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PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. TRABALHO RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. TEMPO DE SERVIÇO URBANO. ANOTAÇÃO NA CARTEIRA DE TRABALHO. RECONHECIMENTO DE TEMP...

Data da publicação: 03/07/2021, 07:00:59

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. TRABALHO RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. TEMPO DE SERVIÇO URBANO. ANOTAÇÃO NA CARTEIRA DE TRABALHO. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. MARCO INICIAL. 1. É legalmente indispensável a existência de início de prova material para a comprovação, mediante o depoimento de testemunhas, de tempo de atividade rural. 2. Em que pese a ausência de informação da relação de emprego no Cadastro Nacional de Informações Sociais, o tempo de serviço pode ser reconhecido com base na anotação do vínculo na carteira de trabalho, desde que seja contemporânea e não apresente rasuras ou qualquer evidência que afaste a veracidade do registro. (TRF4, AC 5005053-09.2012.4.04.7112, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 25/06/2021)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5005053-09.2012.4.04.7112/RS

RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: JOSE VALMOR ROCHA (AUTOR)

ADVOGADO: ALEXANDRA LONGONI PFEIL (OAB RS075297)

ADVOGADO: JULIA CAROLINA LONGHI KOSCIUK (OAB RS076632)

ADVOGADO: MARIANA DE MEDEIROS FLORES NUNES (OAB RS095269)

ADVOGADO: ANILDO IVO DA SILVA

RELATÓRIO

O Instituto Nacional do Seguro Social - INSS interpôs recurso de apelação contra sentença, proferida em 19/08/2016 (evento 133 da origem), que julgou procedente o pedido, nos seguintes termos:

Ante o exposto, REJEITO a preliminar de incompetência do INSS e, no mérito, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados na petição inicial, para reconhecer: a) o tempo de serviçorural de07/03/1959 a 22/10/1961 e de 29/12/1964 a 12/07/1966; os tempos urbanos de serviço/contribuição de 23/10/1961 a 28/12/1964, de 13/07/1966 a 06/06/1967, de 14/11/1967 a 05/01/1970, de 03/08/1970 a 10/06/1971, de 28/07/1971 a 08/06/1972, de 12/06/1972 a 01/02/1973, de 07/05/1973 a 15/02/1974, de 05/03/1974 a 12/06/1974; os tempos de serviço especial de 23/10/1961 a 28/12/1964, de 14/11/1967 a 05/01/1970, de 28/07/1971 a 08/06/1972, de 12/06/1972 a 01/02/1973, de 07/05/1973 a 15/02/1974, de 05/03/1974 a 12/06/1974 e de 24/06/1974 a 20/07/1976, que deverão ser convertidos em tempo de serviço comum pelo fator 1,4 (homem), na hipótese de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, nos termos da fundamentação.
Por consequência, CONDENO o INSS, ainda, a:
I) AVERBAR os tempos de serviço acima reconhecidos;
II) CONCEDER o benefício previdenciário de aposentadoria por tempo de contribuição NB 42/154.758.734-0, com data de início do benefício (DIB) a partir de 14/12/2010 (DER), cuja renda mensal deverá ser calculada nos termos da fundamentação;
III) PAGAR as verbas vencidas da DIB - 14/12/2010 e a efetiva implantação do benefício, com juros e correção monetária de acordo com os critérios estipulados no Manual de Cálculos da Justiça Federal. A apuração dos valores devidos será realizada pelo INSS e sujeita ao contraditório nos autos. Os valores atrasados, bem como aqueles vencidos entre a sentença e efetiva implantação do benefício, serão oportunamente executados na forma de requisição de pagamento.
IV) PAGAR os honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) das prestações vencidas até a sentença, nos termos da Súmula 111 do STJ ("Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, não incidem sobre as prestações vencidas após a sentença”), cujo montante será corrigido segundo o índice do Manual de Cálculo da Justiça Federal considerando para tanto os critérios elencados nas alíneas do art. 85, §2°, do Novo Código de Processo Civil.
Custas isentas pela Autarquia Federal (art. 4º da Lei 9.289/1996).
Mantenho os benefícios da assistência judiciária gratuita.
Vislumbram-se presentes os requisitos para a antecipação dos efeitos da tutela, porque se trata de pessoa idosa em idade avançada (69 anos), sendo que a falta de pagamento pelo INSS pode gerar dano irreparável ou de difícil reparação. Intime-se a APSDJ para o cumprimento no prazo de 20 (vinte) dias.
Em que pese a sentença seja ilíquida, não há necessidade de remessa necessária dos autos ao Tribunal (art. 496 do NCPC). Isso porque o dia a dia forense demonstra que a imensa maioria das causas não ostenta proveito econômico superior a R$ 880.000,00 (valor correspondente a 1.000 salários mínimos), o que também ocorre no processo em epígrafe (art. 496, §3º).
Interposta apelação, intime-se a parte contrária para contrarrazões, e remetam-se os autos ao Tribunal. Transitada em julgado esta decisão, certifique a Secretaria tal circunstância, e, depois, intime-se a parte interessada para que dê prosseguimento à fase executiva.
Oportunamente, nada sendo requerido, sejam feitas as anotações necessárias e remetam-se os autos ao arquivo.
Publicação e registro autuados eletronicamente. Intimem-se.

