Apelação Cível Nº 5003769-21.2020.4.04.7100/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: CARLA ABRAHAO PEREIRA (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
Carla Abrahao Pereira interpôs recurso de apelação contra sentença, proferida em 30/06/2021, que julgou improcedente o pedido, nos seguintes termos:
Ante o exposto, julgo IMPROCEDENTE o pedido da parte autora, extinguindo o feito com resolução de mérito, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil.
Condeno a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios, ao procurador da parte adversa, fixados nos percentuais mínimos dos incisos do § 3º, sobre o valor da causa atualizado, considerando o § 4º, III e a determinação dos §§ 2º e 5º todos do art. 85 do CPC.
Custas pela parte autora, já recolhidas (Eventos 10 e 11)
Intimem-se.
Sentença não sujeita a reexame necessário.
Havendo recurso(s) voluntário(s) tempestivo(s), intime(m)-se a(s) parte(s) contrária(s) para apresentação de contrarrazões. Acaso suscitadas em contrarrazões as matérias referidas no artigo 1.009, § 1º, do CPC/2015, dê-se vista a(s) parte(s) contrária pelo prazo de 15 (quinze) dias, nos termos do § 2º do referido dispositivo legal. Juntados os eventuais recursos e as respectivas contrarrazões apresentadas no prazo legal devem ser os autos remetidos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Transcorrido o prazo sem interposição de recursos, certifique-se o trânsito em julgado e, após cumpridas as determinações do julgado, dê-se baixa e arquivem-se.
Em sua apelação, a parte autora requereu, preliminarmente, a anulação da sentença em razão da ocorrência de cerceamento de defesa, uma vez que foi indeferida a realização de perícia(s) relativamente ao(s) período(s) de 15/05/2015 a 01/10/2017 (Unimed Porto Alegre Cooperativa Médica LTDA). Defendeu a concessão de aposentadoria especial, mediante o reconhecimento da especialidade do trabalho prestado também nos períodos referidos.
Apresentadas contrarrazões pela parte ré.
VOTO
Tempo de atividade especial
O reconhecimento da especialidade obedece à disciplina legal vigente na época em que a atividade foi exercida, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Desse modo, havendo a prestação laboral sob a vigência de certa legislação, o segurado adquire o direito à contagem do tempo de serviço especial na forma estabelecida, bem como à comprovação das condições de trabalho como então exigido, não se aplicando retroativamente lei nova que venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial. Nesse sentido, a orientação adotada pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (AR 3320/PR, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe 24-09-2008) e pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (EINF 2005.71.00.031824-5/RS, Terceira Seção, Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. 18-11-2009).
A evolução legislativa da matéria apresenta os seguintes marcos temporais:
a) até 28 de abril de 1995, quando esteve vigente a Lei nº 3.807 (Lei Orgânica da Previdência Social) e suas alterações e, posteriormente, a Lei nº 8.213 (Lei de Benefícios da Previdência Social), em sua redação original (artigos 57 e 58), a especialidade do tempo de serviço decorria do exercício de atividade profissional prevista como especial nos Decretos nº 53.831/1964 e nº 83.080/1979 e/ou na legislação especial. As normas regulamentares classificavam as atividades de duas formas: segundo os grupos profissionais, presumindo-se a sujeição do trabalhador a condições prejudiciais à saúde ou à integridade física; e segundo os agentes nocivos, caso em que deve ser demonstrada a exposição ao agente por qualquer meio de prova. Para os agentes nocivos ruído e calor, é necessário mensurar os seus níveis por meio de perícia técnica, documentada nos autos ou informada em formulário emitido pela empresa, a fim de verificar o grau de nocividade dos agentes envolvidos;
b) entre 29 de abril de 1995 a 05 de março de 1997, período em que estavam vigentes as alterações introduzidas pela Lei nº 9.032 no artigo 57 da LBPS, torna-se necessária a demonstração efetiva da exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente, para tanto, a apresentação de formulário-padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico, ressalvados os agentes nocivos ruído e calor, em relação aos quais é imprescindível a realização de perícia técnica, conforme visto acima. Foi definitivamente extinto o enquadramento por categoria profissional - à exceção das atividades a que se refere a Lei nº 5.527, cujo enquadramento por categoria deve ser feito até 13 de outubro de 1996, data imediatamente anterior à publicação da Medida Provisória nº 1.523/1996, que a revogou expressamente;
c) a partir de 06 de março de 1997, data da entrada em vigor do Decreto nº 2.172/1997, que regulamentou as disposições introduzidas no artigo 58 da LBPS pela Medida Provisória nº 1.523/1996 (convertida na Lei nº 9.528), passou a ser exigida, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário-padrão, embasado em laudo técnico de condições ambientais do trabalho, ou por meio de perícia técnica.
