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PREVIDENCIÁRIO. PRESTAÇÃO DE SAÚDE. CANABIDIOL. TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA). MEDICAMENTO AUSENTE DAS LISTAS DE DISPENSAÇÃO DO SUS. VANTAGEM TERAPÊ...

Data da publicação: 13/10/2022, 19:34:03

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. PRESTAÇÃO DE SAÚDE. CANABIDIOL. TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA). MEDICAMENTO AUSENTE DAS LISTAS DE DISPENSAÇÃO DO SUS. VANTAGEM TERAPÊUTICA NÃO EVIDENCIADA. 1. A concessão de medicamento que não conste das listas de dispensação do Sistema Único de Saúde (SUS) deve atender aos seguintes requisitos: (a) a inexistência de tratamento ou medicamento, similar ou genérico, oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem resultado prático ao paciente ou sua inviabilidade, em cada caso, devido a particularidades que apresenta; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento para a moléstia especificada; (c) a sua aprovação pela ANVISA; e (d) a não-configuração de tratamento experimental. 2. É ônus das partes a prova da existência ou ausência de evidência científica quanto ao resultado pretendido na realização de tratamento, dispensação de fármaco ou emprego de nova tecnologia, na afirmação do direito à saúde. 3. É indevido o fornecimento de medicamento cuja vantagem terapêutica não está comprovada. (TRF4, AG 5019897-08.2022.4.04.0000, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 18/08/2022)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Agravo de Instrumento Nº 5019897-08.2022.4.04.0000/RS

RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

REPRESENTANTE LEGAL DO AGRAVANTE: CLELIA TYSKA ZALEWSKI (Pais)

AGRAVANTE: KASSIEL TYSZKA ZALEWSKI (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC))

AGRAVADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

AGRAVADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

RELATÓRIO

Kassiel Tyszka Zalewski, menor impúbere, representado por sua genitora, interpôs agravo de instrumento contra decisão (evento 4, DESPADEC1, do processo originário) que acolheu a competência da justiça federal para o processamento da ação e revogou a tutela provisória concedida na justiça estadual, sob o fundamento de que não fora demonstrada a probabilidade do direito alegado.

O agravante destacou ser portador de autismo (CID F84.0). Afirmou que o medicamento canabidiol apresenta potencial terapêutico, conforme informado por seu médico. Alegou que esgotou as possibilidades de tratamento fornecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Invocou o direito à saúde (art. 196, Constituição Federal) e defendeu, assim, que estão preenchidos os requisitos para a antecipação de tutela.

Foi indeferido o pedido de antecipação de tutela recursal.

Com contrarrazões, vieram os autos.

O Ministério Público Federal manifestou-se pelo desprovimento do recurso.

VOTO

Os requisitos para o deferimento da tutela de urgência estão indicados no art. 300 do Código de Processo Civil, que assim dispõe:

A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

§ 1º Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.

§ 2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.

§ 3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.

Conclui-se, portanto, ser indispensável para o deferimento de provimento antecipatório não só a probabilidade do direito, mas também a presença de perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, aos quais se deverá buscar, na medida do possível, maior aproximação do juízo de segurança previsto na norma, sob pena de subversão da finalidade do instituto da tutela antecipatória.

Em relação à probabilidade do direito, cumpre observar que a Constituição Federal (CF) consagra a saúde como direito fundamental, seja ao contemplá-la como direito social no art. 6º, seja ao estabelecê-la como "direito de todos e dever do Estado", no art. 196. O constituinte assegurou, com efeito, a satisfação desse direito "mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos", bem como o "acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação."

Embora a aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos fundamentais seja imposta já pelo §1º do art. 5º da CF, no caso do direito à saúde, foi editada a Lei nº 8.080/90, a qual expressamente inclui, no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS), a assistência farmacêutica (art. 6º, I, d). Desse modo, a Política Nacional de Medicamentos e Assistência Farmacêutica integra a Política Nacional de Saúde, tendo como finalidade garantir a todos o acesso aos medicamentos necessários, quer interferindo em preços, quer fornecendo gratuitamente as drogas de acordo com as necessidades.

