Agravo de Instrumento Nº 5007057-92.2024.4.04.0000/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
AGRAVANTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
AGRAVADO: LOINA SOUZA DA CRUZ
RELATÓRIO
O Estado do Rio Grande do Sul interpôs agravo de instrumento, com requerimento de atribuição de efeito suspensivo, contra decisão que deferiu o pedido de tutela de urgência (
, do processo originário), determinando-lhe o fornecimento do medicamento pembrolizumabe, destinado ao tratamento de neoplasia pulmonar metastática (CID C34).O agravante destacou, inicialmente, o caráter irreversível da antecipação de tutela concedida na origem, a evidenciar o dano de difícil reparação capaz de justificar a atribuição de efeito suspensivo ao recurso. Discorreu acerca da doença que acomete a parte autora e sobre o medicamento por ela postulado, sustentando que a concessão judicial do medicamento depende da demonstração da insuficiência da política pública. No mais, aduziu de que a responsabilidade pelo fornecimento de medicamento oncológico compete à União Federal. Argumentou, em síntese, que a decisão agravada vai de encontro ao enunciado no Tema 793 do Supremo Tribunal Federal (STF) e às regras de repartição de competências reguladas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Requereu, assim, a atribuição de efeito suspensivo ao recurso, a fim de que sejam sustados os efeitos da decisão antecipatória e, ao final, seja reconhecida a responsabilidade exclusiva da União pelo fornecimento e custeio do fármaco pleiteado. Em caráter subsidiário, postulou a declaração do direito de se ressarcir em face da União em caso de bloqueio de valores operacionalizado em detrimento do erário estadual, nos próprios autos.
Foi deferido o pedido de efeito suspensivo.
Sem contrarrazões, vieram os autos.
VOTO
Os requisitos para o deferimento da tutela de urgência estão indicados no art. 300 do Código de Processo Civil, que assim dispõe:
A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
§ 1º Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.
§ 2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.
§ 3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.
Conclui-se, portanto, ser indispensável para o deferimento de provimento antecipatório não só a probabilidade do direito, mas também a presença de perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, aos quais se deverá buscar, na medida do possível, maior aproximação do juízo de segurança previsto na norma, sob pena de subversão da finalidade do instituto da tutela antecipatória.
Em relação à probabilidade do direito, cumpre observar que a Constituição Federal consagra a saúde como direito fundamental, seja ao contemplá-la como direito social no art. 6º, seja ao estabelecê-la como "direito de todos e dever do Estado", no art. 196. O constituinte assegurou, com efeito, a satisfação desse direito "mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos", bem como o "acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação."
Embora a aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos fundamentais seja imposta já pelo §1º do art. 5º da CF, no caso do direito à saúde, foi editada a Lei nº 8.080/90, a qual expressamente inclui, no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS), a assistência farmacêutica (art. 6º, I, d). Desse modo, a Política Nacional de Medicamentos e Assistência Farmacêutica integra a Política Nacional de Saúde, tendo como finalidade garantir a todos o acesso aos medicamentos necessários, quer interferindo em preços, quer fornecendo gratuitamente as drogas de acordo com as necessidades.
Daí não se depreende, todavia, a existência de direito subjetivo a fornecimento de todo e qualquer medicamento. Afinal, mesmo o direito à saúde, a despeito de sua elevada importância, não constitui um direito absoluto. A pretensão de cada postulante deve ser considerada não apenas sob perspectiva individual, mas também à luz do contexto político e social em que esse direito fundamental é tutelado. Isto é, a proteção do direito à saúde, sob o enfoque particular, não pode comprometer a sua promoção em âmbito coletivo, por meio das políticas públicas articuladas para esse fim.
A denominada “judicialização do direito à saúde” impõe, com efeito, tensões de difícil solução. De um lado, a proteção do núcleo essencial do direito à saúde e do “mínimo existencial” da parte requerente, intimamente ligado à dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, III). De outro, o respeito ao direito dos demais usuários do SUS e a atenção à escassez e à finitude dos recursos públicos, que se projetam no princípio da reserva do possível. Associado a este problema está, de modo mais amplo, o exame do papel destinado ao Poder Judiciário na tutela dos direitos sociais, conforme a Constituição Federal de 1988, que consagra, como se sabe, tanto a inafastabilidade do acesso à justiça (art. 5º, XXXV) como a separação dos Poderes (art. 2º).
A jurisprudência tem apontado parâmetros para equacionar essa contradição, orientando o magistrado no exame, caso a caso, das pretensões formuladas em juízo. Assume especial relevo, nesse contexto, a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na Suspensão de Tutela Antecipada nº 175, de relatoria do Min. Gilmar Mendes, após a realização de audiências públicas e amplo debate sobre o tema. Nesse precedente, foi assentado: esse direito subjetivo público é assegurado mediante políticas sociais e econômicas, ou seja, não há um direito absoluto a todo e qualquer procedimento necessário para a proteção, promoção e recuperação da saúde, independentemente da existência de uma política pública que o concretize” (STA 175 AgR, Relator(a): Min. GILMAR MENDES (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 17/03/2010, DJe-076 DIVULG 29-04-2010 PUBLIC 30-04-2010 EMENT VOL-02399-01 PP-00070).
Assim, cumpre examinar, primeiramente, se existe ou não uma política pública que abranja a prestação pleiteada pela parte. Se referida política existir - isto é, se o medicamento solicitado estiver incluído nas listas de dispensação pública do SUS -, não há dúvida de que o postulante tem direito subjetivo à concessão do fármaco, cabendo ao Poder Judiciário assegurar-lhe o seu fornecimento.
