Apelação Cível Nº 5007763-75.2016.4.04.7107/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: JOSE FRANCISCO DOURADO (AUTOR)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
RELATÓRIO
O Instituto Nacional do Seguro Social - INSS e Jose Francisco Dourado interpuseram recursos de apelação em face de sentença, proferida em 30/08/2016, que julgou procedente o pedido, nos seguintes termos:
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado nos autos para o efeito de:
(1) reconhecer o período de 02/05/1983 a 31/12/1983 como tempo de contribuição;
(2) reconhecer que a parte autora exerceu atividade de trabalho sob condições especiais no período de 13/11/2000 a 24/04/2015;
(3) determinar ao réu conceder à parte autora o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, sem a incidência de fator previdenciário, na forma do art. 29-C da Lei 8.213/91, já que preencheu o requisito dos 95 pontos exigidos pelo dispositivo (inc. I); e
(4) condenar o INSS a pagar à parte autora as diferenças vencidas e vincendas decorrentes da revisão da RMI do benefício, nos moldes acima definidos, a partir da data de entrada do requerimento, em 02/10/2015, aplicando-se, por força da Lei n. 11.960/2009, os índices oficiais de remuneração e juros aplicados à caderneta de poupança para a atualização monetária e compensação da mora;
Custas isentas. Condeno o réu ao pagamento de honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, apurado de acordo com as Súmulas 76 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e 111 do Superior Tribunal de Justiça.
Sentença publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se.
No caso de interposição do recurso de apelação, dê-se vista à parte contrária para contrarrazões.
Apresentadas as contrarrazões, ou decorrido o prazo legal para tal fim, remetam-se ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
O INSS, em suas razões de apelação, argumentou não ser possível o reconhecimento da especialidade por exposição a cimento.
Em sua apelação, a parte autora sustentou que, ao determinar a aplicação das súmulas nº 76 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e 111 do Superior Tribunal de Justiça, a MM. Juíza Federal não observou o artigo 85 do CPC. Desta forma, requer a fixação dos honorários de sucumbência no percentual de 10% (dez por cento) sobre o proveito econômico da parte autora.
Apresentadas contrarrazões por ambas as partes.
VOTO
Tempo de atividade especial
O reconhecimento da especialidade obedece à disciplina legal vigente na época em que a atividade foi exercida, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Desse modo, havendo a prestação laboral sob a vigência de certa legislação, o segurado adquire o direito à contagem do tempo de serviço especial na forma estabelecida, bem como à comprovação das condições de trabalho como então exigido, não se aplicando retroativamente lei nova que venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial. Nesse sentido, a orientação adotada pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (AR 3320/PR, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe 24-09-2008) e pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (EINF 2005.71.00.031824-5/RS, Terceira Seção, Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. 18-11-2009).
A evolução legislativa da matéria apresenta os seguintes marcos temporais:
a) até 28 de abril de 1995, quando esteve vigente a Lei nº 3.807/1960 (Lei Orgânica da Previdência Social) e suas alterações e, posteriormente, a Lei nº 8.213/1991 (Lei de Benefícios da Previdência Social), em sua redação original (artigos 57 e 58), a especialidade do tempo de serviço decorria do exercício de atividade profissional prevista como especial nos Decretos nº 53.831/1964 e nº 83.080/1979 e/ou na legislação especial. As normas regulamentares classificavam as atividades de duas formas: segundo os grupos profissionais, presumindo-se a sujeição do trabalhador a condições prejudiciais à saúde ou à integridade física; e segundo os agentes nocivos, caso em que deve ser demonstrada a exposição ao agente por qualquer meio de prova. Para os agentes nocivos ruído e calor, é necessário mensurar os seus níveis por meio de perícia técnica, documentada nos autos ou informada em formulário emitido pela empresa, a fim de verificar o grau de nocividade dos agentes envolvidos;
b) entre 29 de abril de 1995 a 05 de março de 1997, período em que estavam vigentes as alterações introduzidas pela Lei nº 9.032/1995 no artigo 57 da LBPS, torna-se necessária a demonstração efetiva da exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente, para tanto, a apresentação de formulário-padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico, ressalvados os agentes nocivos ruído e calor, em relação aos quais é imprescindível a realização de perícia técnica, conforme visto acima. Foi definitivamente extinto o enquadramento por categoria profissional - à exceção das atividades a que se refere a Lei nº 5.527/1968, cujo enquadramento por categoria deve ser feito até 13 de outubro de 1996, data imediatamente anterior à publicação da Medida Provisória nº 1.523/1996, que a revogou expressamente;
c) a partir de 06 de março de 1997, data da entrada em vigor do Decreto nº 2.172/1997, que regulamentou as disposições introduzidas no artigo 58 da LBPS pela Medida Provisória nº 1.523/1996 (convertida na Lei nº 9.528/1997), passou a ser exigida, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário-padrão, embasado em laudo técnico de condições ambientais do trabalho, ou por meio de perícia técnica.
