Apelação/Remessa Necessária Nº 5009671-51.2017.4.04.7102/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: AISHA SALDANHA DE SOUZA (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC)) (AUTOR)
APELANTE: MUNICÍPIO DE SANTA MARIA/RS (RÉU)
APELANTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RÉU)
APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)
APELADO: GABRIELE SALDANHA DE SALDANHA (Pais) (AUTOR)
APELADO: OS MESMOS
RELATÓRIO
Trata-se de ação ordinária na qual a parte autora busca o fornecimento do medicamento SPINRAZA (nusinersen) para tratamento de Atrofia Muscular Espinhal ou Amiotrofia Espinhal – AME tipo I (CID G12.1).
A sentença julgou procedente a ação e deferiu a tutela de urgência para determinar aos réus que, no prazo de 15 (quinze) dias, providenciem o fornecimento à autora de 20 ml, equivalente a 4 (quatro) doses de 5ml do medicamento Spinraza 12 mg (Nusinersena), suficientes para a dose de ataque prevista para o tratamento prescrito. Condenou os réus ao pagamento, pro rata, de honorários advocatícios fixados em R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais).
A União interpôs apelação sob o fundamento de que o medicamento SPINRAZA (nusinersen) possui elevado custo e não comprovou ser eficaz no tratamento da doença. Destaca que a autora depende de ventilação mecânica invasiva permanente (24 horas/dia), o que a exclui do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Atrofia Muscular Espinhal 5q tipo I, recentemente aprovada pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS - CONITEC. Argumenta, ainda, que a concessão do fármaco requerido implica violação aos disposto nos artigos 19-M, 19-0 e 19-Q da Lei nº 8.080/90, em razão da ausência de comprovação da superioridade do medicamento em relação ao tratamento disponibilizado pela rede pública. Postula, assim, a improcedência da ação e a revogação da antecipação de tutela.
Protocolou, ainda, pedido de atribuição de efeito suspensivo à apelação, autuado sob o nº 5007957-17.2020.4.04.0000.
Intimado naqueles autos, o médico assistente da parte autora confirmou que a paciente, efetivamente, necessita de ventilação mecânica permanente para a manutenção da vida (evento 12). Instados a se manifestar a respeito do estado clínico da autora, as partes e o perito judicial deixaram transcorrer o prazo in albis.
Foi deferido o pedido de atribuição de efeito suspensivo à apelação da União, à conta do que está disposto no art. 1.012, §4º, do Código de Processo Civil.
O Estado do Rio Grande do Sul também interpôs recurso de apelação. Alega, preliminarmente, a nulidade da sentença por cerceamento de defesa. Argumenta que o laudo pericial é insuficiente para a solução da demanda. Deduz, a partir de critérios de exclusão levados a efeito nos estudos clínicos, que não é indicado o tratamento para o caso de pacientes com necessidade de suporte ventilatório e sonda gástrica, ou que não disponham de uma cópia normal do gene SMN2. Em caráter subsidiário, requer seja direcionado o cumprimento da obrigação de fazer à União e, caso ocorra o sequestro de valores nas contas do Estado do Rio Grande do Sul, que seja possibilitado o ressarcimento dos valores nos autos do presente processo.
No mesmo sentido, recorre o Município. Argumenta, em síntese, que não pode ser responsabilizado pelo fornecimento de medicamentos ou tratamentos não disponibilizados no âmbito da Saúde Pública, sobretudo quando a prestação de saúde requerida é de custo elevado, como no presente caso.
A parte autora, por sua vez, apresentou recurso adesivo, em que postula a majoração da verba honorária.
Apresentadas as contrarrazões, vieram os autos, inclusive por força de reexame necessário.
VOTO
Cumpre rejeitar, desde logo, a arguição de cerceamento de defesa, uma vez que o conjunto probatório constante dos autos é suficiente para orientar a decisão e formar a convicção deste órgão julgador.
Não há necessidade de reabertura da instrução probatória, como adiante se verá, hipótese na qual não se verifica cerceamento de defesa, lesão ao contraditório ou à ampla defesa. A complementação do laudo pericial somente é recomendada quando a matéria não parecer suficientemente esclarecida ao juiz.
A jurisprudência sedimentou o entendimento de que, sendo o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) de responsabilidade da União, dos Estados-membros e dos Municípios, quaisquer desses entes têm legitimidade para figurar no pólo passivo de ação em que se postula o fornecimento de prestação de saúde.