Para que se caracterize a habitualidade e a permanência do tempo de trabalho em condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física (referidas no artigo 57, §3º, da Lei n° 8.213), a exposição ao agente nocivo deve ser ínsita ao desenvolvimento das atividades cometidas ao trabalhador, integrada à sua rotina de trabalho. Exegese diversa levaria à inutilidade da norma protetiva, pois em raras atividades a sujeição direta ao agente nocivo se dá durante toda a jornada de trabalho e, em muitas delas, a exposição em tal intensidade seria absolutamente impossível (EINF n.º 0003929-54.2008.404.7003, TRF 4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Rogério Favreto, D.E. 24-10-2011; EINF n.º 2007.71.00.046688-7, TRF 4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Celso Kipper, D.E. 07-11-2011). Em suma, somente se a exposição ao agente nocivo for eventual ou ocasional, está afastada a especialidade do tempo de serviço.
Além disso, conforme o tipo de atividade, a exposição ao agente nocivo, ainda que não diuturna, configura atividade apta à concessão de aposentadoria especial, tendo em vista que a intermitência na exposição não reduz os danos ou riscos inerentes à atividade. Não é razoável que se retire do trabalhador o direito à redução do tempo de serviço para a aposentadoria, deixando-lhe apenas os ônus da atividade perigosa ou insalubre (EINF n° 2005.72.10.000389-1, TRF 4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, D.E. 18-05-2011; EINF n° 2008.71.99.002246-0, TRF 4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. 08-01-2010).
A respeito da utilização de equipamento de proteção individual (EPI), a partir de 03/12/1998, data da publicação da MP nº 1.729, convertida na Lei nº 9.732, que modificou a redação dos §§ 1º e 2º do art. 58 da Lei nº 8.213, a legislação previdenciária estabelece que a existência de tecnologia de proteção individual eficaz, que comprovadamente neutralize os agentes nocivos ou diminua a sua intensidade a limites de tolerância, afasta o efetivo prejuízo à saúde ou integridade física do trabalhador, razão pela qual a atividade não pode ser qualificada como especial.
O Supremo Tribunal Federal, em julgado com repercussão geral, firmou entendimento no sentido de que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não há direito à aposentadoria especial. Contudo, havendo demonstração de que o uso do EPI, no caso concreto, não é suficiente para afastar a nocividade, deve ser reconhecida a especialidade do trabalho. Em relação ao ruído, o STF considerou que a exposição a níveis superiores aos limites de tolerância causa prejuízos ao organismo humano que vão além dos relacionados à perda das funções auditivas. Assim, a utilização do EPI não garante a eliminação dos efeitos do agente nocivo ruído, pois existem fatores de difícil ou impossível controle que influenciam a sua efetividade. Esta é a redação da tese firmada no Tema nº 555:
I - O direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que, se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial; II - Na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria. (ARE 664335, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 04/12/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-029 DIVULG 11-02-2015 PUBLIC 12-02-2015)
Uma vez que se incorpora ao patrimônio jurídico do trabalhador a prestação de trabalho em condições especiais, regida pela legislação em vigor na época do exercício da atividade, é possível a conversão do tempo especial para comum, independente da data da prestação do trabalho ou do requerimento de benefício. A respeito, cabe registrar que, embora o art. 28 da MP nº 1.663-10 tenha revogado o § 5º do artigo 57 da Lei nº 8.213, a lei de conversão (Lei nº 9.711) não manteve o dispositivo, permanecendo a possibilidade de soma do tempo de serviço especial, após a respectiva conversão, ao tempo de atividade comum, para a concessão de qualquer benefício.