O INSS, em suas razões de apelação (evento 152 da origem), em relação ao reconhecimento do tempo rural, defende a necessidade de indenização do período. Alega que anteriormente à Lei 4.214 o direito não abrangia os dependentes do segurado. Defende interpretação restritiva ao art. 55, §2º, da Lei 8.213/91. Alega que a idade mínima para o regime de economia familiar deve ser de 16 anos e reitera a necessidade de prova material. Em relação ao reconhecimento do períodos de trabalho urbano, afirma que não há documentos que corroborem a CTPS e afirma a necessidade de outras provas complementares. Em relação à especialidade do trabalho, defende o limite inicial na Lei 6.887/80 e o limite final na Lei 9.032/95. Refere que o tempo especial não pode ser convertido em comum a contar de 28/05/98 (em razão da MP 1.663, convertida na Lei 9.711/98). Também alega que, até 21/07/1992, o fator de conversão do tempo especial para comum deve ser de 1,2, independentemente do segurado ser homem ou mulher.

VOTO

Tempo de serviço rural anterior a 1991

Segundo o art. 55, § 2º, da Lei nº 8.213, o tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência da Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência. Não obstante o marco final estabelecido seja a entrada em vigor da Lei nº 8.213, o Decreto nº 3.048/1999, no art. 127, inciso V, estendeu a possibilidade de aproveitamento do tempo rural até 31/10/1991.

O legislador ordinário não concedeu uma benesse aos trabalhadores rurais, ao permitir o cômputo de serviço anterior à Lei nº 8.213, mesmo sem o recolhimento de contribuições previdenciárias; apenas concretizou a norma do inciso II do parágrafo único do art. 194 da Constituição de 1988, que assegurou a uniformidade e a equivalência dos benefícios e serviços aos trabalhadores urbanos e rurais. No regime anterior à Lei nº 8.213, os trabalhadores rurais contavam somente com o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL) instituído pela Lei Complementar nº 11. Os beneficiários do PRORURAL, além do trabalhador rural que exercia a atividade individualmente ou em regime de economia familiar, eram o empregado rural (contratado por produtor rural pessoa física ou jurídica), o avulso rural (contratado mediante a intermediação de sindicato ou órgão gestor de mão de obra) e o trabalhador rural eventual (volante, diarista ou boia-fria). Os benefícios oferecidos pelo PRORURAL não requeriam o pagamento de contribuições, porém eram limitados e tipicamente assistenciais, não prevendo a aposentadoria por tempo de serviço. A regra do § 2º do art. 55 da Lei nº 8.213, assim, objetiva conciliar a substancial diferença entre o velho e o novo regime previdenciário, no tocante à contagem de tempo de serviço.

Além de todos os beneficiários do antigo PRORURAL, o § 2º do art. 55 da Lei nº 8.213 abarca os membros do grupo familiar, visto que o art. 11, inciso VII, da Lei de Benefícios, define como segurado especial não só o produtor rural que exerce suas atividades individualmente ou em regime de economia familiar, mas também o cônjuge ou companheiro e filhos maiores de dezesseis anos ou a ele equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo.

No que concerne à comprovação do tempo de serviço rural, exige-se a apresentação de início de prova material contemporânea ao período a ser comprovado, complementada por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida, exclusivamente, a teor do art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213, REsp nº 1.321.493/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 10/10/2012, DJe 19/12/2012 (recurso representativo da controvérsia) e Súmula nº 149 do STJ:

A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário.

Cabe salientar, outrossim, que embora o art. 106 da Lei de Benefícios relacione os documentos aptos a essa comprovação, tal rol não é exaustivo.

Por outro lado, não se exige prova documental plena da atividade rural em relação a todos os anos integrantes do período correspondente à carência, mas início de prova material (como notas fiscais, talonário de produtor, comprovantes de pagamento do ITR ou prova de titularidade de imóvel rural, certidões de casamento, de nascimento, de óbito, certificado de dispensa de serviço militar, etc.) que, juntamente com a prova oral, possibilite um juízo de valor seguro acerca dos fatos que se pretende comprovar. Quanto aos meios de comprovação do tempo de atividade rural, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1348633 SP, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Seção, julgado em 28/08/2013, DJe 05/12/2014, firmou a seguinte tese (Tema 638):

Mostra-se possível o reconhecimento de tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo, desde que amparado por convincente prova testemunhal, colhida sob contraditório.

Ademais, tal entendimento restou sedimentado pelo Superior Tribunal de Justiça, na Súmula 577 (DJe 27/06/2016):

É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório.

Aquela Egrégia Corte também consolidou entendimento no sentido de atribuir efeitos prospectivos ao início de prova material, reconhecendo-lhe '(...) eficácia probatória tanto para o período anterior quanto para o posterior à data do documento, desde que corroborado por robusta prova testemunhal' (AgInt no REsp 1606371/PR, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 20/04/2017, DJe 08/05/2017).

No que tange aos documentos apresentados em nome de terceiros, sobretudo quando dos pais ou cônjuge, saliento que consubstanciam início de prova material do labor rural. Com efeito, o §1º do art. 11 da Lei de Benefícios define como sendo regime de economia familiar aquele em que os membros da família exercem 'em condições de mútua dependência e colaboração'. Via de regra, os atos negociais da entidade respectiva serão formalizados não individualmente, mas em nome do pater familiae, que é quem representa o grupo familiar perante terceiros, função esta, exercida, normalmente, no caso dos trabalhadores rurais, pelo genitor ou cônjuge masculino. Nesse sentido, a propósito, preceitua a Súmula nº 73 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental.

Importante, ainda, destacar que não descaracteriza automaticamente a condição de segurado especial de quem postula o benefício o fato de o cônjuge exercer atividade outra que não a rural, pois, o inciso VII do art. 11 da Lei nº 8.213 estipula que é segurado especial o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o pescador artesanal e o assemelhado, que exerçam suas atividades, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos maiores de 14 anos ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo. Ou seja, somente será descaracterizado o regime de economia familiar caso reste comprovado que a remuneração proveniente do labor urbano do cônjuge importe em montante tal que dispense a renda do labor rural para a subsistência do grupo familiar.

