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PREVIDENCIÁRIO. PRESTAÇÃO DE SAÚDE. MÉTODO ABA (APPLIED BEHAVIORAL ANALYSIS, OU ANÁLISE DO COMPORTAMENTO APLICADA). TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA). T...

Data da publicação: 03/12/2022, 07:01:14

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. PRESTAÇÃO DE SAÚDE. MÉTODO ABA (APPLIED BEHAVIORAL ANALYSIS, OU ANÁLISE DO COMPORTAMENTO APLICADA). TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA). TRATAMENTO AUSENTE DAS LISTAS DE DISPENSAÇÃO DO SUS. VANTAGEM TERAPÊUTICA NÃO EVIDENCIADA. ALTERNATIVAS DISPONÍVEIS. 1. A concessão de tratamento que não conste das listas de dispensação do Sistema Único de Saúde (SUS) deve atender aos seguintes requisitos: (a) a inexistência de tratamento ou medicamento, similar ou genérico, oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem resultado prático ao paciente ou sua inviabilidade, em cada caso, devido a particularidades que apresenta; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento para a moléstia especificada; (c) a sua aprovação pela ANVISA; e (d) a não-configuração de tratamento experimental. 2. É ônus das partes a prova da existência ou ausência de evidência científica quanto ao resultado pretendido na realização de tratamento, dispensação de fármaco ou emprego de nova tecnologia, na afirmação do direito à saúde. 3. É indevido o fornecimento de tratamento cuja vantagem terapêutica não está comprovada. A concessão de tutela de urgência é condicionada, ainda, à demonstração do esgotamento ou da ineficácia dos tratamentos disponibilizados na rede pública de saúde. (TRF4, AG 5037414-26.2022.4.04.0000, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 26/11/2022)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Agravo de Instrumento Nº 5037414-26.2022.4.04.0000/RS

RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

AGRAVANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

AGRAVADO: THEO JOHANN BUBLITZ (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC))

REPRESENTANTE LEGAL DO AGRAVADO: LETICIA BARCAROLLO JOHANN (Pais)

AGRAVADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto pela União Federal, com pedido de atribuição de efeito suspensivo, contra decisão que deferiu em parte tutela de urgência (evento 21, DESPADEC1, do processo originário), para lhe determinar o fornecimento de tratamento multidisciplinar pelo método ABA (Applied Behavioral Analysis, ou Análise do Comportamento Aplicada) ao autor, para tratamento de Transtorno do Espectro Autista - TEA (CID F84).

A União destacou, inicialmente, o caráter irreversível da antecipação de tutela concedida na origem, a evidenciar o dano de difícil reparação apto a justificar a atribuição de efeito suspensivo ao recurso. Em seguida, discorreu acerca da doença que acomete a parte autora e sobre o tratamento por ela postulado, sustentando que a concessão judicial depende da demonstração da insuficiência da política pública. Sustentou, em síntese, que a terapia possui elevado custo e não comprovou ser eficaz no tratamento da doença. Aduziu a ausência de comprovação da superioridade desta abordagem terapêutica em relação aos tratamentos disponibilizados pela rede pública. Postulou, por fim, a revogação da antecipação de tutela.

Foi deferido o pedido de efeito suspensivo.

O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso.

Sem contrarrazões, vieram os autos.

VOTO

Os requisitos para o deferimento da tutela de urgência estão indicados no art. 300 do Código de Processo Civil, que assim dispõe:

A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

§ 1º Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.

§ 2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.

§ 3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.

Conclui-se, portanto, ser indispensável para o deferimento de provimento antecipatório não só a probabilidade do direito, mas também a presença de perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, aos quais se deverá buscar, na medida do possível, maior aproximação do juízo de segurança previsto na norma, sob pena de subversão da finalidade do instituto da tutela antecipatória.

