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Apelação Cível Nº 5007333-35.2016.4.04.7104/RS
RELATOR: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (AUTOR)
APELADO: DARLA DA SILVA (RÉU)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pelo INSS contra a sentença (de 12/2018) que julgou em conjunto os pedidos formulados nas ações nº 5005368-22.2016.404.7104 e nº 5007333-35.2016.404.7104, nos seguintes termos:
(...) em relação à ação nº 5007333-35.2016.4.04.7104, (a) reconheço a prescrição do direito de reparação do INSS em relação aos valores recebidos no período de 02.05.2007 a 26.05.2010, a título de benefício assistencial nº520.384.354-2 e julgo improcedente o pedido de ressarcimento relativo ao período de 24.05.2010 a 31.03.2015, resolvendo o mérito, nos termos do art. 487, I e II, do CPC e (b) condeno o INSS ao pagamento de honorários advocatícios, em favor do procurador da Sra. Darla da Silva, arbitrados em 10% (dez por cento) do valor da causa, os quais devem ser atualizados monetariamente, pelo IPCA-E, desde a data do ajuizamento, e acrescido, a partir do trânsito em julgado, dos juros aplicáveis às cadernetas de poupança (0,5% ao mês, caso a taxa SELIC seja superior a 8,5% ao ano, ou 70% da taxa SELIC ao ano, nos demais casos - art. 12, inciso II, da Lei nº8.177/91, em sua redação atual), capitalizados mensalmente.
Em relação à ação nº 50053682220164047104, julgo parcialmente procedente o pedido formulado pela parte autora, resolvendo o mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC, para: a) condenar o INSS a restabelecer o benefício assistencial nº520.384.354-2, com o pagamento dos valores até 14.02.2016, atualizados monetariamente pelo INPC/IBGE, e acrescidos, a partir da citação, de juros moratórios aplicados à caderneta de poupança (0,5% ao mês, caso a taxa SELIC seja superior a 8,5% ao ano, ou 70% da taxa SELIC ao ano, nos demais casos - art. 12, inciso II, da Lei nº8.177/91, em sua redação atual), capitalizados mensalmente, nos termos da fundamentação; b) declarar indevido o débito apurado pelo INSS a título de ressarcimento de valores relativamente ao benefício nº520.384.354-2; c) condenar o INSS ao pagamento, em favor do procurador da parte autora de honorários advocatícios equivalentes ao percentual mínimo previsto em lei, incidente sobre a condenação (art. 85, §3º, I a V, do CPC), em valores exatos a serem apurados em liquidação de sentença (art. 85, §3º e §4º, II, do CPC), conforme exposto na fundamentação; e d) condenar o INSS ao pagamento, à Justiça Federal, dos honorários periciais adiantados no curso do feito, no valor de R$497,06 (quatrocentos e noventa e sete reais e seis centavos), atualizados monetariamente, pelo IPCA-E, a partir da data do pagamento aos peritos, e acrescidos, a contar do trânsito em julgado, de juros moratórios aplicados à caderneta de poupança (0,5% ao mês, caso a taxa SELIC seja superior a 8,5% ao ano, ou 70% da taxa SELIC ao ano, nos demais casos - art. 12, inciso II, da Lei nº8.177/91, em sua redação atual), capitalizados mensalmente, nos termos da fundamentação. (evento 97 do processo originário)
Sustenta o INSS que a apelada ao requerer benefício para seu filho não informou o nome do seu esposo, com quem convivia há 18 anos, omitindo, assim, a existência de renda familiar incompatível com o recebimento do benefício de amparo social. Postula seja ressarcido o erário da quantia recebida indevidamente a título do benefício previdenciário n° 87/520.384.354-2 (amparo social a pessoa portadora de deficiência), no período compreendido entre 03/05/2007 a 31/03/2015”. Sustenta, ainda, a imprescritibilidade do crédito perseguido na ação, por força do disposto no art. 37, § 5º, da CRFB.
Com contrarrazões de apelação, o Ministério Público Federal, com assento nesta Corte, opinou pelo desprovimento do recurso do INSS.
É o relatório.
VOTO
Do Benefício Assistencial ao Portador de Deficiência
Controverte-se nos autos acerca do direito da parte autora à percepção de benefício assistencial a portador de deficiência.
A Constituição Federal instituiu o benefício assistencial ao deficiente e ao idoso nos seguintes termos:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
(...)
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
A Lei n.º 8.742, de 7 de dezembro de 1993, veio a regular a matéria, merecendo transcrição o caput e os parágrafos 1º a 3º do art. 20, in verbis:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, entende-se como família o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei n. 9.720, de 30.11.1998)
§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho.
§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa cuja renda mensal per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo.(...)
A redação do art. 20 da LOAS, acima mencionado, foi alterada pelas Leis nº 12.435, de 06-07-2011 e nº 12.470, de 31-08-2011, passando a apresentar o seguinte teor:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)
§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 4o O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 5o A condição de acolhimento em instituições de longa permanência não prejudica o direito do idoso ou da pessoa com deficiência ao benefício de prestação continuada. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o § 2º, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)
(...)
