Otávio Francisco Caruso da Rocha, 300, 6º andar - Bairro: Praia de Belas - CEP: 90010-395 - Fone: (51) 3213-3161 - Email: gmfatima@trf4.jus.br
Apelação Cível Nº 5000106-91.2022.4.04.7133/RS
RELATORA: Desembargadora Federal MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE
APELANTE: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL (RÉU)
APELADO: FERNANDEZ & CIA LTDA (AUTOR)
ADVOGADO(A): GABRIEL RODRIGUES MIOR (OAB RS111870)
ADVOGADO(A): LUCAS KERPEL DE SOUZA (OAB RS088492)
INTERESSADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
O feito foi assim relatado na origem:
Trata-se de ação, inicialmente ajuizada perante o JEF Cível desta Subseção, na qual a parte autora requer seja autorizado o enquadramento dos afastamentos de gestantes de que trata a Lei nº 14.151/21 como salário-maternidade, permitindo assim a dedução de tais pagamentos nos termos do que dispõe o art. 72 da Lei nº 8.213/91. Discorreu sobre o afastamento remunerado das gestantes em razão da pandemia de Covid-19, nas hipóteses em que o trabalho remoto é inviável ante a natureza da atividade. Destacou que o diploma legal em questão não especifica quem será o responsável pela continuidade dos pagamentos de sua remuneração nos casos e em que a sua função do trabalhador é incompatível com a realização de trabalho remoto. Aduziu que o empregador não deve ser responsável pelo custo das prestações devidas às mulheres que emprega e que caberia ao Estado assumir o ônus dessa proteção. Postulou, dessa forma, a concessão de auxílio-maternidade às trabalhadoras afastadas na forma da Lei nº14.151/2021 e que seja declarada a não incidência de contribuições destinadas à previdência social ou a terceiros (Sistema S) enquanto perdurar o afastamento sem contraprestação de serviço pelas empregadas gestantes, desde a data de propositura da presente demanda. Pleitou a concessão de medida liminar (
). Juntou documentos (evento 1).Emendada a inicial, houve redistribuição do feito ao Juízo Comum desta Vara Federal, sendo indeferido o pleito de concessão de tutela de urgência (
).Citado, o INSS apresentou contestação na qual invocou as preliminares de incompetência da Justiça Federal para o julgamento da demanda e ilegitimidade do INSS. No mérito, defendeu a improcedência do pedido, alegando que a Lei nº14.151/21 é restrita e produz efeitos apenas na relação de trabalho. Destacou que a licença remunerada em questão em nada se encaixa à caracterização legal do benefício previdenciário salário-maternidade, que pressupõe necessidade de afastamento em razão do parto ou da adoção. Invocou o princípio da especialidade e da legalidade. De forma subsidiária, pleiteou que fosse reconhecido o direito de afastamento da gestante empregada apenas nos casos em que demonstrada a inviabilidade do trabalho remoto pela gestante ou, ainda, a adoção das outras medidas alternativas para afastar o contato social durante a pandemia, como por exemplo, concessão de férias coletivas (
).O TRF da 4ª Região negou provimento a agravo de instrumento interposto pela parte autora com relação à decisão de denegou a concessão de tutela de urgência (evento 17).
Citada, a Fazenda Nacional invocou a prefacial de ilegitimidade passiva. No mérito, pugnou pelo reconhecimento da improcedência, e pelo reconhecimento da impossibilidade de concessão de salário-maternidade fora das hipóteses legais (
).Apresentou a parte autora réplica, na qual impugnou os termos das contestações apresentadas (
).Após, comprovado o recolhimento das custas, vieram os autos conclusos para sentença.