Em relação à probabilidade do direito, cumpre observar que a Constituição Federal (CF) consagra a saúde como direito fundamental, seja ao contemplá-la como direito social no art. 6º, seja ao estabelecê-la como "direito de todos e dever do Estado", no art. 196. O constituinte assegurou, com efeito, a satisfação desse direito "mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos", bem como o "acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação."

Daí não se depreende, todavia, a existência de direito subjetivo a fornecimento de todo e qualquer tratamento. Afinal, mesmo o direito à saúde, a despeito de sua elevada importância, não constitui um direito absoluto. A pretensão de cada postulante deve ser considerada não apenas sob perspectiva individual, mas também à luz do contexto político e social em que esse direito fundamental é tutelado. Isto é, a proteção do direito à saúde, sob o enfoque particular, não pode comprometer a sua promoção em âmbito coletivo, por meio das políticas públicas articuladas para esse fim.

A denominada “judicialização do direito à saúde” impõe, com efeito, tensões de difícil solução. De um lado, a proteção do núcleo essencial do direito à saúde e do “mínimo existencial” da parte requerente, intimamente ligado à dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, III). De outro, o respeito ao direito dos demais usuários do SUS e a atenção à escassez e à finitude dos recursos públicos, que se projetam no princípio da reserva do possível. Associado a este problema está, de modo mais amplo, o exame do papel destinado ao Poder Judiciário na tutela dos direitos sociais, conforme a Constituição Federal de 1988, que consagra, como se sabe, tanto a inafastabilidade do acesso à justiça (art. 5º, XXXV) como a separação dos Poderes (art. 2º).

A jurisprudência tem apontado parâmetros para equacionar essa contradição, orientando o magistrado no exame, caso a caso, das pretensões formuladas em juízo. Assume especial relevo, nesse contexto, a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na Suspensão de Tutela Antecipada nº 175, de relatoria do Min. Gilmar Mendes, após a realização de audiências públicas e amplo debate sobre o tema. Nesse precedente, foi assentado que “esse direito subjetivo público é assegurado mediante políticas sociais e econômicas, ou seja, não há um direito absoluto a todo e qualquer procedimento necessário para a proteção, promoção e recuperação da saúde, independentemente da existência de uma política pública que o concretize” (STA 175 AgR, Relator(a): Min. GILMAR MENDES (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 17/03/2010, DJe-076 DIVULG 29-04-2010 PUBLIC 30-04-2010 EMENT VOL-02399-01 PP-00070).

Assim, cumpre examinar, primeiramente, se existe ou não uma política pública que abranja a prestação pleiteada pela parte. Se referida política existir - isto é, se a terapia solicitada estiver incluído nas listas de dispensação pública do SUS -, não há dúvida de que o postulante tem direito subjetivo à concessão do tratamento, cabendo ao Poder Judiciário assegurar o seu fornecimento.

Todavia, se o tratamento requerido não constar nas listas de dispensação do SUS, extrai-se, do precedente mencionado, a necessidade de se observar alguns critérios, quais sejam: (a) a inexistência de tratamento ou medicamento similar ou genérico oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem resultado prático ao paciente ou sua inadequação a ele devido a peculiaridades que apresenta; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento pleiteado para a moléstia que acomete o paciente; (c) a aprovação do medicamento pela ANVISA; e (d) a não configuração de tratamento experimental.

Deduzidas essas considerações sobre a questão de fundo, passa-se ao exame da probabilidade do direito alegado, sob o enfoque da tutela de urgência.

A parte autora é portadora de Transtorno do Espectro Autista - TEA (CID F84), para cujo tratamento postula abordagem terapêutica baseada em ABA (Applied Behavioral Analysis, ou análise do comportamento aplicada).

A ingerência judicial no SUS exige redobrada cautela do magistrado e substanciais elementos de prova a indicar a verossimilhança das alegações.

