Experimente agora!
VoltarHome/Jurisprudência Previdenciária

PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. UNIÃO ESTÁVEL. COMPROVAÇÃO. RECONHECIMEENTO DO DIREITO AO BENEFÍCIO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART...

Data da publicação: 23/03/2023, 07:01:39

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. UNIÃO ESTÁVEL. COMPROVAÇÃO. RECONHECIMEENTO DO DIREITO AO BENEFÍCIO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 23 DA EC Nº 103/2019. REJEIÇÃO DA ARGUIÇÃO. O óbito de um segurado gera, para seus dependentes, o direito à pensão por morte. Para a concessão do benefício: a) as qualidades de segurado e de dependente devem ser aferidas na data do óbito; b) não é exigida carência. Com o advento da Medida Provisória n. 871/2019 (de 18 de janeiro de 2019), convertida na Lei n. 13.846/2019 (de 18 de junho de 2019), passou a ser exigida a apresentação de início de prova material da união estável. Essa exigência aplica-se ao presente caso, pois o óbito do instituidor ocorreu após a vigência da Lei nº 13.846/2019. A novel previsão do artigo 16, § 5º, da Lei nº 8.213/91 não especifica uma quantidade mínima de documentos para caracterizar o início de prova material. Todavia, faz-se necessário que tenha sido juntado ao menos um documento nesse sentido, ônus do qual se desincumbiu a autora. Comprovando a prova oral, bem como o início de prova material juntado aos autos o vinculo entre o casal (autora e o instituidor) ao tempo do óbito, que perdurou até o falecimento dele, deve ser confirmada a sentença que reconheceu o direito dela à concessão da pensão por morte. Não havendo direito adquirido a determinado regime jurídico, não se pode pretender que o coeficiente de 100%, que era aplicado até a superveniência da Emenda Constitucional 103/2019, seja mantido após o início de sua vigência, para os benefícios com data de início posterior a ela. (TRF4, AC 5008124-25.2021.4.04.7202, NONA TURMA, Relator SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, juntado aos autos em 15/03/2023)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5008124-25.2021.4.04.7202/SC

PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5008124-25.2021.4.04.7202/SC

RELATOR: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ

APELANTE: JUDITHE FATIMA DE LIMA (AUTOR)

ADVOGADO(A): SANDRA SANTOS DE OLIVEIRA (OAB SC031400)

ADVOGADO(A): MARILEI MARTINS DE QUADROS (OAB SC014209)

ADVOGADO(A): JESSICA LETICIA FREITAS KOSVOSKI (OAB SC062142)

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

A sentença assim relatou o feito:

Judithe Fatima de Lima busca a concessão do benefício de pensão por morte n° 197.338.216-1 (requerida em 15/05/2020), mediante o reconhecimento da união estável havida entre ela e o segurado Juarez Boita, falecido em 05/05/2020.

Também requer a "aplicação do art. 75 da Lei 8.213/91 para fins de fixação da renda mensal inicial RMI do benefício de pensão por morte (100%), afastando o disposto no art. 23 da EC 103/2019", com a declaração incidental de inconstitucionalidade do referido dispositivo.

Narra, em síntese, que viveu com o segurado como se casados fossem desde meados de 1987 até o óbito, sendo que em 27/06/1991 tiveram um filho, Josian de Lima Boita. Relata que se conheceram em Porto Alegre, depois que ele se separou de fato de Irma de Souza, com quem foi casado entre 1979 e 1984, mas de que só divorciou em agosto de 2019; residiam em Chapecó desde 2009.

Deferido benefício da gratuidade da justiça (evento 15).

Regularmente citado, o INSS apresentou contestação no evento 18, defendo a improcedência da demanda.

Audiência realizada em 16/02/2022.

Após a apresentação das alegações finais, vieram os autos conclusos para sentença.