Devidamente instruído, sobreveio sentença com o seguinte dispositivo:
Ante o exposto, acolho a preliminar de ilegitimidade passiva do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, extinguindo o feito no particular, nos termos do art 485, VI, do CPC. No mérito, julgo procedentes os pedidos formulados em favor da Fazenda Nacional, resolvendo o mérito, com fulcro no artigo 487, I, do CPC, para:
a) enquadrar como salário-maternidade os valores pagos às trabalhadora gestantes vinculadas a empresa autora que restaram afastada por força da Lei nº 14.151/21, no período de duração do afastamento, nos termos do art. 394-A da CLT, art. 72 da Lei nº 8.213/91, o art. 201, II, e 203, I, da Constituição Federal e item 8 da Convenção nº 103 da OIT (Decreto nº 10.088/19);
b) autorizar a compensação dos valores pagos a tal título, a ser efetivada pela parte autora quando do recolhimento das contribuições incidentes sobre a folha de salários e demais rendimentos pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, nos exatos termos do artigo 72, §1º, da Lei nº 8.213/91; e
c) excluir os respectivos valores da base de cálculo das contribuições previdenciárias patronais destinadas à Previdência Social e aos terceiros.
A compensação só poderá ser implementada após o trânsito em julgado da presente sentença (art. 170-A do CTN).
Tendo em vista a sucumbência da parte autora com relação ao INSS, responderá a parte autora pelo pagamento de honorários em favor da Autarquia, arbitrados em 10% do valor atribuído à causa (
), a ser atualizado monetariamente, desde a data do ajuizamento.Considerando o acolhimento da pretensão formulada em desfavor da Fazenda Nacional, condeno-a ao pagamento de honorários advocatícios em favor da parte autora, arbitrados em 10% do valor da condenação, percentual mínimo previsto nos incisos do § 3º do artigo 85 do CPC.
Incabível reexame necessário, considerando o valor da condenação, nos termos quantificados pela parte autora (
).Havendo interposição de recurso, intime(m)-se a(s) parte(s) contrária(s) para apresentação de contrarrazões, nos termos do artigo 1.010, § 1º, do CPC/2015. Juntada(s) as respectivas contrarrazões e não havendo sido suscitadas as questões referidas no §1º do artigo 1.009 do CPC/2015, remetam-se os autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Caso suscitada alguma das questões referidas no § 1º do artigo 1.009 do CPC/2015, intime-se o recorrente para manifestar-se, no prazo previsto no § 2º do mesmo dispositivo.
Intimem-se.
A UNIÃO (FAZENDA NACIONAL) requer o recebimento do presente recurso e o seu provimento para:
a) Reconhecer a ilegitimidade passiva da União em relação ao pedido de enquadramento dos valores pagos à trabalhadora gestante como salário-maternidade.
b) No mérito, julgar improcedentes os pedidos formulados pela parte autora
É o relatório.
VOTO
Preliminar. Ilegitimidade passiva da União
A pretensão da demandante envolve o enquadramento como salário-maternidade, para fins de ressarcimento dos valores pagos às empregadas gestantes afastadas por força da Lei nº 14.151/21, bem como para exclusão das referidas verbas da base de cálculo das contribuições previdenciárias.
De acordo com as disposições do artigo 72 da Lei nº 8.213/91, cabe à empresa pagar o salário-maternidade devido à respectiva empregada gestante, efetivando-se a compensação quando do recolhimento das contribuições previdenciárias, de modo que os valores constituem encargo da União, ficando os documentos comprobatórios sujeitos à fiscalização, a qual é exercida pela Receita Federal do Brasil (artigo 2º da Lei nº 11.457/07).
Outrossim, a matéria já foi objeto de decisão provisória proferida em conflito de competência, na esteira dos precedentes da Corte Especial. Cito:
PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. LEI Nº 14.151/2021. ENQUADRAMENTO DA REMUNERAÇÃO PAGA ÀS GESTANTES COMO SALÁRIO MATERNIDADE. PRETENSÃO DE DEDUÇÃO DOS VALORES PAGOS DAS CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS DEVIDAS. NATUREZA TRIBUTÁRIA. 1. A definição da competência há de levar em consideração, prioritariamente, o pedido principal. 2. Pretendendo a litigante, como pedido principal, deduzir da base de cálculo das contribuições sociais devidas sobre os valores pagos às empregadas gestantes por força da Lei n.º 14.151/2021, o qual depende do exame da possibilidade de enquadramento da remuneração a que alude a mencionada legislação como salário maternidade, tem-se como prevalente a índole tributária da causa. 3. A questão está inserida globalmente na competência tributária, já que relacionada ao pagamento de contribuições sociais previdenciárias. Precedentes da Corte Especial. (TRF4 5046295-26.2021.4.04.0000, CORTE ESPECIAL, Relator JOÃO PEDRO GEBRAN NETO, juntado aos autos em 25/02/2022)
De fato, o ônus financeiro imposto pela Lei 14.151/2021 diz respeito à relação jurídica tributária estabelecida entre a empregadora e o Fisco, em nada envolvendo a autarquia previdenciária.
