em relação ao trabalho dos procuradores públicos, que compromete o tempo da Justiça, sobretudo da Federal.

2. Quatro são os requisitos para a concessão do benefício em tela: (a) qualidade de segurado do requerente; (b) cumprimento da carência de 12 contribuições mensais; (c) superveniência de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de qualquer atividade que garanta a subsistência; e (d) caráter temporário da incapacidade.

3. In casu, pretendendo o INSS impugnar a nomeação do perito designado pelo juiz, deveria tê-lo feito, sob pena de preclusão, na primeira oportunidade em que tomou conhecimento de que a perícia seria realizada por aquele profissional. A impugnação do perito realizada após a perícia - a qual foi desfavorável ao Instituto - não tem o condão de afastar a preclusão.

4. Embora de acordo com o novo CPC não seja cabível agravo de instrumento da decisão interlocutória que rejeitou a impugnação do INSS ao perito, o que, em tese, poderia ensejar a aplicação do disposto no § 1º do art. 1.009, de modo a permitir que a matéria fosse reiterada em apelação, no caso, a referida impugnação ocorreu depois da realização da perícia, e não assim que o Instituto teve conhecimento de que a perícia seria realizada pelo profissional contestado, o que afasta a possibilidade de aplicação daquela regra. (TRF4, TRS/SC, Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, unânime, julg. 12-12-2018).

Logo, conforme a regra da singularidade estabelecida pela nova Lei Adjetiva Civil, tendo sido, no caso, interposta apelação pela Autarquia Previdenciária, a hipótese que se apresenta é de não cabimento da remessa necessária.

Do mérito

Analisando a situação posta em causa, entendo que deve ser mantida na íntegra a sentença. Em face disso, tenho por oportuno transcrever o acertado raciocínio do Juiz Federal, que, por não merecer reparos, adoto como razões de decidir:

2.1. Do benefício de pensão por morte e o exercício de atividade remunerada por portador de deficiência

Na forma do art. 74 da Lei n. 8.213/91, o benefício em questão é devido aos dependentes do segurado que falecer, aposentado ou não. Dependente, para fins previdenciários, é a pessoa mantida economicamente pelo segurado, presumidamente ou de fato.

Na primeira categoria encontram-se o cônjuge, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente, cuja dependência econômica é presumida (art. 16, I e § 4º, da Lei n. 8.213/91, com a redação dada pela Lei n. 12.470/2011).

Na segunda categoria encontram-se os dependentes previstos nos incisos II e III do art. 16 da referida Lei, entre os quais os pais em relação aos filhos. Não se exige carência para a concessão do benefício (art. 26, I, da Lei n. 8.213/91).

Assim, tem-se que para a concessão do benefício de pensão por morte se exige a comprovação de três requisitos: a) o evento morte; b) a qualidade de segurado do falecido e c) dependência econômica (presumida ou de fato) em relação ao instituidor do benefício.

Em análise aos documentos que instruíram o processo de revisão e cobrança dos valores creditados, verifica-se que o ponto controvertido dos autos cinge-se à discussão acerca da invalidez do segurado.

Submetido ao exame pericial junto a autarquia, o segurado obteve a seguinte história clínica (evento 12 - PROCADM1 - p. 25):

(...)

Historia: 41 anos, portador de síndrome de Down e retardo mental, recebendo benefício de pensão por morte há 7 anos associado com contribuição previdenciária no sistema CNIS. Vem acompanhado pela irmã (curadora) que relata vínculo empregatício na Aurora Alimentos desde 2011. Contratado (PCD) para desempenhar atividades de operador de produção (montador de caixas). Salário base de R$ 1.185,00 - Sic. atua no mesmo setor da irmã. Necessita do auxílio da mesma para deslocar-se até o trabalho. Segurado analfabeto, deixou de frequentar a APAE há três anos. Mora com irmã e cunhado. Realiza sozinho atividades como tomar banho, vertir-se e alimentar-se. Não produz próprio alimento, necessita de auxílio para aparrar a barba e unhas; não manipula dinheiro e nem faz cálculos simples. Não porta exames/nega uso de medicamentos.