À título ilustrativo:
PREVIDENCIÁRIO E SAÚDE. MEDICAMENTOS. LEGITIMIDADE PASSIVA. LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO. PREVALÊNCIA DA ESSENCIALIDADE DO DIREITO À SAÚDE SOBRE OS INTERESSES FINANCEIROS DO ESTADO. 1. A União, Estados-Membros e Municípios têm legitimidade passiva e responsabilidade solidária nas causas que versam sobre fornecimento de medicamentos. 2. A solidariedade não induz litisconsórcio passivo necessário, mas facultativo, cabendo à parte autora a escolha daquele contra quem deseja litigar, sem obrigatoriedade de inclusão dos demais. Se a parte escolhe litigar somente contra um ou dois dos entes federados, não há a obrigatoriedade de inclusão dos demais. (...) (TRF4, APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5007242-53.2018.4.04.7207, Turma Regional suplementar de Santa Catarina, Desembargador Federal JORGE ANTONIO MAURIQUE, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 07/11/2019)
DIREITO À SAÚDE. PROCESSUAL CIVIL. LEGITIMIDADE PASSIVA DOS ENTES FEDERADOS. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. IMPRESCINDIBILIDADE DO FÁRMACO DEMONSTRADA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. A responsabilidade dos Entes Federados configura litisconsórcio passivo, podendo a ação em que se postula fornecimento de prestação na área da saúde ser proposta contra a União, Estado ou Município, individualmente ou de forma solidária, podendo a autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro. Eventual acerto de contas em virtude do rateio estabelecido, deve ser realizado administrativamente ou em ação própria. (Recurso Extraordinário (RE 855.178, Tema 793). (...) (TRF4, APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5002441-07.2016.4.04.7000, Turma Regional suplementar do Paraná, Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 13/11/2019)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. TUTELA DE URGÊNCIA. DIREITO À SAÚDE. PROCEDIMENTO CIRÚRGICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. LEGITIMIDADE PASSIVA DOS ENTES DA FEDERAÇÃO. DEMONSTRAÇÃO DA IMPRESCINDIBILIDADE DA REALIZAÇÃO. PRESENÇA DOS REQUISITOS DA TUTELA DE URGÊNCIA. DISPENSA DE REALIZAÇÃO DE PERÍCIA. MULTA. REDUÇÃO. 1. A legitimidade passiva de todos os entes federativos para ações que envolvem o fornecimento ou o custeio de medicamento resulta da atribuição de competência comum a eles, em matéria de direito à saúde, e da responsabilidade solidária decorrente da gestão tripartite do Sistema Único de Saúde (artigos 24, inciso II, e 198, inciso I, da Constituição Federal de 1988). (...) (TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5028625-43.2019.4.04.0000, 6ª Turma, Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 30/10/2019)
A Constituição Federal (CF) consagra a saúde como direito fundamental, seja ao contemplá-la como direito social no art. 6º, seja ao estabelecê-la como "direito de todos e dever do Estado", no art. 196. O constituinte assegurou, com efeito, a satisfação desse direito "mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos", bem como o "acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação."
Embora a aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos fundamentais seja imposta já pelo §1º do art. 5º da CF, no caso do direito à saúde, foi editada a Lei nº 8.080/90, a qual expressamente inclui, no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS), a assistência farmacêutica (art. 6º, I, d). Desse modo, a Política Nacional de Medicamentos e Assistência Farmacêutica integra a Política Nacional de Saúde, tendo como finalidade garantir a todos o acesso aos medicamentos necessários, quer interferindo em preços, quer fornecendo gratuitamente as drogas de acordo com as necessidades.
Daí não se depreende, todavia, a existência de direito subjetivo a fornecimento de todo e qualquer medicamento. Afinal, mesmo o direito à saúde, a despeito de sua elevada importância, não constitui um direito absoluto. A pretensão de cada postulante deve ser considerada não apenas sob perspectiva individual, mas também à luz do contexto político e social em que esse direito fundamental é tutelado. Isto é, a proteção do direito à saúde, sob o enfoque particular, não pode comprometer a sua promoção em âmbito coletivo, por meio das políticas públicas articuladas para esse fim.
A denominada “judicialização do direito à saúde” impõe, com efeito, tensões de difícil solução. De um lado, a proteção do núcleo essencial do direito à saúde e do “mínimo existencial” da parte requerente, intimamente ligado à dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, III). De outro, o respeito ao direito dos demais usuários do SUS e a atenção à escassez e à finitude dos recursos públicos, que se projetam no princípio da reserva do possível. Associado a este problema está, de modo mais amplo, o exame do papel destinado ao Poder Judiciário na tutela dos direitos sociais, conforme a Constituição Federal de 1988, que consagra, como se sabe, tanto a inafastabilidade do acesso à justiça (art. 5º, XXXV) como a separação dos Poderes (art. 2º).