No presente caso, embora a médica assistente tenha indicado o método ABA como opção de tratamento do Transtorno do Espectro Autista (TEA) apresentado pelo paciente, não se pode dizer que tenham sido comprovados o esgotamento ou a ineficácia das alternativas terapêuticas disponibilizadas pelo SUS, a par do seguinte trecho do laudo pericial (evento 17, LAUDO1):

e) Há estudos científicos que recomendam a não-adoção do protocolo SUS e sim o medicamento proposto?
Não

A título de esclarecimento, colhe-se do parecer técnico produzido pelo médico assistente da União (evento 40, PARECERTEC2):

(...)

Programas de intervenção comportamental intensiva para TEA foram avaliados em revisões sistemáticas de ensaios clínicos randomizados e estudos de coorte, a maioria dos quais com limitações metodológicas. Com evidência de benefício de vários estudos bem controlados, o Relatório de Padrões Nacionais do National Autism Center, Fases 1 e 2, revisões sistemáticas da literatura educacional e comportamental revisada por pares (1957 a 2007 e 2007 a 2012) considera a intervenção comportamental intensiva como sendo um tratamento "estabelecido”. A revisão da Fase 2 adicionou uma revisão das evidências para o tratamento de adultos. Programas intensivos de comportamento podem melhorar os sintomas básicos de TEA e comportamentos mal-adaptativos, mas não se deve esperar que levem a funções típicas. Os estudos que revelaram os maiores ganhos para programas intensivos de comportamento incluíram um alto nível de intervenção (por exemplo, 30 a 40 horas por semana de serviços intensivos individuais por dois ou mais anos e começando antes dos cinco anos de idade). No entanto, a evidência é insuficiente para fornecer uma recomendação geral de que todas as crianças com TEA requerem este nível de intervenção.

Embora a pesquisa esteja em andamento, não está claro se um tipo de intervenção comportamental intensiva é melhor do que outro, como determinar quais crianças com TEA responderão ao máximo a intervenções comportamentais intensivas e se programas comportamentais intensivos devem ser recomendados em vez de outros tipos de programas de tratamento. Os métodos ABA pareçam ser eficazes quando comparados com intervenções de controle (por exemplo, educação especial), mas não está claro se o ABA é superior a outros métodos de terapia comportamental.

Com relação à evidência da eficácia do especificamente do método ABA, tem-se revisão sistemática publicada na Cochrane Database of Systematic Reviews com versão atualizada em 2018. O objetivo foi revisar a evidência sobre a efetividade de intervenções comportamentais intensivas precoces baseadas no método ABA para melhora de comportamentos adaptativos e redução da gravidade da doença em pacientes com TEA. Foram incluídos ensaios clínicos, randomizados ou não, controlados por não-tratamento ou tratamento usual, que incluíram pacientes com TEA menores de 6 anos. Após ampla busca na literatura, de um total de 3.660 artigos, 5 foram incluídos. O principal motivo para exclusão foi a ausência de grupo controle. Dos 5 incluídos, um era ensaio clínico randomizado e os restantes não-randomizados. O número total de pacientes avaliados foi 219, 116 no grupo ABA e 103 no grupo controle; a idade média na inclusão variou entre 30,2 a 42,5 meses. Três estudos aplicaram terapia ABA por 24 meses e dois por 36 meses, todos com duração semanal maior que 24 horas. O comparador em 4 estudos foi o tratamento oferecido pelas escolas públicas e em outro foi o treinamento parental. Todos os estudos apresentavam alto risco de viés, especialmente em relação à ausência de randomização, sigilo de alocação e cegamento tanto de participantes quanto de avaliadores, o que classifica a evidência, de acordo com o GRADE, como de baixa ou muito baixa qualidade. Foi conduzida metanálise dos resultados, que demonstrou evidência fraca que o tratamento intensivo com o método ABA melhorou comportamentos adaptativos e reduziu a gravidade da doença em comparação ao acompanhamento em escola pública ou orientação dos pais. Aqui é importante frisar que não existe estudo comparando com outras formas de terapias psicopedagógicas, como as disponíveis no SUS.