Seu dispositivo tem o seguinte teor:

Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido inicial, extinguindo o feito com resolução do mérito, com fulcro no art. 487, I, do CPC, para condenar o INSS a:

(a) conceder à parte autora o benefício de pensão por morte n° 197.338.216-1, a contar do óbito (05/05/2020), RMI e RMA a serem calculadas pela Autarquia, com DIP no primeiro dia do mês da implantação do benefício;

(c) condenar o INSS a pagar à parte autora as parcelas vencidas, segundo a renda mensal inicial a ser apurada, desde o óbito até a data da implantação do benefício, descontadas eventuais parcelas inacumuláveis, acrescidas de juros e correção monetária nos termos da fundamentação, a partir do vencimento de cada prestação.

Condeno o INSS ao pagamento das custas processuais, as quais, porém, ficam dispensadas, dada a isenção legal prevista na Lei nº 9.289/96 (art. 4º, inciso I).

Em virtude de ter decaído da maior parte dos pedidos, condeno o INSS ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais fixados a 10% sobre o valor da condenação e, no que exceder a 200 salários mínimos, em 8% (art.85, §§ 2 e 3° do CPC), tendo como base de cálculo apenas a soma das prestações vencidas até a data de publicação desta sentença (Súmula nº 76 do TRF da 4ª Região).

Trata-se de sentença ilíquida, o que, a teor da Súmula nº 490 do STJ, exigiria submetê-la à remessa necessária. Porém tal entendimento foi consolidado sob a vigência do CPC/73, quando estavam sujeitas ao duplo grau de jurisdição todas as condenações que excedessem 60 salários mínimos. O novo Código de Processo Civil elevou tal limite para 1.000 salários mínimos em relação à União e as respectivas autarquias e fundações de direito público (art. 496, §3º, I). Mesmo não se dispondo de elementos para determinar o exato montante da condenação é possível desde já afirmar que não excederá o montante fixado no referido dispositivo legal. Nesse contexto, e inclusive a fim de evitar eventual trabalho desnecessário e maior congestionamento do Tribunal, tenho como incabível no presente caso a remessa necessária.

Caso interposta apelação, intime-se o apelado para apresentar contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias. No caso de apelação adesiva, intime-se o apelante para apresentar contrarrazões. Após, remetam-se os autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, independentemente de juízo de admissibilidade (CPC, art. 1.010, §§ 1º a 3º).

Sentença publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se.

Irresignadas, ambas as partes apelaram.

O INSS, em suas razões, sustenta que, inexistindo prova documental da alegada união estável no período de 24 meses anterior ao óbito, deve ser reformada a sentença, afastando-se a condenação prolatada.

Alega, ainda, que, a relação mantida entre a parte autora e o suposto instituidor poderia ser de namoro ou de concubinato, não de união estável, impondo-se, também por este motivo, a reforma da decisão recorrida.

Já a autora, em suas razões, alega a inconstitucionalidade do artigo 23 da Emenda Constitucional 103/2019, pois prevê que o valor do benefício corresponderá a 60% sobre o valor a que o segurado/falecido tinha direito à título de aposentadoria por incapacidade permanente, sendo este quantum ínfimo para sua subsistência.

Aponta que esta previsão legal fere o princípio da Dignidade da Pessoa Humana, bem como diversos outros princípios e garantias constitucionais com um verdadeiro retrocesso social, especialmente considerando-se os gastos básicos da recorrente com alimentação, água, luz, transporte público e saúde e o aluguel do imóvel em que mora, bem como o valor da cesta básica no Estado de Santa Catarina.

Refere que a redução combatida fere o princípio da proteção do Estado à Família, revelando uma desproporcionalidade e desarrazoabilidade, sem observar os parâmetros econômicos da dependente, causando diversos abalos no poder de compra e sustento da beneficiária, desprezando totalmente a norma constitucional de assegurar o direito à previdência social.

Acrescenta que o Procurador Geral da República reiterou seu entendimento pela inconstitucionalidade do artigo 23 da EC 103/2019, em seu parecer na ADI 6.916/DF.

Com as contrarrazões de ambas as partes, vieram os autos a este Tribunal.