A jurisprudência tem apontado parâmetros para equacionar essa contradição, orientando o magistrado no exame, caso a caso, das pretensões formuladas em juízo. Assume especial relevo, nesse contexto, a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na Suspensão de Tutela Antecipada nº 175, de relatoria do Min. Gilmar Mendes, após a realização de audiências públicas e amplo debate sobre o tema. Nesse precedente, foi assentado que “esse direito subjetivo público é assegurado mediante políticas sociais e econômicas, ou seja, não há um direito absoluto a todo e qualquer procedimento necessário para a proteção, promoção e recuperação da saúde, independentemente da existência de uma política pública que o concretize” (STA 175 AgR, Relator(a): Min. GILMAR MENDES (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 17/03/2010, DJe-076 DIVULG 29-04-2010 PUBLIC 30-04-2010 EMENT VOL-02399-01 PP-00070).
Assim, cumpre examinar, primeiramente, se existe ou não uma política pública que abranja a prestação pleiteada pela parte. Se referida política existir - isto é, se o medicamento solicitado estiver incluído nas listas de dispensação pública do SUS -, não há dúvida de que o postulante tem direito subjetivo à concessão do fármaco, cabendo ao Poder Judiciário assegurar o seu fornecimento.
Todavia, se o medicamento requerido não constar nas listas de dispensação do SUS, extrai-se, do precedente mencionado, a necessidade de se observar alguns critérios, quais sejam: (a) a inexistência de tratamento ou medicamento similar ou genérico oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem resultado prático ao paciente ou sua inadequação a ele devido a peculiaridades que apresenta; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento pleiteado para a moléstia que acomete o paciente; (c) a aprovação do medicamento pela ANVISA; e (d) a não configuração de tratamento experimental.
Atendidos esses requisitos, o medicamento deve ser concedido. Nessa hipótese, não constitui razão suficiente para indeferi-lo a mera invocação, pelo ente público, do princípio da reserva do possível. Nesse sentido, assentou o Min. Celso de Mello:
Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da "reserva do possível" - ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível - não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se, dolosamente, do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.
(...) entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde - que se qualifica como direito subjetivo inalienável a todos assegurado pela própria Constituição da República (art. 5º, "caput", e art. 196) - ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo, uma vez configurado esse dilema, que razões de ordem ético-jurídica impõem, ao julgador, uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humanas.
(...) a missão institucional desta Suprema Corte, como guardiã da superioridade da Constituição da República, impõe, aos seus Juízes, o compromisso de fazer prevalecer os direitos fundamentais da pessoa, dentre os quais avultam, por sua inegável precedência, o direito à vida e o direito à saúde. (STA 175, Rel. Min. Celso de Mello, DJE 30/04/2010)
Demais, o Superior Tribunal de Justiça julgou recentemente recurso especial repetitivo sobre a matéria (REsp 1657156/RJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 25/04/2018, DJe 04/05/2018), arrolando três requisitos para a concessão de medicamento não incluído em ato normativo do SUS, conforme se percebe a seguir:
Tema 106: A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: (i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; (ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; (iii) existência de registro na ANVISA do medicamento.
Houve modulação dos efeitos desta decisão, de modo a que se observe e exija a presença desses requisitos somente em ações distribuidas a partir da respectiva publicação.
Deduzidas essas considerações sobre a questão de fundo, passa-se ao exame do mérito do pedido.
A autora é portadora de Atrofia Muscular Espinhal ou Amiotrofia Espinhal – AME tipo I (CID10 G12.1), de diagnóstico precoce (ou seja, antes de 6 meses de vida). Encontra-se hospitalizada em CTI desde maio de 2016, com uso de sonda de gastrostomia e ventilação mecânica contínua.
Postula o fornecimento de SPINRAZA (nusinersen), sob a alegação de que seria a única forma terapêutica capaz de corrigir o defeito genético e bloquear a degeneração neuronal, de modo a lhe proporcionar ganhos motores e funcionais progressivos.
Evidentemente, trata-se de assunto de elevada complexidade, que demanda, especialmente quando envolvido o dispêndio de elevada quantia para o custeio do tratamento, exame cauteloso dos fatos com base nas provas constantes nos autos.
Os laudos médicos (origem, evento 1 - LAUDO10 - e eventos 172, 241, 277 e 313 - laudo pericial) sustentam que a medicação indicada pode assegurar sobrevida e melhor qualidade de vida à autora, mediante controle da progressão da enfermidade. A despeito de tais afirmações, é imperioso pontuar que, no caso, não há evidências de que a medicação requerida, de fato, trará algum proveito efetivo à parte autora, na medida em que faz uso de suporte ventilatório constante.
Percebe-se que os laudos fornecidos pelo médico assistente da autora relatam, desde maio de 2016, "necessidade de ventilação mecânica para manutenção da vida" e "uso continuado de ventilação mecânica para suporte respiratório" (origem, evento 1 - LAUDO10), bem como "paciente dependente de ventilação mecânica com pressão positiva para manutenção da vida" (evento 339 - LAUDO2). Essa situação se mantém atualmente, conforme dá conta a declaração médica juntada ao evento 12 dos autos do pedido de atribuição de efeito suspensivo à apelação nº 5007957-17.2020.4.04.0000, emitida em 07 de março de 2020. Até o presente momento, não há notícia de alteração desse quadro.