Daí não se depreende, todavia, a existência de direito subjetivo a fornecimento de todo e qualquer medicamento. Afinal, mesmo o direito à saúde, a despeito de sua elevada importância, não constitui um direito absoluto. A pretensão de cada postulante deve ser considerada não apenas sob perspectiva individual, mas também à luz do contexto político e social em que esse direito fundamental é tutelado. Isto é, a proteção do direito à saúde, sob o enfoque particular, não pode comprometer a sua promoção em âmbito coletivo, por meio das políticas públicas articuladas para esse fim.

A denominada “judicialização do direito à saúde” impõe, com efeito, tensões de difícil solução. De um lado, a proteção do núcleo essencial do direito à saúde e do “mínimo existencial” da parte requerente, intimamente ligado à dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, III). De outro, o respeito ao direito dos demais usuários do SUS e a atenção à escassez e à finitude dos recursos públicos, que se projetam no princípio da reserva do possível. Associado a este problema está, de modo mais amplo, o exame do papel destinado ao Poder Judiciário na tutela dos direitos sociais, conforme a Constituição Federal de 1988, que consagra, como se sabe, tanto a inafastabilidade do acesso à justiça (art. 5º, XXXV) como a separação dos Poderes (art. 2º).

A jurisprudência tem apontado parâmetros para equacionar essa contradição, orientando o magistrado no exame, caso a caso, das pretensões formuladas em juízo. Assume especial relevo, nesse contexto, a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na Suspensão de Tutela Antecipada nº 175, de relatoria do Min. Gilmar Mendes, após a realização de audiências públicas e amplo debate sobre o tema. Nesse precedente, foi assentado que “esse direito subjetivo público é assegurado mediante políticas sociais e econômicas, ou seja, não há um direito absoluto a todo e qualquer procedimento necessário para a proteção, promoção e recuperação da saúde, independentemente da existência de uma política pública que o concretize” (STA 175 AgR, Relator(a): Min. GILMAR MENDES (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 17/03/2010, DJe-076 DIVULG 29-04-2010 PUBLIC 30-04-2010 EMENT VOL-02399-01 PP-00070).

Assim, cumpre examinar, primeiramente, se existe ou não uma política pública que abranja a prestação pleiteada pela parte. Se referida política existir - isto é, se o medicamento solicitado estiver incluído nas listas de dispensação pública do SUS -, não há dúvida de que o postulante tem direito subjetivo à concessão do fármaco, cabendo ao Poder Judiciário assegurar o seu fornecimento.

Todavia, se o medicamento requerido não constar nas listas de dispensação do SUS, extrai-se, do precedente mencionado, a necessidade de se observar alguns critérios, quais sejam: (a) a inexistência de tratamento ou medicamento similar ou genérico oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem resultado prático ao paciente ou sua inadequação a ele devido a peculiaridades que apresenta; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento pleiteado para a moléstia que acomete o paciente; (c) a aprovação do medicamento pela ANVISA; e (d) a não configuração de tratamento experimental.

Atendidos esses requisitos, o medicamento deve ser concedido. Nessa hipótese, não constitui razão suficiente para indeferi-lo a mera invocação, pelo ente público, do princípio da reserva do possível. Nesse sentido, assentou o Min. Celso de Mello:

Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da "reserva do possível" - ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível - não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se, dolosamente, do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.

(...) entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde - que se qualifica como direito subjetivo inalienável a todos assegurado pela própria Constituição da República (art. 5º, "caput", e art. 196) - ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo, uma vez configurado esse dilema, que razões de ordem ético-jurídica impõem, ao julgador, uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humanas.

(...) a missão institucional desta Suprema Corte, como guardiã da superioridade da Constituição da República, impõe, aos seus Juízes, o compromisso de fazer prevalecer os direitos fundamentais da pessoa, dentre os quais avultam, por sua inegável precedência, o direito à vida e o direito à saúde. (STA 175, Rel. Min. Celso de Mello, DJE 30/04/2010)

Demais, o Superior Tribunal de Justiça julgou recentemente recurso especial repetitivo sobre a matéria (REsp 1657156/RJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 25/04/2018, DJe 04/05/2018), arrolando três requisitos para a concessão de medicamento não incluído em ato normativo do SUS, conforme se percebe a seguir:

Tema 106: A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: (i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; (ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; (iii) existência de registro na ANVISA do medicamento.