Assim, no caso em apreço, a legitimidade passiva é da União.
Mérito
Não se discute que, pela letra da Lei nº 14.151/2021, a empregada gestante deverá permanecer afastada das atividades de trabalho presencial, sem prejuízo da remuneração, devendo exercer "as atividades em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância."
No entanto, como é sabido, nem todas as atividades da empregada são passíveis de trabalho remoto, muitas delas só podem ser prestadas presencialmente, sem condições de afastamento físico.
Não parece, todavia, razoável imputar o custo decorrente da determinação do referido afastamento previsto na Lei nº 14.151/21 ao empregador.
O art. 201, II da Constituição Federal estabelece a proteção à maternidade pela seguridade social, de modo que eventuais ônus financeiros decorrentes do afastamento em questão devem ser suportados pela coletividade, e não pelo empregador.
A legislação, todavia, é omissa no tocante à responsabilidade pelo pagamento da remuneração da gestante que, afastada das atividades presenciais, esteja impossibilitada de exercer suas tarefas de forma remota.
Em recente decisão da Primeira Turma deste Tribunal, da relatoria do Des. Leandro Paulsen (TRF4, AG 5012750-28.2022.4.04.0000, juntado aos autos em 20/06/2022) questão idêntica a dos presentes autos foi decidida de acordo com a analogia (art. 4º da LINDB), como se pode verificar, a seguir:
A ordem constitucional estabelece expressamente a proteção da maternidade pela seguridade social (art. 201, II). Neste contexto, eventuais ônus financeiros decorrentes do afastamento em questão devem ser suportados pela coletividade, e não pelo empregador.
Aliás, o ordenamento jurídico já cuida de hipóteses assemelhadas, sendo legítimo que nos valhamos da analogia, no caso, porquanto é instrumento de integração normativa, nos termos do art. 4º da LINDB: "Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito".
A propósito, vale atentar para a previsão trazida no art. 394-A, § 3º, da Consolidação das Leis Trabalhistas:
Art. 394-A. Sem prejuízo de sua remuneração, nesta incluído o valor do adicional de insalubridade, a empregada deverá ser afastada de:
Art. 394-A. Sem prejuízo de sua remuneração, nesta incluído o valor do adicional de insalubridade, a empregada deverá ser afastada de: (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017)
I - atividades consideradas insalubres em grau máximo, enquanto durar a gestação; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
II - atividades consideradas insalubres em grau médio ou mínimo, quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a gestação; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) (Vide ADIN 5938)
III - atividades consideradas insalubres em qualquer grau, quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a lactação. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) (Vide ADIN 5938)
§ 1o (VETADO)
§ 2o Cabe à empresa pagar o adicional de insalubridade à gestante ou à lactante, efetivando-se a compensação, observado o disposto no art. 248 da Constituição Federal, por ocasião do recolhimento das contribuições incidentes sobre a folha de salários e demais rendimentos pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
§ 3o Quando não for possível que a gestante ou a lactante afastada nos termos do caput deste artigo exerça suas atividades em local salubre na empresa, a hipótese será considerada como gravidez de risco e ensejará a percepção de salário-maternidade, nos termos da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, durante todo o período de afastamento. (destaquei)
Portanto, tenho que a solução para o caso passa pelo pagamento de salário maternidade para as gestantes durante o período de afastamento. Consequentemente, há que permitir que as respectivas remunerações sejam compensadas, forte no art. 72, § 1º, da Lei 8.213/1991, in verbis:
Art. 72. O salário-maternidade para a segurada empregada ou trabalhadora avulsa consistirá numa renda mensal igual a sua remuneração integral.