No dia 24 de abril de 2019, foi expedida a Portaria GM nº 241, tornando pública a decisão de incorporar o nusinersen para atrofia muscular espinhal (AME) 5q tipo I, no âmbito do Sistema Único de Saúde, para pacientes com diagnóstico genético confirmatório que não estejam em ventilação mecânica invasiva permanente, em função do relatório de recomendação nº 4492, de 4 de abril de 2019, da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS - CONITEC.
O Ministério da Saúde, ao editar a Portaria Conjunta nº 153, de 22 de outubro de 2019, que aprovou o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) da Atrofia Muscular Espinhal 5q tipo I, previu os seguintes critérios de exclusão4:
5 - CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO
Serão excluídos deste Protocolo pacientes que apresentem:
- Necessidade de ventilação mecânica invasiva permanente, entendida como 24 horas de ventilação/dia, continuamente, por ≥ 21 dias 10;
- Sinais ou sintomas de AME 5q compatíveis com o subtipo 1A ou 0; ou seja, manifestações clínicas presentes ao nascimento ou na primeira semana após o nascimento; OU
- Sinais ou sintomas de AME 5q compatíveis com os subtipos II, III ou IV; ou seja, surgimento de manifestações clínicas após os seis meses de idade e controle cefálico presente; E
- Para o uso de nusinersena, história de doença cerebral ou da medula espinhal que impeça a administração intratecal de medicamento ou a circulação do líquido cefalorraquidiano, presença de derivação implantada para drenagem do líquido cefalorraquidiano ou de cateter de sistema nervoso central implantado OU Hipersensibilidade à substância ativa ou a qualquer um dos excipientes.
NOTA: Os critérios diagnósticos e terapêuticos não medicamentosos de AME 5q tipo 1B/C também são aplicáveis aos doentes de AME dos tipos 1A, II ou III.
A elaboração deste protocolo foi um dos critérios previstos na portaria de incorporação do nusinersen. Assim, de acordo com o que a Portaria nº 24 estabeleceu, o medicamento nursinesen é indicado a pacientes com AME do tipo 1B/C que não estejam em ventilação mecânica invasiva permanente.
Muito embora o perito argumente que não há menção a ventilação mecânica entre os critérios de exclusão do estudo ENDEAR feito com portadores de AME I, nota-se que se trata de estudo (publicado em 20175) amplamente examinado pela CONITEC na elaboração do PCDT6.
Aliás, a Nota Técnica do Ministério da Saúde (nº 481/2018-NJUD/SE/GAB/SE/MS7) esclarece:
4. DOS ESTUDOS DO USO DO MEDICAMENTO
4.1. Esta doença ocorre pela falta de proteína que mantém os neurônios vivos. Assim o medicamento Spinraza faz comque outro gene (SMN2) produza a proteína, interrompendo assim a progressão da doença.
4.2. Entretanto, os neurônios que já se deterioraram infelizmente não serão recuperados, por isto o uso deste medicamento foi direcionado pelos estudos internacionais para uma população específica, e não a todos os pacientes, como se tem divulgado.
4.3. Assim, os pacientes que apresentam qualquer deterioração da função respiratória, não foram incluídos em nenhum dos 04 estudos internacionais. Isto ocorre porque o uso deste medicamento não é capaz de reverter a insuficiência respiratória, ou seja, mesmo com o uso do medicamento não haveria melhora suficiente para o paciente voltar a respirar sem auxílio de aparelho. Desta forma, os próprios desenvolvedores deste medicamento não recomendam seu uso em pacientes com necessidade de assistência respiratória.
4.4. Os estudos randomizados (aqueles que tem valor de comparação) existentes de Spinraza são 2. O 1 estudo randomizado (Endear) para 121 crianças abaixo de 7 meses com AME tipo 1, que necessariamente tinham 2 ou 3 cópias do gene SMN2. Este estudo NÃO incluíram crianças mal nutridas ou que necessitavam de qualquer assistencia respiratória. Foi observado melhora dos índices de forca muscular quando comparados com o grupo placebo. (observa-se que não houve melhora nos níveis de força muscular quando comparados com a linha de base dos mesmos pacientes, ou seja os pacientes não recuperavam movimentos, e sim deixavam de perder).
(...)
5. CONCLUSÃO:
5.1. Conforme o exposto acima, o paciente que depende de qualquer assistência ventilatória, não terá indicação do uso de spinraza, pois como este medicamento nao é capaz de recuperar deficit ja estabelecidos e nao revertera a necessidadede assistencia respiratoria, não haverá benefício clinico, uma vez que a necessidade de assistencia respiratoria e a principal morbidade desta doenca. Nenhum estudo clinico do spinraza incluiu pacientes com qualquer necessidade de assistencia respiratoria, por decisao dos proprios investigadores.