Houve modulação dos efeitos desta decisão, de modo a que se observe e exija a presença desses requisitos somente em ações distribuidas a partir da respectiva publicação.

Deduzidas essas considerações sobre a questão de fundo, passa-se ao exame da probabilidade do direito alegado, sob o enfoque da tutela de urgência.

O requerimento administrativo foi indeferido sob o fundamento de que medicamento solicitado nos autos não consta na lista de fármacos disponibilizados pelo SUS para a moléstia que acomete o autor.

O medicamento não está registrado na Agência de Vigilância Sanitária - ANVISA, tampouco foi analisado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS - CONITEC.

A propósito, o Superior Tribunal de Justiça, definiu, de forma vinculante (REsp 1657156/RJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 25/04/2018, DJe 04/05/2018), que para o fornecimento de remédios que estejam fora da lista do SUS, deve haver a existência de registro do medicamento na ANVISA.

Sob esse prisma, conforme fora julgado pelo Supremo Tribunal Federal no Agravo na Suspensão da Tutela Antecipada nº 175, que se constituiu como decisão balizadora da jurisprudência nacional acerca das ações judiciais sobre disponibilização de medicamentos, relativizou-se a exigência de registro na ANVISA em situações excepcionais, a exemplo do canabidiol, princípio ativo do fármaco solicitado nos autos. Desde janeiro de 2015, o órgão sanitário passou a autorizar sua importação, figurando como uma substância controlada e enquadrada na lista CI da Portaria nº 344/98.

Ou seja, a própria ANVISA estabeleceu, em 2015, critérios para a importação, em caráter de excepcionalidade, de produtos à base de canabidiol mediante prescrição de profissional legalmente habilitado para tratamento de saúde (Resolução RDC nº 17/2015).

Em dezembro de 2019, a ANVISA aprovou a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 327/2019, que permite - mediante a concessão de Autorização Sanitária - a comercialização no Brasil de “produtos derivados de Cannabis”, exclusivamente em farmácias e drogarias. Essa regra, que torna efetiva a regularização de produtos de Cannabis para fins medicinais no território nacional, entrou em vigor em 10/03/2020.

Posteriormente, a RDC nº 335, de 24/01/20201, simplificou o procedimento para importação de produto derivado de Cannabis, por pessoa física e para uso próprio.

Desde então, este mesmo órgão passou a aprovar o registro de medicamentos cuja fórmula contém a substância canabidiol.2

Assim, a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região vem entendendo pela possibilidade de deferimento dessa substância em situação excepcional devidamente demonstrada. Confira-se:

DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. LEGITIMIDADE PASSIVA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. CANABIDIOL. AUTORIZAÇÃO EXCEPCIONAL DA ANVISA. IMPRESCINDIBILIDADE DO FÁRMACO DEMONSTRADA. CONTRACAUTELA. (...) 4. Consoante precedentes desta Corte, a ausência de registro do medicamento na ANVISA não impede o deferimento de sua concessão em casos excepcionais, como na hipótese, em que a gravidade da doença, a inexistência de alternativas medicamentosas disponibilizadas pelo SUS e a autorização de importação concedida pela ANVISA, permitem a flexibilização de tal exigência. (...) (TRF4, APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5056190-94.2020.4.04.7000, Turma Regional suplementar do Paraná, Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 15/12/2021)

DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. AUSÊNCIA DE REGISTRO NA ANVISA. CANABIDIOL. AUTORIZAÇÃO EXCEPCIONAL DA ANVISA. IMPRESCINDIBILIDADE DO FÁRMACO DEMONSTRADA. ESGOTAMENTO DAS ALTERNATIVAS TERAPÊUTICAS. TEMA 500 STF. SOLIDARIEDADE. (...) 3. Consoante precedentes desta Corte, a ausência de registro do medicamento na ANVISA não impede o deferimento de sua concessão em casos excepcionais, como na hipótese, em que a gravidade da doença, a inexistência de alternativas medicamentosas disponibilizadas pelo SUS e a autorização de importação concedida pela ANVISA, permitem a flexibilização de tal exigência. (...) (TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5030552-73.2021.4.04.0000, 6ª Turma, Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 12/12/2021)