A atual redação do artigo 70 do Decreto nº 3.048/1999 estabelece que as regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período. Contudo, o fator de conversão do tempo especial em comum a ser utilizado é o previsto na legislação vigente na data da concessão do benefício, e não aquele em vigor quando o serviço foi prestado. A matéria foi decidida em recurso especial repetitivo, firmando-se a seguinte tese no Tema nº 546 do STJ: 'A lei vigente por ocasião da aposentadoria é a aplicável ao direito à conversão entre tempos de serviço especial e comum, independentemente do regime jurídico à época da prestação do serviço'(REsp 1.310.034/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 24-10-2012, DJe 19-12-2012).
De acordo com o art. 70 do Decreto nº 3.048/1999, com a redação dada pelo Decreto nº 4.827/2003, o fator de conversão a ser observado é de 1,4 para o homem e de 1,2 para a mulher (considerando, em ambos os casos, o exercício de atividade que ensejaria a aposentadoria especial em 25 anos).
Agentes Biológicos
A avaliação da nocividade dos agentes biológicos constantes no Anexo 14 da NR-15, é qualitativa, ou seja, a simples presença no ambiente de trabalho desses agentes faz presumir a nocividade, independente de mensuração.
Ou seja, a caracterização da especialidade, nesses caso, não decorre do tempo de exposição aos agentes biológicos, nem da concentração ou intensidade desses agentes no ambiente de trabalho.
Por sua vez, a permanência e a habitualidade relacionam-se com as tarefas específicas desenvolvidas pelo trabalhador que o exponham, durante a sua rotina laboral, a condições prejudiciais à saúde. Se, no desempenho cotidiano das suas funções, ele tem contato com agentes nocivos, em período razoável da jornada de trabalho, a exposição é habitual e permanente.
Caso concreto
Cerceamento de defesa
No presente caso, a parte autora requereu a realização de prova técnica, com o objetivo de demonstrar a especialidade do período de 15/05/2015 a 06/07/2017 (Unimed Porto Alegre Cooperativa Médica LTDA), o qual, segundo alega, deveria ser considerado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) como tempo qualificado.
Nos termos do art. 370 do Código de Processo Civil (CPC), caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias.
Para a verificação da especialidade das atividades exercidas com exposição a agentes nocivos, leva-se em consideração, em regra, o conteúdo da documentação técnica lavrada pela empresa (formulários, laudos e perfil profissiográfico previdenciário (PPP), por exemplo). Contudo, em caso de dúvida sobre a fidedignidade ou suficiência desta documentação, tem lugar a possibilidade de produção de laudo pericial por ordem judicial.