5.2. Cabe aqui informar que conforme os estudos citados no item 4, não há comprovação que os pacientes que usaram o medicamento tiveram melhora motora e respiratória, pelo contrário os estudos demonstram que o uso não promoveu melhora da função motora e sim diminuição da perda de função motora.
5.3. É importante ressaltar que adotamos os mesmos critérios de indicação estabelecidos nos EUA, Europa e Japão, países onde este medicamento é aprovado.
Demais, não cabe confundir critérios de eleição para tratamento da Atrofia Muscular Espinhal (AME) com aqueles utilizados para a inclusão ou exclusão de pacientes em determinados estudos clínicos.
A parte autora não logrou apresentar evidências científicas suficientemente robustas para infirmar a conclusão da comissão especializada.
A restrição respiratória suscitada pela União não é desarrazoada.
Essa restrição não reflete mero viés de seleção acadêmico. A Portaria GM nº 1.297 faz explícita referência a critérios de elegibilidade estabelecidos por agências de saúde internacionais, dentre os quais a assistência respiratória.
À título exemplificativo, o NICE (National Institute for Health and Care Excellence), agência responsável por fornecer orientação e aconselhamento no âmbito do sistema público de saúde britânico (NHS - National Health Service) - equivalente à CONITEC no Brasil -, estipulou o seguinte critério de inclusão no tratamento8 (acompanhado de tradução livre):
No permanent ventilation (≥16 hours/day for 21 consecutive days in the absence of acute reversible infection)/ tracheostomy requirement at baseline;
Sem ventilação permanente (≥ 16 horas / dia por 21 dias consecutivos na ausência de infecção reversível aguda) / necessidade de traqueostomia na linha de base;
Merece destaque o seguinte trecho da Portaria GM nº 1.297, de 11 de junho de 20199:
Considerando que o medicamento Spinraza (Nusinersena) é indicado para tratamento da AME 5q e que o uso da medicação baseia-se tanto nos resultados dos estudos clínicos, como no mecanismo de ação do medicamento, que atua especificamente na patogênese comum a todos os pacientes;
Considerando que atualmente o Spinraza (Nusinersena) é o único tratamento para AME 5q aprovado no Brasil;
Considerando que já foi incorporado o medicamento Spinraza (Nusinersena) no SUS para pacientes com AME 5q Tipo I, sem necessidade de suporte ventilatório invasivo permanente (Portaria nº 24/SCTIE/MS, de 24 de abril de 2019), consoante recomendação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC);
Considerando que os pacientes com AME 5q Tipos II e III não foram contemplados na Portaria nº 24/SCTIE/MS, de 24 de abril de 2019;
Considerando que a maioria das agências de Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS) no Mundo recomenda o uso do Spinraza (Nusinersena) para o tratamento da AME 5q Tipos I, II e III, mediante o estabelecimento de rígidos critérios de elegibilidade, que incluem idade de início dos sintomas, idade de início do tratamento e ausência de ventilação mecânica permanente;
Isso porque a ação do fármaco em pacientes com dificuldades respiratórias graves e que utilizam ventilação mecânica não está devidamente embasada. Ainda são escassos os dados sobre a eficácia e a segurança do tratamento com o Spinraza em pacientes que fazem uso de suporte de ventilação mecânica invasiva permanente.
Neste aspecto, o e. Desembargador Federal Celso Kipper, em caso análogo aos dos autos10 - julgado em 18 de fevereiro de 2020, em uníssono, pela Turma Regional Suplementar de Santa Catarina -, ponderou de forma percunciente:
Ora, não atestada, com a segurança científica necessária, a relevância da suposta melhoria terapêutica ocasionada pelo uso da medicação requerida em face de pacientes que necessitam de ventilação mecânica invasiva, a imprescindibilidade do medicamento, na espécie vertente, resta, a meu sentir, comprometida, a impedir sua dispensação pelo Estado.
O acórdão foi assim ementado:
APELAÇÃO. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. ATROFIA MUSCULAR ESPINHAL. AUSÊNCIA DE EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS ROBUSTAS ACERCA DA EFICÁCIA DO NUSINERSENA (SPINRAZA) PARA INDIVÍDUOS COM NECESSIDADE DE SUPORTE VENTILATóRIO PERMANENTE. (...) 3. Embora o medicamento NUSINERSENA (Spinraza) tenha sido incorporado ao SUS, seu fornecimento gratuito pelo Poder Público, nos termos do artigo 1º da Portaria MS/SCTIE n.º 24, de 24 de abril de 2019, restou limitado a pacientes com diagnóstico genético confirmatório de atrofia muscular espinhal (AME) do tipo 1 e que não estejam em ventilação mecânica invasiva permanente. 4. In casu, o perito judicial afirmou, categoricamente, inexistir segurança ou comprovação de eficácia da medicação pleiteada para o caso específico da parte autora, que faz uso de traqueostomia.