Todavia, se o medicamento requerido não constar nas listas de dispensação do SUS, extrai-se, do precedente mencionado, a necessidade de se observar alguns critérios, quais sejam: (a) a inexistência de tratamento ou medicamento similar ou genérico oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem resultado prático ao paciente ou sua inadequação a ele devido a peculiaridades que apresenta; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento pleiteado para a moléstia que acomete o paciente; (c) a aprovação do medicamento pela ANVISA; e (d) a não configuração de tratamento experimental.
Atendidos estes requisitos, o medicamento deve ser concedido. Nessa hipótese, não constitui razão suficiente para indeferi-lo a mera invocação, pelo ente público, do princípio da reserva do possível. Nesse sentido, assentou o Min. Celso de Mello:
Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da "reserva do possível" - ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível - não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se, dolosamente, do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.
(...) entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde - que se qualifica como direito subjetivo inalienável a todos assegurado pela própria Constituição da República (art. 5º, "caput", e art. 196) - ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo, uma vez configurado esse dilema, que razões de ordem ético-jurídica impõem, ao julgador, uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humanas.
(...) a missão institucional desta Suprema Corte, como guardiã da superioridade da Constituição da República, impõe, aos seus Juízes, o compromisso de fazer prevalecer os direitos fundamentais da pessoa, dentre os quais avultam, por sua inegável precedência, o direito à vida e o direito à saúde. (STA 175, Rel. Min. Celso de Mello, DJE 30/04/2010)
Demais, o Superior Tribunal de Justiça apreciou recurso especial repetitivo sobre a matéria (REsp 1657156/RJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 25/04/2018, DJe 04/05/2018), arrolando três requisitos para a concessão de medicamento não incluído em ato normativo do SUS, conforme se percebe a seguir:
Tema 106: A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: (i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; (ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; (iii) existência de registro na ANVISA do medicamento.
Houve modulação dos efeitos desta decisão, de modo a que se observe e exija a presença desses requisitos somente em ações distribuídas a partir da respectiva publicação.
Deduzidas essas considerações sobre a questão de fundo, passa-se ao exame da probabilidade do direito alegado, sob o enfoque da tutela de urgência.
A parte autora postula o fornecimento de pembrolizumabe para o tratamento paliativo de neoplasia pulmonar metastática (CID C34).
O medicamento prescrito objetiva prolongar a sobrevida e o tempo livre de progressão da doença, sem, no entanto, modificar o desfecho.
O medicamento ora postulado integra o rol de fármacos já aprovados pela ANVISA, mas não pertence à Relação Nacional de Medicamentos Essenciais – RENAME e não faz parte de nenhum programa de medicamentos de Assistência Farmacêutica do SUS.
As Diretrizes Diagnósticas e Terapêuticas (DDT) da Neoplasia de Pulmão, aprovadas pela Portaria nº 957, de 26 de setembro de 2014, do Ministério da Saúde, não incluem o pembrolizumabe entre as alternativas de tratamento da doença:1
(...)
5.2. CÂNCER DE PULMÃO DE CÉLULAS NÃO PEQUENAS
5.2.1. CIRURGIA
A cirurgia é a modalidade terapêutica com maior potencial curativo para os casos de carcinoma pulmonar de células não pequenas (CPCNP), nos doentes com doençalocalizada ao diagnóstico realizada por toracotomia ou toracoscopia vídeoassistida[31,32]. No intra-operatório, o cirurgião optará, dependendo da extensão real do tumor e da necessidade de sepreservar a função pulmonar, pela ressecção em cunha, segmentectomia, lobectomia ou mesmopneumectomia com ressecção das cadeias linfáticas regionais[33]. Enquanto nos ensaios clínicoscom doentes em estágio I o prognóstico após lobectomia ou uma ressecção menor parece sersimilar, dados acumulados da prática clínica sugerem que os resultados oncológicos são inferiorescom ressecções em cunha e segmentectomias[34,35]. Em casos selecionados de metástasecerebral isolada, sincrônica ou metacrônica, a ressecção cirúrgica completa da lesão ensejaprognóstico mais favorável que o tratamento paliativo exclusivo[36].
5.2.2. RADIOTERAPIA
A radioterapia externa (teleterapia) tem indicação nos casos de CPCNP em qualquer estágiotumoral, com finalidade curativa ou paliativa e em uso associado ou combinado com a cirurgia oua quimioterapia. A irradiação ablativa estereotática (83,2 Gy a 146 Gy) é uma modalidade deradioterapia que pode ser indicada para doentes no estádio I que não apresentem condiçõesclínicas para tratamento cirúrgico [37-39]. A irradiação torácica associada à quimioterapiasistêmica promove a cura de uma pequena parcela de doentes com doença localizadainoperável[40,41]. A irradiação craniana profilática não é indicada para casos de CPCNP[42].Sintomas de progressão locorregional ou de acometimento metastático ósseo ou do sistemanervoso podem ser paliados com a teleterapia; a braquiterapia endoluminal pode ser empregada napaliação de sintomas respiratórios, mas não parece conferir vantagem adicional à radioterapiaexterna [43].