§ 1º Cabe à empresa pagar o salário-maternidade devido à respectiva empregada gestante, efetivando-se a compensação, observado o disposto no art. 248 da Constituição Federal, quando do recolhimento das contribuições incidentes sobre a folha de salários e demais rendimentos pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço.
Com efeito, "é compatível com o ordenamento jurídico o enquadramento como salário maternidade dos valores pagos às trabalhadoras afastadas durante o período de emergência, sendo possível que as respectivas remunerações sejam compensadas, forte no art. 72, § 1º, da Lei 8.213/91".
Nesse sentido, esta Turma firmou entendimento, em julgamento submetido ao rito do art. 942 do CPC, segundo o qual "É compatível com o ordenamento jurídico o enquadramento como salário maternidade dos valores pagos às trabalhadoras afastadas durante o período de emergência, sendo possível que as respectivas remunerações sejam compensadas, forte no art. 72, § 1º, da Lei 8.213/1991" (TRF4, AC 5019817-94.2021.4.04.7205, SEGUNDA TURMA, Relatora para Acórdão MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, juntado aos autos em 08/08/2022).
Na mesma linha, já decidiu a Primeira Turma deste Tribunal:
TRIBUTÁRIO. CORONAVÍRUS. EMPREGADAS GESTANTES AFASTADAS POR FORÇA DA LEI 11.451/2021. RESPONSABILIDADE PELO SALÁRIO. PROTEÇÃO DA MATERNIDADE PELA SEGURIDADE SOCIAL. ENQUADRAMENTO COMO SALÁRIO-MATERNIDADE. POSSIBILIDADE DE COMPENSAÇÃO. 1. A Lei 11.451/2021 é omissa quanto à responsabilidade pelo pagamento da remuneração da gestante que, afastada de suas atividades presenciais, esteja impossibilitada de exercer suas tarefas de forma remota. 2. A ordem constitucional estabelece expressamente a proteção da maternidade pela seguridade social (art. 201, II), razão pela qual os ônus financeiros decorrentes do afastamento em questão devem ser suportados pela coletividade, e não pelo empregador. 3. É compatível com o ordenamento jurídico o enquadramento como salário-maternidade dos valores pagos às trabalhadoras afastadas durante o período de emergência, sendo possível que as respectivas remunerações sejam compensadas, forte no art. 72, § 1º, da Lei 8.213/1991. (TRF4, AC 5028485-84.2021.4.04.7001, PRIMEIRA TURMA, Relator LEANDRO PAULSEN, juntado aos autos em 21/06/2022).
Merece, portanto, ser mantida a sentença para enquadrar como salário maternidade os valores pagos às trabalhadoras gestantes afastadas por força da Lei 14.151/2021, enquanto durar o afastamento, aplicando-se tal determinação inclusive em relação às gravidezes vindouras durante o período de emergência e enquanto perdurarem os efeitos da lei, bem como para excluir os respectivos pagamentos da base de cálculo das contribuições previdenciárias patronais destinadas à previdência social e aos terceiros.
Majoração dos honorários de sucumbência, nos termos do § 11 do art. 85 do CPC
Em atenção aos parâmetros legais preconizados no § 2º e seus incisos do art. 85 do CPC, majoro em 10% os honorários sucumbenciais fixados na sentença, nos termos do § 11 do art. 85 do CPC.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
Documento eletrônico assinado por MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, Desembargadora Federal Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003673279v5 e do código CRC 2167e116.