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. CANABIDIOL. TRATAMENTO DE EPILEPSIA E SÍNDROMES EPILÉTICAS. CONCESSÃO JUDICIAL DO FÁRMACO POSTULADO. POSSIBILIDADE. ATRIBUIÇÕES, CUSTEIO E REEMBOLSO DAS DESPESAS. NOMENCLATURA DO FÁRMACO. DENOMINAÇÃO COMUM BRASILEIRA. 1. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. (...) 7. A rigor, o fármaco pleiteado não possui registro na ANVISA, sendo por isso considerado medicamento off-label; porém, a agência reguladora permite a importação, em caráter de excepcionalidade, conforme regulamentado pela RDC nº 327/2019, desde que observados os procedimentos para a concessão da autorização sanitária, para a fabricação e para a importação, bem como os requisitos para a comercialização, prescrição, a dispensação, o monitoramento e a fiscalização de “produtos de Cannabis para fins medicinais de uso humano”. (...) (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5002008-13.2020.4.04.7016, Turma Regional suplementar do Paraná, Juíza Federal GISELE LEMKE, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 06/10/2021)

DIREITO DA SAÚDE. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTO SEM REGISTRO NA ANVISA. INEXISTÊNCIA DE ALTERNATIVA TERAPÊUTICA. POSSIBILIDADE EXCEPCIONAL. 1. Nos termos da jurisprudência desta Turma Regional Suplementar, "o fornecimento de medicação sem registro na ANVISA ou para fins de utilização off label só se revela possível, inclusive em juízo de cognição sumária, em situações absolutamente excepcionais e mediante prévia realização de perícia médica ou emissão de parecer por órgão de assessoramento técnico em matéria de saúde" (TRF4, AG 5010044-43.2020.4.04.0000, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator para Acórdão CELSO KIPPER, juntado aos autos em 13/10/2020). (...) (TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5052649-04.2020.4.04.0000, Turma Regional suplementar de Santa Catarina, Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 18/03/2021)

ADMINISTRATIVO. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTO SEM REGISTRO NA ANVISA. INEXISTÊNCIA DE ALTERNATIVA TERAPÊUTICA. POSSIBILIDADE EXCEPCIONAL. 1. O direito à saúde é assegurado como fundamental, nos arts. 6º e 196 da Constituição Federal, compreendendo a assistência farmacêutica (art. 6º, inc. I, alínea 'd', da Lei n. 8.080/90), cuja finalidade é garantir a todos o acesso aos medicamentos necessários para a promoção e tratamento da saúde. 2. O acolhimento do pedido de fornecimento de medicação sem registro na ANVISA, em situações absolutamente excepcionais, poderá ser flexibilizado e autorizado, desde que (1) sua utilização pelo paciente for imprescindível, (2) ele já tenha esgotado todas as alternativas terapêuticas disponibilizadas pelo SUS, sem lograr êxito, e (3) existirem evidências científicas de sua eficácia para o tratamento da doença. 3. No caso concreto, e levando em consideração, especialmente, que a importação de medicamentos cujo princípio ativo é o canabidiol é autorizada pela ANVISA (por exemplo, item 7 do adendo contido na Resolução da Diretoria Colegiada 325, de 3 de dezembro de 2019), é o caso de manutenção da sentença de procedência. (TRF4, APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5011917-95.2014.4.04.7208, Turma Regional suplementar de Santa Catarina, Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 13/05/2020)

No presente caso, embora o médico assistente tenha indicado a medicação como opção de tratamento do Transtorno do Espectro Autista (TEA) apresentado pelo paciente, diante do aparente esgotamento das alternativas terapêuticas disponibilizadas pelo SUS (evento 1, INIC1, pgs. 27/8, do processo originário), não foi confirmada a adequação da prescrição pela avaliação técnica juntada aos autos originários, cuja conclusão segue (evento 36, NOTATEC1):

Conclusão Justificada: Não favorável

Conclusão: Trata-se de uma criança de 7 anos com diagnóstico de transtorno do espectro autista que fez uso de múltiplas medicações para o manejo dos sintomas comportamentais e não foi observada melhora ou apresentou efeitos adversos. Em função disso, foi prescrito como alternativa o canabidiol. Trata-se de um medicamento experimental, sem evidência robusta de eficácia e sem registro na ANVISA. Sua segurança a longo prazo, especialmente se usado por crianças e adolescentes, é desconhecida.

