
Agravo de Instrumento Nº 5021475-35.2024.4.04.0000/RS
RELATOR: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
RELATÓRIO
N. A. interpõe agravo de instrumento em face da decisão que indeferiu o pedido de gratuidade judiciária (
), nos seguintes termos:1. A parte autora requer a concessão da gratuidade da justiça.
É dever do órgão jurisdicional zelar para que o benefício da justiça gratuita somente seja concedido àqueles que realmente não possuem condições de arcar com as despesas do processo. Os serviços públicos, a exemplo do serviço jurisdicional, possuem um custo a ser suportado pelo usuário, o qual somente pode ser afastado em casos excepcionais. A distribuição totalmente gratuita do processo judicial, sem qualquer controle, causa distorções e sobrecarrega indevidamente o sistema judiciário, prejudicando, sobretudo, aqueles que realmente necessitam da tutela jurisdicional por meio da justiça gratuita, tendo em vista que a litigância excessiva é uma das grandes responsáveis pela morosidade do Poder Judiciário. Ademais, a concessão indiscriminada do benefício prejudica também a parte contrária e seu advogado, que, embora eventualmente tendo razão, vêem-se desprovidos da compensação pelos dispêndios causados pela demanda.
O artigo 5º, inciso LXXIV, da Constituição afirma que "o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos" (grifo nosso). De outro lado, o § 3º do artigo 99 do CPC/2015 determina que "presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural".
Em que pese o CPC/2015 estabeleça que a justiça gratuita será concedida mediante simples afirmação da parte, entendo que, no caso, a norma está em conflito com o que dispõe a CF, na medida em que esta exige, para a prestação de assistência jurídica integral e gratuita, a comprovação da parte de que não possui recursos. Assim, considerando que a CF deve prevalecer, haveria possibilidade de se adotar entendimento de que a justiça gratuita somente deveria ser deferida àqueles que, no processo, efetivamente comprovassem a insuficiência financeira para arcar com as despesas judiciais.
Contudo, entendo viável uma solução intermediária, calcada na análise do caso concreto, com consideração de situações excepcionais de comprovados dispêndios elevados com questões como saúde ou família numerosa, por exemplo, fixando, para o mais, um parâmetro objetivo balizador da análise da capacidade econômica das partes. Assim, em regra, tenho que a simples afirmação da parte é suficiente para o deferimento da justiça gratuita; entretanto, caso haja indício ou informação, nos autos, dando conta de que a parte aufere rendimentos ou possui condições que não são condizentes com o benefício, este será indeferido, já que inclusive estará elidida a presunção estabelecida pela Lei Adjetiva.
Nesse sentido, filio-me ao entendimento consolidado no IRDR n° 25 do Trigunal Regional Federal da 4ª Região, cuja tese restou fixada em acórdão publicado em 11/01/2022, nos seguintes termos:
"A gratuidade da justiça deve ser concedida aos requerentes pessoas físicas cujos rendimentos mensais não ultrapassem o valor do maior benefício do regime geral de previdência social, sendo prescindível, nessa hipótese, qualquer comprovação adicional de insuficiência de recursos para bancar as despesas do processo, salvo se aos autos aportarem elementos que coloquem em dúvida a alegação de necessidade em face, por exemplo, de nível de vida aparentemente superior, patrimônio elevado ou condição familiar facilitada pela concorrência de rendas de terceiros. Acima desse patamar de rendimentos, a insuficiência não se presume, a concessão deve ser excepcional e dependerá, necessariamente, de prova, justificando-se apenas em face de circunstâncias muito pontuais relacionadas a especiais impedimentos financeiros permanentes do requerente, que não indiquem incapacidade eletiva para as despesas processuais, devendo o magistrado dar preferência, ainda assim, ao parcelamento ou à concessão parcial apenas para determinado ato ou mediante redução percentual."
No caso concreto, a parte autora percebe renda mensal superior a tal parâmetro (
), não tendo demonstrado qualquer situação excepcional de gastos, motivo pelo qual indefiro o requerimento de gratuidade da justiça.Intime-se a parte requerente para recolher as custas judiciais no prazo de 15 (quinze) dias sob pena de extinção.
Cumprida a determinação, retornem conclusos.
Sendo interposto agravo de instrumento e ausente o recolhimento das custas iniciais, suspenda-se o feito até ulterior decisão da Instância Superior. (...)
Alega o agravante, em síntese, fazer jus ao benefício de gratuidade judiciária, por ser sua renda insuficiente para arcar com as custas processuais e eventuais honorários de sucumbência.
Requer a reforma da decisão agravada.
O pedido de atribuição de efeito suspensivo foi indeferido.
Oportunizadas contrarrazões, veio o processo para julgamento.
É o relatório.