Para que se caracterize a habitualidade e a permanência do tempo de trabalho em condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física (referidas no artigo 57, §3º, da Lei n° 8.213/91), a exposição ao agente nocivo deve ser ínsita ao desenvolvimento das atividades cometidas ao trabalhador, integrada à sua rotina de trabalho. Exegese diversa levaria à inutilidade da norma protetiva, pois em raras atividades a sujeição direta ao agente nocivo se dá durante toda a jornada de trabalho e, em muitas delas, a exposição em tal intensidade seria absolutamente impossível (EINF n.º 0003929-54.2008.404.7003, TRF 4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Rogério Favreto, D.E. 24-10-2011; EINF n.º 2007.71.00.046688-7, TRF 4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Celso Kipper, D.E. 07-11-2011). Em suma, somente se a exposição ao agente nocivo for eventual ou ocasional, está afastada a especialidade do tempo de serviço.
Além disso, conforme o tipo de atividade, a exposição ao agente nocivo, ainda que não diuturna, configura atividade apta à concessão de aposentadoria especial, tendo em vista que a intermitência na exposição não reduz os danos ou riscos inerentes à atividade. Não é razoável que se retire do trabalhador o direito à redução do tempo de serviço para a aposentadoria, deixando-lhe apenas os ônus da atividade perigosa ou insalubre (EINF n° 2005.72.10.000389-1, TRF 4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, D.E. 18-05-2011; EINF n° 2008.71.99.002246-0, TRF 4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. 08-01-2010).
A respeito da utilização de equipamento de proteção individual (EPI), a partir de 03/12/1998, data da publicação da MP nº 1.729, convertida na Lei nº 9.732, que modificou a redação dos §§ 1º e 2º do art. 58 da Lei nº 8.213/1991, a legislação previdenciária estabelece que a existência de tecnologia de proteção individual eficaz, que comprovadamente neutralize os agentes nocivos ou diminua a sua intensidade a limites de tolerância, afasta o efetivo prejuízo à saúde ou integridade física do trabalhador, razão pela qual a atividade não pode ser qualificada como especial.
O Supremo Tribunal Federal, em julgado com repercussão geral, firmou entendimento no sentido de que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não há direito à aposentadoria especial. Contudo, havendo demonstração de que o uso do EPI, no caso concreto, não é suficiente para afastar a nocividade, deve ser reconhecida a especialidade do trabalho. Em relação ao ruído, o STF considerou que a exposição a níveis superiores aos limites de tolerância causa prejuízos ao organismo humano que vão além dos relacionados à perda das funções auditivas. Assim, a utilização do EPI não garante a eliminação dos efeitos do agente nocivo ruído, pois existem fatores de difícil ou impossível controle que influenciam a sua efetividade. Esta é a redação da tese firmada no Tema nº 555:
I - O direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que, se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial; II - Na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria. (ARE 664335, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 04/12/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-029 DIVULG 11-02-2015 PUBLIC 12-02-2015)
Uma vez que se incorpora ao patrimônio jurídico do trabalhador a prestação de trabalho em condições especiais, regida pela legislação em vigor na época do exercício da atividade, é possível a conversão do tempo especial para comum, independente da data da prestação do trabalho ou do requerimento de benefício. A respeito, cabe registrar que, embora o art. 28 da MP nº 1.663-10 tenha revogado o § 5º do artigo 57 da Lei nº 8.213/1991, a lei de conversão (Lei nº 9.711/1998) não manteve o dispositivo, permanecendo a possibilidade de soma do tempo de serviço especial, após a respectiva conversão, ao tempo de atividade comum, para a concessão de qualquer benefício.