5.2.3. QUIMIOTERAPIA
O esquema terapêutico padrão para a quimioterapia prévia ou adjuvantedo CPCP é associação de cisplatina com o etoposido. A quimioterapia adjuvante confere maiorsobrevida para doentes com doença localizada operados[44,45]. Alguns doentes com doençalocalmente avançada logram benefício com quimioterapia prévia à cirurgia, tratamento associadoou não à radioterapia[46-48]. Em doentes com doença avançada ou metastática ao diagnóstico, aquimioterapia paliativa resulta em modesto incremento na sobrevida mediana (2-3 meses), compossibilidade de controle temporário dos sintomas, mas sem expectativa de cura, [49-53]. Muito sesquemas de quimioterapia sistêmica podem ser usados com finalidade paliativa, contendo medicamentos tais como cisplatina, carboplatina, etoposido, mitomicina C, vimblastina, vinorelbina, gemcitabina, docetaxel, paclitaxel, pemetrexede, erlotinibe, gefitinibe, bevacizumabe e cetuximabe, em monoterapia ou em associações, por até três linhas detratamento[49]. A seleção do tratamento deve considerar as características fisiológicas ecapacidade funcional individuais, tipo histológico, perfil de toxicidade clínica, preferências dodoente e protocolos terapêuticos institucionais. Recomenda-se que a quimioterapia paliativa de 1ªlinha seja indicada para doentes com capacidade funcional 0, 1 ou 2 na escala de Zubrod. Quandomedicamente possível, o tratamento deve ser feito com esquema terapêutico contendo cisplatinaou carboplatina, associada com um segundo agente antineoplásico[54,55]. Em um único ensaioclínico, a adição de bevacizumabe à quimioterapia de 1ª linha com carboplatina e paclitaxelpromoveu aumento de sobrevida (diferença de 2 meses no tempo mediano de sobrevida) para umsubgrupo selecionado de doentes: capacidade funcional 0 ou 1, subtipo histológico não escamoso,sem metástase cerebral, sem hemoptise, e à custa de maior toxicidade[56]. Inexiste evidência debenefício semelhante para a associação de bevacizumabe a outros esquemas de quimioterapia de1ª linha, e revisões sistemáticas dos estudos de fase III publicados são contraditórias quanto a haver alguma vantagem para tratamentos contendo bevacizumabe[57-59]. A adição decetuximabe à quimioterapia de 1ª linha com cisplatina e vinorelbina promoveu aumento desobrevida (diferença de 1,2 meses) para um subgrupo selecionado de doentes (capacidadefuncional 0 ou 1, tumores com expressão do receptor para o fator de crescimento epitelial) e àcusta de maior toxicidade[60,61]. Apesar de que tal benefício não foi observado com ocetuximabe em associação ao esquema carboplatina e paclitaxel[62], revisões sistemáticas deestudos controlados de fase II-III sugerem incremento de sobrevida com cetuximabe associado aesquemas contendo cisplatina - diferença de 6% na taxa de sobrevida em 1 ano [63,64]. Hánecessidade de corroboração dos resultados de eficácia e segurança das pesquisas clínicas combevacizumabe e cetuximabe no tratamento do câncer de pulmão, antes que seu uso possa seradotado rotineiramente. A presença da mutação do gene que codifica o receptor para o fator decrescimento epitelial (EFGR) é um fator preditivo de resposta aos inibidores do sítio da tirosina-quinase associada ao EGFR, tais como o erlotinibe e o gefitinibe. Nesta condição, monoterapiacom um destes medicamentos é uma opção terapêutica aceitável para quimioterapia paliativainicial ou após falha a outro esquema terapêutico[65-68]. Recomenda-se que a quimioterapiapaliativa de 2ª linha ou 3ª linha seja realizada apenas para doentes com capacidade funcional 0 ou1 na escala de Zubrod. Inexiste evidência científica de que o tratamento antineoplásico paliativode 2ª ou 3ª linha seja seguro ou eficaz para doentes com capacidade funcional comprometida(nível igual ou maior que 2 na escala de Zubrod). O esquema quimioterápico deve ser selecionadosegundo o esquema usado anteriormente e o perfil de segurança e eficácia então observados,indicando-se preferencialmente medicamentos antineoplásicos em monoterapia[49,69,70]. Oinício imediato da quimioterapia de 2ª linha após o término da quimioterapia inicial ou“tratamento de manutenção”, com erlotinibe ou pemetrexede[71,72], parece conferir vantagemsobre o mesmo tratamento quando iniciado após a progressão clínica da doença, mas hánecessidade de corroboração dos resultados de eficácia iniciais e melhor definição do perfil dedoentes que se beneficiariam, antes que esta conduta possa ser generalizada como rotina[73-75].
(...)
Opções Terapêuticas por Estágio Clínico
(...)
Estágio IIIB, IV e doença recidivada:
Radioterapia torácica associada ou não à quimioterapia;
Quimioterapia paliativa;
Ressecção cirúrgica de metástase cerebral isolada, seguida ou não por radioterapia craniana;
Radioterapia externa, associada ou não à radioterapia intersticial, para lesões endobrônquicassintomáticas;
Radioterapia paliativa, com finalidade antiálgica ou hemostática
O relatório médico apresentado no processo originário (
) informa que a autora apresenta doença avançada por metástases e prescreve pembrolizumabe para associação a tratamento quimioterápico paliativo de primeira linha.Entretanto, deixou de apontar evidências para corroborar a sugestão de que a medicação, de fato, trará algum proveito efetivo à parte autora ou, mesmo, se é vantajosa comparativamente às fornecidas pelo SUS. Faltam estudos com qualidade metodológica que possam dar suporte à pretensão.
O documento fornecido também não menciona contraindicações aos demais medicamentos constantes das Diretrizes Diagnósticas e Terapêuticas.
Tendo em conta a absoluta excepcionalidade que circunda o deferimento da medida de urgência, não parece que a conclusão expressa no laudo médico seja efetivamente elucidativa no sentido de confirmar a imprescindibilidade da medicação requerida.