Seguidamente, a autarquia previdenciária alega que os depoimentos e informações tomados na via administrativa apontam para a ausência de atividade agrícola no período de carência. Deve-se considerar as conclusões a que chegou o INSS, em âmbito administrativo, de modo a serem corroboradas pelo conjunto probatório produzido no feito judicial. Na existência de conflito entre as provas colhidas na via administrativa e aquelas produzidas em juízo, devem preponderar as últimas, uma vez que produzidas com todas as cautelas legais, diante da garantia do contraditório. Trata-se de situação na qual se deve prestigiar a imparcialidade que caracteriza a prova produzida no curso do processo jurisdicional. Dispondo de elementos que possam obstaculizar a pretensão da parte autora, cabe ao INSS judicializar a prova administrativa, a fim de que seja examinada no conjunto do acervo probatório constante dos autos.

Trabalho infantil sem limitação de idade

Conquanto a legislação em vigor na época proibisse o trabalho aos menores de doze anos, a jurisprudência entende que as normas regulatórias da matéria foram editadas para proteger o menor, não podendo ser aplicadas para o fim de prejudicá-lo ou privá-lo de direito. O combate à exploração da mão de obra infantil somente veio a ser intensificado em tempos atuais e, mesmo assim, as crianças ainda começam a trabalhar em idade precoce no meio rural. Dessa forma, é possível reconhecer o tempo de serviço rural sem a limitação de idade prevista no inciso VII do art. 11 da Lei de Benefícios.

Nesse sentido, já decidiu o STF:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. TRABALHADORA RURAL. MENOR DE 16 ANOS DE IDADE. CONCESSÃO DE SALÁRIOMATERNIDADE. ART. 7º, XXXVIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NORMA PROTETIVA QUE NÃO PODE PRIVAR DIREITOS. PRECEDENTES. Nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o art. 7º, XXXIII, da Constituição 'não pode ser interpretado em prejuízo da criança ou adolescente que exerce atividade laboral, haja vista que a regra constitucional foi criada para a proteção e defesa dos trabalhadores, não podendo ser utilizada para privá-los dos seus direitos' (RE 537.040, Rel. Min. Dias Toffoli). Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 600616 AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 26/08/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-175 DIVULG 09-09-2014 PUBLIC 10-09-2014)

Este Tribunal, em ação civil pública, acolheu a possibilidade de reconhecer o trabalho infantil como tempo de serviço sem a limitação de idade:

DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA MOVIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PARA AFASTAR A IDADE MÍNIMA PREVISTA NO ART. 11 DA LEI 8.213 PARA FINS DE RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO E DE CONTRIBUIÇÃO. INTERESSE DE AGIR DO MPF. RECONHECIMENTO. EFEITOS JURÍDICOS DA SENTENÇA. ABRANGÊNCIA NACIONAL DA DECISÃO PROLATADA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ART. 16 DA LEI. 7.347/85. INTERPRETAÇÃO DO ART. 7º, XXXIII DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. TRABALHO INFANTIL X PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA. REALIDADE FÁTICA BRASILEIRA. INDISPENSABILIDADE DE PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA ÀS CRIANÇAS. POSSIBILIDADE DE SER COMPUTADO PERÍODO DE TRABALHO SEM LIMITAÇÃO DE IDADE MÍNIMA. ACP INTEGRALMENTE PROCEDENTE. JULGAMENTO PELO COLEGIADO AMPLIADO. ART. 942 DO CPC. RECURSO DO MPF PROVIDO. APELO DO INSS DESPROVIDO. 1. O interesse processual do MPF diz respeito à alteração de entendimento da autarquia no tocante às implicações previdenciárias decorrentes do exercício laboral anterior àquele limite etário mínimo, consubstanciadas inclusive na Nota 76/2013. Em que pese efetivamente constitua aquela Nota importante avanço no posicionamento do INSS sobre a questão, não torna ela despicienda a tutela jurisdicional pleiteada, já que admite aquela Nota que, uma vez reconhecida na esfera trabalhista a relação de emprego do menor de 16 anos, possa a autarquia considerá-lo segurado e outorgar efeitos de proteção previdenciária em relação ao mesmo, permanecendo - não bastasse a já referida necessidade prévia de reconhecimento trabalhista - a não admitir a proteção para as demais situações de exercício laboral por menor de 16 anos, referidas na contestação como externadas de forma voluntária. Não bastasse isto, restaria ainda a questão referente à documentação e formalidades exigidas para a comprovação de tal labor, o que evidencia a permanência da necessidade de deliberação e, por consequência, a existência do interesse de agir. 2. Não há falar em restrição dos efeitos da decisão em ação civil pública a limites territoriais, pois não se pode confundir estes com a eficácia subjetiva da coisa julgada, que se estende a todos aqueles que participam da relação jurídica. Isso porque, a imposição de limites territoriais, prevista no art. 16 da LACP, não prejudica a obrigatoriedade jurídica da decisão judicial em relação aos participantes da relação processual. 3. Logo, inexiste violação ao art. 16 da Lei nº 7.347/1985, como aventou o INSS, porquanto não é possível restringir a eficácia da decisão proferida nos autos aos limites geográficos da competência territorial do órgão prolator, sob pena de chancelar a aplicação de normas distintas a pessoas detentoras da mesma condição jurídica. 4. Mérito. A limitação etária imposta pelo INSS e que o Ministério Público Federal quer ver superada tem origem na interpretação que se dá ao art. 7º, XXXIII da Constituição Federal, que veda qualquer trabalho para menores 16 anos, salvo na condição de aprendiz. 5. Efetivamente, a aludida norma limitadora traduz-se em garantia constitucional existente em prol da criança e do adolescente, vale dizer, norma protetiva estabelecida não só na Constituição Federal, mas também na legislação trabalhista, no ECA (Lei 8.079) em tratados internacionais (OIT) e nas normas previdenciárias. 6. No entanto, aludidas regras, editadas para proteger pessoas com idade inferior a 16 anos, não podem prejudicá-las naqueles casos em que, não obstante a proibição constitucional e legal, efetivamente, trabalharam durante a infância ou a adolescência. 7. Não obstante as normas protetivas às crianças, o trabalho infantil ainda se faz presente no seio da sociedade. São inúmeras as crianças que desde tenra idade são levadas ao trabalho por seus próprios pais para auxiliarem no sustento da família. Elas são colocadas não só em atividades domésticas, mas também, no meio rural em serviços de agricultura, pecuária, silvicutura, pesca e até mesmo em atividades urbanas (vendas de bens de consumos, artesanatos, entre outros). 8. Além disso, há aquelas que laboram em meios artísticos e publicitários (novelas, filmes, propagandas de marketing, teatros, shows). E o exercício dessas atividades, conforme a previsão do art. 11 da Lei nº 8.213, enseja o enquadramento como segurado obrigatório da Previdência Social. 9. É sabido que a idade mínima para fins previdenciários é de 14 anos, desde que na condição de aprendiz. Também é certo que a partir de 16 anos o adolescente pode obter a condição de segurado com seu ingresso no mercado de trabalho oficial e ainda pode lográ-lo como contribuinte facultativo. 10. Todavia, não há como deixar de considerar os dados oficiais que informam existir uma gama expressiva de pessoas que, nos termos do art. 11 da LBPS, apesar de se enquadrarem como segurados obrigatórios, possuem idade inferior àquela prevista constitucionalmente e não têm a respectiva proteção previdenciária. 11. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) no ano de 2014, o trabalho infantil no Brasil cresceu muito em comparação com os anos anteriores, quando estava em baixa. 12. E, de acordo com o IBGE, no ano de 2014 havia 554 mil crianças de 5 a 13 anos trabalhando. Na atividade agrícola, nesta mesma faixa etária, no ano de 2013 trabalhavam 325 mil crianças, enquanto no ano de 2014 passou a ser de 344 mil, um aumento de 5,8%. Já no ano de 2015, segundo o PNAD (IBGE) houve novamente uma diminuição de 19,8%. No entanto, constatou-se o aumento de 12,3% do 'trabalho infantil na faixa entre 5 a 9 anos'. 13. O Ministério do Trabalho e Previdência Social - MPTS noticia que em mais de sete mil ações fiscais realizadas no ano de 2015, foram encontradas 7.200 crianças em situação de trabalho irregular. Dos 7.200 casos, 32 crianças tinham entre 0 e 4 - todas encontradas no Amazonas. Outras 105 estavam na faixa etária de 5 a 9 anos e foram encontradas, também, no Amazonas (62) e nos estados de Pernambuco (13), Pará (7) Roraima (5), Acre (4) Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul (3 em cada Estado), Bahia e Sergipe (2 em cada Estado). Na Paraíba, Rio de Janeiro, Rondônia e Tocantins encontrou-se uma criança em cada Estado com essa faixa etária de 5 a 9 anos. 14. Insta anotar que a realidade fática revela a existência de trabalho artístico e publicitário com nítido objetivo econômico e comercial realizados com a autorização dos pais, com a anuência do Poder Judiciário, de crianças recém nascidas, outras com 01, 2, 3, 4 e 5 anos de idade. Aliás, é possível a proteção previdenciária nesses casos? No caso de eventual ocorrência de algum acidente relacionado a esse tipo de trabalho, a criança teria direito a algum benefício previdenciário, tal como o auxílio acidente? 15. No campo da seguridade social extrai-se da norma constitucional (art. 194, parágrafo único) o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento que preconiza que a proteção social deve alcançar a todos os trabalhadores do território nacional que dela necessitem. Por corolário lógico, incluem-se nessa proteção social aquelas crianças ou adolescentes que exerceram algum tipo de labor. 16. A despeito de haver previsão legal quanto ao limite etário (art. 13 da Lei 8.213, art. 14 da Lei 8.212 e arts. 18, § 2º do Decreto 3.048/99) não se pode negar que o trabalho infantil, ainda que prestado à revelia da fiscalização dos órgãos competentes, ou mediante autorização dos pais e autoridades judiciárias (caso do trabalho artístico e publicitário), nos termos dos arts. 2º e 3º da CLT, configura vínculo empregatício e fato gerador do tributo à seguridade, nos termos do inciso I do art. 195 da Constituição Federal. 17. Assim, apesar da limitação constitucional de trabalho do infante (art. 157, IX da CF/46, art. 165, X da CF/67 e art. 7º, XXIII, da CF/88), para fins de proteção previdenciária, não há como fixar também qualquer limite etário, pois a adoção de uma idade mínima ensejaria ao trabalhador dupla punição: a perda da plenitude de sua infância em razão do trabalho realizado e, de outro lado, o não reconhecimento, de parte do INSS, desse trabalho efetivamente ocorrido. 18. Ressalte-se, contudo, que para o reconhecimento do trabalho infantil para fins de cômputo do tempo de serviço é necessário início de prova material, valendo aquelas documentais existentes em nome dos pais, além de prova testemunhal idônea. 19. Desse modo, para fins de reconhecimento de tempo de serviço e de contribuição pelo exercício das atividades descritas no art. 11 da Lei 8.213, mostra-se possível ser computado período de trabalho realizado antes dos 12 anos de idade, qual seja sem a fixação de requisito etário. 20. Recurso do INSS desprovido. Apelação do MPF provida. (TRF4, AC 5017267-34.2013.4.04.7100, SEXTA TURMA, Relatora para Acórdão SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, juntado aos autos em 12/04/2018)

Caso presente

A maior insurgência da autarquia foi no sentido da interpretação restritiva do art. 55, §2º, da Lei 8.213, o que é afastado pelas premissas expendidas. Sendo o tempo de trabalho reconhecido anterior à 1991, não há indenização a ser paga e o período não é computado para efeitos de carência.