A atual redação do artigo 70 do Decreto nº 3.048/1999 estabelece que as regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período. Contudo, o fator de conversão do tempo especial em comum a ser utilizado é o previsto na legislação vigente na data da concessão do benefício, e não aquele em vigor quando o serviço foi prestado. A matéria foi decidida em recurso especial repetitivo, firmando-se a seguinte tese no Tema nº 546 do STJ: 'A lei vigente por ocasião da aposentadoria é a aplicável ao direito à conversão entre tempos de serviço especial e comum, independentemente do regime jurídico à época da prestação do serviço'(REsp 1.310.034/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 24-10-2012, DJe 19-12-2012).
De acordo com o art. 70 do Decreto nº 3.048/1999, com a redação dada pelo Decreto nº 4.827/2003, o fator de conversão a ser observado é de 1,4 para o homem e de 1,2 para a mulher (considerando, em ambos os casos, o exercício de atividade que ensejaria a aposentadoria especial em 25 anos).
Agentes químicos - álcalis cáusticos (cimento)
O Decreto nº 53.831/1964, no código 1.2.10 do Quadro Anexo, e o Decreto nº 83.080/1979, no código 1.2.12 do Anexo I, preveem o cimento como agente passível de enquadramento, por conter óxido de cálcio, classificado como álcalis cáusticos. Dessa forma, é possível o reconhecimento da especialidade do tempo de serviço até o início da vigência da Lei nº 9.032/95, tanto pela exposição ao cimento, como pelo enquadramento por categoria profissional (código 2.3.3 do Quadro Anexo ao Decreto n.º 53.831/64 - construção de edifícios, barragens e pontes).
No entanto, mesmo que os atos normativos infralegais posteriores não prevejam o enquadramento da atividade como especial, se for constatado o efetivo prejuízo à saúde do trabalhador, é possível o reconhecimento da especialidade do labor desempenhado. Isso porque, consoante entendimento sedimentado pelo Superior Tribunal de Justiça em recurso representativo de controvérsia, as normas regulamentadoras que estabelecem os casos de agentes e atividades nocivos à saúde do trabalhador são exemplificativas, podendo ser tido como distinto o labor que a técnica médica e a legislação correlata considerarem como prejudiciais ao obreiro, desde que o trabalho seja permanente, não ocasional, nem intermitente, em condições especiais (art. 57, § 3º, da Lei 8.213/1991) (REsp 1.306.113/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 14/11/2012, DJe 07/03/2013).
Desse modo, constatando-se, concretamente, a insalubridade de determinada atividade, é imperioso o reconhecimento da sua especialidade, ainda que o agente nocivo não esteja elencado no respectivo ato regulamentar. Nesse sentido, aliás, já dispunha a Súmula nº 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos: Atendidos os demais requisitos, é devida a aposentadoria especial, se perícia judicial constata que a atividade exercida pelo segurado é perigosa, insalubre ou penosa, mesmo não inscrita em Regulamento.
A Norma Regulamentadora 15 (NR-15), aprovada pela Portaria nº 3.214/1978, do Ministério do Trabalho, no Anexo 13. relaciona a fabricação e o transporte de cal e cimento nas fases de grande exposição a poeiras como atividades insalubres. Além dos efeitos da poeira sobre o sistema respiratório, o cimento pode causar outros danos à saúde, como dermatoses e problemas oculares. No julgamento dos Embargos Infringentes nº 2001.71.14.000772-3/RS (TRF4, Relator Juiz Federal João Batista Lazzari, Terceira Seção, julgado em 02-07-2009), foi transcrito trecho do laudo pericial que arrolou os efeitos à saúde que podem decorrer do manuseio do cimento:
O cimento é um ligante hidráulico usado nas edificações e na Engenharia Civil. É um pó fino da moagem do clínquer (calcário + argila + gesso), cozido a altas temperaturas (1400ºC). Pode-se misturá-lo ao cal, areia e pedras de várias granulometrias para obter-se argamassa e concreto. O cimento tipo Portland é composto por silicatos e aluminatos de cálcio, óxidos de ferro e magnésio, álcalis e sulfatos. Aditivos ao cimento poderão ser: aceleradores e anticongelantes, antioxidantes, corantes, fungicidas, impermeabilizantes e plastificantes.