A ingerência judicial no SUS exige redobrada cautela do magistrado e substanciais elementos de prova a indicar a verossimilhança das alegações.
Trata-se de assunto de alta complexidade, que demanda, especialmente quando envolvido o dispêndio de elevada quantia para o custeio do tratamento, exame cauteloso dos fatos com base nas provas constantes nos autos.
Cumpre reconhecer que, de regra, a prescrição do médico assistente da parte autora não constitui fundamento suficiente para se deferir judicialmente - ainda que em sede de tutela provisória - a concessão de medicamento não inserido nas listas públicas de dispensação. Nesse sentido, inclusive, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região editou a Súmula nº 101, com o seguinte teor:
Para o deferimento judicial de prestações de saúde não inseridas em um protocolo pré-estabelecido, não basta a prescrição do médico assistente, fazendo-se necessária a produção de provas atestando a adequação e a necessidade do pedido.
Deve ser referendado por parecer técnico o esgotamento das possibilidades terapêuticas fornecidas pelo SUS e a imprescindibilidade do medicamento, diante de comprovação da superioridade da droga requerida frente a outros medicamentos dispensados no âmbito da política pública, o que não é o caso dos autos.
De acordo com a medicina baseada em evidências registrada pelo Núcleo de Apoio Técnico ao Poder Judiciário (NATJUS) em seu banco de dados, não se pode dizer que se trata de medicação indispensável.
A Nota Técnica produzida no processo originário, formulada pelo Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário Federal do Rio Grande do Sul, no caso concreto, tem conclusão desfavorável à dispensação do medicamento requerido. Colhe-se (origem,
):(...) Para pacientes no estágio clínico IV, as DDT do Câncer de Pulmão recomendam as seguintes abordagens terapêuticas: quimioterapia paliativa; ressecção cirúrgica de metástase cerebral isolada, quando for o caso, seguida ou não por radioterapia craniana; radioterapia externa, associada ou não à radioterapia intersticial, para lesões endobrônquicas sintomáticas; radioterapia paliativa, com finalidade antiálgica ou hemostática (2). A quimioterapia paliativa resulta em modesto incremento na sobrevida mediana (2-3 meses), com possibilidade de controle temporário dos sintomas, mas sem expectativa de cura. Muitos esquemas de quimioterapia sistêmica podem ser usados com finalidade paliativa, contendo medicamentos tais como cisplatina, carboplatina, etoposídeo, mitomicina C, vimblastina, vinorelbina, gemcitabina, docetaxel, paclitaxel, pemetrexede, erlotinibe, gefitinibe, bevacizumabe e cetuximabe, em monoterapia ou em associações, por até três linhas de tratamento. Recomenda-se que a quimioterapia paliativa de 1ª linha seja indicada para doentes com capacidade funcional 0, 1 ou 2 na escala de ECOG. Quando medicamente possível, o tratamento deve ser feito com esquema terapêutico contendo cisplatina ou carboplatina, associada com um segundo agente antineoplásico (2).
(...)
5.7 Alternativa disponível no SUS: sim. No SUS estão disponíveis outros esquemas como quimioterapia citotóxica e tratamentos não farmacológicos (2).
(...)
6.4 Conclusão técnica: desfavorável
6.5 Justificativa:
A evidência do uso de pembrolizumabe em combinação com quimioterapia para o tratamento de primeira linha de pacientes com CPNPC em é proveniente de um estudo clínico de fase III de boa qualidade metodológica e que demonstrou ganho de sobrevida livre de progressão e ganho em sobrevida global que chegou a 11 meses em comparação com o tratamento padrão com quimioterapia com duas drogas.
Entretanto, cabem considerações de custo e custo-efetividade. É razoável estimar que o esquema terapêutico pleiteado apresente um perfil de custo-efetividade desfavorável para a realidade brasileira - ou seja, o benefício ganho com a sua incorporação não ultrapassa o benefício perdido pelo deslocamento de outras intervenções em saúde que não mais poderiam ser adquiridas com o mesmo investimento, perfazendo portanto mau uso dos recursos disponíveis ao sistema. Agências de avaliação de tecnologias de outros países recomendaram a incorporação do tratamento em seus sistemas apenas após acordo de redução de preço. O impacto orçamentário da terapia pleiteada, mesmo em decisão isolada, é elevado, com potencial de comprometimento de recursos públicos extraídos da coletividade - recursos públicos que são escassos e que possuem destinações orçamentárias com pouca margem de realocação, e cujo uso inadequado pode acarretar prejuízos a toda a população assistida pelo SUS.
Compreende-se o desejo do paciente e da equipe assistente de buscar tratamento para uma doença cuja expectativa de vida é baixa na situação clínica apresentada. No entanto, frente ao modesto benefício incremental estimado; à estimativa de perfil de custo-efetividade desfavorável; ao alto impacto orçamentário mesmo em decisão isolada; e na ausência de avaliação pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde, entendemos que se impõe o presente parecer desfavorável.
No mesmo sentido, é possível constatar, a partir de consulta ao Núcleo de Apoio Técnico ao Poder Judiciário (eNATJUS), subsídios técnicos igualmente desfavoráveis à proposição de pembrolizumabe em circunstâncias similares aos autos, em conformidade às atuais diretrizes ao sistema público de saúde. Destacam-se as Notas Técnicas nº 550752 e 561953.
Como foi acima delineado, o fornecimento de fármacos excepcionalmente no âmbito judicial pressupõe a inexistência de tratamento oferecido pelo SUS.