Nesse sentido, transcreve-se recente precedente da 3ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Regiāo, no sentido da viabilidade da elaboração da prova técnica judicial, não obstante a existência de PPP, inclusive quando guarnecido por laudos lavrados pelo empregadora, acaso a higidez das informações nele(s) contida(s) seja questionada pelo trabalhador. O aresto a seguir reproduzido reflete a síntese da tese resultante da apreciação do IRDR nº 15 desta Corte:
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS. EPI. NEUTRALIZAÇÃO DOS AGENTES NOCIVOS. PROVA. PPP. PERÍCIA. 1. O fato de serem preenchidos os específicos campos do PPP com a resposta 'S' (sim) não é, por si só, condição suficiente para se reputar que houve uso de EPI eficaz e afastar a aposentadoria especial. 2. Deve ser propiciado ao segurado a possibilidade de discutir o afastamento da especialidade por conta do uso do EPI, como garantia do direito constitucional à participação do contraditório. 3. Quando o LTCAT e o PPP informam não ser eficaz o EPI, não há mais discussão, isso é, há a especialidade do período de atividade. 4. No entanto, quando a situação é inversa, ou seja, a empresa informa no PPP a existência de EPI e sua eficácia, deve se possibilitar que tanto a empresa quanto o segurado, possam questionar - no movimento probatório processual - a prova técnica da eficácia do EPI. 5. O segurado pode realizar o questionamento probatório para afastar a especialidade da eficácia do EPI de diferentes formas: A primeira (e mais difícil via) é a juntada de uma perícia (laudo) particular que demonstre a falta de prova técnica da eficácia do EPI - estudo técnico-científico considerado razoável acerca da existência de dúvida científica sobre a comprovação empírica da proteção material do equipamento de segurança. Outra possibilidade é a juntada de uma prova judicial emprestada, por exemplo, de processo trabalhista onde tal ponto foi questionado. 5. Entende-se que essas duas primeiras vias sejam difíceis para o segurado, pois sobre ele está todo o ônus de apresentar um estudo técnico razoável que aponte a dúvida científica sobre a comprovação empírica da eficácia do EPI. 6. Uma terceira possibilidade será a prova judicial solicitada pelo segurado (após analisar o LTCAT e o PPP apresentados pela empresa ou INSS) e determinada pelo juiz com o objetivo de requisitar elementos probatórios à empresa que comprovem a eficácia do EPI e a efetiva entrega ao segurado. 7. O juízo, se entender necessário, poderá determinar a realização de perícia judicial, a fim de demonstrar a existência de estudo técnico prévio ou contemporâneo encomendado pela empresa ou pelo INSS acerca da inexistência razoável de dúvida científica sobre a eficácia do EPI. Também poderá se socorrer de eventuais perícias existentes nas bases de dados da Justiça Federal e Justiça do Trabalho. 8. Não se pode olvidar que determinada situações fáticas, nos termos do voto, dispensam a realização de perícia, porque presumida a ineficácia dos EPI´s. (TRF4 5054341-77.2016.4.04.0000, TERCEIRA SEÇÃO, Relator para Acórdão JORGE ANTONIO MAURIQUE, juntado aos autos em 11/12/2017).
É necessário, igualmente, avaliar a utilidade da prova que se pretende produzir e a possibilidade material de sua produção. Afinal, a referida prova objetiva conferir segurança ao julgamento, propiciando ao seu destinatário suficientes elementos para avaliação quanto aos argumentos que respaldam a pretensão articulada na petição inicial.
No caso sob exame, contudo, os documentos juntados nos autos são suficientes para análise do pedido, motivo pelo qual deve ser negado provimento à apelação no ponto.
Exame da especialidade
A seguir, discriminam-se os períodos de tempo de serviço comum (ou especial) controvertidos:
Período | Agente nocivo com análise qualitativa | Agente nocivo com análise quantitativa | Nível | Limite | EPI eficaz | Reconhecido em sentença |
15/05/2015 a 01/10/2017 | agentes biológicos | - | - | - | não | não |
Período: 15/05/2015 a 01/10/2017 |
Empresa: Unimed Porto Alegre Cooperativa Médica LTDA |
Função/atividades: médica cardiologista |
Agentes nocivos: agentes biológicos |
Provas: evento 36, PPP2. evento 1, PROCADM6, página 44 |
O MM. Juiz Federal rejeitou o pedido de reconhecimento da especialidade do período, sob os seguintes fundamentos:
Exame de mérito:
Pelo não reconhecimento da especialidade do período em análise.