Dermatites de contato irritativas pelo cimento e poeiras do cimento sobre tegumento e conjuntivas:
- Dermatite de contato por irritação
- Dermatite de contato por irritação forte (queimadura pelo cimento)
- Dermatite de contato alérgica
- Hiperceratose-Hardening
- Hiperceratose Subungueal
- Paroníqueas
- Onicólises
- Sarnas dos Pedreiros
- Conjuntivites
A jurisprudência deste Tribunal Regional, em vários julgados, já reconheceu a especialidade do tempo de serviço, mesmo após a Lei nº 9.032/1995, nos casos em que houve a comprovação da nocividade do contato com o cimento no desempenho das atividades de pedreiro ou operário da construção civil. A título de exemplo, os seguintes acórdãos:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REQUISITOS LEGAIS. COMPROVAÇÃO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. RECONHECIMENTO DE LABOR EM CONDIÇÕES ESPECIAIS. PEDREIRO. CIMENTO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. (...) 7. Havendo nos autos perícia técnica apontando a nocividade do contato com o cimento (ou com as substâncias presentes na sua composição, como, p. ex., álcalis cáusticos) no desempenho das atividades de operário da construção civil, não há por onde restringir-se a especialidade apenas às atividades ligadas à produção do cimento ou que envolvam inalação excessiva de sua poeira. Reconhecida a especialidade das atividades de pedreiro e servente de pedreiro, exercidas pela parte autora nos períodos indicados. 8. Implementados os requisitos de tempo de contribuição e carência, é devida a aposentadoria por tempo de contribuição. (TRF4, AC 0013365-65.2011.404.9999, QUINTA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, D.E. 29/08/2016)
PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. ENQUADRAMENTO PROFISSIONAL: OPERÁRIO DA CONSTRUÇÃO CIVIL. AGENTES NOCIVOS: ÁLCALIS CÁUSTICOS. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO PROPORCIONAL. CONCESSÃO. (...) 4. O trabalhador que rotineiramente, em razão de suas atividades profissionais, expõe-se ao contato com cimento, cujo composto é usualmente misturado a diversos materiais classificados como insalubres ao manuseio, faz jus ao reconhecimento da natureza especial do labor. 5. Implementados os requisitos de pedágio e idade, tem o segurado direito à obtenção de aposentadoria por tempo de contribuição proporcional. (TRF4 5022997-31.2010.404.7100, QUINTA TURMA, Relator (AUXÍLIO FAVRETO) TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 06/05/2016)
Portanto, não existe óbice ao reconhecimento da especialidade em face da exposição do agente nocivo álcalis cáustico, desde que constatado prejuízo à saúde do segurado.
Correção monetária e juros
Correção monetária
A questão da atualização monetária das quantias a que é condenada a Fazenda Pública, dado o caráter acessório de que se reveste, não deve ser impeditiva da regular marcha do processo no caminho da conclusão da fase de conhecimento.
Firmado em sentença, em apelação ou remessa oficial o cabimento dos juros e da correção monetária por eventual condenação imposta ao ente público e seus termos iniciais, a forma como serão apurados os percentuais correspondentes, sempre que se revelar fator impeditivo ao eventual trânsito em julgado da decisão condenatória, pode ser diferida para a fase de cumprimento, observando-se a norma legal e sua interpretação então em vigor. Isso porque é na fase de cumprimento do título judicial que deverá ser apresentado, e eventualmente questionado, o real valor a ser pago a título de condenação, em total observância à legislação de regência.
O art. 491 do Código de Processo Civil, ao prever, como regra geral, que os consectários já sejam definidos na fase de conhecimento, deve ter sua interpretação adequada às diversas situações concretas que reclamarão sua aplicação. Não por outra razão seu inciso I traz exceção à regra do caput, afastando a necessidade de predefinição quando não for possível determinar, de modo definitivo, o montante devido. A norma vem com o objetivo de favorecer a celeridade e a economia processuais, nunca para frear o processo.