Percebe-se que a moléstia, por si só, é de difícil tratamento e que o controle de seus sintomas deve ser dar com a segurança de terapias cujos estudos já tenham sido conclusivos para a segurança do paciente.

Deve ser referendado por parecer técnico o esgotadamento das possibilidades terapêuticas fornecidas pelo SUS e a imprescindibilidade do medicamento, diante de comprovação da superioridade da droga requerida frente a outros medicamentos dispensados no âmbito da política pública.

Não se constatam estudos conclusivos acerca da segurança e eficácia do fármaco postulado, e, de acordo com a medicina baseada em evidências registrada pelo Núcleo de Apoio Técnico ao Poder Judiciário (NATJUS) em seu banco de dados, não se pode dizer que se trata de medicação indispensável para o tratamento de TEA.

Em consulta efetuada ao Sistema Nacional de Pareceres e Notas Técnicas (e-NatJus)3, constata-se a existência de ampla produção de subsídios técnicos desfavoráveis à proposição de canabidiol para o tratamento de TEA em circunstâncias similares aos autos.

Há indicação de que este medicamento não possui credibilidade terapêutica, a partir de reduzido nível de evidência científica. Nesse sentido, destacam-se as Notas Técnicas nº 52232 (de 28/10/2021)4, nº 52355 (de 29/10/2021)5, nº 54479 (de 16/11/2021)6 e nº 55151 (de 21/11/2021)7, da qual colhem-se os seguintes trechos:

Há na literatura alguns poucos estudos observacionais (séries de casos) com tamanho amostral pequeno, critérios de inclusão e medidas de desfecho pouco definidos que observaram alguma melhora no comportamento, o que fortalece a hipótese de seu benefício (16–18). No entanto, além das séries de casos, não há evidência que sustente o benefício da medicação pleiteada, tornando-a, no momento, tão somente uma hipótese e uma intervenção experimental para a condição em questão. Da mesma forma, não há evidência de que seja superior aos tratamentos disponíveis pelo SUS, entre eles a risperidona, recomendada no protocolo do Ministério da Saúde (6).
Ainda que não fosse suficiente essa ausência de conhecimento sobre a eficácia, a segurança, especialmente em longo prazo, não foi comprovada. Essa questão é importante uma vez que há evidência sobre o impacto negativo em longo prazo do consumo de derivados da cannabis no sistema nervoso, especialmente por crianças e adolescentes (19, 20). A questão está longe de ser fechada e ensaios clínicos randomizados e controlados com acompanhamento de longo prazo precisam ser feitos para termos a certeza do benefício e da segurança da intervenção (21, 22).

(...)

Conclusão Justificada: Não favorável
Conclusão: Atualmente, não há evidências que embasam a prescrição do canabidiol para a condição clínica do caso em tela. Ou seja, trata-se de um produto experimental, sem evidência robusta de eficácia. Sua segurança a longo prazo, especialmente se usado por crianças e adolescentes, é desconhecida.

Conquanto a parte autora tenha sido submetida a diversos medicamentos sem o sucesso desejado, aparentemente ainda não esgotou a ampla gama de tratamentos previstos no âmbito do SUS - que já passaram por todas as fases de ensaios clínicos e já estão com a sua eficácia comprovada e efeitos colaterais e adversos conhecidos.

Verifica-se que não há consenso de uso do canabidiol para sintomas relacionados ao TEA, a par de publicações científicas isoladas. O canabidiol carece de estudos controlados e randomizados para ser considerado integrante de guidelines (manuais médicos de tratamento).