Existem poucos estudos comparando ABA com outros modelos de tratamento e esses estudos têm limitações metodológicas. Aqueles realizados comparando ABA com um modelo baseado no relacionamento de diferença de desenvolvimento individual (Floortime) e Tratamento e educação de crianças com deficiência física e comunicação relacionada (TEACCH) não encontraram nenhuma diferença na eficácia.

Em suma, a parte autora pleiteia tratamento com equipe multiprofissional que aplique o método ABA (Applied Behavior Analysis). Os estudos que avaliaram a eficácia dessa forma de tratamento são de baixa ou muito baixa qualidade metodológica, estando sujeitos a inúmeros vieses, o que impossibilita sustentar a sua eficácia. Ademais, o comparador desses estudos foi tratamento usual em escola da rede pública ou orientação dos pais, de maneira que não é possível estabelecer a superioridade do método ABA em relação a outras abordagens psicopedagógicas, como as terapias já oferecidas por nosso sistema de saúde. Mesmo que existisse evidência de superioridade, a ausência de regulamentação e certificação em nosso país não garante a adequada aplicação desse método. Assim sendo, não se verifica justificativa plausível do ponto de vista científico que o acompanhamento por professor de auxílio pedagógico seja mais eficaz que o acompanhamento em escola pública ou acompanhamento dos pais no que concerne a melhoria dos comportamentos adaptativos dos portadores do TEA, uma vez que todos os estudos apresentavam alto risco de viés, especialmente em relação à ausência de randomização, sigilo de alocação e cegamento tanto de participantes quanto de avaliadores, o que classifica a evidência, de acordo com o GRADE, como de baixa ou muito baixa qualidade.

Quanto à oferta de tratamentos, procedimentos e/ou abordagens terapêuticas no sistema público brasileiro, para o tratamento de pacientes com TEA, destaca-se que, em 2012, a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista estabeleceu que o indivíduo com TEA fosse considerado uma pessoa com deficiência para todos os efeitos legais, devendo ser incluído na linha de cuidado integral à saúde da pessoa com deficiência. Por conseguinte, as Diretrizes de Atenção à Reabilitação da Pessoa com Transtornos do Espectro do Autismo, publicadas pelo Ministério da Saúde em 2014, postulam que, para a atenção integral à pessoa com TEA seja efetiva, as ações de saúde devem estar articuladas a outros pontos de atenção da Rede SUS (atenção básica, especializada e hospitalar), bem como aos serviços de proteção social e de educação, a partir da implementação de diretrizes e protocolos de acesso.

Assim, tem-se que não está demonstrada, no presente momento processual, a imprescindibilidade do tratamento postulado. O parecer técnico mostra-se desfavorável por não haver evidência suficiente que demonstre a superioridade da terapia em relação às abordagens disponíveis na rede pública de saúde.

Não se verificam estudos conclusivos acerca da segurança e eficácia do tratamento em questão, e, de acordo com a medicina baseada em evidências registrada pelo Núcleo de Apoio Técnico ao Poder Judiciário (NATJUS) em seu banco de dados, não se pode dizer que se trata de terapia indispensável para o quadro do autor.

Percebe-se que a moléstia, por si só, é de difícil tratamento e que a terapia deve ser realizada com a segurança de métodos cujos estudos já tenham sido conclusivos para a segurança do paciente.

Em consulta efetuada ao Sistema Nacional de Pareceres e Notas Técnicas (e-NatJus)1, constata-se a existência de ampla produção de subsídios técnicos desfavoráveis à proposição do método ABA em circunstâncias similares aos autos.

