
Agravo de Instrumento Nº 5031220-39.2024.4.04.0000/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
RELATÓRIO
O Município de Passo Fundo interpôs agravo de instrumento, com requerimento de atribuição de efeito suspensivo, contra decisão (
, do processo originário) que deferiu o pedido de ampliação da tutela de urgência, determinando-lhe também o fornecimento de assistência técnica de enfermagem 24 (vinte e quatro) horas diárias, em âmbito de atendimento domiciliar (home care).O agravante destacou o caráter irreversível da antecipação de tutela concedida na origem, a evidenciar dano de difícil reparação capaz de justificar a atribuição de efeito suspensivo ao recurso. Argumentou a inexigibilidade de serviço de atendimento domiciliar no mesmo nível de internação hospitalar. Aduziu a desnecessidade de atenção intensiva por profissionais de saúde, cabendo à família ou cuidadores o auxílio cotidiano. Do contrário, em caso de paciente de alta complexidade e dependente de monitoração contínua, caberia a admissão em instituição habilitada a tanto. Observou que a modalidade home care não pode ser desvirtuada, confundindo-se a função de cuidador com a de técnico em enfermagem, nos termos da Portaria nº 825/2016 do Ministério da Saúde. Requereu, assim, a revogação da antecipação de tutela ampliada.
Foi deferido o pedido de atribuição de efeito suspensivo ao recurso.
A autora ingressou com agravo interno.
Sem contrarrazões, vieram os autos.
VOTO
Os requisitos para o deferimento da tutela de urgência estão indicados no art. 300 do Código de Processo Civil, que assim dispõe:
A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
§ 1º Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.
§ 2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.
§ 3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.
Conclui-se, portanto, ser indispensável para o deferimento de provimento antecipatório não só a probabilidade do direito, mas também a presença de perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, aos quais se deverá buscar, na medida do possível, maior aproximação do juízo de segurança previsto na norma, sob pena de subversão da finalidade do instituto da tutela antecipatória.
Em relação à probabilidade do direito, cumpre observar que a parte autora postula o fornecimento de atendimento domiciliar (home care) em virtude de quadro clínico complexo, conforme descrito em laudo médico (
, do processo originário): sequelas de doença infecciosa ou parasitária não especificada (B94.9), Coronavírus, como causa de doenças classificadas em outros capítulios (B97.2), Polineuropatia não especificada (G62.9), Paraplegia espástica (G82.1), Perda não especificada da visão (H54.7), Insuficiência cardíaca (I50), Sequelas de Acidente vascular cerebral não especificado como hemorrágico ou isquêmico (I69.4), Ulcera de deúbito (L89), Necessidade de assistência com cuidados pessoais (Z74.1), Necessidade de supervisão contínua (Z74.3), compatível com CID 10.O pedido vem instruído por laudos médicos (
e , do processo originário) que descrevem o estado de saúde da paciente e o tratamento indicado. Revelam que a autora possui sequelas neurológicas graves que culminaram em estado de vida funcionalmente dependente, com restrição ao leito, e que, após longa internação hospitalar, necessita de cuidados domiciliares especiais. Seguem:Considerando o quadro clínico descrito, trata-se de cenário de cuidado para condições cronicamente instaladas, de forma que a paciente deve ser acompanhada de suporte por equipe multidisciplinar, mantendo-se, portanto, em tratamento controlado.
O MM. Juiz deferiu tutela de urgência para determinar o fornecimento dos cuidados por equipe multiprofissional, equipamentos e insumos descritos no atestado médico acima discriminado, por período inicial de 2 (dois) meses, com exceção apenas de assistência técnica de enfermagem 24 horas (
, do processo originário).A seguir, ampliou os efeitos da tutela, nos seguintes termos (
, do processo originário):Desse modo, DEFIRO A AMPLIAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA ANTECIPADA DE URGÊNCIA deferida no E56, para determinar ao Estado do Rio Grande do Sul e ao Município de Passo Fundo que o fornecimento dos seguintes serviços de saúde domiciliares: (i) consulta domiciliar com enfermeiro, duas vezes por semana; (ii) consulta domiciliar com médico clínico geral, duas vezes por mês; (iii) consulta domiciliar com fisioterapeuta, cinco vezes por semana; (iv) consulta domiciliar com fonoaudiólogo, três vezes por semana; e (v) consulta domiciliar com psicólogo, uma vez por semana; e dos seguintes insumos médicos relativos à prestação do atendimento domiciliar: (i) guincho para transferência de paciente acamado (esse de fornecimento único); (ii) cama hospitalar (essa também de fornecimento único); (iii) lenços umedecidos, na quantidade de 48 unidades por mês; e (iv) creme de barreira, ocorra por tempo indeterminado ou até que haja decisão em sentido contrário.
Posteriormente, por meio da decisão agravada, o magistrado de primeiro grau ampliou mais uma vez a medida para incluir acompanhamento 24 horas diárias por profissional técnico de enfermagem.