A autora formulou pedido de concessão de tutela de evidência (evento 02), o qual foi deferido (decisão do evento 03), sendo comprovada a implantação do benefício previdenciário pelo INSS (evento 09) e cientificada a parte interessada (eventos 12 e 16).

É o relatório.

VOTO

Do direito à pensão por morte

O INSS afirma que não está comprovada a união estável entre a autora e o de cujus.

A sentença, diversamente, conluiu pela persistência do vínculo do casal desde o final do ano de 2016 até o óbito do instituidor, que ocorreu em maio de 2020.

A propósito, confira-se os fundamentos por ela adotados:

Como início de prova material, a parte autora apresentou carreou aos autos: a) certidão de óbito do segurado, indicando o estado civil divorciado, o endereço na Rua Jordão de Oliveira da Cruz, 130, Efapi, Chapecó, tendo por declarante o filho Josian de Lima Boita, 2020; b) certidão de casamento do de cujus com Irma de Sousa, 1979, com avervação do divórcio realizado em 27/08/2019; c) certidão de nascimento do filho comum (Josian), nascido em 27/07/1991, registrado em 23/04/1992, em Porto Alegre; d) autorização de compras nas Lojas Nazari Filial, passada pelo segurado para a autora, 27/02/2017 e cadastro no estabelecimento indicando autora como cônjuge, endereço na Rua Maravilha-E, 82, Efapi, 28/12/2016; e) fotos sem identificação de data e f) contrato de locação celebrado entre Celso Vassoler e a autora, tendo por objeto o imóvel da Rua Jaguatirica-E, 45, Efapi, 15/07/2020.

Expedido ofício ao Município de Chapecó para a apresentação dos cadastros existentes em nome da autora e falecido no período de 1987 a 05/05/2020, vieram aos autos os documentos do evento 9, sendo digno de nota: i) consulta base do CPF, segurado com endereço na Rua Gustavo Adolfo Albrecht, 333, Jardim Aparecida, Alvorada-RS, sem data; ii) cadastro de contribuinte da autora, endereço na Rua Maravilha-E, Chapecó, 23/05/2019; iii) consulta base do CPF, autora residente na Rua Castro Alves, 228, Lira, Estância Velha-RS; iv) cadastro de usuário, autora, convive com familiares sem companheiro, Rua Jaquatirica, 45-E, Chapecó, inclusão em 19/12/2008 e alteração em 03/05/2021. Ainda, de acordo com o email do evento 32, o Município deu conta de que o segurado não possui imóvel cadastrado nem cadastro econômico ativo.

Em audiência a autora declarou que: há um ano e meio reside na Rua Jaguatirica, 45-E, depois que o Juarez faleceu; antes morava de aluguel em outro endereço, no seguimento da Rua Maravilha, mas tinha outro nome que não se lembra; teve um filho com o Juarez, o Josian de Lima Boita; conviveram por 30 anos; o último endereço em que moraram fica na Efapi, mas não se lembra a rua; o Juarez era hipertenso e teve um infarto; meses antes de falecer e foi internado, no [período] forte da Covid, mas não era essa doença; ficou internado por dois dias e voltou para casa, estava bem; depois de um mês, passou mal à noite, foi para a UPA e não retornou mais; quem o levou foi o sobrinho Thiago, chamado pela autora; na vez anterior o filho levou o companheiro para internar; na ocasião não podia visitá-lo por causa dos exames no Regional, que podia ser Covid; ele era aposentado; não soube dizer porque dois antes dele morrer alterou um cadastro do Município dizendo viver sozinha, na Rua Jaguatirica; talvez seja engano; foi para Rua Jaguatirica dois dias depois do falecimento; assim que perdeu ele foi para a casa da mãe e ficou uns dois meses, tempo em que arrumou a casa para morar; deve ter algum engano para este endereço já estar no cadastro de maio; a casa é alugada e tem contrato; Rua Maravilha, 45-E, Colina do Sol, não é o endereço em que morava; morava com ele na Rua Jordão de Oliveira da Cruz; ele foi supultado com a família dele, no interior de Nonoaí; os filhos mais velhos do segurado não conviviam com eles.