Há indicação de que este método não possui credibilidade terapêutica, a partir de reduzido nível de evidência científica. Nesse sentido, destacam-se as recentes Notas Técnicas nº 97779 (de 28/09/2022)2, nº 96732 (22/09/2022)3, nº 97988 (de 29/09/2022)4 e 97957 (de 29/09/2022)5, da qual colhe-se o seguinte trecho:

Conclusão Justificada: Não favorável
Conclusão: 5.3. Parecer
( ) Favorável
( x ) Desfavorável para métodos específicos – ABA, equoterapia, hidroterapia e
psicomotricidade
5.4. Conclusão Justificada:
As evidências científicas apontam para o papel fundamental da reabilitação multidisciplinar, incluindo psicoterapia comportamental, terapia ocupacional, fonoaudiologia, dentre outros profissionais, em pacientes com espectro autista. O paciente terá benefício com a terapia multidisciplinar. Entretanto, a literatura científica não mostra superioridade (ou inferioridade) das metodologias solicitadas sobre outros métodos de reabilitação. A intensidade da reabilitação não está definida em seu manual de orientação. Os dados atuais da literatura científica não nos permitem definir qual a melhor frequência semanal para tais atividades. Na busca sobre evidências da superioridade do método, foram encontrados artigos que questionam os conflitos de interesses dos profissionais que redigem artigos sobre a evidência da terapia ABA, além da possibilidade da terapia causar danos ao paciente, em especial pela sua intensa carga horária.
Sendo assim, concluímos que para o tratamento adequado há indicação de tratamento multidisciplinar contínuo e individualizado com profissionais devidamente habilitados e registrados em seus conselhos de classe, com orientação familiar e escolar, como parte do tratamento de todos os profissionais que acompanha a criança.

Extrai-se dos pareceres técnicos que o método ABA não é imprescindível, diante da inexistência de comprovação da superioridade da terapia requerida frente a outras dispensadas no âmbito da política pública, com eficácia comprovada.

A terapia postulada ainda é controversa e a evidência apontada é frágil para corroborar a afirmação de que, de fato, trará algum proveito efetivo à parte autora ou, mesmo, se é vantajosa comparativamente às fornecidas pelo SUS. Faltam estudos com qualidade metodológica que possam dar suporte à pretensão do autor.

Neste contexto, não é possível avançar na concessão de um tratamento sem divisar dados seguros que atestem a sua efetividade.

Exige-se, portanto, a produção de provas a esse respeito, revelando-se prematura, antes disso, a concessão da tutela de urgência pleiteada.

Somente é possível o deferimento dessa abordagem terapêutica em situação excepcional devidamente demonstrada.

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região registra precedentes em casos análogos aos dos autos. Destacam-se: Agravo de Instrumento nº 5023517-28.2022.4.04.0000/SC, Des. Federal Celso Kipper; Apelação Cível Nº 5043257-55.2021.4.04.7000/PR e Agravo de Instrumento Nº 5016392-09.2022.4.04.0000/PR, Des. Federal Cláudia Cristina Cristofani; Agravo de Instrumento Nº 5013214-52.2022.4.04.0000/RS, Des. Federal Roger Raupp Rios.

No mesmo sentido, o recente aresto:

DIREITO À SAÚDE. APELAÇÃO. TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA). TRATAMENTO ESPECIALIZADO. AUSÊNCIA DE EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS. 1. A questão referente ao autismo vem recebendo cada vez mais atenção da comunidade jurídica. A Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista confere tratamento especial para esse segmento. A pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência para todos os efeitos legais (art. 1º, §2º, Lei n.º 12.764/12). 2. O Superior Tribunal de Justiça em julgamento realizado sob a sistemática dos recursos repetitivos assentou que a concessão de remédios não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa da comprovação da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento; da ineficácia do tratamento fornecido pelo sistema público de sáude; da incapacidade financeira do postulante e da existência de registro na ANVISA (REsp 1657156/RJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 25/04/2018, DJe 04/05/2018). 3. Atualmente, não há protocolo que viabilize a Análise do Comportamento Aplicada (Applied Behavioral Analysis – método ABA). Essa prestação sanitária, enquanto terapia multidisciplinar própria, não se confunde com a soma de serviços especializados já fornecidos pelo poder público. 4. Caso concreto em que a ausência de evidências científicas razoáveis afasta a imprescindibilidade do tratamento específico pleiteado. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5022118-38.2021.4.04.7100, 6ª Turma, Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 25/08/2022)

É imprescindível que a prescrição médica seja tecnicamente respaldada pela medicina baseada em evidências, bem como devem ser demonstrados os benefícios do tratamento no caso concreto.