No caso concreto, conforme expõem as Notas Técnicas, a rede pública de saúde oferece tratamento para a doença em questão. Não é possível afirmar, portanto, que não há tratamento eficaz.
Tampouco é possível sustentar que o medicamento pleiteado acarreta, ainda que potencialmente, diferença de eficácia significativa a ponto de caracterizar o insucesso da terapia fornecida pelo SUS.
Além disso, em síntese comparativa, a medicação pleiteada não tem respaldo na literatura para custo-efetividade.
Tratando-se de tentar obter efeitos paliativos de curto prazo, com base nas diretrizes vigentes, tem-se que há alternativas terapêuticas com resultados similares para paliação, a par dos esquemas antineoplásicos incorporados.
Não é possível ignorar considerações de custo-efetividade, expressamente prevista pela legislação brasileira desde o ano de 2011, quando a Lei nº 8.080 passou a ter a seguinte redação:
Art. 19-O. Os protocolos clínicos e as diretrizes terapêuticas deverão estabelecer os medicamentos ou produtos necessários nas diferentes fases evolutivas da doença ou do agravo à saúde de que tratam, bem como aqueles indicados em casos de perda de eficácia e de surgimento de intolerância ou reação adversa relevante, provocadas pelo medicamento, produto ou procedimento de primeira escolha. (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)
Parágrafo único. Em qualquer caso, os medicamentos ou produtos de que trata o caput deste artigo serão aqueles avaliados quanto à sua eficácia, segurança, efetividade e custo-efetividade para as diferentes fases evolutivas da doença ou do agravo à saúde de que trata o protocolo. (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011) [...]
Art. 19-Q. A incorporação, a exclusão ou a alteração pelo SUS de novos medicamentos, produtos e procedimentos, bem como a constituição ou a alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica, são atribuições do Ministério da Saúde, assessorado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS. (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)
§ 1o A Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS, cuja composição e regimento são definidos em regulamento, contará com a participação de 1 (um) representante indicado pelo Conselho Nacional de Saúde e de 1 (um) representante, especialista na área, indicado pelo Conselho Federal de Medicina. (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)
§ 2o O relatório da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS levará em consideração, necessariamente: (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)
I - as evidências científicas sobre a eficácia, a acurácia, a efetividade e a segurança do medicamento, produto ou procedimento objeto do processo, acatadas pelo órgão competente para o registro ou a autorização de uso; (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)
II - a avaliação econômica comparativa dos benefícios e dos custos em relação às tecnologias já incorporadas, inclusive no que se refere aos atendimentos domiciliar, ambulatorial ou hospitalar, quando cabível.
Portanto, tendo em vista a existência de tratamento oferecido para a doença pelo SUS, bem como as atuais regras constantes da Lei 8.080, que definem os critérios para fornecimento de medicamentos e produtos de interesse para a saúde (art. 19-M) e de incorporação de novas tecnologias (art. 19-Q), não cabe ao Judiciário determinar seu fornecimento, sob pena de violação às referidas normas e indevida ingerência na política de saúde pública vigente.
Embora seja possível que o Ministério da Saúde, futuramente, conclua pela possibilidade de incorporação do tratamento pleiteado ao SUS, inafastável que é ao referido órgão, e não ao Poder Judiciário, que incumbe analisar a conveniência e possibilidade dessa incorporação, não apenas do ponto de vista da segurança e maior eficácia do novo tratamento, mas especialmente do ponto de vista da viabilidade de sua adequação à política pública de saúde.
Os documentos médicos não se revelaram conclusivos no sentido de atestar a superioridade terapêutica do tratamento requerido. Embora o medicamento postulado possa representar uma alternativa à doença apresentada pela parte autora, não se pode dizer que tenham sido comprovadas as vantagens da medicação aqui pretendida frente às disponíveis no SUS.
Cabe a determinação judicial de fornecimento de tecnologias de saúde em situações não-previstas apenas em caráter excepcional, desde que sejam comprovadamente inadequados ao paciente os protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas instituídas no âmbito do SUS.
Cumpre notar que a parte autora é portadora de neoplasia pulmonar avançada (metastática e em progressão, em estágio IV). O prognóstico, nesse caso, é reservado e a expectativa de resultado com a medicação postulada parece modesta.
Dado o estágio atual da doença e a performance clínica da paciente, não há como afirmar que a medicação seja indispensável, pois a doença é incurável. A medicação pode aumentar o tempo de estabilização, mas não há aumento significativo da sobrevida global nessas circunstâncias, nem mudança de paradigma de neoplasia avançada.
Diante das circunstâncias e das especificidades do tratamento, em se tratando de medicamento de elevado custo, de finalidade somente paliativa, cuja vantagem terapêutica carece de consenso científico, como visto, entende-se indevida a sua dispensação.
Apesar da urgência com a indicação do medicamento pleiteado, não é possível, neste momento processual, determinar a sua imediata concessão, tendo em vista que os elementos carreados aos autos não demonstram a insuficiência da política pública.