§ 8º A renda familiar mensal a que se refere o § 3o deverá ser declarada pelo requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do pedido. (Incluído pela Lei nº 9.720, de 30.11.1998)
(...)
§ 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2o deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)
No tocante ao idoso, o art. 38 da mesma Lei, com a redação dada pela Lei n.º 9.720, de 30 de novembro de 1998, dispunha (antes de ser revogado pela Lei 12.435/2011) que a idade prevista no art. 20 reduz-se para 67 anos a partir de 1º de janeiro de 1998. Esta idade sofreu nova redução, desta feita para 65 anos, pelo art. 34, caput, da Lei n.º 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso), idade esta que deve ser considerada a partir de 1º de janeiro de 2004, data de início da vigência do Estatuto, nos termos do seu art. 118.
Portanto, o direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: a) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, consoante a redação original do art. 20 da LOAS, ou aquela pessoa que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, consoante a redação atual do referido dispositivo) ou idoso (neste caso, considerando-se, desde 1º de janeiro de 2004, a idade de 65 anos); e b) situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) do autor e de sua família.
Mais recentemente, o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei n. 13.146, de 6 de julho de 2015, com início de vigência em 5 de janeiro de 2016), redimensiona o conceito de pessoa com deficiência de maneira a abranger diversas ordens de impedimentos de longo prazo capazes de obstaculizar a plena e equânime participação social do portador de deficiência, considerando o meio em que este se encontra inserido. Com esse novo paradigma, o conceito de deficiência desvincula-se da mera incapacidade para o trabalho e para a vida independente - abandonando critérios de análise restritivos, voltados ao exame das condições biomédicas do postulante ao benefício -, para se identificar com uma perspectiva mais abrangente, atrelada ao modelo social de direitos humanos, visando à remoção de barreiras impeditivas de inserção social. Assim, a análise atual da condição de deficiente não mais se concentra na incapacidade laboral e na impossibilidade de sustento, senão na existência de restrição capaz de obstaculizar a efetiva participação social de quem o postula de forma plena e justa.
Acerca dos critérios para aferição da pobreza, vinha justificando a consideração do § 3º do art. 20 da LOAS, nos seguintes termos:
O Tribunal parece caminhar no sentido de se admitir que o critério de 1/4 do salário mínimo pode ser conjugado com outros fatores indicativos do estado de miserabilidade do indivíduo e de sua família para concessão do benefício assistencial de que trata o art. 203, inciso V, da Constituição.
Entendimento contrário, ou seja, no sentido da manutenção da decisão proferida na Rcl 2.303/RS, ressaltaria ao menos a inconstitucionalidade por omissão do § 3 do art. 20 da Lei n° 8.742/93, diante da insuficiência de critérios para se aferir se o deficiente ou o idoso não possuem meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, como exige o art. 203, inciso V, da Constituição.
A meu ver, toda essa reinterpretação do art. 203 da Constituição, que vem sendo realizada tanto pelo legislador como por esta Corte, pode ser reveladora de um processo de inconstitucionalização do § 3o do art. 20 da Lei n° 8.742/93.
Diante de todas essas perplexidades sobre o tema, é certo que o plenário do Tribunal terá que enfrentá-lo novamente.
Ademais, o próprio caráter alimentar do benefício em referência torna injustificada a alegada urgência da pretensão cautelar em casos como este.
(STF, Rcl 4374 MC/PE, Rel. Ministro Gilmar Mendes, DJ 06-02-07)
Nesse sentido, a orientação consolidada do Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. LOAS. ASSISTÊNCIA SOCIAL. PREVISÃO CONSTITUCIONAL. AFERIÇÃO DA CONDIÇÃO ECONÔMICA POR OUTROS MEIOS LEGÍTIMOS. VIABILIDADE. PRECEDENTES. PROVA. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N.º 7/STJ. INCIDÊNCIA.
1. Este Superior Tribunal de Justiça pacificou entendimento no sentido de que o critério de aferição da renda mensal previsto no § 3.º do art. 20 da Lei n.º 8.742/93 deverá ser observado como um mínimo, não excluindo a possibilidade de o julgador, ao analisar o caso concreto, lançar mão de outros elementos probatórios que afirmem a condição de miserabilidade da parte e de sua família.
2. "A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo." (REsp 1.112.557/MG, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, DJe 20/11/2009).
3. "Em respeito aos princípios da igualdade e da razoabilidade, deve ser excluído do cálculo da renda familiar per capita qualquer benefício de valor mínimo recebido por maior de 65 anos, independentemente se assistencial ou previdenciário, aplicando-se, analogicamente, o disposto no parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso." (Pet 2.203/PE, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, TERCEIRA SEÇÃO, DJe 11/10/2011).
4. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no Ag 1394595/SP2011/0010708-7, Min. Og Fernandes, Sexta Turma, DJ de 09-05-2012)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. LOAS. ASSISTÊNCIA SOCIAL. PREVISÃO CONSTITUCIONAL. AFERIÇÃO DA CONDIÇÃO ECONÔMICA POR OUTROS MEIOS LEGÍTIMOS. VIABILIDADE. PRECEDENTES. PROVA. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N.° 7/STJ.INCIDÊNCIA. REPERCUSSÃO GERAL. RECONHECIMENTO. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. SOBRESTAMENTO. NÃO APLICAÇÃO.
1. Este Superior Tribunal de Justiça pacificou entendimento no sentido de que o critério de aferição da renda mensal previsto no § 3.° do art. 20 da Lei n.° 8.742/93 deverá ser observado como um mínimo, não excluindo a possibilidade de o julgador, ao analisar o caso concreto, lançar mão de outros elementos probatórios que afirmem a condição de miserabilidade da parte e de sua família.
2. "A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo." (REsp 1.112.557/MG, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, DJe 20/11/2009).
3. Assentando a Corte Regional estarem demonstrados os requisitos à concessão do benefício assistencial, verificar se a renda mensal da família supera ou não um quarto de um salário-mínimo encontra óbice no Enunciado n.° 7 da Súmula da Jurisprudência deste Tribunal.
4. O reconhecimento de repercussão geral pelo colendo Supremo Tribunal Federal, com fulcro no art. 543-B do CPC, não tem o condão de sobrestar o julgamento dos recursos especiais em tramitação nesta Corte.
5. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no REsp 1267161/PR, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 13/09/2011, DJe 28/09/2011)
Recentemente, o Egrégio Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 567985/MT (18-04-13), com repercussão geral reconhecida, revendo o seu posicionamento anterior (ADI nº 1.232/DF e Reclamações nº 2303/RS e 2298/SP), reconheceu e declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º do art. 20 da Lei 8.742/93, que estabelecia a renda familiar mensal per capita inferior a ¼ do salário mínimo para a concessão de benefício a idosos ou deficientes, em razão da defasagem do critério caracterizador da miserabilidade contido na mencionada norma. Segundo o Relator do acórdão, Min. Gilmar Mendes, os programas de assistência social no Brasil utilizam atualmente o valor de meio salário mínimo como referencial econômico para a concessão dos respectivos benefícios, tendo referido o Programa Nacional de Acesso à Alimentação - Cartão Alimentação (Lei n.º 10.689/03), o Programa Bolsa Família - PBF (Lei n.º 10.836/04), o Programa Nacional de Renda Mínima Vinculado à Educação - Bolsa Escola (Lei 10.219/2001), Programa Nacional de Renda Mínima Vinculado à Saúde - Bolsa Alimentação (MP 2.206-1/2001) Programa Auxílio-Gás (Decreto n.º 4.102/2002), Cadastramento Único do Governo Federal (Decreto 3.811/2001).
Assim, inexistindo critério numérico atual tido por constitucional pelo STF, como referencial econômico para aferição da pobreza, e tendo sido indicada a razoabilidade de considerar o valor de meio salário mínimo per capita, utilizado pelos programas de assistência social no Brasil, tal parâmetro também deve ser utilizado como balizador para aferição da miserabilidade para a concessão de benefício assistencial, conjugado com outros fatores indicativos da situação de hipossuficiência.
Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal por decisões monocráticas de vários de seus Ministros vinha mantendo decisões que excluíam do cálculo da renda familiar per capita os valores percebidos por pessoa idosa a título de benefício previdenciário de renda mínima, não as considerando atentatórias à posição daquele Excelso Tribunal (Reclamação 4270/RN, Rel. Ministro EROS GRAU).
Mais do que isso, recentemente (sessão de 18-04-13), no julgamento do RE 580963/PR, o Pretório Excelso, por maioria de votos, reconheceu e declarou incidenter tantum a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 34 da Lei nº 10.741/03 (Estatuto do idoso), por reputar violado o princípio da isonomia, uma vez que o legislador abrira exceção para o recebimento de dois benefícios assistenciais de idoso, mas não permitira a percepção conjunta de benefício de idoso com o de deficiente ou de qualquer outro previdenciário.
Aponto, apenas, que a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 34 da Lei 10.741/2003 deu-se por omissão parcial, permitindo sua interpretação de forma extensiva. Assim, o critério da exclusão dos benefícios assistenciais continua sendo aplicado, mas não somente ele, admitindo-se, extensivamente, em razão da omissão declarada.
Assim, no cálculo da renda familiar per capita, deve ser excluído o valor auferido por idoso com 65 anos ou mais a título de benefício assistencial ou benefício previdenciário de renda mínima (EIAC nº 0006398-38.2010.404.9999/PR, julgado em 04-11-2010), ou de benefício previdenciário de valor superior ao mínimo, até o limite de um salário mínimo, bem como o valor auferido a título de benefício previdenciário por incapacidade ou assistencial em razão de deficiência, independentemente de idade (EIAC N.º 2004.04.01.017568-9/PR, Terceira Seção, julgado em 02-07-2009. Ressalto que tal pessoa, em decorrência da exclusão de sua renda, também não será considerada na composição familiar, para efeito do cálculo da renda per capita.