E, no caso, o enfrentamento da questão pertinente ao índice de correção monetária, a partir da vigência da Lei nº 11.960/09, nos débitos da Fazenda Pública, embora de caráter acessório, tem criado graves óbices à razoável duração do processo.
O Plenário do Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento, em regime de repercussão geral, do Tema 810 (RE 870.947, Relator Ministro Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 20/09/2017), fixando as seguintes teses sobre a questão da correção monetária e dos juros moratórios nas condenações impostas à Fazenda Pública:
1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º,caput); quanto às condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09; e
2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina.
Não se extrai da tese firmada pelo STF no Tema nº 810 qualquer sinalização no sentido de que foi acolhida a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009. A leitura do inteiro teor do acórdão demonstra que o Plenário não discutiu a fixação dos efeitos do julgado a partir de 25 de março de 2015, nos mesmos moldes do que foi decidido na questão de ordem das ADI nº 4.357 e 4.425.
No que diz respeito ao índice de correção monetária a ser utilizado na atualização dos débitos decorrentes de condenações judiciais impostas à Fazenda Pública, cabe observar que o texto da tese consolidada, constante na ata de julgamento do RE nº 870.947, não incorporou a parte do voto do Ministro Luiz Fux que define o IPCA-E como indexador. Depreende-se, assim, que a decisão do Plenário, no ponto em que determinou a atualização do débito judicial segundo o IPCA-E, refere-se ao julgamento do caso concreto e não da tese da repercussão geral. Portanto, não possui efeito vinculante em relação às instâncias ordinárias.
Recentemente, todavia, o Ministro Luiz Fux proferiu decisão no RE 870.947, deferindo excepcionalmente efeito suspensivo aos embargos de declaração opostos pelos entes federativos estaduais, a fim de obstar a imediata aplicação do acórdão.
O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, discutiu a aplicabilidade do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, em relação às condenações impostas à Fazenda Pública, em julgamento submetido à sistemática de recursos repetitivos (REsp 1.495.146/MG, REsp 1.492.221/PR, REsp 1.495.144/RS - Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, j. em 22/02/2018). Quanto aos índices de correção monetária e juros de mora aplicáveis às ações previdenciárias, a tese firmada no Tema nº 905 foi redigida nos seguintes termos:
3.2 Condenações judiciais de natureza previdenciária.
As condenações impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária, no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91. Quanto aos juros de mora, incidem segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança (art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei n. 11.960/2009).
Porém, no juízo de admissibilidade do recurso extraordinário interposto contra o acórdão proferido no REsp n.º 1.492.221/PR (Tema 905 do STJ), a Ministra Maria Thereza de Assis Moura igualmente atribuiu efeito suspensivo à decisão que é objeto do recurso.
Portanto, não há ainda definição do índice de atualização monetária aplicável aos débitos de natureza previdenciária.
Em face da incerteza quanto ao índice de atualização monetária, e considerando que a discussão envolve apenas questão acessória no contexto da lide, à luz do que preconizam os artigos 4º, 6º e 8º, todos do CPC, mostra-se adequado e racional diferir-se para a fase de execução a solução em definitivo acerca dos critérios de correção, ocasião em que, provavelmente, a questão já terá sido dirimida pelos tribunais superiores, o que conduzirá à observância, pelos julgadores, ao fim e ao cabo, da solução uniformizadora.
A fim de evitar novos recursos, inclusive na fase de cumprimento de sentença, e anteriormente à solução definitiva sobre o tema, a alternativa é que o cumprimento do julgado se inicie, adotando-se os índices da Lei nº 11.960/2009, inclusive para fins de expedição de precatório ou RPV pelo valor incontroverso, diferindo-se para momento posterior ao julgamento pelas Cortes Superiores a decisão do juízo sobre a existência de diferenças remanescentes, a serem requisitadas, acaso outro índice venha a ter sua aplicação legitimada.
Diante disso, difere-se para a fase de cumprimento de sentença a definição do índice de atualização monetária aplicável, adotando-se inicialmente o índice da Lei nº 11.960/2009.