Conquanto seja possível afirmar que o medicamento apresente algum grau de eficácia para todos os tipos de portadores de AME, os estudos científicos mencionados nos autos, reconhecidamente escassos, não permitem deduzir a amplitude de seus efeitos sem diferenciações de ordem clínica.
Não convém ignorar que a política pública se limita, por ora, a determinados grupos, de modo que é bastante temerária a concessão de ordem judicial de fornecimento do medicamento neste momento processual, de escassa documentação clínica dos efeitos do Spinraza em pacientes dependentes de assistência respiratória ininterrupta.
Observe-se que, em recente julgado, no dia 22 de outubro de 2019 (AC n.º 5048103-14.2018.4.04.7100), a 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região deliberou, por unanimidade, nos termos do voto do relator Juiz Federal Altair Antônio Gregório, que a dispensação judicial do medicamento à postulante somente seria possível devido à natureza temporária de seu suporte ventilatório, senão vejamos (evento 41, RELVOTO2):
Todavia, por conta da Portaria SCTIE nº 24, de 24 de abril de 2019, foi incorporado o Nusinersen para portadores de AME 5q, tipo I, para pacientes com diagnóstico genético confirmatório que não estejam em ventilação mecânica invasiva permanente de modo ininterrupto. Observa-se que os condicionantes presentes na recomendação inicial foram mitigados na incorporação, de modo que a limitação de idade inicialmente presente foi eliminada.
Entretanto, o laudo pericial ratifica que a autora respira mediante traqueostomia (evento 56) e, muito embora o perito discuta os resultados das pesquisas quanto à ventilação mecânica (evento 66), observa-se que utiliza-se dos mesmos estudos apreciados pela CONITEC na portaria de incorporação, não tendo logrado reunir corpo de evidências que supere o corpo de evidências reunido pela referida comissão.
No caso concreto, todavia, a autora apresenta as condições eleitas pela incorporação, uma vez que a ventilação mecânica da autora está sendo retirada, ou seja, não é permanente (evento 7).
A esse passo, a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região firmou o entendimento de que, para a concessão judicial do medicamento nusinersena, devem ser observados alguns critérios, dentre os quais a desnecessidade de ventilação mecânica invasiva permanente. Confira-se:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. NUSINERSEN (SPINRAZA®) PARA TRATAMENTO DE ATROFIA MUSCULAR ESPINHAL(AME) . DISPONIBILIZAÇÃO DE HOME CARE. REQUISITOS AUSENTES. (...) 4. A CONITEC, em recente relatório emitido em abril de 2019, recomendou a incorporação do Nusinersena para atrofia muscular espinhal 5q, tipo 1, forma mais grave e mais prevalente da doença, para aqueles pacientes que não estiverem em ventilação mecânica permanente (24 horas), que não é o caso da autora. (...) 7. Ausentes os requisitos ensejadores do deferimento da antecipação de tutela, nos termos do art. 300 do CPC, deve ser cassada a decisão do juízo de origem que deferiu a medida. (TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5038178-17.2019.4.04.0000, Turma Regional suplementar do Paraná, Desembargador Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 06/05/2020)
AGRAVO INTERNO. ATROFIA MUSCULAR ESPINHAL. CONCESSÃO. 1. Este Tribunal fixou critérios para concessão do medicamento spinraza, que são, para o caso de Atrofia Muscular Espinhal Tipo 1, os seguintes: (a) possuir até sete meses de idade no início do tratamento; (b) possuir no mínimo duas cópias do gene SMN2 e (c) não possuir necessidade de suporte ventilatório. 2. Considerando que a parte agravada preenche todos os requisitos outrora estabelecidos por este Tribunal para fornecimento do fármaco, a manutenção da decisão impugnada é a medida adequada. (TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5043217-29.2018.4.04.0000, Turma Regional suplementar de Santa Catarina, Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 10/05/2019)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO À SAÚDE. MEDICAMENTOS. TUTELA DE URGÊNCIA. NUSINERSEN (SPINRAZA). 1. Na análise entre o tratamento ou medicamento existente perante o SUS e o tratamento ou medicamento pleiteado em juízo e que não tenha sido incorporado ao sistema público, há que se perquirir, sob o ponto de vista técnico-científico, acerca da eficácia da medida. 2. A dispensação do medicamento nusinersen (Spinraza) ainda é matéria controvertida tanto na área médica como na atuação do Poder Judiciário, exigindo análise caso a caso. 3. Quanto à probabilidade do direito, no principal estudo realizado, são apresentadas evidências médicas favoráveis aos pacientes que, cumulativamente, preencham os seguintes requisitos: (a) possuir atrofia muscular espinhal infantil (AME - Tipo 1); (b) possuir até sete meses de idade no início do tratamento; (c) possuir no mínimo duas cópias do gene SMN2; (d) não possuir a necessidade de suporte ventilatório. (...) (TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5032251-07.2018.4.04.0000, 6ª Turma, Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 14/12/2018)
Em suma, não parece razoável inferir que o declarado propósito da política pública não opõe quaisquer restrições à obtenção do medicamento. Subsiste o requisito respiratório, enquanto não vierem aos autos estudos com qualidade metodológica que possam dar suporte à pretensão autoral.