Por outro lado, não podem ser incluídos no cálculo da renda familiar os rendimentos auferidos por irmãos ou filhos maiores de 21 anos e não inválidos, bem assim por avós, tios, sobrinhos, primos e outros parentes não relacionados no art. 16 da Lei de Benefícios, conforme disposto no art. 20, § 1º, da Lei n.º 8.742/93, na redação dada pela Lei n.º 9.720, de 30-11-1998, ao entender como família, para efeito de concessão do benefício assistencial, o conjunto de pessoas, que vivam sob o mesmo teto, elencadas no art. 16 da Lei de Benefícios - entre as quais não se encontram aquelas antes referidas.
O egrégio Supremo Tribunal Federal tem assentado, por decisões monocráticas de seus Ministros, que decisões que excluem do cálculo da renda familiar per capita os rendimentos auferidos por pessoas não relacionadas no art. 16 da Lei de Benefícios não divergem da orientação traçada no julgamento da ADI 1.232-1, como se constata, v. g., de decisões proferidas pelos Ministros GILMAR MENDES (AI 557297/SC - DJU de 13-02-2006) e CARLOS VELLOSO (Reclamação 3891/RS - DJU de 09-12-2005).
Porém, a partir da entrada em vigor da Lei n.º 12.435, de 06-07-2011, que alterou a redação do art. 20, § 1º, da Lei n.º 8.742/93, o conceito de família, para efeito de concessão do benefício assistencial, passou a ser o conjunto de pessoas, que vivam sob o mesmo teto, ali elencadas ("Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.").
Ressalto, outrossim, que cuidados que se fazem necessário com a parte autora, em decorrência de sua deficiência, incapacidade ou idade avançada, geram despesas com aquisição de medicamentos, alimentação especial, tratamento médico, psicológico e fisioterápico, entre outros -, tais despesas podem ser levadas em consideração na análise da condição de miserabilidade da família do demandante. Referido entendimento não afronta o entendimento do Supremo Tribunal Federal esposado na ADI 1.232-1, como demonstram as decisões monocráticas dos Ministros CARLOS VELLOSO (Reclamação 3891/RS - DJU de 09-12-2005), CELSO DE MELLO (Reclamações 3750/PR, decisão de 14-10-2005, e 3893/SP, decisão de 21-10-2005) e CARLOS BRITTO (RE 447370 - DJU de 02-08-2005).
Destaca-se, por fim, que eventual circunstância de a parte autora ser beneficiária e perceber renda proveniente do Programa Bolsa Família, não só não impede a percepção do benefício assistencial do art. 203, V, da Constituição Federal, como constitui forte indicativo de que a unidade familiar encontra-se em situação de risco social.
DO CASO CONCRETO
Inicialmente, registro que, em razão da conexão entre as ações nº 5005368-22.2016.404.7104 e nº 5007333-35.2016.404.7104, está em julgamento conjunto os pedidos formulados em ambas as ações.
No presente caso, a controvérsia entre as partes envolve essencialmente a análise quanto à existência, ou não, do direito do menor Andriel Lemos Dias (atualmente com 14 anos de idade) à percepção do benefício assistencial nº87/520.384.354-2, tanto no período que já recebeu tal benefício (de 02.05.2007 a 31.03.2015) quanto no período posterior ao cancelamento deste.
Inicialmente, verifica-se a ocorrência de prescrição quinquenal do direito de reparação do INSS no período anterior a 26.05.2010. Em relação ao recebimento do benefício após 26.05.2010, a questão versada nos presentes autos foi muito bem analisada pela sentença apelada, cujos fundamentos e argumentos utilizo como razões de decidir:
Inicialmente, verifica-se a ocorrência de prescrição quinquenal abrangendo os valores pagos pelo INSS no período anterior a 26.05.2010. No tocante à prescrição, a disciplina constitucional do ressarcimento de valores pagos em decorrência de ato ilícito tem sede no art. 37, §5º, da Constituição Federal, que assim dispõe:
§5º a lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento" (grifei).
O Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do RE nº669069 (Relator Min. Teori Zavascki, Tribunal Pleno, julgado em 03/02/2016), reconheceu que "é prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil". De acordo com o entendimento que prevaleceu no âmbito do STF, a ressalva constante na parte final do art. 37, §5º, da Constituição Federal deve ser interpretada restritivamente, de modo que somente seriam consideradas imprescritíveis as ações de ressarcimento relacionadas a ilícitos de maior gravidade, decorrentes de ilícito penal ou relativos à improbidade administrativa. Muito embora o recebimento indevido de benefícios previdenciário possa ter repercussão na esfera penal, a pretensão contida na presente ação, atinente ao ressarcimento de valores auferidos em razão da concessão de auxílio-doença, ostenta natureza civil. Em vista disso e considerando que se trata de dívida de natureza pública, deve ser aplicado ao presente caso o prazo prescricional de cinco anos estabelecido no art. 1º do Decreto nº20.910/32, independentemente da verificação da boa-fé ou da má-fé do autor. Nesse sentido, cito o seguinte precedente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), exarado após o julgamento antes referido:
PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO DE COBRANÇA. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE. MÁ-FÉ. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. INCIDÊNCIA. OCORRÊNCIA. 1. A imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário, prevista no art. 37, §5º, da Constituição Federal, deve ser compreendida restritivamente, uma vez que atentaria contra a segurança jurídica exegese que consagrasse a imprescritibilidade de ação de ressarcimento decorrente de qualquer ato ilícito. Nesse particular, no RE 669.069 (tema de repercussão geral nº 666), o STF fixou a tese de que "é prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil". 2. O termo inicial da prescrição ocorre a partir do momento em que a Administração podia exigir o crédito. O procedimento administrativo é causa suspensiva da prescrição, a qual persiste desde sua instauração até o escoamento do prazo recursal na via administrativa. 3. O ajuizamento de ação anulatória de ato administrativo, ou, como no caso, de restabelecimento de benefício previdenciário, por si só, não suspende ou interrompe a exigibilidade do crédito da Fazenda Pública, que pode exigi-lo até provimento administrativo ou judicial em contrário. (TRF4, AC 5002032-68.2016.404.7117, QUINTA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, juntado aos autos em 14/06/2017)
Portanto, a Administração somente pode, em tese, cobrar do segurado aquilo que pagou indevidamente há menos de cinco anos.
Contudo, no caso de concessão indevida de benefício, ocorrendo notificação do segurado em relação à instauração do procedimento administrativo destinado a apurar a irregularidade, tem aplicação, por isonomia, o art. 4º do Decreto nº20.910/32, segundo o qual "não corre a prescrição durante a demora que, no estudo, ao reconhecimento ou no pagamento da dívida, considerada líquida, tiverem as repartições ou funcionários encarregados de estudar e apurá-la". No caso em exame, verifica-se que somente há comprovação de que a representante legal do menor foi comunicada acerca da abertura do processo administrativo destinado a apurar irregularidades no recebimento de benefício assistencial em 28.11.2014, data em que esta compareceu junto ao INSS para prestar informações (E1, PROCADM2, fl. 44). Cumpre destacar que as notificações anteriormente remetidas ao beneficiário voltaram ao remetente em razão de terem sido enviadas a endereço diverso daquele constante no cadastro do menor junto ao INSS (E1, PROCADM2, fls. 22-29). Na sequência, a ré restou cientificada da decisão que constituiu o débito de forma definitiva em 28.01.2016, sendo-lhe concedido prazo para pagamento até 06.03.2016 (E1, PROCADM3, fl. 84). Verifica-se, assim, que o prazo prescricional esteve suspenso entre 28.11.2014 e 06.03.2016 (ou seja, por 01 ano, 03 meses e 06 dias), sendo interrompido com o ajuizamento da ação nº5007333-35.2016.4.04.7104, em 01.09.2016. No caso em exame, o INSS pleiteia a devolução de valores pagos no período de 02.05.2007 a 31.03.2015. Considerando que o ajuizamento da presente ação ocorreu em 01.09.2016, a prescrição atingiria, em tese, os valores relativos ao período anterior a 01.09.2011. Descontando-se, contudo, o período em que o prazo prescricional esteve suspenso, restam prescritos os valores pagos antes de 26.05.2010.
Verifica-se, assim, que a prescrição atingiu os valores recebidos no período de 02.05.2007 a 26.05.2010, de modo que, em relação a tais valores, deve ser reconhecida a prescrição do direito de reparação do INSS, devendo a ação nº5007333-35.2016.4.04.7104 ser julgada improcedente no ponto. Não restou configurada, contudo, a prescrição das demais parcelas exigidas pelo INSS, que dizem respeito ao período de 27.05.2010 a 31.03.2015.
Contudo, também em relação ao pedido de ressarcimento dos valores recebidos no período de 27.05.2010 a 31.03.2015, entende este Juízo que não merece acolhida o pedido formulado pelo INSS na ação nº5007333-35.2016.4.04.7104. A Constituição Federal, ao disciplinar a concessão do benefício assistencial, estabelece, em seu art. 203, V, ser objetivo da Assistência Social, independentemente de contribuição, "a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei". Ao disciplinar a matéria, Lei nº8.742/93, assim dispõe em sua redação atual:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 1o Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se: (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
I - pessoa com deficiência: aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas; (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 3o Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 4o O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
No caso em exame, verifica-se que o cancelamento do benefício foi embasado no fato de a mãe do autor, ao requerer o benefício, não ter incluído o pai deste na composição do seu grupo familiar, de modo que a renda do genitor não foi considerada para fins de concessão do benefício. Na decisão administrativa de cancelamento não há, contudo, referência de que a renda per capita familiar do autor seria superior ao limite legal. Aparentemente sequer foi analisado se o benefício seria, ou não, devido caso considerado o pai do autor como integrante do grupo familiar na DER (E1, PROCADM17, fl. 26). Cumpre assim analisar, neste momento, se fazia de fato jus o menor ao benefício assistencial no período não atingido pela prescrição (de 27.05.2010 a 31.03.2015).