Ocorre que, desde a Lei n. 9032/95 não mais se pode simplesmente presumir a exposição da parte a agentes nocivos exclusivamente em razão da profissão que desempenha.
Necessária, assim, a efetiva demonstração não só de que o segurado se expunha a fatores de risco previstos na legislação, mas também de que tal exposição, ou ao menos o risco de prejuízo à saúde, ocorria de modo habitual e permanente.
No caso dos autos, da documentação apresentada colhe-se que, no período pleiteado - posterior ao encerramento de seu vínculo empregatício com o Hospital Santa Casa de Misericórdia, em Porto Alegre, em 14/05/2015 (labor inclusive reconhecido como especial na via administrativa) - a autora passou a categoria de contribuinte individual e atendia conveniados da UNIMED, em consultório médico próprio e em hospitais, além de realizar plantões junto ao Hospital Alvorada.
Embora lhe tenha sido expressamente oportunizada (nos termos do Evento 33) a apresentação de provas hábeis à demonstrar o desempenho habitual da atividade médica no intervalo alegado (de 15/05/2015 a 01/10/2017), a autora deixou de juntar o relatório dos atendimentos prestados prestados como médica cooperada no período controvertido (documento disponibilizado pela UNIMED, desde que solicitado pelo cooperado, como se verifica de outros processos similares já submetidos à análise deste Juízo), com o qual se evidenciaria a frequência das consultas e procedimentos do profissional, tampouco apresentou declarações dos hospitais para os quais prestou serviços, que também poderiam atestar o trabalho rotineiro com exposição a agentes biológicos.
Diferente disso, limitou-se, na oportunidade, a juntar o formulário PPP (Evento 36) emitido pela UNIMED em 27/02/2019, mas registrando responsável pela monitoração biológica apenas até 14/04/2015, não havendo, dessarte, para o intervalo posterior, o indispensável embasamento em laudo técnico de condições ambientais. Registre-se, no ponto, que o LTCAT poderia ter sido providenciado pela própria autora, para atestar as circunstâncias em que se deu o labor como contribuinte individual, ônus do qual não se desencumbiu.
Quanto aos demais documentos veiculados pela requerente (listados no item "Provas" supra), comprovam a realização de consultas em consultório (mas em datas esparsas, nos anos de 2015 a 2017 - vide prontuários juntados), a realização de plantões hospitalares (mas apenas em meados de 2016, e mesmo assim sem indicação de que tal se deu de forma rotineiras em tais meses), a retenção de recolhimentos previdenciários sobre valores pagos pela UNIMED (mas somente a partir de março de 2016 e sem que seja possível igualmente aferir a frequência com que realizou procedimentos e consultas nestas competências); ou seja, comprovam a atividade médica, mas não o seu exercício de forma rotineira.
Diante disso, não comprovada a efetiva exposição da requerente a agentes nocivos de modo habitual e permanente (ou ao menos com exposição habitual a risco de contaminação) nas suas atividades como médica cardiologista, é de se afastar, então, a possibilidade de enquadramento da especialidade dos períodos em análise.
Conclusão: período não reconhecido como tempo especial
Contudo, no evento 1 (PROCADM6, página 44), foi juntada declaração firmada por representante da UNIMED em 09/07/2018, informando que a autora realizou atendimentos em consultório, consultas ambulatoriais, acompanhamento de pacientes internados e exames quando necessário desde 05/09/1995.
O artigo 236, §1º, inciso I, da Instrução Normativa INSS/PRES nº 45, de 06 de agosto de 2010, estabelece que a avaliação da nocividade do trabalho em contato com os agentes nocivos enumerados nos Anexos 6, 13, 13-A e 14 da Norma Regulamentadora nº 15 (NR-15) do Ministério do Trabalho e Emprego-MTE, e no Anexo IV do RPS, para os agentes iodo e níquel, é qualitativa, ou seja, a simples presença no ambiente de trabalho desses agentes faz presumir a nocividade, independente de mensuração.