Na ocasião também foram ouvidas as testemunhas Elenir Bonadeo de Oliveira, Vilson Adir Machado e Rômulo Portela.

A primeira depoente disse que: conheceu o casal porque eles moravam de aluguel ao lado da sua casa, até o falecimento dele, na Rua Maravilha; não conhece a Rua Jordão Oliveira da Cruz; ali na Maravilha eles pagavam aluguel para o Dionísio, garagista; moraram de 7 para 8 anos na Rua Maravilha; os dois se mudaram de lá antes do falecimento e foram para o bairro próximo, umas quatro quadras de distância, cuja rua não sabe dizer o nome; o Juarez sempre teve problemas de saúde, mas não sabe a causa do falecimento; não foi no velório por ser na época da Covid; eles têm um filho; eram vistos como um casal e nunca se separam.

A testemunha Vilson declarou que: conheceu o Juarez no interior, fazia 20 anos; não se lembra a rua em que ele residia, mas sabe onde era e que pagava aluguel; ele residia nesta casa há uns dois anos quando faleceu; era bem doente, tinha problema de pressão; foi velório e a D. Judite estava lá.

O último depoente afirmou que: é farmacêutico e tem uma farmácia nas proximidades de onde o casal morava; em frente ao mercado e perto da garagem; o último endereço dele foi ali, nos fundos da garagem, salvo engano na Maravilha, com a Atílio Fontana; conhece de nome a Rua Jordão Oliveira da Cruz, mas não sabe onde fica; tinha contato com o Juarez volta e meia, quando ele ia buscar remédios na sua farmácia; levava remédio para ele, do outro lado da rua; moravam na mesma casa ela, o piá e o falecido; a última vez que foi na casa foi uns três meses antes do falecimento; eles eram vistos como um casal.

Por determinação do Juízo, no evento 64, a parte autora juntou o termo de confissão de dívida junto as Lojas Havan, assinado pela autora em 31/07/2020, consignando a residência na Rua Jordão O. da Cruz, em Chapecó (OUT2).

O conjunto probatório permite o reconhecimento da união estável havida entre a parte autora e o segurado, pelo menos desde o final de 2016. Conforme asseverado na petição do evento 53, de fato o autor faleceu em 05/05/2020 e a atualização da ficha cadastral de usuário da autora junto ao Município de Chapecó só se deu em 03/05/2021, quando ela declarou residir sem companheiro na Rua Jaguatirica, 45-E, endereço do imóvel objeto do contrato de locação, assinado em 15/06/2020 (CONTR6), o que vai ao encontro da declaração de que, com o falecimento, passou cerca de dois meses na casa da mãe, tempo em que providenciou a nova moradia.

Outrossim, a confissão de dívida juntada no evento 64 registra que a autora também residiu no endereço indicado na certidão de óbito do segurado.

Dessarte, comprovada a união estável, impõe-se o reconhecimento da qualidade de dependente da autora em relação instituidor do benefício, na forma do art. 16, I, da Lei 8.213/91, e, por consequência, a concessão do benefício de pensão por morte a partir do óbito (05/05/2020), haja vista o requerimento administrativo em menos de 90 dias, respeitando o prazo estabelecido no art. 74, I, da Lei 8.213/91.

Pois bem.

Com base no artigo 16, § 4º, da Lei nº 8.213/91, a administração previdenciária vem exigindo a apresentação de início de prova material, para a comprovação da união estável.

Essa exigência, todavia, somente se aplica a partir da entrada em vigor da Lei nº 13.846/2019, que introduziu o parágrafo antes mencionado no artito 16 da Lei n. 8.213/91.

Esse é o caso dos autos, considerando-se que o óbito ocorreu em 05/05/2020.

Saliente-se que a novel previsão do artigo 16, § 5º, da Lei nº 8.213/91 não especifica uma quantidade mínima de documentos para caracterizar o início de prova material produzido no período não superior a 24 meses antes do óbito.