Sempre que há a discussão sobre tratamentos, medicamentos e outras tecnologias em saúde, os litigantes devem cumprir ônus probatório para convencer o juiz da ausência ou existência de evidência científica quanto ao resultado pretendido.
Diante das circunstâncias e das especificidades do tratamento, em se tratando de medicamento de elevado custo, de finalidade paliativa, cuja eficácia carece de consenso científico, como visto, entende-se indevida a sua dispensação.
A se admitir que o tratamento da enfermidade seja realizado à margem do Sistema Único de Saúde, obrigar o Estado apenas ao fornecimento de determinado fármaco implicaria prejuízo à correta implementação da correspondente política pública desenvolvida.
Sobre o tema, a MM. Juíza Federal Convocada Gisele Lemke observou, com propriedade (AI nº 5026045-40.2019.4.04.0000):
Não é demais lembrar que as políticas públicas de saúde são editadas no exercício da competência administrativa dos entes públicos, por meio de atos administrativos abstratos (por oposição aos concretos) e discricionários (por oposição aos vinculados, como é exemplo o ato de aposentadoria de um servidor público). No caso das políticas de saúde se está diante do que Celso Antônio Bandeira de Mello classifica como ato discricionário quanto a seu conteúdo. Daí se infere que as políticas públicas na área da saúde não podem ser desconsideradas pelo Poder Judiciário, a não ser quando contrariem a lei (o que não ocorre na política de saúde em discussão nestes autos), porquanto se está diante do exercício de competência discricionária do Poder Executivo. Por conseguinte, não cabe à parte nem ao perito judicial pretender substituir a política pública existente, mas apenas aferir se ela está sendo devidamente cumprida ou se, esgotados os meios de tratamento nela previstos, seria justificável a utilização de outros meios de tratamento (sejam medicamentos, órteses, próteses, etc., de fora da lista oficial).
Cabe destacar que o tratamento de escolha é livre ao paciente e bastante comum em atendimentos privados. Contudo, não há direito à obtenção judicial de tratamento de escolha. Para que se imponha um ônus ao SUS de um tratamento de elevado custo, como o requerido, com duração indeterminada, é necessária a demonstração cabal de sua adequação, o que não ocorre na hipótese dos autos.
É o caso, por fim, de afastar os efeitos da antecipação de tutela.
Providos os apelos, resultam invertidos os ônus sucumbenciais.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Nas ações que possuem por objeto a prestação de serviço de saúde (fornecimento de medicamento ou realização de procedimento cirúrgico), o proveito econômico é inestimável. Como o bem jurídico tutelado é a saúde, não se pode afirmar que o êxito na ação possa ser quantificado economicamente tomando-se por base o preço do medicamento ou o custo da cirurgia.
Consequentemente, justifica-se a aplicação do art. 85, §8º, do CPC, que autoriza o arbitramento dos honorários advocatícios sucumbenciais conforme a apreciação equitativa do magistrado. In verbis:
§ 8o Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2o.