Uma vez que os agentes biológicos constam no Anexo 14 da NR-15, a atividade não relacionada diretamente com a enfermagem, mas que exija o contato com pacientes portadores de doenças infectocontagiosas ou com manuseio de materiais contaminados, é considerada nociva. A caracterização da especialidade, nesse caso, não decorre do tempo de exposição aos agentes biológicos, nem da concentração ou intensidade desses agentes no ambiente de trabalho.
Por sua vez, a permanência e a habitualidade relacionam-se com as tarefas específicas desenvolvidas pelo trabalhador que o exponham, durante a sua rotina laboral, a condições prejudiciais à saúde. Se, no desempenho cotidiano das suas funções, ele tem contato com agentes nocivos, em período razoável da jornada de trabalho, a exposição é habitual e permanente.
Mostra-se evidente que o contato com pacientes portadores de moléstias infectocontagiosas é ínsito à funções desempenhadas habitualmente dentro de hospitais, podendo ocorrer a contaminação por via respiratória ou cutânea. Não é factível que a atuação em dependências do hospital com pacientes doentes fosse realizada de forma eventual ou intermitente, pois a atividade desempenhada, inclusive em quartos destinados ao isolamento de portadores de moléstias infectocontagiosas, integram o cotidiano do trabalho da autora.
No caso de profissões desenvolvidas em ambientes hospitalares, em contato habitual e permanente com pacientes portadores de doenças infectocontagiosas e com o manuseio de materiais contaminados, os equipamentos de proteção individual utilizados não neutralizam por completo a exposição aos agentes nocivos, diante do risco de acidentes em locais contaminados por diversidade de bactérias e vírus, cuja infestação pode se dar por via digestiva, respiratória ou por contato através da pele. Nessa esteira, já decidiu esta Corte:
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. PRESCRIÇÃO. TEMPO ESPECIAL. LIMPEZA HOSPITALAR. AGENTES BIOLÓGICOS. EPI. CONVERSÃO DE TEMPO ESPECIAL EM COMUM. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REVISÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DIFERIMENTO. CUMPRIMENTO IMEDIATO DO ACÓRDÃO. HONORÁRIOS. 1. Estão prescritas eventuais diferenças nas parcelas vencidas antes dos últimos cinco anos anteriores ao ajuizamento da ação. 2. O desempenho de atividades profissionais no interior de um Hospital, na condição de serviços gerais de limpeza, enseja o enquadramento nos Códigos 1.3.2 do Quadro Anexo do Decreto nº 53.831/64, 1.3.4 do Anexo I do Decreto nº 83.080/79, 3.0.1 do Anexo IV do Decreto 2.172/97 e 3.0.1 do Anexo IV do Decreto 3.048/99 (Microorganismos e parasitas infecciosos vivos e suas toxinas), devendo ser utilizado o fator de conversão 1,20. 3. Os equipamentos de proteção individual não são suficientes, por si só, para descaracterizar a especialidade da atividade desempenhada pelo segurado, devendo cada caso ser apreciado em suas particularidades. 4. Comprovada a exposição do segurado a agente nocivo, na forma exigida pela legislação previdenciária aplicável à espécie, possível reconhecer-se a especialidade da atividade laboral por ele exercida. 5. Os equipamentos de proteção individual não são suficientes, por si só, para descaracterizar a especialidade da atividade desempenhada pelo segurado, devendo cada caso ser apreciado em suas particularidades. (TRF4 5042106-26.2013.4.04.7100, SEXTA TURMA, Relator EZIO TEIXEIRA, juntado aos autos em 25/04/2017)
Conclusão: ficou devidamente comprovado nos autos o exercício de atividade especial pela parte autora no período indicado, conforme a legislação aplicável à espécie, em virtude de sua exposição a agentes biológicos.
A sentença não reconheceu a especialidade do(s) período(s), motivo pelo qual deve ser acolhida a apelação da autora para reconhecer a especialidade do(s) período(s).