A certidão de divórcio do de cujus, datada de agosto de 2019, pode ser considerada início de prova material.

Embora ela não comprove, por si só, a união estável entre o falecido e a autora, é indiciária do vínculo, considerando-se os demais elementos probatórios juntados, como a certidão de nascimeneto do filho em comum e a confissão de dívida junto das Lojas Havan, em que consta a identidade de endereços da autora e do falecido, consoante a certidão de óbito dele.

O início de prova material foi, ademais, corroborado pelo depoimento das testemunhas, que foram seguras em asseverar a existência da união estável ao menos desde o final de 2016, na condição de casados, até o falecimento do instituidor.

Nessas condições, diferentemente do que alega do INSS, não se tratava de uma mera relação de namoro, ou concubinato, considerando-se que a separação de fato entre o falecido e sua ex-esposa remontava há vários anos, em que pese formalizada somente em agosto de 2019.

Consequentemente, a insurgência do INSS não merece prosperar.

Da aventada (in)constitucionalidade do artigo 23 da EC 103/2019

No que tange à fórmula de cálculo do benefício, a sentença tem a seguinte fundamentação:

2.3 Da (in)constitucionalidade do art. 23 da EC 103/2019 e utilização no cálculo da RMI do benefício o art. 75 da Lei 8.213/91

O art. 23 da EC 103/2019 assim estabeleceu:

Art. 23. A pensão por morte concedida a dependente de segurado do Regime Geral de Previdência Social ou de servidor público federal será equivalente a uma cota familiar de 50% (cinquenta por cento) do valor da aposentadoria recebida pelo segurado ou servidor ou daquela a que teria direito se fosse aposentado por incapacidade permanente na data do óbito, acrescida de cotas de 10 (dez) pontos percentuais por dependente, até o máximo de 100% (cem por cento).

Vê-se que as regras no que se refere às cotas a serem recebidas pelos dependentes do segurado falecido o foram tanto para o RGPS como para o RPPS. Há exceções à regra geral, possibilitando que em alguns casos a RMI seja de 100% da aposentadoria recebida ou daquela que o segurado receberia se aposentado por invalidez, como é o caso de existência de dependente inválido ou com deficiência intelectual, mental ou grave.

A redação do aventado art. 75 da Lei 8213/91, por sua vez, assim prevê:

Art. 75. O valor mensal da pensão por morte será de cem por cento do valor da aposentadoria que o segurado recebia ou daquela a que teria direito se estivesse aposentado por invalidez na data de seu falecimento, observado o disposto no art. 33 desta lei. (redação dada pela Lei 9528/97)

Não assiste razão à parte autora quando argumenta que a EC 103, no ponto, é inconstitucional.

O princípio da vedação do retrocesso social, intimamente ligado aos princípios da dignidade da pessoa humana, da máxima efetividade e do Estado democrático de direito, não tem o alcance que a parte autora defende.

É importante a explicação de Marcelo Novelino no que se refere ao princípio em voga:

A questão central de toda esta problemática reside em saber até que ponto os órgãos encarregados da concretização da Constituição podem retroceder no tocante à implementação dos direitos sociais, ainda que não o faça com efeitos retroativos e que não esteja em jogo uma alteração do texto constitucional, haja vista que em um sistema político pluralista, as normas que consubstanciam direitos sociais devem ter um caráter aberto exatamente para poderem receber as diversas possibilidades de concretização periodicamente escolhidas pelo eleitorado.

[...] Todavia, José Carlos Vieira de Andrade adverte que a liberdade de conformação legislativa seria praticamente eliminada se o legislador "fosse obrigado a manter integralmente o nível de realização e a respeitar os direitos por ele criados", razão pela qual se deve admitir a "proibição de revogação" apenas na medida em que impeça o arbítrio ou a irrazoabilidade manifesta do 'retrocesso', isto é, somente no caso de não ocorrer a "substituição das normas conformadoras dos direitos sociais", que é uma "garantia do conteúdo mínimo imperativo do preceito constitucional", bem como do "limite da proteção da confiança".