Cuida-se de entendimento sedimentado no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, conforme se percebe a seguir:
TRATAMENTO DE SAÚDE. HONORÁRIOS. APRECIAÇÃO EQUITATIVA. REFORMATIO IN PEJUS. MANUTENÇÃO DO PATAMAR FIXADO NA SENTENÇA 1. Segundo o entendimento da Turma, a fixação dos honorários, nas tutelas de saúde, deve se dar de forma equitativa, eis que a demanda possui valor econômico inestimável, sendo aplicáveis na espécie as disposições do art. 85, § 8º do CPC. 2. Todavia, mesmo considerando a correção monetária, o patamar de 10% sobre o valor do procedimento cirúrgico ficaria aquém do comumente fixado pela Turma, de modo que se mantem a sentença para evitar reformatio in pejus. (TRF4, AC 5012812-94.2016.4.04.7108, TERCEIRA TURMA, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER, juntado aos autos em 27/06/2018)
ADMINISTRATIVO. PRESTAÇÃO DE SAÚDE. PROCEDIMENTO CIRÚRGICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. LEGITIMIDADE PASSIVA DOS ENTES DA FEDERAÇÃO. RESERVA DO POSSÍVEL. DO RESSARCIMENTO. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. - A legitimidade passiva de todos os entes federativos para ações que envolvem prestação de saúde resulta da atribuição de competência comum a eles, em matéria de direito à saúde, e da responsabilidade solidária decorrente da gestão tripartite do Sistema Único de Saúde (arts. 24, inciso II, e 198, inciso I, da Constituição Federal). - O direito fundamental à saúde é assegurado nos arts. 6º e 196 da Constituição Federal e compreende a assistência farmacêutica (art. 6º, inc. I, alínea d, da Lei n.º 8.080/90), cuja finalidade é garantir a todos o acesso aos medicamentos necessários para a promoção e tratamento da saúde. - A interferência judicial na área da saúde não pode desconsiderar as políticas estabelecidas pelo legislador e pela Administração. Todavia, o Poder Público não pode invocar a cláusula da "reserva do possível", para exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, sem demonstrar, concretamente, a impossibilidade de fazê-lo. - A questão relativa ao reembolso e/ou cobrança dos custos suportados por determinado ente federativo em decorrência do fornecimento do medicamento pleiteado, trata-se de medida a ser resolvida no âmbito administrativo, sem necessidade de intervenção judicial. - Tratando-se de causa relacionada à garantia do direito à saúde, cujo valor material é inestimável, correta a aplicação do § 8º do art. 85 do novo CPC, que remete à apreciação equitativa considerando os incisos do § 2º do artigo citado (grau de zelo profissional, lugar da prestação do serviço, natureza e importância da causa, trabalho realizado pelo advogado e tempo exigido para o seu serviço). (TRF4, AC 5001657-09.2016.4.04.7104, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 19/09/2017)
Tendo em vista, portanto, os aspectos referidos no art. 85, §2º (o grau de zelo do profissional; o lugar de prestação do serviço; a natureza e a importância da causa; o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço), bem como o patamar comumente observado por este tribunal em casos análogos, cumpre arbitrar a verba honorária devida pela parte autora em R$ 3.000,00 (três mil reais).
A exigibilidade da verba permanece suspensa enquanto perdurar os efeitos da assistência judiciária gratuita de que a parte é beneficiária.
PREQUESTIONAMENTO
O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias superiores os dispositivos que as fundamentam. Assim, deixa-se de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa.
Em face do que foi dito, voto por dar integral provimento à apelação da União, com a revogação da tutela antecipada, e parcial provimento às apelações do Estado e do Município, bem como à remessa oficial, prejudicado o recurso adesivo.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001970974v11 e do código CRC d3c21802.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
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Apelação/Remessa Necessária Nº 5009671-51.2017.4.04.7102/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: AISHA SALDANHA DE SOUZA (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC)) (AUTOR)
APELANTE: MUNICÍPIO DE SANTA MARIA/RS (RÉU)
APELANTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RÉU)
APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)
APELADO: GABRIELE SALDANHA DE SALDANHA (Pais) (AUTOR)
APELADO: OS MESMOS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PRESTAÇÃO DE SAÚDE. ATROFIA MUSCULAR ESPINHAL - AME TIPO I. NUSINERSEN - SPINRAZA. PORTARIA Nº 24/2019 DO MINISTÉRIO DA SAÚDE. restrição. PACIENTE DEPENDENTE DE SUPORTE VENTILATÓRIO CONSTANTE.
1. É indevida a concessão judicial do tratamento a pacientes que não atendem aos critérios de elegibilidade estabelecidos pelo Ministério da Saúde, desde que estejam devidamente amparados em fundamentos técnicos.
2. A dependência de ventilação mecânica invasiva permanente constitui razoável critério de exclusão do tratamento.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar integral provimento à apelação da União, com a revogação da tutela antecipada, e parcial provimento às apelações do Estado e do Município, bem como à remessa oficial, prejudicado o recurso adesivo, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 18 de agosto de 2020.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001970975v4 e do código CRC d13370bc.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 10/08/2020 A 18/08/2020
Apelação/Remessa Necessária Nº 5009671-51.2017.4.04.7102/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): JOSE OSMAR PUMES
APELANTE: AISHA SALDANHA DE SOUZA (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC)) (AUTOR)
ADVOGADO: DOUGLAS RODRIGUES ROSA (OAB RS102994)
APELANTE: MUNICÍPIO DE SANTA MARIA/RS (RÉU)
APELANTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RÉU)
APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)
APELADO: GABRIELE SALDANHA DE SALDANHA (Pais) (AUTOR)
APELADO: OS MESMOS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 10/08/2020, às 00:00, a 18/08/2020, às 14:00, na sequência 444, disponibilizada no DE de 30/07/2020.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR INTEGRAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA UNIÃO, COM A REVOGAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA, E PARCIAL PROVIMENTO ÀS APELAÇÕES DO ESTADO E DO MUNICÍPIO, BEM COMO À REMESSA OFICIAL, PREJUDICADO O RECURSO ADESIVO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 28/08/2020 04:01:19.