O atendimento domiciliar, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), é previsto pela Lei nº 10.424, que disciplina o Sistema de Atendimento Domiciliar (SAD). Sobre essa assistência, consta na Portaria nº 825, de 25 de abril de 2016, do Ministério da Saúde, que redefiniu a Atenção Domiciliar e atualizou as equipes habilitadas:
Art. 9º Considera-se elegível na modalidade AD 2 o usuário que, tendo indicação de AD, e com o fim de abreviar ou evitar hospitalização, apresente:
I - afecções agudas ou crônicas agudizadas, com necessidade de cuidados intensificados e sequenciais, como tratamentos parenterais ou reabilitação;
II - afecções crônico-degenerativas, considerando o grau de comprometimento causado pela doença, que demande atendimento no mínimo semanal;
III - necessidade de cuidados paliativos com acompanhamento clínico no mínimo semanal, com o fim de controlar a dor e o sofrimento do usuário; ou
IV - prematuridade e baixo peso em bebês com necessidade de ganho ponderal.
Art. 10. Considera-se elegível, na modalidade AD 3, usuário com qualquer das situações listadas na modalidade AD 2, quando necessitar de cuidado multiprofissional mais frequente, uso de equipamento(s) ou agregação de procedimento(s) de maior complexidade (por exemplo, ventilação mecânica, paracentese de repetição, nutrição parenteral e transfusão sanguínea), usualmente demandando períodos maiores de acompanhamento domiciliar.
O Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NATJUS), instado a se manifestar acerca do caso dos autos, apresentou a seguinte avaliação (origem,
):(...) Sobre essa assistência, reforçamos aquilo que consta na Portaria Nº 825, de 25 de Abril de 2016 [6] que Redefine a Atenção Domiciliar no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e atualiza as equipes habilitadas: (...)
Cabe citar que a mesma portaria explicita que a necessidade de assistência contínua configura critério de exclusão para recebimento de atenção domiciliar. Os serviços de enfermagem e cuidados multiprofissionais contínuos são prestados pelo SUS na forma de internação hospitalar, modalidade de atendimento que, segundo informações disponibilizadas em laudos técnicos, não é a indicada à autora. (...)
Consta, em documento anexado ao processo (Evento 6, OUT2, Página 1), que município oferece visitas domiciliares mensais feitas por enfermeiros, técnicos e/ou médicos, além de fisioterapeutas e nutricionistas de acordo com a disponibilidade da equipe da unidade de saúde da região de residência do solicitante. Além disso, informado que o município dispõe de serviços de fisioterapia, fonoaudiologia e terapia ocupacional, mas que estas equipes não fazem atendimento domiciliar e que paciente já se encontra em acompanhamento fisioterápico na ACD de Passo Fundo (Evento 6, OUT5, Página 1).
Considerando especificamente as questões assistenciais, não há dados clínicos no processo que corroborem com a necessidade do acompanhamento diário por período de 24 horas com profissional técnico de enfermagem. Cuidados prestados a paciente clinicamente estável, objetivando a observação, o conforto, a higiene e a administração de medicações pela via oral, por exemplo, não precisam ser realizados por profissional técnico, mas sim por cuidador devidamente capacitado [6,7].
Conquanto a perícia médica corrobore a indicação de técnico em enfermagem dedicado em horário integral (origem,
), não se pode desvirtuar o Sistema de Atendimento Domiciliar (SAD) de modo a alcançar prestações de saúde não previstas, como as de cuidador, aparentemente assimiladas como se correspondessem às atividades de técnico em enfermagem.A pretensão esbarra no art. 14 da Portaria nº 825, de 25 de abril de 2016, do Ministério da Saúde. Esse ato normativo elenca situações em que o home care é vedado, in verbis:
Art. 14. Será inelegível para a AD o usuário que apresentar pelo menos uma das seguintes situações:
I - necessidade de monitorização contínua;
II - necessidade de assistência contínua de enfermagem;
III - necessidade de propedêutica complementar, com demanda potencial para a realização de vários procedimentos diagnósticos,em sequência, com urgência;
IV - necessidade de tratamento cirúrgico em caráter de urgência;ou
V - necessidade de uso de ventilação mecânica invasiva, nos casos em que a equipe não estiver apta a realizar tal procedimento.
Verifica-se, no caso em exame, a presença de situação em que o tratamento domiciliar é vedado no SUS.
Cuidados dessa natureza prestados a paciente clinicamente estável não precisam ser realizados por profissional técnico, mas sim por cuidador devidamente capacitado.
A pretensão de cuidados intensivos e permanentes de técnicos em enfermagem ou cuidadores especializados não é abrangida pelos serviços assegurados no âmbito do SUS. A assistência domiciliar intensiva ao paciente é atribuída aos cuidadores, que, de regra, são os familiares ou os responsáveis.
Pacientes e famílias elegíveis para o cuidado domiciliar recebem treinamento para a desospitalização que deve ser iniciado pela equipe do hospital e seguido pelo Serviço de Atenção Domiciliar (SAD), tendo o cuidador papel fundamental nesse processo.