[...]

Por fim, cumpre-se observar que a "vedação de retrocesso" só deve abranger aqueles direitos sobre os quais haja um "consenso profundo", formado ao longo do tempo e que "não se estende nunca aos pormenores de regulamentação". Ademais, não pode ser entendida como um "princípio jurídico geral nesta matéria, sob pena de se destruir a autonomia da função legislativa, degradando-a a mera função executiva da Constituição". O enfraquecimento do poder de disposição do legislador, não deve constituir uma regra, mas a exceção. (NOVELINO, Marcelo. São Paulo: Método, 2008, p. 377 a 379).

Afirmar que jamais o legislador e o constituinte derivado poderão alterar a forma de cálculo de um benefício, caso gerar redução no valor (se comparado às regras anteriores) é retirar completamente do Legislativo o poder que lhe é conferido constitucionalmente.

Se assim fosse, o legislador estaria impedido de legislar - inclusive de alterar a Constituição - o que afetaria a autonomia da função legislativa, um dos pilares do Estado Democrático de Direito que o Brasil tenta manter.

Afirmar que a forma de cálculo da pensão - no caso a possibilidade de se ter cotas de forma proporcional ao número de dependentes do segurado falecido - somente poderá ser alterada para ampliação, é impedir que o legislador adeque as regras (quer legais, quer constitucionais) à realidade que se apresentar no decorrer do tempo.

A Reforma Previdenciária perpretada pela EC 103 não excluiu o direito social dos dependentes ao recebimento de pensão por morte, mas adequou - no meu ver de forma correta - o cálculo, fixando cotas, conforme o número de dependentes que o segurado falecido deixou.

A redação do art. 75 da Lei 8213/91 tratava todas as situações de forma igual, indevidamente. Tínhamos famílias com 1 dependente em detrimento de outras, com 5, 6 ou mais dependentes, sendo que todas recebiam 100% do benefício de aposentadoria já recebido em vida pelo segurado, ou daquela a que teria direito se estivesse aposentado por invalidez na data de seu falecimento.

A fixação do valor da pensão de acordo com a quantidade de dependentes não é novidade no ordenamento jurídico brasileiro, já que assim era na redação originária da Lei 8.213/91, a qual foi alterada pela Lei 9.032/95 para estabelecer que em quaisquer hipóteses o percentual seria 100% do salário de benefício.

Essa previsão legal não tinha sentido e não tem base constitucional ou principiológica e, por isso, não se sustentou quando da elaboração e votação da EC 103/2019. Esse tratamento igual a situações muito diferentes não poderia continuar.

E se isso não bastasse, afirmar que uma forma de cálculo de um benefício previdenciário jamais poderá ser alterada para, em alguns casos, diminuir a RMI, é dizer que mesmo quando o regime previdenciário estiver em dificuldades financeiras nada poderá ser feito para que ele perdure e cumpra o seu papel às gerações atuais e futuras que contam com sua proteção.

Assim, não é o caso de se reconhecer a inconstitucionalidade do art. 23 da EC 103/2019.

A autora apela, postulando a reforma do trecho da sentença que deixou de declarar a inconstitucionalidade do artigo 23 da EC nº 103/2019.

Especificamente quanto ao tema, teço as considerações que se seguem.

Em princípio, a Constituição Federal deve limitar-se a fixar os princípios gerais que devem nortear as regras de direito previdenciário.

No entanto, nada impede que o constituinte, originário ou derivado, crie autênticas regras, inclusive detalhando fórmulas de cálculo de benefícios previdenciários, como ocorre no presente caso.

No plano constitucional, a criação dessas regras somente não pode contrariar cláusulas pétreas.

Com efeito, a Constituição Federal assim dispõe:

Art. 60. (...)

§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I - a forma federativa de Estado;

II - o voto direto, secreto, universal e periódico;

III - a separação dos Poderes;

IV - os direitos e garantias individuais.