Em suma, a despeito da indicação médica, observa-se, na espécie vertente, a ausência de estudos suficientes a comprovar a segurança e eficácia do tratamento, dado o caráter experimental de sua utilização.

Assim, especificamente no caso da enfermidade que acomete a parte autora, não há comprovação da imprescindibilidade e adequação do manejo da terapia postulada.

Embora o método ABA possa representar uma alternativa terapêutica, não se pode dizer que tenham sido comprovadas as vantagens da terapia aqui pretendida frente às disponíveis no SUS, ainda que os estudos estejam se consolidando, é verdade, na comunidade médica.

Cabe destacar que o tratamento de escolha é livre ao paciente e bastante comum para o direcionamento a entidades particulares. Contudo, não há direito à obtenção judicial de tratamento de escolha. Para que se imponha ônus ao SUS de dispensação de tratamento de elevado custo, é necessária a demonstração cabal de sua adequação, o que não acontece na hipótese dos autos.

Ao enfrentar caso semelhante (AI nº 5026045-40.2019.4.04.0000), a MMª. Juíza Federal Convocada Gisele Lemke observou, com propriedade:

Não é demais lembrar que as políticas públicas de saúde são editadas no exercício da competência administrativa dos entes públicos, por meio de atos administrativos abstratos (por oposição aos concretos) e discricionários (por oposição aos vinculados, como é exemplo o ato de aposentadoria de um servidor público). No caso das políticas de saúde se está diante do que Celso Antônio Bandeira de Mello classifica como ato discricionário quanto a seu conteúdo. Daí se infere que as políticas públicas na área da saúde não podem ser desconsideradas pelo Poder Judiciário, a não ser quando contrariem a lei (o que não ocorre na política de saúde em discussão nestes autos), porquanto se está diante do exercício de competência discricionária do Poder Executivo. Por conseguinte, não cabe à parte nem ao perito judicial pretender substituir a política pública existente, mas apenas aferir se ela está sendo devidamente cumprida ou se, esgotados os meios de tratamento nela previstos, seria justificável a utilização de outros meios de tratamento (sejam medicamentos, órteses, próteses, etc., de fora da lista oficial).

Repare-se que não se trata aqui de negar acesso da parte autora à assistência pública de saúde, mas, sim, de reconhecer que, para a obtenção do tratamento, deve ser demonstrado o esgotamento das alternativas terapêuticas disponibilizadas pelo Sistema Único de Saúde, assim como evidenciada a vantagem terapêutica do método requerido.

Apesar da urgência com a indicação do tratamento postulado, não é possível, neste momento processual, determinar a sua imediata concessão, tendo em vista que os elementos apresentados nos autos não demonstram a insuficiência da política pública.

Cuida-se, inclusive, de entendimento sedimentado no Enunciado 14 da I Jornada de Direito da Saúde do Conselho Nacional de Justiça, que afirma:

Não comprovada a inefetividade ou impropriedade dos medicamentos e tratamentos fornecidos pela rede pública de saúde, deve ser indeferido o pedido não constante das políticas públicas do Sistema Único de Saúde.

Em face do que foi dito, voto por dar provimento ao agravo de instrumento, nos termos da fundamentação.



Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003604571v2 e do código CRC 9600f77a.Informações adicionais da assinatura:
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1. https://www.cnj.jus.br/e-natjus/pesquisaPublica.php
2. https://www.cnj.jus.br/e-natjus/notaTecnica-dados.php?output=pdf&token=nt:97779:1664470097:0da6dccccb378c0a3aee6db9c853f2c90967fec9cc4916a42452df527a83aaee
3. https://www.cnj.jus.br/e-natjus/notaTecnica-dados.php?output=pdf&token=nt:96732:1664470098:707c7c573d9b7472532fb186fe2be3f6e829a9d9e9c1a85a0ca33c3b1867de5d
4. https://www.cnj.jus.br/e-natjus/notaTecnica-dados.php?output=pdf&token=nt:97988:1664470097:f2b86bb655e463587d9ad8d9dfc5acdadeb9f4fd56a5f20aacfe6dcd5e6f3a02
5. https://www.cnj.jus.br/e-natjus/notaTecnica-dados.php?output=pdf&token=nt:97957:1664470097:d1835b929eff35fb197a6093585304aa2158d2ac7b2763d87442c454594ba8a9

5037414-26.2022.4.04.0000
40003604571.V2


Conferência de autenticidade emitida em 03/12/2022 04:01:13.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Agravo de Instrumento Nº 5037414-26.2022.4.04.0000/RS

RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

AGRAVANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

AGRAVADO: THEO JOHANN BUBLITZ (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC))

REPRESENTANTE LEGAL DO AGRAVADO: LETICIA BARCAROLLO JOHANN (Pais)

AGRAVADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. PRESTAÇÃO DE SAÚDE. método ABA (Applied Behavioral Analysis, ou Análise do Comportamento Aplicada). TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA). TRATAMENTO AUSENTE DAS LISTAS DE DISPENSAÇÃO DO SUS. VANTAGEM TERAPÊUTICA NÃO EVIDENCIADA. ALTERNATIVAS DISPONÍVEIS.

1. A concessão de tratamento que não conste das listas de dispensação do Sistema Único de Saúde (SUS) deve atender aos seguintes requisitos: (a) a inexistência de tratamento ou medicamento, similar ou genérico, oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem resultado prático ao paciente ou sua inviabilidade, em cada caso, devido a particularidades que apresenta; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento para a moléstia especificada; (c) a sua aprovação pela ANVISA; e (d) a não-configuração de tratamento experimental.

2. É ônus das partes a prova da existência ou ausência de evidência científica quanto ao resultado pretendido na realização de tratamento, dispensação de fármaco ou emprego de nova tecnologia, na afirmação do direito à saúde.

3. É indevido o fornecimento de tratamento cuja vantagem terapêutica não está comprovada. A concessão de tutela de urgência é condicionada, ainda, à demonstração do esgotamento ou da ineficácia dos tratamentos disponibilizados na rede pública de saúde.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 22 de novembro de 2022.



Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003604572v3 e do código CRC c43baf56.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 26/11/2022, às 20:23:48


5037414-26.2022.4.04.0000
40003604572 .V3


Conferência de autenticidade emitida em 03/12/2022 04:01:13.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 14/11/2022 A 22/11/2022

Agravo de Instrumento Nº 5037414-26.2022.4.04.0000/RS

RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

PROCURADOR(A): ALEXANDRE AMARAL GAVRONSKI

AGRAVANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

AGRAVADO: THEO JOHANN BUBLITZ (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC))

ADVOGADO(A): NAILE LICKS MORAIS (OAB RS065960)

REPRESENTANTE LEGAL DO AGRAVADO: LETICIA BARCAROLLO JOHANN (Pais)

AGRAVADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 14/11/2022, às 00:00, a 22/11/2022, às 16:00, na sequência 409, disponibilizada no DE de 03/11/2022.

Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

Votante: Juiz Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL

Votante: Juiz Federal RODRIGO KOEHLER RIBEIRO

LIDICE PEÑA THOMAZ

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 03/12/2022 04:01:13.

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