Quanto ao requisito miserabilidade, este Juízo tem entendido, já há algum tempo, com base na legislação que sucedeu a Lei nº8.742/93 (por exemplo, Lei nº9.533/97 e Lei nº10.689/2003), que se pode adotar o limite de ½ (meio) salário mínimo per capita como um parâmetro razoável até o qual seja admissível a flexibilização, no caso concreto, do limite de renda exigido como requisito para a concessão do benefício assistencial. Nesse sentido, ainda, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp 1.112.557, representativo de controvérsia, relativizou o critério econômico previsto na legislação, admitindo a aferição da miserabilidade da pessoa deficiente ou idosa por outros meios de prova que não a renda per capita, consagrando os princípios da dignidade da pessoa humana e do livre convencimento do juiz. Cito, para melhor compreensão, a ementa do referido julgamento (sem grifos no original):
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente o cidadão social e economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido.
(REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009).
Analisando-se a prova produzida, verifica-se que restou comprovada a miserabilidade do autor no período de 27.05.2010 a 31.03.2015. A prova testemunhal demonstrou que o grupo familiar do autor era composto, nos anos de 2010 a 2015, por quatro pessoas: o demandante, um irmão (Andrei) e seus genitores (Darla e Luiz Claudir) (E92). O autor e sua genitora não desenvolviam atividade remunerada fixa, de modo que a renda familiar provinha do pai do autor e de seu irmão Andrei. Com efeito, não há nos autos prova da existência de renda pela genitora do autor, a qual teve a carteira de trabalho assinada somente em fevereiro de 2016.
O irmão Andrei (nascido em 09.07.1996 e, portanto, com idade entre 14 e 19 anos no período em questão) tem apenas um vínculo no CNIS, de maio a junho de 2015 (E25, CONT1). Segundo a prova testemunhal, além desse breve vínculo, Andrei apenas laborou em conjunto com o pai, fazendo fretes. Este, por sua vez, trabalhou como taxista (em táxi de propriedade de terceiro) e, posteriormente, começou a fazer fretes com veículo próprio. Segundo a prova testemunhal, a renda do genitor do autor, como taxista, era de aproximadamente um salário mínimo mensal, mesma renda obtida com a realização de fretes desde então e até os dias atuais por este e pelo seu filho Andrei. Verifica-se, assim, que a renda mensal per capita da família era de aproximadamente 1/4 de salário mínimo. Desse modo, entende este Juízo que restou comprovado o requisito miserabilidade no período de 27.05.2010 a 31.03.2015, no qual o autor recebeu o benefício assistencial.
Restou comprovada também a miserabilidade no período de 01.04.2015 a 14.02.2016, data em que a mãe do autor passou a desenvolver atividade remunerada, recebendo pouco mais de R$1.100,00 (um mil e cem reais) (E25). Até 14.02.2016, a renda familiar era a mesma descrita acima, atingindo, portanto, valor aproximado de 1/4 de salário mínimo per capita. Contudo, a partir de tal momento, a renda familiar do autor passou a ser superior até mesmo ao parâmetro de 1/2 (meio) salário mínimo per capita usualmente adotado por este Juízo, conforme exposto alhures, deixando o menor assim de preencher o requisito miserabilidade.
Cumpre destacar que a testemunha e a informante ouvidas por este Juízo informaram que, quando a mãe do autor ainda não laborava, a família era constantemente ajudada financeiramente por vizinhos, que, inclusive juntavam dinheiro para que o autor pudesse realizar tratamento médico na cidade de Porto Alegre/RS (E92). A prova oral corrobora, assim, a conclusão de que a situação da família do menor era de miserabilidade, melhorando significativamente no momento em que sua genitora pôde, em razão de diminuírem os cuidados médicos do autor, retornar ao mercado de trabalho.
Restou comprovado também a condição de incapacidade do autor no período de 27.05.2010 a 14.02.2016 (período em que comprovada a miserabilidade). No ponto, cumpre salientar que, no entender deste Juízo, a exigência de incapacidade para uma vida independente não pode ser interpretada literalmente e restritivamente. Isso porque aquele que não tem condições para o trabalho é, de fato, incapaz para uma vida independente, do ponto de vista econômico. O benefício assistencial tem por finalidade dar renda a quem não tem condições de trabalhar, por ser deficiente ou idoso, e que não tenha outros meios de prover sua mantença, nem de tê-la provida por sua família. O simples fato de o deficiente físico ser capaz, por exemplo, de vestir-se, alimentar-se ou locomover-se sozinho não impede a concessão do benefício. Não bastam estas habilidades para que uma pessoa tenha "vida independente". No caso em exame, trata-se de menor idade que, por óbvio, não tem como realizar atividade remunerada. Cumpre analisar, assim, se é capaz de ter uma vida autônoma, considerando-se o ordinariamente esperado para a idade.