Apesar da tendência a se recomendar a inclusão de pacientes com a condição da parte autora em protocolos de pesquisa investigativa dos efeitos da medicação, os derivados de canabidiol ainda estão sob estudos quanto a sua aplicabilidade em quadros de alteração de comportamento decorrentes de TEA.

A substância postulada ainda é controversa devido ao baixo impacto no controle da doença. A evidência apontada é frágil para corroborar a afirmação de que a medicação, de fato, trará algum proveito efetivo ao paciente ou, mesmo, se é vantajosa comparativamente às fornecidas pelo SUS. Faltam estudos com qualidade metodológica que possam dar suporte à pretensão da parte autora.

Cumpre notar que a expectativa de resultado com o fármaco postulado é modesta. Neste contexto, não é possível avançar na concessão de um medicamento sem divisar dados seguros que atestem a sua efetividade.

É imprescindível que a prescrição médica seja tecnicamente respaldada pela medicina baseada em evidências, bem como devem ser demonstrados os benefícios do uso do medicamento ao caso concreto.

Em suma, a despeito de eventual autorização excepcional de importação de fármaco à base de canabidiol para uso pessoal e específico, observa-se, na espécie vertente, a ausência de estudos suficientes a comprovar a segurança e eficácia do medicamento, dado o caráter experimental de sua utilização.

Assim, especificamente no caso da enfermidade que acomete a parte autora, não há comprovação da imprescindibilidade e adequação do manejo do remédio postulado.

Embora o medicamento possa representar uma alternativa à doença apresentada pela parte autora, não se pode dizer que tenham sido comprovadas as vantagens da medicação aqui pretendida frente às disponíveis no SUS, ainda que os estudos estejam se consolidando, é verdade, na comunidade médica.

Cabe destacar que o tratamento de escolha é livre ao paciente e bastante comum para o direcionamento a entidades particulares. Contudo, não há direito à obtenção judicial de tratamento de escolha. Para que se imponha ônus ao SUS de dispensação de medicamento de elevado custo, com duração indeterminada, é necessária a demonstração cabal de sua adequação, o que não acontece na hipótese dos autos.

Ao enfrentar caso semelhante (AI nº 5026045-40.2019.4.04.0000), a MMª. Juíza Federal Convocada Gisele Lemke observou, com propriedade:

Não é demais lembrar que as políticas públicas de saúde são editadas no exercício da competência administrativa dos entes públicos, por meio de atos administrativos abstratos (por oposição aos concretos) e discricionários (por oposição aos vinculados, como é exemplo o ato de aposentadoria de um servidor público). No caso das políticas de saúde se está diante do que Celso Antônio Bandeira de Mello classifica como ato discricionário quanto a seu conteúdo. Daí se infere que as políticas públicas na área da saúde não podem ser desconsideradas pelo Poder Judiciário, a não ser quando contrariem a lei (o que não ocorre na política de saúde em discussão nestes autos), porquanto se está diante do exercício de competência discricionária do Poder Executivo. Por conseguinte, não cabe à parte nem ao perito judicial pretender substituir a política pública existente, mas apenas aferir se ela está sendo devidamente cumprida ou se, esgotados os meios de tratamento nela previstos, seria justificável a utilização de outros meios de tratamento (sejam medicamentos, órteses, próteses, etc., de fora da lista oficial).

Repare-se que não se trata aqui de negar acesso da parte autora à assistência pública de saúde, mas, sim, de reconhecer que, para a obtenção do medicamento, deve ser demonstrado o esgotamento das alternativas terapêuticas disponibilizadas pelo Sistema Único de Saúde, assim como evidenciada a vantagem terapêutica do fármaco requerido.

Apesar da urgência para a prescrição do medicamento pleiteado, não é possível, neste momento processual, determinar a sua imediata concessão, tendo em vista que os elementos apresentados nos autos não demonstram a insuficiência da política pública.

Cuida-se, inclusive, de entendimento sedimentado no Enunciado 14 da I Jornada de Direito da Saúde do Conselho Nacional de Justiça, que afirma:

Não comprovada a inefetividade ou impropriedade dos medicamentos e tratamentos fornecidos pela rede pública de saúde, deve ser indeferido o pedido não constante das políticas públicas do Sistema Único de Saúde.