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Apelação Cível Nº 5000106-91.2022.4.04.7133/RS
RELATORA: Desembargadora Federal MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE
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ADVOGADO(A): GABRIEL RODRIGUES MIOR (OAB RS111870)
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INTERESSADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
VOTO DIVERGENTE
A Lei n° 14.151, de 2021, que dispõe sobre o afastamento de empregadas gestantes das atividades laborais presenciais durante a emergência de saúde pública do novo coronavírus, assim previa em seu art. 1º (redação original):
Art. 1º Durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus, a empregada gestante deverá permanecer afastada das atividades de trabalho presencial, sem prejuízo de sua remuneração.
O dispositivo foi alterado pela Lei 14.311, de 2022, passando a contar com a seguinte redação:
Art. 1º Durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do coronavírus SARS-CoV-2, a empregada gestante que ainda não tenha sido totalmente imunizada contra o referido agente infeccioso, de acordo com os critérios definidos pelo Ministério da Saúde e pelo Plano Nacional de Imunizações (PNI), deverá permanecer afastada das atividades de trabalho presencial.
Como se vê, a Lei 14.151, de 2021, estabelece que a empregada gestante afastada deve perceber remuneração, não fazendo menção ao pagamento de salário-maternidade.
De salientar que o texto inicial do Projeto de Lei n° 2.058, de 2021, que deu origem à Lei n° 14.311, de 2022, previa o pagamento de salário-maternidade, em substituição à remuneração, à empregada gestante sem imunização completa que fosse afastada de suas atividades. Confira-se:
Art. 2º O art. 1º da Lei nº 14.151, de 12 de maio de 2021, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 1º Durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do coronavírus SARS-CoV-2, a empregada gestante que ainda não tenha sido totalmente imunizada contra o referido agente infeccioso, de acordo com os critérios definidos pelo Ministério da Saúde e pelo Plano Nacional de Imunizações (PNI), deverá permanecer afastada das atividades de trabalho presencial.
(...)
§ 4º Na hipótese de a natureza do trabalho ser incompatível com a sua realização em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância, a empregada gestante de que trata o caput deste artigo terá sua situação considerada como gravidez de risco até completar a imunização e receberá, em substituição à sua remuneração, o salário-maternidade, nos termos da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, desde o início do afastamento até 120 (cento e vinte) dias após o parto ou por período maior, nos casos de prorrogação na forma do inciso I do caput do art. 1º da Lei nº 11.770, de 9 de setembro de 2008
Todavia, o trecho do Projeto de Lei que previa o pagamento de salário-maternidade às empregadas gestantes afastadas foi vetado, de modo que a Lei n° 14.311, de 2022, não traz previsão alguma quanto à concessão do benefício.
Logo, além de restar claro que o legislador, ao criar a Lei n° 14.151, de 2021, não teve por objetivo a concessão de salário-maternidade às empregadas afastadas, tampouco a norma correlata posterior (Lei n° 14.311, de 2022) trouxe qualquer previsão neste sentido.
Ademais, o salário-maternidade está previsto no art. 71 da Lei n° 8.213, de 1991, como sendo devido à segurada da Previdência Social, durante 120 (cento e vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerne à proteção à maternidade, e no art. 392 da CLT, o qual estipula que "A empregada gestante tem direito à licença-maternidade de 120 (cento e vinte) dias, sem prejuízo do emprego e do salário", de modo que não é dado ao judiciário reconhecer extensão de benefício não prevista em lei, sob pena de atuar como legislador positivo, o que é vedado pela Constituição, que só lhe concede o atuar como legislador negativo. Quanto a isso, é pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), de que o seguinte julgado é exemplo:
TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA. LEGISLAÇÃO QUE ESTABELECE LIMITES À DEDUÇÃO DE GASTOS COM EDUCAÇÃO. CONSTITUCIONALIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE O PODER JUDICIÁRIO ATUAR COMO LEGISLADOR POSITIVO. PRECEDENTES. 1. A jurisprudência do STF é no sentido de que não pode o Poder Judiciário estabelecer isenções tributárias, redução de impostos ou deduções não previstas em lei, ante a impossibilidade de atuar como legislador positivo. 2. Assim, não é possível ampliar os limites estabelecidos em lei para a dedução, da base de cálculo do IRPF, de gastos com educação (AI 724.817-AgR, rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, DJe de 09-03-2012; e RE 603.060-AgR, rel. Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, DJe de 03-03-2011). 3. Agravo regimental a que se nega provimento (RE nº 606.179 AgR, 2ª T., rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe de 03-06-2013).