Atestado Psiquiatra Ricardo Ludwig F711 23/07/2008

Atestado Médico CRM 3171 2805/2014 "Portador de Síndrome de Down com retardo mental moderado".

Exame: BEG, LOC, DASCIE DE DOWN

Humor Eutímico, bem trajado

Responde alguns questionamentos corretamente, outros necessita de auxílio da irmã/interage pouco.

Deficit cognitivo leve/moderado

Memória recente e tardia preservadas

(...)

O parecer foi conclusivo nos seguintes termos:

Segurado possui limitações decorrentes do retardo mental. No entanto, capaz de desempenhar atividades como montador de caixas. Não trata-se de possa inválida para o trabalho.

Todavia, com a devida vênia a opinião clínica, o juízo não pode coadunar com o parecer. Isso porque "a incapacidade para o trabalho é fenômeno multidimensional e não pode ser avaliada tão-somente do ponto de vista médico, devendo ser analisados também os aspectos sociais, ambientais e pessoais. Há que se perquirir sobre a real possibilidade de reingresso do segurado no mercado de trabalho. Esse entendimento decorre da interpretação sistemática da legislação, da Convenção da OIT - Organização Internacional do Trabalho, e do princípio da dignidade da pessoa humana." (IUJEF n. 2005.83.00506090-2/PE, julgado em 17/12/2007).

A luz desta orientação da Turma Nacional de Uniformização dos JEFs, é de se reconhecer que a questão se mostra até com certa obviedade no caso concreto, pois se apresenta de fácil interpretação no próprio relato pericial que o pensionista é completamente incapaz de retornar ao mercado de trabalho de modo independente, não possuindo condições de reconhecer dinheiro, ou se deslocar ao trabalho sem ajuda de terceiros, entre outras circunstâncias, o que conduz a inafastável conclusão de que sua vinculação só existe em virtude da política pública específica. Muito distante, portanto, da possibilidade de ser realmente inserido no mercado de trabalho.

Em verdade, a conclusão pericial nitidamente se baseia na existência de contribuições junto ao CNIS para considerar que o beneficiário das pensões por morte instituídas por seus genitores teria tido sua invalidez cessada, sem registrar qualquer elemento clínico que pudesse alterar o quadro clínico identificado por ocasiões das concessões das pensões por morte.

Neste sentir, não há incidência da hipótese do art. 114, inciso III do Decreto 3.048/99, defendido pela autarquia federal, pois o ato da revisão administrativa utilizou-se de quadro clínico do autor idêntico ao da concessão (CID F 71.1. - Retardo mental moderado - comprometimento significativo do comportamento, requerendo vigilância ou tratamento) para reavaliar e cancelar o benefício, socorrendo-se exclusivamente a identificação de recolhimentos junto ao seu cadastro informativo para presumir da cessação da invalidez.

Com efeito, mostra-se incontroverso nos autos que o autor é deficiente e permanece necessitando de cuidados de sua curadora (evento 12 - PROCADM1 - p. 25 do arquivo), inclusive para responder a alguns questionamentos, permanecendo existentes as limitações decorrentes do retardo mental moderado identificado inicialmente.

Portanto, forçosa a conclusão de que seu quadro clínico permanece o mesmo ao todo tempo.

Pertinente registrar ainda que a matéria de direito travada nestes autos já sediou enfrentamento na Ação Civil Pública de n. 5093240-58.2014.4.04.7100/RS, que tramitou na 20ª Vara Federal de Porto Alegre e se encontra em grau de recurso com concessão de tutela provisória de urgência vigente, ajuizada pelo Ministério Público Federal e pela Defensoria Pública da União em face da autarquia demandada.

Transcrevo parte da fundamentação da sentença proferida em 02/09/2016:

(...)

Diante do conceito amplo de incapacidade do segurado, é correto afirmar que continua sendo incapaz a pessoa com deficiência que obtém emprego valendo-se do sistema de cotas ou de outras medidas de promoção do trabalho, afinal não houve qualquer alteração na sua condição pessoal, apenas tendo sido vencida a barreira de acesso ao mercado de trabalho em virtude da política pública específica. Via de consequência, persiste a condição de dependente.