No presente caso, todavia, não está em causa a alteração de nenhuma da cláusula prétrea.

Feitas essas considerações iniciais, observo que o teor da norma (da EC nº 103/2019) cuja constitucionalidade está sendo questionada é o seguinte:

Art. 23. A pensão por morte concedida a dependente de segurado do Regime Geral de Previdência Social ou de servidor público federal será equivalente a uma cota familiar de 50% (cinquenta por cento) do valor da aposentadoria recebida pelo segurado ou servidor ou daquela a que teria direito se fosse aposentado por incapacidade permanente na data do óbito, acrescida de cotas de 10 (dez) pontos percentuais por dependente, até o máximo de 100% (cem por cento).

Consoante essa norma, o coeficiente mínimo é de 50%, acrescido de mais 10% por dependente, até o máximo de 100%.

Ora, é razoável que, observado um patamar mínimo, o coeficiente de cálculo do benefício evolua proporcionalmente ao número de dependentes previdenciários habilitados à pensão por morte.

O critério utilizado para essa evolução pode até ser criticado, mas isto por si só não caracteriza qualquer inconstitucionalidade.

Não se pode pretender que o coeficiente de cálculo da pensão por morte com um dependente seja necessariamente igual ao coeficiente de cálculo de um segurado com, por exemplo, cinco dependentes.

Vale referir que, inclusive, a Lei nº 8.213/91, em sua redação original, continha regras que adotavam, em certa medida, critério semelhante àquela cuja constitucionalidade foi arguída.

Confira-se:

Art. 75. O valor mensal da pensão por morte será:

a) constituído de uma parcela, relativa à família, de 80% (oitenta por cento) do valor da aposentadoria que o segurado recebia ou a que teria direito, se estivesse aposentado na data do seu falecimento, mais tantas parcelas de 10% (dez por cento) do valor da mesma aposentadoria quantos forem os seus dependentes, até o máximo de 2 (duas).

Nisso, porém, a meu não reside qualquer inconstitucionalidade.

Outrossim, não havendo direito adquirido a determinado regime jurídico, não se pode pretender que o coeficiente de 100%, que era aplicado até a superveniência da Emenda Constitucional 103/2019, seja mantido após o início de sua vigência, para os benefícios com data de início posterior a ela.

Assim sendo, respeitosamente, rejeito a arguição ventilada.

Em face disso, não é caso de acolhimento da insurgência da autora.

Dos consectários legais

No que tange à atualização monetária e ao encargo da mora, teço as considerações que se seguem.

A atualização monetária (que fluirá desde a data de vencimento de cada prestação) e os juros de mora (que fluirão desde a data da citação) seguirão:

a) até 08/12/2021, os parâmetros estabelecidos pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do tema repetitivo nº 905, para as condenações judiciais de natureza previdenciária, os quais estão assim enunciados na tese então firmada:

3. Índices aplicáveis a depender da natureza da condenação.

(...)

3.2 Condenações judiciais de natureza previdenciária.

As condenações impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária, no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91. Quanto aos juros de mora, incidem segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança (art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei n. 11.960/2009).

b) a partir de 09/12/2021, para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, o índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia (Selic), acumulado mensalmente (artigo 3º da Emenda Constitucional nº 113/2021, publicada em 09/12/2021, que entrou em vigor na data de sua publicação).

Assim sendo, considerando-se que a sentença já observa tais parâmetros, no que tange à atualização monetária e ao encargo da mora, deve ser mantida em seus exatos termos.

Malgrado o improvimento da apelação da autora, não são devidos honorários recursais em seu desfavor, eis que ela não foi condenada ao pagamento de honorários sucumbenciais.

Contudo, são devidos honorários recursais em desfavor do INSS, na forma do artigo 85, § 11 do Código de Processo Civil, os quais são arbitrados em 10% sobre o valor que vier a ser apurado a título de honorários sucumbenciais, consoante os moldes delineados pela sentença, devidamente corrigidos pelos índices legais.