A primeira sentença do processo (evento 60) foi anulada a fim de ouvir as testemunhas na via judicial.

No evento 87 há o depoimento das testemunhas Iolanda Fraga de Azevedo (evento 87, VÍDEO3) e Gilberto Bohm Fraga (evento 87, VÍDEO4). No evento 104, o depoimento da testemunha Teolina Fraga Valério.

Foram juntados vários documentos da família: certidão de casamento da mãe do autor com o padrasto; documento do Incra em nome do padrasto; documentos da escola rural em que o autor e os irmãos estudaram. Os documentos constam dos processos administrativos, juntados no evento 11 da origem (PROCADM2, fls. 4/14 - na folha 13, a certidão de casamento da mãe do autor com o padrasto -- o documento está legível no evento 1, PROCADM7, fl. 2 --, PROCADM3, fls. 1/5, e PROCADM4, fl. 1).

Os documentos apresentados foram suficientes e prova testemunhal mostrou-se firme e coerente quanto ao desempenho da atividade rural do autor desde a infância (o que permite a consideração a partir dos 12 anos) com um primeiro curto período de tempo urbano e, após o segundo período rural, a saída definitiva do trabalho no campo.

Desta forma, deve ser mantida a sentença que reconheceu o trabalho rural de 07/03/1959 a 22/10/1961 e de 29/12/1964 a 12/07/1966.

Tempo de trabalho comum

Em que pese a ausência de informação da relação de emprego no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS), a jurisprudência sobre a matéria entende que o tempo de serviço pode ser reconhecido com base na anotação do vínculo empregatício na carteira de trabalho e previdência social, desde que não exista indício de fraude ou inconsistência formal que afaste a fidedignidade do registro. Neste sentido, a Súmula nº 75 da Turma Nacional de Uniformização da jurisprudência no âmbito dos Juizados Especiais Federais:

A Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) em relação à qual não se aponta defeito formal que lhe comprometa a fidedignidade goza de presunção relativa de veracidade, formando prova suficiente de tempo de serviço para fins previdenciários, ainda que a anotação de vínculo de emprego não conste no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS).

No caso, foram apresentados os seguintes documentos:

* de 13/07/1966 a 06/06/1967 (CTPS no evento 11, PROCADM1, fl. 11)

* de 14/11/1967 a 05/01/1970 (CTPS no evento 11, PROCADM1, fl. 11 e PPP no evento 11, PROCADM1, fls. 22/24)

* de 03/08/1970 a 10/06/1971 (CTPS no evento 11, PROCADM1, fl. 12)

* de 28/07/1971 a 08/06/1972 (CTPS no evento 11, PROCADM1, fl. 12 e DSS8030 no evento 11, PROCADM1, fl. 25)

* de 12/06/1972 a 01/02/1973 (CTPS no evento 11, PROCADM1, fl. 12 e DSS8030 no evento 11, PROCADM1, fl. 25)

* de 07/05/1973 a 15/02/1974 (CTPS no evento 11, PROCADM1, fl. 12 e PPP no evento 11, PROCADM1, fls. 26/27)

* de 05/03/1974 a 12/06/1974 (CTPS no evento 11, PROCADM1, fl. 13 e PPP no evento 11, PROCADM1, fls. 26/27)

Somente o período de 23/10/1961 a 28/12/1964 não constava da CTPS apresentada. O autor colacionou, na via administrativa, o PPP (evento 11, PROCADM1, fl. 20). No processo administrativo, foi requerido o documento conforme legislação da época (no evento 11, PROCADM4, fl. 2), que não foi entregue até o indeferimento do benefício previdenciário (à fl. 9).

A ficha como empregado da empresa (evento 1, PROCADM7, fls. 19) e o laudo fl.20/24 foram apresentados apenas por ocasião do ajuizamento da ação, ainda que o documento tenha sido identificado como "PROCADM". Todavia, o ajuizamento da ação ocorreu em 26/04/2012 e o INSS apresentou contestação de mérito, de forma que é possível o reconhecimento do interregno a partir dos documentos juntados. Ressalte-se que a ficha de empregado da empresa (evento 1, PROCADM7, fls. 19) informava que o autor possuía uma "carteira de menor", emitida em 14/07/1961.

Desta forma, deve ser mantidos os tempos de trabalho comum reconhecidos.

Tempo de atividade especial

O reconhecimento da especialidade obedece à disciplina legal vigente na época em que a atividade foi exercida, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Desse modo, havendo a prestação laboral sob a vigência de certa legislação, o segurado adquire o direito à contagem do tempo de serviço especial na forma estabelecida, bem como à comprovação das condições de trabalho como então exigido, não se aplicando retroativamente lei nova que venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial. Nesse sentido, a orientação adotada pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (AR 3320/PR, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe 24-09-2008) e pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (EINF 2005.71.00.031824-5/RS, Terceira Seção, Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. 18-11-2009).