A resposta fácil, portanto, é que, uma vez cessado o trabalho remunerado, deve ser prontamente restabelecido o benefício previdenciário, não servindo aquele vínculo como indício da recuperação da capacidade ou de cessação da dependência econômica.

(...)

A mencionada ação ainda enfrentou tema deduzido na petição inicial, referente a coexistência do recebimento dos salários e das prestações do benefício:

(...)

Mais complexa é a análise da coexistência do recebimento dos salários e das prestações do benefício.

A Lei n° 12.470/2011, cuja vigência iniciou em 01/09/2011, incluiu o § 4° no artigo 77 da Lei n° 8.213/1991, estabelecendo a redução de 30% da renda do benefício do dependente com deficiência intelectual reconhecida judicialmente e o imediato restabelecimento da pensão após a extinção do trabalho:

Art. 77. A pensão por morte, havendo mais de um pensionista, será rateada entre todos em parte iguais.

(...)

§ 4º A parte individual da pensão do dependente com deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente, que exerça atividade remunerada, será reduzida em 30% (trinta por cento), devendo ser integralmente restabelecida em face da extinção da relação de trabalho ou da atividade empreendedora. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)

Admitia-se, assim, desde 01/09/2011, o recebimento de 70% da prestação da pensão ou do auxílio-reclusão pelo dependente concomitantemente ao salário ou renda da atividade empreendedora, mesmo para benefícios originados de fatos anteriores à Lei n° 12.470/2011, isto porque inexiste direito adquirido a regime jurídico e a proteção contra a irretroatividade da lei resume-se a ser vedado aplicar a redução de 30% às prestações devidas anteriormente à vigência da citada regra. Ou seja, as parcelas das pensões e auxílios-reclusão devidas até a competência de agosto de 2011 não poderiam sofrer a redução de 30%, porquanto não havia semelhante previsão em lei. Contudo, as parcelas devidas a partir de 01/09/2011, inclusive pelos benefícios mais antigos, poderiam sofrer validamente o desconto de 30% se verificada a hipótese discutida - a lei atinge os fatos ocorridos na sua vigência (recebimento do benefício e da renda do trabalho).

O referido dispositivo, entretanto, além de ser restrito à deficiência intelectual, restou revogado pela Lei n° 13.135/2015. Ao passo que a Lei n° 13.183, em vigor desde 05/11/2015, inseriu o § 6° no artigo 77 da LBPS, autorizando o recebimento da pensão enquanto o dependente com deficiência intelectual ou mental ou com deficiência grave exercer atividade remunerada, in verbis:

§ 6° O exercício de atividade remunerada, inclusive na condição de microempreendedor individual, não impede a concessão ou manutenção da parte individual da pensão do dependente com deficiência intelectual ou mental ou com deficiência grave. (Incluído pela Lei nº 13.183, de 2015)

Portanto, a atual disciplina da Lei n° 8.213/1991 contempla o recebimento cumulativo de renda pela atividade remunerada e das prestações da pensão por morte e, por conseguinte, também do auxílio-reclusão.

Considerando que a legislação atual é mais benéfica, a sua retroação para favorecer o deficiente mostra-se harmônica com a promoção dessas pessoas pretendida pela legislação, inclusive na Constituição da República.

Já o conceito de deficiência grave deve ser buscado na Lei Complementar n° 142, de 08/05/2013, e na Portaria Interministerial AGU/MPS/MF/SEDH/MP nº 1, de 27/01/2014, que regulamentam a aposentadoria da pessoa com deficiência.

Assim, são devidas as parcelas do benefício previdenciário recebidas, em qualquer época, pelo dependente com deficiência intelectual ou mental ou com deficiência grave concomitantes à renda do trabalho.