Juros moratórios
Os juros de mora, de 1% (um por cento) ao mês, serão aplicados a contar da citação (Súmula 204 do STJ), até 29 de junho de 2009. A partir de 30 de junho de 2009, os juros moratórios serão computados de forma equivalente aos aplicáveis à caderneta de poupança, conforme dispõe o art. 5º da Lei nº 11.960/09, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei nº 9.494/97.
Honorários advocatícios
A ausência de sucumbência da parte autora impõe a condenação do INSS ao pagamento dos ônus sucumbenciais. Afinal, a autarquia previdenciária foi condenada à revisão do benefício previdenciário postulado pelo autor.
Incumbe ao réu, por conseguinte, o pagamento de honorários advocatícios ao procurador da parte autora. Tendo em vista as disposições dos §§ 2º e 3º do art. 85 do CPC (aplicável à hipótese, já que a sentença recorrida foi publicada sob a sua vigência), devem ser mantidos os honorários advocatícios, fixados em desfavor do INSS, em 10% sobre as parcelas vencidas até a data da sentença (Súmula nº 111 do STJ; Súmula nº 76 desta Corte).
Anote-se que as súmulas 111 do STJ e 76 deste Tribunal encontram-se vigentes, uma vez que estão em consonância com as disposições do novo CPC.
Revisão imediata do benefício
Considerando os termos do art. 497 do CPC, que repete dispositivo constante do art. 461 do antigo CPC, e o fato de que, em princípio, esta decisão não está sujeita a recurso com efeito suspensivo (TRF4, AC 2002.71.00.050349-7, Terceira Seção, Relator para Acórdão Celso Kipper, D.E. 01/10/2007), o julgado deve ser cumprido imediatamente, observando-se o prazo de trinta dias úteis para a revisão do benefício postulado.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto no sentido de negar provimento às apelações do INSS e da parte autora e, de ofício, diferir para a fase de cumprimento de sentença a definição do índice de atualização monetária aplicável e determinar a revisão imediata do benefício.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001284720v4 e do código CRC ac5e33b3.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 13/9/2019, às 19:54:5
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 02:36:08.
Apelação Cível Nº 5007763-75.2016.4.04.7107/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: JOSE FRANCISCO DOURADO (AUTOR)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. APOSENTADORIA. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. contato com cimento.
1. O reconhecimento da especialidade e o enquadramento da atividade exercida sob condições especiais são disciplinados pela lei em vigor à época em que efetivamente prestada, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador.
2. Embora as normas regulamentares editadas com fundamento no art. 58 da Lei nº 8.213/1991, com a redação dada pela Lei nº 9.528/1997, não incluam os álcalis cáusticos na lista de agentes nocivos, o manuseio do cimento pode causar vários danos à saúde do trabalhador.
3. A despeito da ausência de enquadramento da atividade nos Decretos nº 2.172/1997 e nº 3.048/1999, a jurisprudência do Tribunal Regional da 4ª Região já reconheceu a especialidade do tempo de serviço, mesmo após a Lei nº 9.032/1995, nos casos em que houve a comprovação da nocividade do contato com o cimento no desempenho das atividades de pedreiro ou operário da construção civil.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento às apelações do INSS e da parte autora e, de ofício, diferir para a fase de cumprimento de sentença a definição do índice de atualização monetária aplicável e determinar a revisão imediata do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 10 de setembro de 2019.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001284721v6 e do código CRC c6ca8ccf.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 13/9/2019, às 19:54:5
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 02:36:08.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Ordinária DE 10/09/2019
Apelação Cível Nº 5007763-75.2016.4.04.7107/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): EDUARDO KURTZ LORENZONI
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELANTE: JOSE FRANCISCO DOURADO (AUTOR)
ADVOGADO: ROBERTA TAUFFER PIVA (OAB RS070032)
APELADO: OS MESMOS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária do dia 10/09/2019, na sequência 124, disponibilizada no DE de 26/08/2019.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO ÀS APELAÇÕES DO INSS E DA PARTE AUTORA E, DE OFÍCIO, DIFERIR PARA A FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA A DEFINIÇÃO DO ÍNDICE DE ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA APLICÁVEL E DETERMINAR A REVISÃO IMEDIATA DO BENEFÍCIO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Votante: Juíza Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 02:36:08.