VOTO
A decisão liminar neste agravo de instrumento resolveu suficientemente a matéria recursal:
Sobre a gratuidade de justiça, este Tribunal consolidou orientação no Incidente de Resolução de Demanda Repetitiva nº 25, que restou assim ementado:
INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS. ACESSO À JUSTIÇA. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. DISTINÇÃO. CRITÉRIOS. 1. Conforme a Constituição brasileira, "o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos". 2. Assistência jurídica integral configura gênero que abarca diferentes serviços gratuitos, a cargo do poder público, voltados a assegurar a orientação, a defesa e o exercício dos direitos. 3. A consultoria jurídica gratuita é prestada pelas Defensorias Públicas quando do acolhimento dos necessitados, implicando orientação até mesmo para fins extrajudiciais e que nem sempre redunda na sua representação em juízo. 4. A assistência judiciária gratuita é representação em juízo, por advogado não remunerado, realizada pelas defensorias públicas e também advogados conveniados com o Poder Público ou designados pelo juiz pro bono. 5. A gratuidade de justiça assegura a prestação jurisdicional independentemente da realização dos pagamentos normalmente exigidos para a instauração e o processamento de uma ação judicial, envolvendo, essencialmente, custas, despesas com perícias e diligências e honorários sucumbenciais. 6. Nos termos das Leis 9.099/95, 10.259/01 e 12.153/19, o acesso à primeira instância dos Juizados de pequenas causas é gratuito, o que aproveita a todos, indistintamente. 7. O acesso à segunda instância dos juizados, às Varas Federais e aos tribunais é oneroso, de modo que depende de pagamento ou da concessão do benefício da gratuidade de justiça. 8. A Corte Especial, por ampla maioria, definiu que faz jus à gratuidade de justiça o litigante cujo rendimento mensal não ultrapasse o valor do maior benefício do Regime Geral de Previdência Social, sendo suficiente, nessa hipótese, a presunção de veracidade da declaração de insuficiência de recursos, que pode ser afastada pela parte contrária mediante elementos que demonstrem a capacidade econômica do requerente. 9. Rendimentos mensais acima do teto do Regime Geral de Previdência Social não comportam a concessão automática da gratuidade de justiça. A concessão, em tais casos, exige prova a cargo do requerente e só se justifica em face de impedimentos financeiros permanentes. A par disso, o magistrado deve dar preferência ao parcelamento ou à concessão parcial apenas para determinado ato ou mediante redução percentual. (TRF4 5036075-37.2019.4.04.0000, CORTE ESPECIAL, Relator LEANDRO PAULSEN, juntado aos autos em 07/01/2022) grifei
O IRDR, além de definir um conceito mensurável do qual se pode presumir a hipossuficiência, a qual pode ser elidida pela parte contrária através de elementos que demonstrem a capacidade financeira, orienta no sentido de que a concessão da gratuidade para quem percebe acima do teto do RGPS é medida excepcional, cabendo ao magistrado avaliar as condições gerais do caso em concreto.
Analisando os elementos presentes nos autos e, em alguns casos, não apenas a renda, o julgador poderá afastar a presunção de impossibilidade de arcar com as despesas do processo desde que a partir dali se torne visível a suficiência econômica do autor. Nesse caso, caberá ao requerente demonstrar a impossibilidade de arcar com as custas processuais, a fim de ser contemplado com a gratuidade da justiça.
Quanto à renda mensal a ser considerada para fins de concessão do benefício da gratuidade da justiça, cabe explicitar que esta Corte tem decidido no sentido de que serão descontadas dos rendimentos totais apenas as deduções obrigatórias - Imposto de Renda - IRPF e contribuição previdenciária.