De fato, não há razões para que não se coadune com esta interpretação, merecendo aplicação retroativa a atual disciplina da Lei 8.213/91, no sentido de que é possível o recebimento de pensão enquanto o dependente com deficiência intelectual ou mental ou com deficiência grave estiver exercendo atividade remunerada.

Transcrevo a disposição atinente ao benefício de pensão por morte:

§ 6º O exercício de atividade remunerada, inclusive na condição de microempreendedor individual, não impede a concessão ou manutenção da parte individual da pensão do dependente com deficiência intelectual ou mental ou com deficiência grave. (Incluído pela Lei nº 13.183, de 2015)

Nesta senda, portanto, o cancelamento dos benefícios deve ser revisto e imediatamente restabelecidas as pensões concedidas ao autor desde a data de suas cessações, visto se tratar a revisão administrativa em contrariedade ao efetivo quadro clínico do autor e às suas capacidades de inserção no mercado de trabalho.

Alerta-se, no entanto, que a autarquia poderá descontar 30% do valor devido em cada prestação, por força do art. 77, §4º da Lei 8.213/91, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 12.470/2011, a partir de 31/08/2011, até o final de sua vigência, considerando o pedido deduzido na alínea "e" da petição inicial, sob pena de ocorrer julgamento extra petita.

Consequentemente, deve ser declarada indevida a devolução dos valores exigidos pelo INSS a título de ressarcimento, devendo serem (sic) pagas ao autor as parcelas devidas a partir das cessações irregulares.

2.2. Da responsabilidade civil

O Código Civil vigente prevê:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Já o artigo 927 do mesmo diploma assim dispõe:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Assim, os requisitos da responsabilidade, no âmbito civil são, em regra: a) a ação ou omissão; b) o dano experimentado pela vítima; c) o nexo causal entre a conduta comissiva ou omissiva e o dano; e d) a culpa ou o dolo do agente causador do dano.

A responsabilidade civil do Estado, por sua vez, como dever de composição dos danos atribuídos ao Poder Público por suas ações e omissões, foi expressamente prevista na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, § 6º, in verbis:

§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

A configuração da responsabilidade civil do Estado, portanto, em regra, exige apenas a comprovação do nexo causal entre o ato comissivo ou omissivo praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima, prescindindo de demonstração da culpa ou dolo da Administração.

No âmbito do processo administrativo, somente se cogita de dano moral quando demonstrada violação a direito subjetivo e efetivo abalo moral, em razão de procedimento flagrantemente abusivo ou equivocado por parte da Administração Pública (TRF4, AC 5047686-37.2013.404.7100, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão (auxílio Osni) Hermes S da Conceição Jr, juntado aos autos em 18/09/2015). Isso porque não sendo abusivo ou equivocado o procedimento, em linhas gerais a administração atua em exercício regular de direito.

No caso dos procedimentos revisionais no âmbito federal, em estrita vinculação ao princípio da legalidade, reza a lei que a administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos (art. 53 da Lei 9.784/99).

Portanto, a anulação de processo administrativo nos casos de vício de legalidade é decorrência do dever imposto pela lei aos seus entes, traduzindo, portanto, no exercício regular de direito, hipótese esta excludente da ilicitude.

O elemento essencial à confirmação da prática de ato ilícito é a identificação da atuação irregular da administração pública. Ainda que determinado ato seja revisto pelo controle judicial, de modo a considerá-lo antijurídico, o elemento determinante do requisito à reparação civil é o flagrante abuso ou equívoco praticado pela administração.

O caso concreto inegavelmente comporta situação excepcional e abusiva. Ainda que a administração tenha como dever revisar seus atos, observa-se que o elemento substancial ao cancelamento foi a inadvertida conclusão pela cessação da invalidez do beneficiário, única e exclusivamente por terem sido identificadas contribuições no CNIS, sem a retratação de qualquer melhora clínica do quadro do beneficiário.

Agravando ao patamar de abuso de direito, observa-se que a própria perícia autárquica reconhecia as limitações no âmbito intelectual do examinado, como a incapacidade de reconhecer dinheiro ou promover a própria locomoção para o trabalho, sendo ele acometido de Síndrome de Down.