O amparo assistencial público prevê seja dispensada orientação aos cuidadores e o monitoramento de suas atividades, assistência prestada na forma de internação domiciliar, todavia, não disponibiliza assistência contínua de cuidador ou de enfermagem.
Não se desconhece que a autora atualmente vem sendo assistida por seus pais, pessoas idosas portadoras de outras doenças que apresentam limitações fisicas, sofrendo sobrecarga física e emocional.
Em que pese a sensibilização com o quadro clínico atual da paciente, à conta do relatório médico constante nos autos, não é possível ignorar a ausência de previsão de acompanhamento diário com profissional técnico de enfermagem ou cuidador profissional dentro dos programas públicos de Atenção Domiciliar.
Até os pacientes categorizados como AD3 não tem previsão de receber visitas diárias, quanto menos cuidado presencial por extensas horas diárias de profissional dedicado. Os serviços de enfermagem e cuidados multiprofissionais contínuos são prestados pelo SUS na forma de internação hospitalar.
O tema refoge à assistência médica e atinge a esfera da assistência social, uma vez que não é função dos técnicos de enfermagem a atuação como cuidadores. As atribuições dos técnicos de enfermagem estão previstas no Decreto nº 94.406, de 8 de junho de 1987, nos seguintes termos:
Art. 10. O Técnico de Enfermagem exerce as atividades auxiliares, de nível médio técnico, atribuídas à equipe de enfermagem, cabendo-lhe:
I - assistir ao Enfermeiro:
a) no planejamento, programação, orientação e supervisão das atividades de assistência de enfermagem;
b) na prestação de cuidados diretos de enfermagem a pacientes em estado grave;
c) na prevenção e controle das doenças transmissíveis em geral em programas de vigilância epidemiológica;
d) na prevenção e no controle sistemático da infecção hospitalar;
e) na prevenção e controle sistemático de danos físicos que possam ser causados a pacientes durante a assistência de saúde;
f) na execução dos programas referidos nas letras i e o do item II do art. 8º;
II - executar atividades de assistência de enfermagem, excetuadas as privativas do enfermeiro e as referidas no art. 9º deste Decreto;
III - integrar a equipe de saúde.
Veja-se que o técnico de enfermagem age em interação e supervisão direta do enfermeiro para os cuidados médicos necessários, função diversa daquela pretendida pelo médico assistente.
A atenção domiciliar é medida excepcional, quando os cuidados médicos, de enfermagem e hospitalares devem ser realizados no domicílio do paciente, mas não se presta a suprir necessidade de cuidador permanente.
A propósito, na eventual ausência de familiar ou cuidador, o paciente pode ser admitido em Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI), modalidade de oferta de acolhimento composta por residências coletivas para pessoas idosas. As políticas de cuidados de longa duração são de responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), cabendo à vigilância sanitária, através da respectiva agência reguladora (ANVISA), o papel de fiscalização.
Para a finalidade visada, contudo, não é atribuição do técnico de enfermagem a prestação de serviços de cuidador, devendo-se buscar resolução perante os órgãos assistenciais.
Embora a prescrição médica recomende cuidados gerais intensivos por técnicos em enfermagem, necessidade atrelada à condição clínica da paciente, os atendimentos nessa modalidade não são dispensados pelo serviço pública nesta situação.
Mostra-se imprópria a dispensação judicial nos parâmetros requeridos pela parte autora.
Em face do que foi dito, voto por dar provimento ao agravo de instrumento, prejudicado o agravo interno.
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Agravo de Instrumento Nº 5031220-39.2024.4.04.0000/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PRESTAÇÃO DE SAÚDE. TRATAMENTO DOMICILIAR (HOME CARE). PREVISÃO LEGAL. POSSIBILIDADE. ASSISTÊNCIA CONTÍNUA DE ENFERMAGEM. VEDAÇÃO.
1. É admitido o atendimento domiciliar no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), nas modalidades legalmente previstas, uma vez evidenciada a sua imprescindibilidade para o paciente.
2. Deve o requerente suportar o ônus probatório, em razão de sua condição clínica, mediante a demonstração da existência de evidência científica quanto ao resultado pretendido na afirmação do direito à saúde.
3. É vedado o fornecimento de assistência contínua de enfermagem (artigo 26, inciso II, da Portaria nº 963/2013, do Ministério da Saúde).
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento ao agravo de instrumento, prejudicado o agravo interno, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 22 de outubro de 2024.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 15/10/2024 A 22/10/2024
Agravo de Instrumento Nº 5031220-39.2024.4.04.0000/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
PROCURADOR(A): ADRIANA ZAWADA MELO
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 15/10/2024, às 00:00, a 22/10/2024, às 16:00, na sequência 425, disponibilizada no DE de 04/10/2024.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO, PREJUDICADO O AGRAVO INTERNO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Votante: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
LIDICE PENA THOMAZ
Secretária
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