O autor nasceu com imperfuração anal ("patologia de ordem genética, onde a porção final do intestino ao invés de terminar em contato com o meio, tem ausência de orifício", tendo realizado inúmeras cirurgias para correção de tal malformação anatômica (E47, LAUDO1). A prova documental e testemunhal produzida nos autos demonstra que o autor, ao menos até a realização da última cirurgia (ocorrida em dezembro de 2017 segundo depoimento de sua genitora), necessitava de cuidados constantes em razão de tal patologia, os quais eram prestados pela sua mãe. Nesse sentido, foi juntado atestado fornecido, em agosto de 2015, pela escola que o autor frequentava, dando conta de que sua mãe comparecia regularmente ao ambiente escolar para prestar cuidados médicos ao demandante (E1, OUT3). Tais informações foram corroboradas pela prova testemunhal, a qual demonstrou que a mãe do autor prestava auxílio constante ao filho em razão de seus problemas de saúde. Destaque-se, ainda, a existência de atestado de deficiência permanente firmado por equipe multiprofissional do SUS (E1, PROCADM17, fl. 4).
Por fim, pertinente citar ainda as conclusões da perita médica nomeada nos autos, após avaliar o menor em junho de 2017 (E47):
(...)
c) Causa provável da(s) doença/moléstia(s)/incapacidade. IMPERFURAÇÃO ANAL.
O paciente nasceu com essa malformação. Não fez a cirurgia logo que indicado, permaneceu 2 anos após o nascimento com bolsa de colostomia, somente aos cerca de 3 anos fez a primeira correção cirúrgica em Porto Alegre, pelo SUS, por insistência da mãe. Pois o paciente foi abandonado dos seguimentos de rotina pediátrica desta cidade. A mãe esteve com a criança em mais 3 momentos cirúrgicos. Em Porto Alegre e em Passo Fundo, mais recentemente fez uma tentativa de reconstrução intestinal e correção da incontinência fecal.
(...)
f) Doença/moléstia ou lesão torna o(a) periciado(a) incapacitado(a) para o exercício do último trabalho ou atividade habitual? Justifique a resposta, descrevendo os elementos nos quais se baseou a conclusão. Sim. Para isso é necessário levar em consideração 2 premissas: Primeira: o paciente depende da mãe, que é a provedora financeira da casa. A mãe ficou desde o nascimento até os 13 envolvida com o paciente. Curativos, troca de fralda, viagens a Porto Alegre, sondagens e outros procedimentos mais simples, ela que fazia. Não trabalhou durante esse tempo. Segunda: O paciente ainda não trabalha. Ele estuda, portanto, ele não consegue prover financeiramente seus custos, ele precisa usar enema para realizar lavagens intestinais e sondas.
g) Sendo positiva a resposta ao quesito anterior, a incapacidade do(a) periciado(a) é de natureza permanente ou temporária? Parcial ou total?Temporária. Total.
h) Data provável do início da(s) doença/lesão/moléstias(s) que acomete(m) o(a) periciado(a). Ao nascer.
i) Data provável de início da incapacidade identificada. Justifique. Ao Nascer.
j) Incapacidade remonta à data de início da(s) doença/moléstia(s) ou decorre de progressão ou agravamento dessa patologia? Justifique. Sim. Pois desde o nascimento ele está em tratamento.
Além disso, não é demais salientar o autor foi avaliado pelo perito médico do INSS, quando do deferimento do benefício, tendo sido enquadrado no conceito de deficiente, não havendo prova nos autos de que seu quadro clínico tenha sofrido alteração significativa antes da cirurgia que, segundo sua genitora, possibilitou que o autor passasse a realizar sozinho sua higiene íntima.
Assim, ante o exposto, deve ser julgado improcedente o pedido formulado pelo INSS na ação nº5007333-35.2016.404.7104, reconhecendo-se a prescrição dos valores pagos no período de 02.05.2007 a 26.05.2010, bem como a legalidade do recebimento do benefício assistencial no período de 27.05.2010 a 31.03.2015.
Deve, ainda, ser parcialmente acolhido o pedido formulado na ação nº5005368-22.2016.404.7104, declarando-se o direito da parte autora ao restabelecimento do benefício assistencial, cessado em 31.03.2015, com pagamento dos valores até 14.02.2016, data em que este deve ser cessado. Os valores devidos pelo INSS deverão ser pagos atualizados monetariamente pelo INPC/IBGE, e acrescidos, a contar da citação do INSS na ação nº5005368-22.2016.404.7104, de juros moratórios aplicados à caderneta de poupança (0,5% ao mês, caso a taxa SELIC seja superior a 8,5% ao ano, ou 70% da taxa SELIC ao ano, nos demais casos - art. 12, inciso II, da Lei nº8.177/91, em sua redação atual), os quais deverão ser capitalizados mensalmente.