Para a concessão de medicamento não inserido na lista de dispensação do SUS, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região é firme em exigir que a parte comprove o esgotamento ou a ineficácia dos tratamentos disponibilizados na rede pública de saúde. Confira-se, a título ilustrativo, os seguintes arestos:
PREVIDENCIÁRIO. PRESTAÇÃO DE SAÚDE. PEMBROLIZUMABE. TRATAMENTO ONCOLÓGICO PELA REDE PÚBLICA. ALTERNATIVAS DISPONÍVEIS. VANTAGEM TERAPÊUTICA NÃO EVIDENCIADA. 1. A concessão de medicamento que não conste das listas de dispensação do Sistema Único de Saúde (SUS) deve atender aos seguintes requisitos: (a) a inexistência de tratamento ou medicamento, similar ou genérico, oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem resultado prático ao paciente ou sua inviabilidade, em cada caso, devido a particularidades que apresenta; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento para a moléstia especificada; (c) a sua aprovação pela ANVISA; e (d) a não-configuração de tratamento experimental. 2. É possível o fornecimento de medicação prescrita por médico vinculado a Rede de Atenção Oncológica, em cujo âmbito é prestado atendimento pelo SUS, uma vez que seja evidenciada a sua vantagem terapêutica, e desde que demonstrado o esgotamento ou a ineficácia dos tratamentos disponibilizados na rede pública de saúde. 3. É ônus das partes a prova da existência ou ausência de evidência científica quanto ao resultado pretendido na realização de tratamento, dispensação de fármaco ou emprego de nova tecnologia, na afirmação do direito à saúde. (TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5008157-19.2023.4.04.0000, 5ª Turma, Juíza Federal ADRIANE BATTISTI, POR MAIORIA, JUNTADO AOS AUTOS EM 15/06/2023)
PREVIDENCIÁRIO. PRESTAÇÃO DE SAÚDE. PEMBROLIZUMABE. TRATAMENTO ONCOLÓGICO PELA REDE PÚBLICA. ALTERNATIVAS DISPONÍVEIS. VANTAGEM TERAPÊUTICA NÃO EVIDENCIADA. 1. A concessão de medicamento que não conste das listas de dispensação do Sistema Único de Saúde (SUS) deve atender aos seguintes requisitos: (a) a inexistência de tratamento ou medicamento, similar ou genérico, oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem resultado prático ao paciente ou sua inviabilidade, em cada caso, devido a particularidades que apresenta; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento para a moléstia especificada; (c) a sua aprovação pela ANVISA; e (d) a não-configuração de tratamento experimental. 2. É possível o fornecimento de medicação prescrita por médico vinculado a Rede de Atenção Oncológica, em cujo âmbito é prestado atendimento pelo SUS, uma vez que seja evidenciada a sua vantagem terapêutica, e desde que demonstrado o esgotamento ou a ineficácia dos tratamentos disponibilizados na rede pública de saúde. 3. É ônus das partes a prova da existência ou ausência de evidência científica quanto ao resultado pretendido na realização de tratamento, dispensação de fármaco ou emprego de nova tecnologia, na afirmação do direito à saúde. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5038172-45.2022.4.04.7100, 5ª Turma, Juíza Federal ADRIANE BATTISTI, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 17/05/2023)
DIREITO DA SAÚDE. AGRAVO DE INSTRUMENTO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. PEMBROLIZUMABE (KEYTRUDA®). ADENOCARCINOM,A DE PULMÃO METASTÁTICO. NÃO EVIDENCIADA VANTAGEM TERAPÊUTICA. (...) 4. Não comprovada a existência de vantagem terapêutica do medicamento postulado em relação ao disponibilizado pelo SUS, não deve ser judicialmente deferida a dispensação do fármaco requerido. 4. Não basta a prescrição do assistente técnico da parte para firmar conclusão de que o medicamento é indispensável para o tratamento da autora, nos termos da Súmula 101 desta Corte, sendo o caso de se produzir prova pericial para dar respaldo à prescrição médica. (TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5004730-48.2022.4.04.0000, 5ª Turma, Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 04/05/2022)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO ONCOLÓGICO. PEMBROLIZUMABE (KEYTRUDA®) PARA TRATAMENTO DE ADENOCARCINOMA DE PULMÃO METASTÁTICO. TUTELA DE URGÊNCIA. REQUISITOS AUSENTES.(...) 5. Em um juízo perfunctório, no entanto, verifica-se óbice à dispensação da medicação requerida, no atual estágio da doença que acomete o demandante, na medida em que não houve demonstração da sua eficácia ao caso concreto e, tampouco, a superioridade da droga requerida. 6. Os documentos que instruem a petição inicial, sobretudo os laudos médicos, não fornecem informações suficientes acerca da necessidade e da adequação do medicamento postulado, bem como dos riscos da sua realização ou não, falecendo de fundamentos o receio da ausência do tratamento requerido e a própria verossimilhança do direito alegado. 7. Considerando a imprescindibilidade de análise técnica, mostra-se necessária a realização de perícia médica, a fim de atestar a eficácia do tratamento postulado no caso concreto, não prosperando qualquer alegação no sentido da desnecessidade da realização de perícia judicial. 8. Ausentes, por ora, os pressupostos indispensáveis para a concessão da antecipação dos efeitos da tutela pretendida, nos termos do artigo 300 do CPC, deve ser mantida a decisão monocrática que indeferiu a medida. (TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5018054-42.2021.4.04.0000, 10ª Turma, Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 12/08/2021)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. KEYTRUDA (PEMBROLIZUMABE). ALTERNATIVAS TERAPÊUTICAS EXISTENTES NO SUS. NÃO ESGOTAMENTO. Somente fará jus ao fornecimento do medicamento pelo Poder Público a parte que demonstra a respectiva imprescindibilidade, que consiste na conjugação da necessidade e adequação do fármaco e da ausência de alternativa terapêutica. Havendo pareces técnicos que atestam existir outras alternativas disponíveis no âmbito do SUS, bem como revelam ausência de vantagem terapêutica do tratamento postulado em relação aos tratamentos da rede pública, tem-se que não há evidência nos autos da presença dos requisitos autorizadores da tutela pretendida. (TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5043696-85.2019.4.04.0000, 5ª Turma, Juíza Federal GISELE LEMKE, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 18/12/2019)
A se admitir que o tratamento da enfermidade seja realizado à margem do Sistema Único de Saúde, obrigar o Estado apenas ao fornecimento de determinado fármaco implicaria prejuízo à correta implementação da correspondente política pública desenvolvida.