Neste diapasão, a ação desmedida e desproporcional acaba por extrapolar a normalidade da atividade revisional e, inevitavelmente, configura o abuso de direito da autarquia federal, que deve sim revisar e anular seus atos quando eivados de vícios, desde que mediante comprovação concreta, o que não se mostrou ser o caso dos autos em que a conclusão se deu por presunção embasada exclusivamente em recolhimentos junto ao CNIS.

Essa realidade mostra-se cristalina, ainda que formalmente a autarquia federal tenha submetido o beneficiário a nova perícia. A prova administrativa neste aspecto nada trouxe de novidade clínica, representando verdadeiramente uma alteração de interpretação baseada em fato externo à doença responsável pela caracterização da invalidez.

O dano moral, por seu turno, mostra-se presente pelo fato das cessações administrativas ocasionarem desdobramentos na dignidade da pessoa humana, claramente violado no específico caso do autor.

Por fim, cristalino o nexo de causalidade. Os danos morais suportados pela parte autora decorrem do indevido processamento da ação revisional, que tomou curso abusivo e equivocado, caracterizando, assim, a sua antijuridicidade acima dos limites previsíveis ao processamento.

Ante aos fundamentos ora expostos, há responsabilidade civil do INSS pelos danos morais causados.

Em que pese a manifestação do INSS (ev. 6) alegando que houve o reconhecimento administrativo de que devida a manutenção do benefício, os termos da decisão administrativa não são os mesmos da fundamentação da sentença. Vejamos:

O INSS, em observância ao princípio da boa-fé processual e para fins do art. 493 do CPC, informa que, no processo administrativo de revisão do benefício de pensão por morte 21/092.586.317-3, o Conselho de Recursos da Previdência Social – CRPS deu parcial provimento ao recurso do autor, reformando a decisão da JRPS para reconhecer o direito do autor a manutenção do benefício no período de 31.08.2011 a 04.11.2015 com desconto de 30%(Art.77, §4o, da Lei n.o 8.213/91) e a partir de 05.11.2015 restabelecer/manter o benefício sem qualquer desconto. Restou mantida a decisão anterior para reconhecer como indevido o pagamento do benefício no período entre 01.02.2011 e 30.08.2011 (véspera da Lei n.o 12.470/2011),em que o segurado exerceu atividade laborativa, razão pela qual devem ser ressarcidos os valores ao Erário.

Portanto, é de ser mantida a sentença que reconheceu indevida a suspensão dos benefícios de pensão por morte, determinando o pagamento dos valores em atraso decorrentes da referida cessação bem como declarou a inexistência de qualquer débito por parte do segurado originado por estas revisões.

Mantida também a condenação do INSS ao pagamento de danos morais considerando as peculiaridades do caso concreto. Em 01-02-2011, por meio do sistema de cotas previsto no Decreto n. 3.298/99, que regulamentou a Lei n. 7.853/89, o autor teve sua carteira assinada pela empresa Aurora. No ano de 2014 o INSS iniciou procedimento administrativo e, após perícia médica constatar que o autor era capaz para atos da vida civil (apesar da sua condição congênita de portador de Síndrome de Down), o INSS deixou de considerar sua condição de 'filho inválido' e os dois benefícios de pensão por morte foram cessados em 30-09-2014.

O dano moral pressupõe dor física ou moral, configurando-se sempre que alguém aflige outrem injustamente, mesmo sem causar prejuízo patrimonial. Na lição de SAVATIER, "dano moral é todo sofrimento humano que não é causado por uma perda pecuniária".

O autor permaneceu, portanto, mais de três anos sem receber os valores devidos, porquanto apenas na sentença foi determinada a antecipação dos efeitos da tutela, com retomada dos pagamentos indevidamente cessados, por ato da Autarquia que gerou constrangimento e extrapolou os limites de seu poder-dever.

Sinale-se que o próprio INSS posteriormente (ev. 6) reconheceu o direito do autor "a manutenção do benefício no período de 31.08.2011 a 04.11.2015 com desconto de 30%(Art.77, §4o, da Lei n.o 8.213/91) e a partir de 05.11.2015 restabelecer/manter o benefício sem qualquer desconto."