Ainda, cumpre ressaltar que o parágrafo único do art. 1°, da Lei n° 14.151, de 2021, disciplina que A empregada afastada nos termos do caput deste artigo ficará à disposição para exercer as atividades em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância. Desta forma, não há como reconhecer o direito à fruição do benefício ao salário-maternidade à empregada considerada à disposição do empregador.
Por outro lado, o § 1º do referido art. 1º da Lei nº 14.151, de 2021, tanto na redação original como na que foi dada pela Lei nº 14.311, de 2022, estabelece que a empregada gestante afastada de suas atividades deve perceber remuneração.
Enfim, os efeitos da pandemia devem ser assumidos por todos, valendo observar que, além de precisar atender às necessidades básicas de toda população e principalmente da parte mais necessitada da população (saúde, auxílio emergencial etc.), o Estado procurou estabelecer compensações e alívios fiscais para as próprias empresas, as quais foram beneficiadas principalmente com a Lei nº 14.020, de 2020 (Programa Emergencial de Manutenção de Emprego e Renda), sendo razoável que arcassem com os efeitos da pandemia em relação a essa situação de menor abrangência (afastamento das empregadas gestantes), como entendeu o legislador.
Assim, deve ser julgada improcedente a demanda e condenada a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% do valor da causa, nos termos do artigo 85, §§ 2°, 3°, I, e 4º, III, do Código de Processo Civil.
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação e à remessa necessária.
Documento eletrônico assinado por RÔMULO PIZZOLATTI, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003744919v2 e do código CRC 67c3fdb9.
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Otávio Francisco Caruso da Rocha, 300, 6º andar - Bairro: Praia de Belas - CEP: 90010-395 - Fone: (51) 3213-3161 - Email: gmfatima@trf4.jus.br
Apelação Cível Nº 5000106-91.2022.4.04.7133/RS
RELATORA: Desembargadora Federal MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE
APELANTE: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL (RÉU)
APELADO: FERNANDEZ & CIA LTDA (AUTOR)
ADVOGADO(A): GABRIEL RODRIGUES MIOR (OAB RS111870)
ADVOGADO(A): LUCAS KERPEL DE SOUZA (OAB RS088492)
INTERESSADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
PROCESSO CIVIL. TRIBUTÁRIO.mEMPREGADAS GESTANTES AFASTADAS POR FORÇA DA LEI 14.151/2021. RESPONSABILIDADE PELO SALÁRIO. PROTEÇÃO DA MATERNIDADE PELA SEGURIDADE SOCIAL. ENQUADRAMENTO COMO SALÁRIO MATERNIDADE. POSSIBILIDADE DE COMPENSAÇÃO.
1. Não procede a prefacial de ilegitimidade passiva da União, considerando que a discussão jurídica de fundo é de natureza tributária, pois também pretende a compensação de valores pagos em decorrência do afastamento compulsório das trabalhadoras gestantes. A propósito: TRF4, Conflito de Competência 5037909-07.2021.4.04.0000, Corte Especial, fev/2022.
2. A Lei 14.151/2021 é omissa quanto à responsabilidade pelo pagamento da remuneração da gestante que, afastada de suas atividades presenciais, esteja impossibilitada de exercer suas tarefas de forma remota.
3. A ordem constitucional estabelece expressamente a proteção da maternidade pela Seguridade Social (art. 201, II), razão pela qual os ônus financeiros decorrentes do afastamento em questão devem ser suportados pela coletividade, e não pelo empregador.
4. É compatível com o ordenamento jurídico o enquadramento como salário maternidade dos valores pagos às trabalhadoras afastadas durante o período de emergência, sendo possível que as respectivas remunerações sejam compensadas, forte no art. 72, § 1º, da Lei 8.213/1991.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por maioria, vencidos o Desembargador Federal RÔMULO PIZZOLATTI e o Juiz Federal RODRIGO BECKER PINTO, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 13 de abril de 2023.