Cuida-se, inclusive, de entendimento sedimentado no Enunciado 14 da I Jornada de Direito da Saúde do Conselho Nacional de Justiça, que afirma:
Não comprovada a inefetividade ou impropriedade dos medicamentos e tratamentos fornecidos pela rede pública de saúde, deve ser indeferido o pedido não constante das políticas públicas do Sistema Único de Saúde.
Sobre o tema, a Desembargadora Federal Gisele Lemke observou, com propriedade, no julgamento do AI nº 5026045-40.2019.4.04.0000:
Não é demais lembrar que as políticas públicas de saúde são editadas no exercício da competência administrativa dos entes públicos, por meio de atos administrativos abstratos (por oposição aos concretos) e discricionários (por oposição aos vinculados, como é exemplo o ato de aposentadoria de um servidor público). No caso das políticas de saúde se está diante do que Celso Antônio Bandeira de Mello classifica como ato discricionário quanto a seu conteúdo. Daí se infere que as políticas públicas na área da saúde não podem ser desconsideradas pelo Poder Judiciário, a não ser quando contrariem a lei (o que não ocorre na política de saúde em discussão nestes autos), porquanto se está diante do exercício de competência discricionária do Poder Executivo. Por conseguinte, não cabe à parte nem ao perito judicial pretender substituir a política pública existente, mas apenas aferir se ela está sendo devidamente cumprida ou se, esgotados os meios de tratamento nela previstos, seria justificável a utilização de outros meios de tratamento (sejam medicamentos, órteses, próteses, etc., de fora da lista oficial).
Cabe destacar que o tratamento de escolha é livre ao paciente e bastante comum em atendimentos privados. Contudo, não há direito à obtenção judicial de tratamento de escolha. Para que se imponha ônus ao SUS para custear tratamento de elevada despesa, como o requerido, com duração indeterminada, é necessária a demonstração cabal da imprescindibilidade, o que não ocorre na hipótese dos autos.
Não está evidenciada, desse modo, a probabilidade do direito alegado.
Em face do que foi dito, voto por dar provimento ao agravo de instrumento, nos termos da fundamentação.
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Agravo de Instrumento Nº 5007057-92.2024.4.04.0000/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
AGRAVANTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
AGRAVADO: LOINA SOUZA DA CRUZ
VOTO DIVERGENTE
Peço vênia para divergir pelas razões a seguir explicitadas.
Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo Estado contra a decisão interlocutória que deferiu a entrega do medicamento pembrolizumabe, destinado ao tratamento de neoplasia pulmonar metastática (CID C34).
O Relator vota por dar provimento ao recurso para afastar a entrega da medicação. Para Sua Excelência, não há evidências científicas favoráveis.
Pois bem.
Acerca da probabilidade do direito à saúde, cabe avaliar em juízo de cognição sumária, a alegação do agravante.
Sobre a entrega de medicamentos pela via judicial, em específico, o Superior Tribunal de Justiça em julgamento realizado sob a sistemática dos recursos repetitivos assentou que a concessão de remédios não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa da comprovação da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento; da ineficácia do tratamento fornecido pelo sistema público de saúde; da incapacidade financeira do postulante e da existência de registro na ANVISA para o uso pleiteado (STJ, EDcl no REsp 1657156/RJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 12/09/2018, DJe 21/09/2018). Mas já se admitiu, em situações excepcionais, a entrega de medicamento para tratamento não previsto em bula se existirem evidências científicas favoráveis (STJ, REsp 1729566/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 04/10/2018, DJe 30/10/2018).
Observados os vetores jurisprudenciais, as regras sobre incorporação previstas na Lei n.º 8.080/90 não impedem a concretização do direito individual à saúde por intervenção judicial.
No caso, a incapacidade financeira do postulante e a existência de registro na ANVISA não são pontos controvertidos, restando o exame da imprescindibilidade e da ineficácia do tratamento fornecido pelo SUS.
Quanto à imprescindibilidade, o laudo do médico assistente indicou que, diante do diagnóstico, o remédio é necessário e urgente. Foi informado, pelo médico, que não há possibilidade de substituição (
)A Nota Técnica elaborada para o caso considerou que existe evidência de boa qualidade que demonstrou ganho de sobrevida livre de progressão e ganho em sobrevida global para o paciente. A negativa se deu exclusivamente por considerações de custo-efetividade (
).Contudo, "comprovado o esgotamento das opções terapêuticas e a eficácia da medicação, pode ser deferido o fornecimento da medicação, ainda que em face de relação de custo-efetividade desfavorável" (TRF4, AG 5035624-07.2022.4.04.0000, Sexta Turma, Relator Altair Antonio Gregório, juntado aos autos em 15/12/2022).