Assim, nego provimento ao apelo do INSS.

Honorários advocatícios

Considerando que a sentença foi publicada após 18-03-2016, data definida pelo Plenário do STJ para início da vigência do NCPC (Enunciado Administrativo nº 1-STJ), bem como o Enunciado Administrativo n. 7 - STJ (Somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do novo CPC), aplica-se ao caso a sistemática de honorários advocatícios ora vigente.

Desse modo, tendo em conta os parâmetros dos §§ 2º, I a IV, e 3º, do artigo 85 do NCPC, bem como a probabilidade de o valor da condenação não ultrapassar o valor de 200 salários mínimos, mantenho os honorários advocatícios em 10% sobre as parcelas vencidas até a data da sentença (Súmulas 111 do STJ e 76 desta Corte), consoante as disposições do art. 85, § 3º, I, do NCPC, ficando ressalvado que, caso o montante da condenação venha a superar o limite mencionado, sobre o valor excedente deverão incidir os percentuais mínimos estipulados nos incisos II a V do § 3º do art. 85, de forma sucessiva, na forma do § 5º do mesmo artigo.

Doutra parte, considerando o disposto no § 11 do art. 85 do NCPC, bem assim recentes julgados do STF e do STJ acerca da matéria (v.g. ARE971774 AgR, Relator p/ Acórdão: Min. EDSON FACHIN, PrimeiraTurma, DJe 19-10-2016; ARE 964330 AgR, Relator p/ Acórdão: Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, DJe 25-10-2016; AgIntno AREsp 829.107/RJ, Relator p/ Acórdão Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, DJe 06-02-2017 e AgInt nos EDcl no REsp1357561/MG, Relator Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Terceira Turma, DJe de 19-04-2017), majoro a verba honorária para 12%, devendo ser observada a mesma proporção de majoração sobre eventual valor que exceder o limite de 200 salários-mínimos.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação do INSS.



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40002243170.V14


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Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5008196-85.2016.4.04.7202/SC

RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: SERGIO GURKEWICZ (AUTOR)

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. REQUISITOS. FILHO INVÁLIDO. RECEBIMENTO DE SALÁRIO CONCOMITANTEMENTE COM PENSÃO. DANO MORAL DEVIDO. AUTOR PORTADOR DE SÍNDROME DE DOWN.

1. São devidas as parcelas do benefício previdenciário recebidas, em qualquer época, pelo dependente com deficiência intelectual ou mental ou com deficiência grave concomitantes à renda do trabalho.

2. Presente a comprovação de ofensa ao patrimônio subjetivo da parte autora, bem como do ato administrativo ter sido desproporcionalmente desarrazoado, inclusive com reconhecimento administrativo posterior do direito ao recebimento dos benefícios pelo autor (portador de síndrome de Down que teve cancelado o direito ao recebimento de duas pensões por morte) existe direito à indenização por dano moral tendo em vista a peculiaridade do caso concreto.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 17 de dezembro de 2020.



Documento eletrônico assinado por CELSO KIPPER, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002243171v5 e do código CRC 85703149.Informações adicionais da assinatura:
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Data e Hora: 18/12/2020, às 16:6:53


5008196-85.2016.4.04.7202
40002243171 .V5


Conferência de autenticidade emitida em 26/12/2020 08:01:37.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 10/12/2020 A 17/12/2020

Apelação Cível Nº 5008196-85.2016.4.04.7202/SC

RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER

PRESIDENTE: Desembargador Federal CELSO KIPPER

PROCURADOR(A): WALDIR ALVES

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: SERGIO GURKEWICZ (AUTOR)

ADVOGADO: LEANDRO MARCIO NOVAKOWSKI (OAB SC030512)

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 10/12/2020, às 00:00, a 17/12/2020, às 16:00, na sequência 901, disponibilizada no DE de 30/11/2020.

Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal CELSO KIPPER

Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER

Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ

Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 26/12/2020 08:01:37.

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