Deixa-se de determinar a implantação imediata do benefício previdenciário, considerando-se que o INSS já a comprovou.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por negar provimento às apelações.



Documento eletrônico assinado por SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003756476v18 e do código CRC 48253eb9.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
Data e Hora: 15/3/2023, às 14:1:50


5008124-25.2021.4.04.7202
40003756476.V18


Conferência de autenticidade emitida em 23/03/2023 04:01:39.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5008124-25.2021.4.04.7202/SC

PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5008124-25.2021.4.04.7202/SC

RELATOR: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ

APELANTE: JUDITHE FATIMA DE LIMA (AUTOR)

ADVOGADO(A): SANDRA SANTOS DE OLIVEIRA (OAB SC031400)

ADVOGADO(A): MARILEI MARTINS DE QUADROS (OAB SC014209)

ADVOGADO(A): JESSICA LETICIA FREITAS KOSVOSKI (OAB SC062142)

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. UNIÃO ESTÁVEL. COMPROVAÇÃO. RECONHECIMEENTO DO DIREITO AO BENEFÍCIO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. inconstitucionalidade do artigo 23 da ec nº 103/2019. rejeição da arguição.

O óbito de um segurado gera, para seus dependentes, o direito à pensão por morte.

Para a concessão do benefício: a) as qualidades de segurado e de dependente devem ser aferidas na data do óbito; b) não é exigida carência.

Com o advento da Medida Provisória n. 871/2019 (de 18 de janeiro de 2019), convertida na Lei n. 13.846/2019 (de 18 de junho de 2019), passou a ser exigida a apresentação de início de prova material da união estável.

Essa exigência aplica-se ao presente caso, pois o óbito do instituidor ocorreu após a vigência da Lei nº 13.846/2019.

A novel previsão do artigo 16, § 5º, da Lei nº 8.213/91 não especifica uma quantidade mínima de documentos para caracterizar o início de prova material. Todavia, faz-se necessário que tenha sido juntado ao menos um documento nesse sentido, ônus do qual se desincumbiu a autora.

Comprovando a prova oral, bem como o início de prova material juntado aos autos o vinculo entre o casal (autora e o instituidor) ao tempo do óbito, que perdurou até o falecimento dele, deve ser confirmada a sentença que reconheceu o direito dela à concessão da pensão por morte.

Não havendo direito adquirido a determinado regime jurídico, não se pode pretender que o coeficiente de 100%, que era aplicado até a superveniência da Emenda Constitucional 103/2019, seja mantido após o início de sua vigência, para os benefícios com data de início posterior a ela.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 9ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento às apelações, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 14 de março de 2023.



Documento eletrônico assinado por SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003756477v6 e do código CRC c66fef2d.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
Data e Hora: 15/3/2023, às 14:1:50


5008124-25.2021.4.04.7202
40003756477 .V6


Conferência de autenticidade emitida em 23/03/2023 04:01:39.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 07/03/2023 A 14/03/2023

Apelação Cível Nº 5008124-25.2021.4.04.7202/SC

RELATOR: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ

PRESIDENTE: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ

PROCURADOR(A): WALDIR ALVES

APELANTE: JUDITHE FATIMA DE LIMA (AUTOR)

ADVOGADO(A): SANDRA SANTOS DE OLIVEIRA (OAB SC031400)

ADVOGADO(A): MARILEI MARTINS DE QUADROS (OAB SC014209)

ADVOGADO(A): JESSICA LETICIA FREITAS KOSVOSKI (OAB SC062142)

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 07/03/2023, às 00:00, a 14/03/2023, às 16:00, na sequência 1421, disponibilizada no DE de 24/02/2023.

Certifico que a 9ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 9ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO ÀS APELAÇÕES.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ

Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ

Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER

ALEXSANDRA FERNANDES DE MACEDO

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 23/03/2023 04:01:39.

O Prev já ajudou mais de 140 mil advogados em todo o Brasil.Faça cálculos ilimitados e utilize quantas petições quiser!

Experimente agora