Diante do resultado das ações, verifica-se que foi integral a sucumbência do INSS na ação nº5007333-35.2016.404.7104, de modo que o INSS deve ser condenado ao pagamento de honorários advocatícios ao procurador da Sra. Darla da Silva. Arbitro os honorários devidos em razão da sucumbência em tal ação, com fulcro no § 3º, I, e no § 4º, III, do art. 85 do CPC, em 10% (dez por cento) do valor da causa, os quais devem ser atualizados monetariamente, pelo IPCA-E, desde a data do ajuizamento, e acrescido, a partir do trânsito em julgado, dos juros aplicáveis às cadernetas de poupança (0,5% ao mês, caso a taxa SELIC seja superior a 8,5% ao ano, ou 70% da taxa SELIC ao ano, nos demais casos - art. 12, inciso II, da Lei nº8.177/91, em sua redação atual), capitalizados mensalmente.
Ademais, considero mínima a sucumbência da parte autora na ação nº5005368-22.2016.404.7104. O valor exato dos honorários devidos pelo INSS em razão da sucumbência em tal ação deverá ser definido quando da liquidação da sentença, observando-se o estabelecido nos §3º e no §4º, II, do art. 85 do CPC. Levando em conta os critérios do art. 85, §2º, do CPC, quais sejam, o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação do serviço, a natureza e a importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço, arbitro desde já os honorários advocatícios a serem apurados em liquidação no percentual mínimo previsto em lei (10% da condenação de valor de até 200 SM, 8% da condenação de 200 a 2000 SM, 5% da condenação de 2.000 a 20.000 SM, 3% da condenação de 20.000 a 100.000 SM, 1% da condenação acima de 100.000 SM). Inexistem custas a serem ressarcidas.
Deverá o INSS ser condenado, ainda, ao ressarcimento, à Justiça Federal, dos honorários periciais adiantados no curso do feito, no valor de R$497,06 (quatrocentos e noventa e sete reais e seis centavos), atualizados monetariamente, pelo IPCA-E, desde a data do pagamento aos peritos e acrescidos, a partir do trânsito em julgado, de juros moratórios aplicados à caderneta de poupança, (0,5% ao mês, caso a taxa SELIC seja superior a 8,5% ao ano, ou 70% da taxa SELIC ao ano, nos demais casos - art. 12, inciso II, da Lei nº8.177/91, em sua redação atual), capitalizados mensalmente.
Logo, comprovada a condição de deficiente do autor e presentes as condições econômicas para a concessão do benefício até 14.02.2016, merece ser mantida a sentença.
Ressalta-se, por fim, que não há que se falar em má-fé da genitora do autor, pois à época o casal estava separado e Luiz Claudir Lemos Dias de fato não fazia parte do grupo familiar.
Ante o exposto, voto por negar provimento ao recurso.
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Apelação Cível Nº 5007333-35.2016.4.04.7104/RS
RELATOR: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (AUTOR)
APELADO: DARLA DA SILVA (RÉU)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PRESCRIÇÃO. OCORRÊNCIA PARCIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. RESTABELECIMENTO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. DEFICIENTE. SITUAÇÃO DE MISERABILIDADE. VULNERABILIDADE E RISCO SOCIAL. DEMONSTRAÇÃO.
1. A prescrição atingiu os valores recebidos no período de 02.05.2007 a 26.05.2010, contudo, não restou configurada a prescrição das demais parcelas exigidas pelo INSS, que dizem respeito ao período de 27.05.2010 a 31.03.2015.
2. Improcedente o pedido formulado pelo INSS na ação nº5007333-35.2016.404.7104, reconhecendo-se a prescrição dos valores pagos no período de 02.05.2007 a 26.05.2010, bem como a legalidade do recebimento do benefício assistencial no período de 27.05.2010 a 31.03.2015.
3. Parcialmente acolhido o pedido formulado na ação nº5005368-22.2016.404.7104, declarando-se o direito da parte autora ao restabelecimento do benefício assistencial, cessado em 31.03.2015, com pagamento dos valores até 14.02.2016, data em que este deve ser cessado.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, NEGAR provimento ao recurso, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 12 de fevereiro de 2020.
Documento eletrônico assinado por JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001578329v4 e do código CRC 6f00bf04.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Ordinária DE 12/02/2020
Apelação Cível Nº 5007333-35.2016.4.04.7104/RS
RELATOR: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
PRESIDENTE: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
PROCURADOR(A): THAMEA DANELON VALIENGO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (AUTOR)
APELADO: DARLA DA SILVA (RÉU)
ADVOGADO: LUIZ PAULO BRISTOTTI (OAB RS085187)
ADVOGADO: SAULO IRUCU SCHELL DE ALMEIDA (OAB RS107710)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária do dia 12/02/2020, na sequência 148, disponibilizada no DE de 24/01/2020.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Votante: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 02:40:30.