A evolução legislativa da matéria apresenta os seguintes marcos temporais:

a) até 28 de abril de 1995, quando esteve vigente a Lei nº 3.807 (Lei Orgânica da Previdência Social) e suas alterações e, posteriormente, a Lei nº 8.213 (Lei de Benefícios da Previdência Social), em sua redação original (artigos 57 e 58), a especialidade do tempo de serviço decorria do exercício de atividade profissional prevista como especial nos Decretos nº 53.831/1964 e nº 83.080/1979 e/ou na legislação especial. As normas regulamentares classificavam as atividades de duas formas: segundo os grupos profissionais, presumindo-se a sujeição do trabalhador a condições prejudiciais à saúde ou à integridade física; e segundo os agentes nocivos, caso em que deve ser demonstrada a exposição ao agente por qualquer meio de prova. Para os agentes nocivos ruído e calor, é necessário mensurar os seus níveis por meio de perícia técnica, documentada nos autos ou informada em formulário emitido pela empresa, a fim de verificar o grau de nocividade dos agentes envolvidos;

b) entre 29 de abril de 1995 a 05 de março de 1997, período em que estavam vigentes as alterações introduzidas pela Lei nº 9.032 no artigo 57 da LBPS, torna-se necessária a demonstração efetiva da exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente, para tanto, a apresentação de formulário-padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico, ressalvados os agentes nocivos ruído e calor, em relação aos quais é imprescindível a realização de perícia técnica, conforme visto acima. Foi definitivamente extinto o enquadramento por categoria profissional - à exceção das atividades a que se refere a Lei nº 5.527, cujo enquadramento por categoria deve ser feito até 13 de outubro de 1996, data imediatamente anterior à publicação da Medida Provisória nº 1.523/1996, que a revogou expressamente;

c) a partir de 06 de março de 1997, data da entrada em vigor do Decreto nº 2.172/1997, que regulamentou as disposições introduzidas no artigo 58 da LBPS pela Medida Provisória nº 1.523/1996 (convertida na Lei nº 9.528), passou a ser exigida, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário-padrão, embasado em laudo técnico de condições ambientais do trabalho, ou por meio de perícia técnica.

Para que se caracterize a habitualidade e a permanência do tempo de trabalho em condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física (referidas no artigo 57, §3º, da Lei n° 8.213), a exposição ao agente nocivo deve ser ínsita ao desenvolvimento das atividades cometidas ao trabalhador, integrada à sua rotina de trabalho. Exegese diversa levaria à inutilidade da norma protetiva, pois em raras atividades a sujeição direta ao agente nocivo se dá durante toda a jornada de trabalho e, em muitas delas, a exposição em tal intensidade seria absolutamente impossível (EINF n.º 0003929-54.2008.404.7003, TRF 4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Rogério Favreto, D.E. 24-10-2011; EINF n.º 2007.71.00.046688-7, TRF 4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Celso Kipper, D.E. 07-11-2011). Em suma, somente se a exposição ao agente nocivo for eventual ou ocasional, está afastada a especialidade do tempo de serviço.

Além disso, conforme o tipo de atividade, a exposição ao agente nocivo, ainda que não diuturna, configura atividade apta à concessão de aposentadoria especial, tendo em vista que a intermitência na exposição não reduz os danos ou riscos inerentes à atividade. Não é razoável que se retire do trabalhador o direito à redução do tempo de serviço para a aposentadoria, deixando-lhe apenas os ônus da atividade perigosa ou insalubre (EINF n° 2005.72.10.000389-1, TRF 4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, D.E. 18-05-2011; EINF n° 2008.71.99.002246-0, TRF 4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. 08-01-2010).

A respeito da utilização de equipamento de proteção individual (EPI), a partir de 03/12/1998, data da publicação da MP nº 1.729, convertida na Lei nº 9.732, que modificou a redação dos §§ 1º e 2º do art. 58 da Lei nº 8.213, a legislação previdenciária estabelece que a existência de tecnologia de proteção individual eficaz, que comprovadamente neutralize os agentes nocivos ou diminua a sua intensidade a limites de tolerância, afasta o efetivo prejuízo à saúde ou integridade física do trabalhador, razão pela qual a atividade não pode ser qualificada como especial.

O Supremo Tribunal Federal, em julgado com repercussão geral, firmou entendimento no sentido de que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não há direito à aposentadoria especial. Contudo, havendo demonstração de que o uso do EPI, no caso concreto, não é suficiente para afastar a nocividade, deve ser reconhecida a especialidade do trabalho. Em relação ao ruído, o STF considerou que a exposição a níveis superiores aos limites de tolerância causa prejuízos ao organismo humano que vão além dos relacionados à perda das funções auditivas. Assim, a utilização do EPI não garante a eliminação dos efeitos do agente nocivo ruído, pois existem fatores de difícil ou impossível controle que influenciam a sua efetividade. Esta é a redação da tese firmada no Tema nº 555:

I - O direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que, se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial; II - Na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria. (ARE 664335, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 04/12/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-029 DIVULG 11-02-2015 PUBLIC 12-02-2015)

Uma vez que se incorpora ao patrimônio jurídico do trabalhador a prestação de trabalho em condições especiais, regida pela legislação em vigor na época do exercício da atividade, é possível a conversão do tempo especial para comum, independente da data da prestação do trabalho ou do requerimento de benefício. A respeito, cabe registrar que, embora o art. 28 da MP nº 1.663-10 tenha revogado o § 5º do artigo 57 da Lei nº 8.213, a lei de conversão (Lei nº 9.711) não manteve o dispositivo, permanecendo a possibilidade de soma do tempo de serviço especial, após a respectiva conversão, ao tempo de atividade comum, para a concessão de qualquer benefício.