Nesse sentido, os seguintes precedentes:
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. GRATUIDADE DA JUSTIÇA. HIPOSSUFICIÊNCIA NÃO DEMONSTRADA. 1. A gratuidade da justiça é devida a quem não possui rendimentos suficientes para suportar as despesas de um processo sem prejuízo de seu sustento ou de sua família. 2. A declaração de pobreza para fins de gratuidade judiciária goza de presunção iuris tantum de veracidade, podendo ser elidida, entretanto, por prova em contrário. 3. No caso dos autos, os rendimentos mensais da parte agravante não autorizam depreender a alegada condição de hipossuficiência para fins de concessão do benefício da gratuidade da justiça. 4. No cálculo da renda líquida mensal para fins de gratuidade da justiça, admite-se somente o cômputo dos descontos obrigatórios com imposto de renda e contribuição previdenciária. Precedentes. (TRF4, AG 5037682-17.2021.4.04.0000, QUINTA TURMA, Relator FRANCISCO DONIZETE GOMES, juntado aos autos em 24/02/2022)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. GRATUIDADE JUDICIÁRIA. REQUISITOS NÃO COMPROVADOS. BENEFÍCIO INDEFERIDO. A Turma tem decidido reiteradamente (5038241-76.2018.4.04.0000 - ARTUR CÉSAR DE SOUZA), nos casos de segurado assalariado, que deve ser levado em conta o montante líquido dos seus rendimentos, após o desconto apenas do IRPF e da contribuição previdenciária. (TRF4, AG 5048568-75.2021.4.04.0000, SEXTA TURMA, Relator JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER, juntado aos autos em 20/05/2022)
No caso concreto, como bem observou o juízo de origem já na decisão agravada, em trecho que agrego como razões de decidir, a parte autora percebe renda mensal superior a tal parâmetro (evento 1, CNIS8), não tendo demonstrado qualquer situação excepcional de gastos, motivo pelo qual indefiro o requerimento de gratuidade da justiça. O extrato do
corrobora a afirmação, não cabendo a alegação de que houve prejuízo à parte na tramitação processual. Reitero que só as deduções obrigatórias devem ser descontadas da renda do autor, para fins de concessão de gratuidade de justiça.Nesse contexto, os dados trazidos aos autos são suficientes para afastar a alegação no sentido da impossibilidade de suportar as despesas do processo. Assim, mostra-se, em princípio, correto o indeferimento do benefício no caso.
Pelo exposto, indefiro o pedido de efeito suspensivo.
Ausentes novos elementos de fato ou de direito, a decisão que resolveu o pedido de liminar deve ser mantida.
Por fim, nos termos do art. 1.025 do CPC, resta garantido o acesso às instâncias superiores.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento ao agravo de instrumento.
Documento eletrônico assinado por ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004567231v2 e do código CRC 31af7427.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Data e Hora: 27/9/2024, às 15:44:29
Conferência de autenticidade emitida em 12/12/2024 16:53:52.
Identificações de pessoas físicas foram ocultadas

Agravo de Instrumento Nº 5021475-35.2024.4.04.0000/RS
RELATOR: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. GRATUIDADE DA JUSTIÇA. CRITÉRIOS FIXADOS. IRDR 25 DO TRF. suficiência econômica. RENDA MENSAL SUPERIOR AO TETO DO RGPS.
1. Nos termos da tese firmada por esta Corte quando do julgamento do IRDR 25: A gratuidade da justiça deve ser concedida aos requerentes pessoas físicas cujos rendimentos mensais não ultrapassem o valor do maior benefício do regime geral de previdência social, sendo prescindível, nessa hipótese, qualquer comprovação adicional de insuficiência de recursos para bancar as despesas do processo, salvo se aos autos aportarem elementos que coloquem em dúvida a alegação de necessidade em face, por exemplo, de nível de vida aparentemente superior, patrimônio elevado ou condição familiar facilitada pela concorrência de rendas de terceiros. Acima desse patamar de rendimentos, a insuficiência não se presume, a concessão deve ser excepcional e dependerá, necessariamente, de prova, justificando-se apenas em face de circunstâncias muito pontuais relacionadas a especiais impedimentos financeiros permanentes do requerente, que não indiquem incapacidade eletiva para as despesas processuais, devendo o magistrado dar preferência, ainda assim, ao parcelamento ou à concessão parcial apenas para determinado ato ou mediante redução percentual. (CORTE ESPECIAL) IRDR Nº 5036075-37.2019.4.04.0000, Corte Especial, Desembargador Federal LEANDRO PAULSEN).
2. Quanto à renda mensal a ser considerada para fins de concessão do benefício da gratuidade da justiça, esta Corte tem decidido no sentido de que serão descontadas dos rendimentos totais apenas as deduções obrigatórias - Imposto de Renda - IRPF e contribuição previdenciária.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 25 de setembro de 2024.
Documento eletrônico assinado por ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004567232v3 e do código CRC e10eff50.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Data e Hora: 27/9/2024, às 15:44:29
Conferência de autenticidade emitida em 12/12/2024 16:53:52.
Identificações de pessoas físicas foram ocultadas

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 17/09/2024 A 25/09/2024
Agravo de Instrumento Nº 5021475-35.2024.4.04.0000/RS
RELATOR: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
PRESIDENTE: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
PROCURADOR(A): FLÁVIO AUGUSTO DE ANDRADE STRAPASON
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 17/09/2024, às 00:00, a 25/09/2024, às 16:00, na sequência 890, disponibilizada no DE de 06/09/2024.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Votante: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Votante: Juiz Federal ÉZIO TEIXEIRA
Votante: Juíza Federal ADRIANE BATTISTI
LIDICE PENA THOMAZ
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 12/12/2024 16:53:52.
Identificações de pessoas físicas foram ocultadas