Em face do que foi dito, voto por negar provimento ao agravo de instrumento.



Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003401852v3 e do código CRC d0c7af9d.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 18/8/2022, às 11:3:29


1. https://www.in.gov.br/web/dou/-/resolucao-rdc-n-335-de-24-de-janeiro-de-2020-239866072
2. https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2021/anvisa-aprova-oitavo-produto-medicinal-a-base-de-cannabis
3. https://www.cnj.jus.br/e-natjus/pesquisaPublica.php
4. https://www.cnj.jus.br/e-natjus/notaTecnica-dados.php?output=pdf&token=nt:52232:1637593627:5c96490a1154b9139cf79b37a25f823a6c5d3779b58ca7ca43352138a9aeb363
5. https://www.cnj.jus.br/e-natjus/notaTecnica-dados.php?output=pdf&token=nt:52355:1637593627:0520dc8331926c5ac10fddbf637698417682abf5b6e6ed4b96facac8fa0b2e4f
6. https://www.cnj.jus.br/e-natjus/notaTecnica-dados.php?output=pdf&token=nt:54479:1637593627:79120ccff068f28535db123ab0683aed907cf09a31e7f6dffbf6349bca3ed9eb
7. https://www.cnj.jus.br/e-natjus/notaTecnica-dados.php?output=pdf&token=nt:55151:1637593627:f938b545a4d55da75b2a5078840dcdab66f9ee6c76f9fed78fb9403b152fbd93

5019897-08.2022.4.04.0000
40003401852.V3


Conferência de autenticidade emitida em 13/10/2022 16:34:02.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Agravo de Instrumento Nº 5019897-08.2022.4.04.0000/RS

RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

REPRESENTANTE LEGAL DO AGRAVANTE: CLELIA TYSKA ZALEWSKI (Pais)

AGRAVANTE: KASSIEL TYSZKA ZALEWSKI (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC))

AGRAVADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

AGRAVADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. PRESTAÇÃO DE SAÚDE. CANABIDIOL. TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA). MEDICAMENTO AUSENTE DAS LISTAS DE DISPENSAÇÃO DO SUS. VANTAGEM TERAPÊUTICA NÃO EVIDENCIADA.

1. A concessão de medicamento que não conste das listas de dispensação do Sistema Único de Saúde (SUS) deve atender aos seguintes requisitos: (a) a inexistência de tratamento ou medicamento, similar ou genérico, oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem resultado prático ao paciente ou sua inviabilidade, em cada caso, devido a particularidades que apresenta; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento para a moléstia especificada; (c) a sua aprovação pela ANVISA; e (d) a não-configuração de tratamento experimental.

2. É ônus das partes a prova da existência ou ausência de evidência científica quanto ao resultado pretendido na realização de tratamento, dispensação de fármaco ou emprego de nova tecnologia, na afirmação do direito à saúde.

3. É indevido o fornecimento de medicamento cuja vantagem terapêutica não está comprovada.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 16 de agosto de 2022.



Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003401853v3 e do código CRC 9494e6c1.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 18/8/2022, às 11:3:29


5019897-08.2022.4.04.0000
40003401853 .V3


Conferência de autenticidade emitida em 13/10/2022 16:34:02.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 08/08/2022 A 16/08/2022

Agravo de Instrumento Nº 5019897-08.2022.4.04.0000/RS

RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

PRESIDENTE: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

PROCURADOR(A): MARCUS VINICIUS AGUIAR MACEDO

REPRESENTANTE LEGAL DO AGRAVANTE: CLELIA TYSKA ZALEWSKI (Pais)

ADVOGADO: TIAGO VIEIRA SILVA (DPU)

AGRAVANTE: KASSIEL TYSZKA ZALEWSKI (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC))

ADVOGADO: TIAGO VIEIRA SILVA (DPU)

AGRAVADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

AGRAVADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 08/08/2022, às 00:00, a 16/08/2022, às 16:00, na sequência 412, disponibilizada no DE de 28/07/2022.

Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

Votante: Juiz Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL

Votante: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

LIDICE PEÑA THOMAZ

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 13/10/2022 16:34:02.

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