A atual redação do artigo 70 do Decreto nº 3.048/1999 estabelece que as regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período. Contudo, o fator de conversão do tempo especial em comum a ser utilizado é o previsto na legislação vigente na data da concessão do benefício, e não aquele em vigor quando o serviço foi prestado. A matéria foi decidida em recurso especial repetitivo, firmando-se a seguinte tese no Tema nº 546 do STJ: 'A lei vigente por ocasião da aposentadoria é a aplicável ao direito à conversão entre tempos de serviço especial e comum, independentemente do regime jurídico à época da prestação do serviço'(REsp 1.310.034/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 24-10-2012, DJe 19-12-2012).

De acordo com o art. 70 do Decreto nº 3.048/1999, com a redação dada pelo Decreto nº 4.827/2003, o fator de conversão a ser observado é de 1,4 para o homem e de 1,2 para a mulher (considerando, em ambos os casos, o exercício de atividade que ensejaria a aposentadoria especial em 25 anos).

No caso concreto, o INSS apresenta insurgência apenas em relação ao termo inicial e ao termo final considerados pela legislação, bem como em relação ao fator a ser considerado para a conversão do tempo especial em comum.

Saliente-se, em relação ao termo inicial, que a Lei 3.807, Lei Orgânica da Previdência Social - LOPS, é de 1960 e previa:

Art. 31. A aposentadoria especial será concedida ao segurado que, contando no mínimo 50 (cinqüenta ) anos de idade e 15 (quinze) anos de contribuições tenha trabalhado durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos pelo menos, conforme a atividade profissional, em serviços, que, para êsse efeito, forem considerados penosos, insalubres ou perigosos, por Decreto do Poder Executivo. (Vide Decreto nº 53.831, de 1964) (Vide Decreto nº 5.527, de 1968) (Vide Decreto nº 63.230, de 1968) (Revogado pela Lei nº 5.890, de 1973)

§ 1º A aposentadoria especial consistirá numa renda mensal calculada na forma do § 4º do art. 27, aplicando-se-lhe, outrossim o disposto no § 1º do art. 20. (Revogado pela Lei nº 5.890, de 1973)

§ 2º Reger-se-á pela respectiva legislação especial a aposentadoria dos aeronautas e a dos jornalistas profissionais. (Revogado pela Lei nº 5.890, de 1973)

[...]

Art. 162. Aos atuais beneficiários, segurados e dependentes das instituições de previdência social, ficam assegurados todos os direitos outorgados pelas respectivas legislações salvo se mais vantajosos os da presente lei.

Esta Lei foi regulamentada pelo Decreto 48.959-A/1960, de 19 de setembro de 1960 (Diário Oficial da União, Seção 1, página 13133). Este Decreto não referia as categorias profissionais, mas estabelecia os requisitos para a consideração do tempo como especial.

A Superior Tribunal de Justiça - STJ admite o reconhecimento da especialidade do trabalho mesmo antes da Lei 3.807:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO. ATIVIDADE ESPECIAL EXERCIDA ANTES DA EDIÇÃO DA LEI N.º 3.807/60. RETROATIVIDADE. POSSIBILIDADE.

1. É firme a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça no sentido de ser possível, para fins de concessão de aposentadoria, o reconhecimento de atividade especial levada a efeito antes do advento da Lei n.º 3.807/60. Precedentes.

2. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no REsp 1008380/RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 28/06/2011, DJe 03/08/2011)

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE ESPECIAL PARA FINS DE CONCESSÃO DE APOSENTADORIA ESPECIAL. LEI ORGÂNICA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. ARTIGO 162 DA LEI 3.807/1960 (LOPS). RETROATIVIDADE. POSSIBILIDADE. AGRAVO IMPROVIDO.
I - A controvérsia a ser dirimida nos presentes autos está em saber se é possível o reconhecimento do exercício de atividade insalubre e perigosa, para fins de conversão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria especial, em período anterior à edição da Lei Orgânica da Previdência Social, Lei nº 3.807/60, diploma legal que instituiu a mencionada aposentação.
II- A Lei nº 3.807/60, em seu art. 162, traz determinação expressa no sentido de se assegurar aos beneficiários todos os direitos outorgados pelas respectivas legislações, levando, pois, à conclusão de ser possível o reconhecimento de tempo de serviço especial exercido antes do aludido diploma.
III- Tal hipótese não diz respeito à concessão retroativa do benefício de aposentadoria especial, tampouco à possibilidade de aplicação retroativa de lei nova que estabeleça restrição ao cômputo do tempo de serviço, hipóteses nas quais prevalece a aplicação do princípio do tempus regit actum.
IV- In casu, discute-se a possibilidade do reconhecimento do exercício de atividade especial em data anterior à legislação que teria trazido tal benefício ao mundo jurídico.
V- Se de fato ocorreu a especialidade do tempo de serviço, com exercício em data anterior à legislação que criou a aposentadoria especial, é possível o reconhecimento da atividade especial em período anterior a legislação instituidora.
VI- Interpretação diversa levaria à conclusão de que o segurado, sujeito a condições insalubres de trabalho, só teria direito à aposentadoria especial após 15, 20 e 25 anos de trabalho exercido depois da Lei nº 3.807/60, desconsiderando, portanto, todo o período de labor, também exercido em tal situação, porém em data anterior à lei de regência.
VII- Ademais, o objetivo da norma restaria prejudicado pois tornaria a aposentadoria por tempo de contribuição ou por idade mais célere do que a especial, vez que o segurado preencheria, com menor lapso de tempo, os requisitos para a obtenção da aposentadoria comum.