Por fim, em casos análogos, mesmo com contexto probatório diverso, há precedentes deste Regional no sentido do fornecimento da medicação postulada:
DIREITO À SAÚDE. AGRAVO DE INSTRUMENTO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. PEMBROLIZUMABE. TRATAMENTO DE NEOPLASIA MALIGNA DE PULMÃO. EFICÁCIA DA MEDICAÇÃO. COMPROVAÇÃO. CUSTO-EFETIVIDADE. CONTRACAUTELAS. FIXAÇÃO. 1. A Constituição Federal de 1988, após arrolar a saúde como direito social em seu artigo 6º, estabelece, no art. 196, que a saúde é "direito de todos e dever do Estado", além de instituir o "acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação". 2. Os tribunais superiores estabeleceram pressupostos para a atuação judicial em matéria de saúde, dentre os quais: a) a necessidade de registro na ANVISA, ressalvadas situações muito excepcionais e observados determinados parâmetros; b) a imprescindibilidade do tratamento ou medicamento pleiteado para a doença que acomete o postulante; c) a inexistência de tratamento/procedimento ou medicamento similar/genérico oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem êxito pelo postulante ou sua inadequação devido a peculiaridades do paciente; d) a não configuração de tratamento experimental. 3. A imprescindibilidade de fornecimento do medicamento ou do tratamento pela via judicial consiste na conjugação da necessidade e adequação do fármaco ou tratamento e da ausência de alternativa terapêutica. 4. Ante a demonstração da inadequação das alternativas terapêuticas ao quadro particular, bem como existindo comprovação científica acerca da eficácia do fármaco postulado para o tratamento da moléstia em questão, é de ser judicialmente deferida a sua dispensação. 5. O fato de o medicamento apresentar alto custo não é fator impeditivo para a intervenção judicial. Embora o direito à saúde não se trate de direito absoluto, devendo ser consideradas as restrições de caráter orçamentário e financeiro, sob pena de se inviabilizar o funcionamento do SUS, cabe ao Judiciário, excepcionalmente, a incumbência de fazer implementar as políticas públicas fundadas na Constituição quando os órgãos competentes descumprem seus encargos. 6. A mera referência à cláusula da reserva do possível, sem qualquer demonstração de inviabilidade financeira ou orçamentária, não pode ser utilizada para exonerar os entes públicos do cumprimento de suas obrigações constitucionais. 7. A adoção de medidas de contracautela se faz necessária para casos de dispensação de medicamentos por longo prazo, a fim de garantir o exato cumprimento da decisão judicial, podendo ser determinadas de ofício, inclusive. (TRF4, AG 5001534-36.2023.4.04.0000, SEXTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 24/03/2023)
Nesse cenário, considero que estão preenchidos todos os requisitos para que o medicamento seja entregue pela via judicial na exata forma em que definido em representativo de controvérsia (REsp 1657156/RJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 25/04/2018, DJe 04/05/2018).
Por tais, razões, com vênia ao relator, tenho por presentes os requisitos que justificam a tutela provisória de modo que não prospera o recurso.
Ante o exposto, voto por negar provimento ao agravo de instrumento.
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Agravo de Instrumento Nº 5007057-92.2024.4.04.0000/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
AGRAVANTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
AGRAVADO: LOINA SOUZA DA CRUZ
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PRESTAÇÃO DE SAÚDE. PEMBROLIZUMABE. TRATAMENTO ONCOLÓGICO PELA REDE PÚBLICA. IMPRESCINDIBILIDADE NÃO EVIDENCIADA.
1. A concessão de medicamento que não conste das listas de dispensação do Sistema Único de Saúde (SUS) deve atender aos seguintes requisitos: (a) a inexistência de tratamento ou medicamento, similar ou genérico, oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem resultado prático ao paciente ou sua inviabilidade, em cada caso, devido a particularidades que apresenta; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento para a moléstia especificada; (c) a sua aprovação pela ANVISA; e (d) a não-configuração de tratamento experimental.
2. É possível o fornecimento de medicação prescrita por médico vinculado a rede de atenção oncológica, em cujo âmbito é prestado atendimento pelo SUS, uma vez que seja evidenciada a sua vantagem terapêutica, e desde que demonstrado o esgotamento ou a ineficácia dos tratamentos disponibilizados na rede pública de saúde.
3. É ônus das partes a prova da existência ou ausência de evidência científica quanto ao resultado pretendido na realização de tratamento, dispensação de fármaco ou emprego de nova tecnologia, na afirmação do direito à saúde.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por maioria, vencido o Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR, dar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 27 de junho de 2024.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004447070v3 e do código CRC b75d3cff.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 20/06/2024 A 27/06/2024
Agravo de Instrumento Nº 5007057-92.2024.4.04.0000/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
PROCURADOR(A): JANUÁRIO PALUDO
AGRAVANTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
AGRAVADO: LOINA SOUZA DA CRUZ
ADVOGADO(A): HERMES FERNANDO AMARO ALVARIZ (OAB RS049620)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 20/06/2024, às 00:00, a 27/06/2024, às 16:00, na sequência 348, disponibilizada no DE de 11/06/2024.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
APÓS O VOTO DO DESEMBARGADOR FEDERAL OSNI CARDOSO FILHO NO SENTIDO DE DAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO, NO QUE FOI ACOMPANHADO PELO DESEMBARGADOR FEDERAL ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL, E A DIVERGÊNCIA INAUGURADA PELO DESEMBARGADOR FEDERAL HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR NO SENTIDO DE NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO, A 5ª TURMA DECIDIU, POR MAIORIA, VENCIDO O DESEMBARGADOR FEDERAL HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR, DAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Votante: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
LIDICE PENA THOMAZ
Secretária
MANIFESTAÇÕES DOS MAGISTRADOS VOTANTES
Divergência - GAB. 51 (Des. Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR) - Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR.
Acompanha o(a) Relator(a) - GAB. 54 (Des. Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL) - Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL.
Acompanho o(a) Relator(a)
Conferência de autenticidade emitida em 10/07/2024 04:01:12.