Concessão de aposentadoria especial
Para fazer jus à aposentadoria especial, a parte autora deve preencher os requisitos previstos no art. 57 da Lei nº 8.213, quais sejam: a carência prevista no art. 142 da referida lei e o tempo de trabalho sujeito a condições prejudiciais à sua saúde ou à sua integridade física durante 15, 20 ou 25 anos, a depender da atividade desempenhada. Cumpre observar que, a partir da Lei nº 9.032, não é possível a conversão de tempo comum em especial, de modo que, para a concessão de aposentadoria especial, a atividade deve ser exercida, durante todo o período (15, 20 ou 25 anos), sob condições nocivas.
No caso dos autos, a contagem de tempos de atividade especial segue a tabela abaixo:
Nº | ATIVIDADE ESPECIAL | |||||
Data inicial | Data final | Dias | Anos | Meses | Dias | |
1 | 01/01/1991 | 31/12/1993 | 1096 | 03 | 00 | 01 |
2 | 01/08/1994 | 14/04/2015 | 7554 | 20 | 08 | 14 |
3 | 15/05/2015 | 01/10/2017 | 867 | 02 | 04 | 17 |
Total | 9517 | 26 | 00 | 27 |
Diante de tais considerações, verifica-se, portanto, que a autora trabalhou em condições especiais, prejudiciais à saúde ou à integridade física por mais de 25 anos, cumprindo, ainda, a carência, de modo que faz jus à concessão de aposentadoria especial desde a DER.
Importa referir, outrossim, que a renda mensal inicial do benefício deve ser calculada sem a incidência do fator previdenciário, ex vi do art. 29, II, da Lei nº 8.213.
Correção monetária e juros
Após o julgamento, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, em regime de repercussão geral, do Tema 810 (RE n. 870.947), a que se seguiu, o dos embargos de declaração da mesma decisão, rejeitados e com afirmação de inexistência de modulação de efeitos, deve a atualização monetária obedecer ao Tema 905 do Superior Tribunal de Justiça, que estabelece para as condenações judiciais de natureza previdenciária:
As condenações impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária, no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213.
Assim, a correção monetária das parcelas vencidas dos benefícios previdenciários será calculada conforme a variação dos seguintes índices, que se aplicam conforme a pertinente incidência ao período compreendido na condenação:
- IGP-DI de 05/96 a 03/2006 (art. 10 da Lei n.º 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6º, da Lei n.º 8.880/94);
- INPC a partir de 04/2006 (art. 41-A da lei 8.213)
Tratando-se, por fim, da apuração de montante correspondente às parcelas vencidas de benefícios assistenciais, deve observar-se a aplicação do IPCA-E.
Os juros de mora, de 1% (um por cento) ao mês, serão aplicados a contar da citação (Súmula 204 do STJ), até 29 de junho de 2009. A partir de 30 de junho de 2009, os juros moratórios serão computados de forma equivalente aos aplicáveis à caderneta de poupança, conforme dispõe o art. 5º da Lei nº 11.960, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei nº 9.494.
Por fim, a partir de 09/12/2021, conforme o disposto no art. 3º da Emenda Constitucional n.º 113, deverá incidir, para os fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, apenas a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), acumulada mensalmente.
Honorários advocatícios
A sucumbência do INSS impõe a sua condenação ao pagamento do respectivo ônus. Afinal, a autarquia previdenciária foi condenada à concessão do benefício previdenciário postulado pela autora.
Incumbe ao réu, por conseguinte, o pagamento de honorários advocatícios ao procurador da parte autora. Tendo em vista as disposições dos §§ 2º e 3º do art. 85 do CPC (aplicável à hipótese, já que a sentença recorrida foi publicada sob a sua vigência), arbitra-se a verba honorária em 10% sobre as parcelas vencidas até a data do acórdão (Súmula nº 111 do STJ; Súmula nº 76 desta Corte).