VIII- Agravo Regimental improvido.
(AgRg no REsp 1015694/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 16/12/2010, DJe 01/02/2011)

Há precedente da Turma:

PREVIDENCIÁRIO. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. MARCO INICIAL. FUNGIBILIDADE DOS PEDIDOS. PATRIMÔNIO JURÍDICO. 1. O Superior Tribunal de Justiça - STJ admite o reconhecimento da especialidade do trabalho em período anterior à Lei 3.807/60. 2. Os princípios da proteção social e da fungibilidade dos pedidos possibilitam a concessão do benefício previdenciário mais vantajoso na data de entrada do requerimento - DER, se os requisitos já constavam do patrimônio jurídico do segurado. (TRF4, AC 5079784-41.2014.4.04.7100, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 15/02/2019)

Em relação ao termo final, as premissas expendidas demonstram que o reconhecimento da especialidade não encontra limite na Lei 9.032/95.

Da mesma forma, está correto o fator de conversão de 1,4 no caso de segurado homem.

Repise-se que a autarquia não apresentou fundamentação recursal específica em relação aos períodos reconhecidos como de tempo especial.

Desta forma, é mantida a sentença no tópico.

Mantidos os períodos de tempo rural, comum e especial conforme reconhecidos na sentença, não há alteração em relação ao benefício reconhecido e em relação ao qual foi determinada a antecipação de tutela naquela decisão.

Correção monetária e juros

Correção monetária

Após o julgamento, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, em regime de repercussão geral, do Tema 810 (RE n. 870.947), a que se seguiu, o dos embargos de declaração da mesma decisão, rejeitados e com afirmação de inexistência de modulação de efeitos, deve a atualização monetária obedecer ao Tema 905 do Superior Tribunal de Justiça, que estabelece para as condenações judiciais de natureza previdenciária:

As condenações impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária, no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213.

Assim, a correção monetária das parcelas vencidas dos benefícios previdenciários será calculada conforme a variação dos seguintes índices, que se aplicam conforme a pertinente incidência ao período compreendido na condenação:

- IGP-DI de 05/96 a 03/2006 (art. 10 da Lei n.º 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6º, da Lei n.º 8.880/94);

- INPC a partir de 04/2006 (art. 41-A da lei 8.213)

Tratando-se, por fim, da apuração de montante correspondente às parcelas vencidas de benefícios assistenciais, deve observar-se a aplicação do IPCA-E.

Juros moratórios

Os juros de mora, de 1% (um por cento) ao mês, serão aplicados a contar da citação (Súmula 204 do STJ), até 29 de junho de 2009. A partir de 30 de junho de 2009, os juros moratórios serão computados de forma equivalente aos aplicáveis à caderneta de poupança, conforme dispõe o art. 5º da Lei nº 11.960/09, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei nº 9.494/97.

Majoração de honorários

Desprovido o recurso interposto pelo réu da sentença de procedência do pedido, devem os honorários de advogado ser majorados, com o fim de remunerar o trabalho adicional do procurador da parte adversa em segundo grau de jurisdição.

Considerada a disposição do art. 85, §11, do Código de Processo Civil (CPC), majora-se em 20% a verba honorária fixada na sentença, observados os limites máximos previstos nas faixas de incidência do art. 85, § 3º, do CPC.

Dispositivo

Em face do que foi dito, voto no sentido de negar provimento à apelação e, de ofício, fixar os índices de correção monetária aplicáveis e majorar os honorários advocatícios.



Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002554311v13 e do código CRC ed13e79c.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 25/6/2021, às 17:16:49


5005053-09.2012.4.04.7112
40002554311.V13


Conferência de autenticidade emitida em 03/07/2021 04:00:59.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5005053-09.2012.4.04.7112/RS

RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: JOSE VALMOR ROCHA (AUTOR)

ADVOGADO: ALEXANDRA LONGONI PFEIL (OAB RS075297)

ADVOGADO: JULIA CAROLINA LONGHI KOSCIUK (OAB RS076632)

ADVOGADO: MARIANA DE MEDEIROS FLORES NUNES (OAB RS095269)

ADVOGADO: ANILDO IVO DA SILVA

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. TRABALHO RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. TEMPO DE SERVIÇO URBANO. ANOTAÇÃO NA CARTEIRA DE TRABALHO. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. MARCO INICIAL.

1. É legalmente indispensável a existência de início de prova material para a comprovação, mediante o depoimento de testemunhas, de tempo de atividade rural.

2. Em que pese a ausência de informação da relação de emprego no Cadastro Nacional de Informações Sociais, o tempo de serviço pode ser reconhecido com base na anotação do vínculo na carteira de trabalho, desde que seja contemporânea e não apresente rasuras ou qualquer evidência que afaste a veracidade do registro.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação e, de ofício, fixar os índices de correção monetária aplicáveis e majorar os honorários advocatícios, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 18 de junho de 2021.



Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002554312v5 e do código CRC 8a34d28b.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 25/6/2021, às 17:16:49


5005053-09.2012.4.04.7112
40002554312 .V5


Conferência de autenticidade emitida em 03/07/2021 04:00:59.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 11/06/2021 A 18/06/2021

Apelação Cível Nº 5005053-09.2012.4.04.7112/RS

RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

PROCURADOR(A): JOSE OSMAR PUMES

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: JOSE VALMOR ROCHA (AUTOR)

ADVOGADO: ALEXANDRA LONGONI PFEIL (OAB RS075297)

ADVOGADO: JULIA CAROLINA LONGHI KOSCIUK (OAB RS076632)

ADVOGADO: MARIANA DE MEDEIROS FLORES NUNES (OAB RS095269)

ADVOGADO: ANILDO IVO DA SILVA

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 11/06/2021, às 00:00, a 18/06/2021, às 14:00, na sequência 80, disponibilizada no DE de 01/06/2021.

Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO E, DE OFÍCIO, FIXAR OS ÍNDICES DE CORREÇÃO MONETÁRIA APLICÁVEIS E MAJORAR OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO

Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE

LIDICE PEÑA THOMAZ

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 03/07/2021 04:00:59.

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