Revisão imediata do benefício
Considerando os termos do art. 497 do CPC, que repete dispositivo constante do art. 461 do antigo CPC, e o fato de que, em princípio, esta decisão não está sujeita a recurso com efeito suspensivo (TRF4, AC 2002.71.00.050349-7, Terceira Seção, Relator para Acórdão Celso Kipper, D.E. 01/10/2007), o julgado deve ser cumprido imediatamente, observando-se o prazo de trinta dias úteis para a revisão do benefício postulado, observado o Tema 709 do STF..
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto no sentido de dar provimento à apelação da parte autora e, de ofício, fixar os índices de correção monetária aplicáveis e determinar a revisão imediata do benefício.
Documento eletrônico assinado por ADRIANE BATTISTI, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003172341v4 e do código CRC 8952bf1f.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5003769-21.2020.4.04.7100/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: CARLA ABRAHAO PEREIRA (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. APOSENTADORIA. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. ATIVIDADE REALIZADA EM AMBIENTE HOSPITALAR. EXPOSIÇÃO A AGENTES NOCIVOS BIOLÓGICOS. HABITUALIDADE E PERMANÊNCIA. APOSENTADORIA ESPECIAL.
1. Não há cerceamento de defesa, em razão do indeferimento do pedido de realização de perícia, quando há elementos suficientes nos autos para análise da especialidade dos períodos reclamados.
2. É considerada especial a atividade exercida em ambiente hospitalar, desde que as tarefas específicas desenvolvidas pelo trabalhador, mesmo que não se relacionem diretamente com a enfermagem, exponham-no a efetivo e constante risco de contágio por agentes nocivos biológicos em período razoável da jornada diária de trabalho.
3. Se o desempenho de atribuições eminentemente administrativas e burocráticas em estabelecimento hospitalar não envolve o contato direto, habitual e prolongado com pacientes portadores de doenças infectocontagiosas ou o manuseio de materiais contaminados, a atividade não é enquadrada como especial.
4. Para ter direito à aposentadoria especial, a parte autora deve preencher os requisitos previstos no art. 57 da Lei nº 8.213, quais sejam: a carência prevista no art. 142 da referida lei e o tempo de trabalho sujeito a condições prejudiciais à sua saúde ou à sua integridade física durante 15, 20 ou 25 anos, a depender da atividade desempenhada.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação da parte autora e, de ofício, fixar os índices de correção monetária aplicáveis e determinar a revisão imediata do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 31 de maio de 2022.
Documento eletrônico assinado por ADRIANE BATTISTI, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003172342v3 e do código CRC 220e6a39.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO TELEPRESENCIAL DE 31/05/2022
Apelação Cível Nº 5003769-21.2020.4.04.7100/RS
RELATORA: Juíza Federal ADRIANE BATTISTI
PRESIDENTE: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
PROCURADOR(A): CAROLINA DA SILVEIRA MEDEIROS
SUSTENTAÇÃO ORAL POR VIDEOCONFERÊNCIA: JESSICA NUNES PINTO por CARLA ABRAHAO PEREIRA
APELANTE: CARLA ABRAHAO PEREIRA (AUTOR)
ADVOGADO: JESSICA NUNES PINTO (OAB RS117643)
ADVOGADO: LISIANE BEATRIZ WOLF PIMENTEL (OAB RS053162)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Telepresencial do dia 31/05/2022, na sequência 14, disponibilizada no DE de 20/05/2022.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA E, DE OFÍCIO, FIXAR OS ÍNDICES DE CORREÇÃO MONETÁRIA APLICÁVEIS E DETERMINAR A REVISÃO IMEDIATA DO BENEFÍCIO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Juíza Federal ADRIANE BATTISTI
Votante: Juíza Federal ADRIANE BATTISTI
Votante: Juiz Federal RODRIGO KOEHLER RIBEIRO
Votante: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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