Documento eletrônico assinado por MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, Desembargadora Federal Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003673280v3 e do código CRC a923d62e.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE
Data e Hora: 14/4/2023, às 17:7:50
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 07/02/2023 A 14/02/2023
Apelação Cível Nº 5000106-91.2022.4.04.7133/RS
RELATORA: Desembargadora Federal MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE
PRESIDENTE: Desembargador Federal RÔMULO PIZZOLATTI
PROCURADOR(A): FLÁVIO AUGUSTO DE ANDRADE STRAPASON
APELANTE: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL (RÉU)
APELADO: FERNANDEZ & CIA LTDA (AUTOR)
ADVOGADO(A): GABRIEL RODRIGUES MIOR (OAB RS111870)
ADVOGADO(A): LUCAS KERPEL DE SOUZA (OAB RS088492)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 07/02/2023, às 00:00, a 14/02/2023, às 16:00, na sequência 370, disponibilizada no DE de 26/01/2023.
Certifico que a 2ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
APÓS O VOTO DA DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE NO SENTIDO DE NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO, NO QUE FOI ACOMPANHADA PELO DESEMBARGADOR FEDERAL EDUARDO VANDRÉ OLIVEIRA LEMA GARCIA E A DIVERGÊNCIA INAUGURADA PELO DESEMBARGADOR FEDERAL RÔMULO PIZZOLATTI NO SENTIDO DE DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO E À REMESSA NECESSÁRIA, O JULGAMENTO FOI SOBRESTADO NOS TERMOS DO ART. 942 DO CPC/2015.
Votante: Desembargadora Federal MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE
Votante: Desembargador Federal RÔMULO PIZZOLATTI
Votante: Desembargador Federal EDUARDO VANDRÉ OLIVEIRA LEMA GARCIA
MARIA CECÍLIA DRESCH DA SILVEIRA
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 22/04/2023 04:00:58.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 03/04/2023 A 13/04/2023
Apelação Cível Nº 5000106-91.2022.4.04.7133/RS
RELATORA: Desembargadora Federal MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE
PRESIDENTE: Desembargador Federal RÔMULO PIZZOLATTI
PROCURADOR(A): ALEXANDRE AMARAL GAVRONSKI
APELANTE: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL (RÉU)
APELADO: FERNANDEZ & CIA LTDA (AUTOR)
ADVOGADO(A): GABRIEL RODRIGUES MIOR (OAB RS111870)
ADVOGADO(A): LUCAS KERPEL DE SOUZA (OAB RS088492)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 03/04/2023, às 00:00, a 13/04/2023, às 16:00, na sequência 18, disponibilizada no DE de 23/03/2023.
Certifico que a 2ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
PROSSEGUINDO NO JULGAMENTO, APÓS OS VOTOS DO JUIZ FEDERAL ANDREI PITTEN VELLOSO E DO DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO DE NARDI ACOMPANHANDO A RELATORA E O VOTO DO JUIZ FEDERAL RODRIGO BECKER PINTO ACOMPANHANDO A DIVERGÊNCIA, A 2ª TURMA DECIDIU, POR MAIORIA, VENCIDOS O DESEMBARGADOR FEDERAL RÔMULO PIZZOLATTI E O JUIZ FEDERAL RODRIGO BECKER PINTO, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO, NOS TERMOS DO VOTO DA RELATORA.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE
Votante: Juiz Federal RODRIGO BECKER PINTO
Votante: Juiz Federal ANDREI PITTEN VELLOSO
Votante: Desembargador Federal MARCELO DE NARDI
MARIA CECÍLIA DRESCH DA SILVEIRA
Secretária
MANIFESTAÇÕES DOS MAGISTRADOS VOTANTES
Acompanha a Divergência - GAB. 22 (Des. Federal EDUARDO VANDRÉ OLIVEIRA LEMA GARCIA) - Juiz Federal RODRIGO BECKER PINTO.
Voto por acolher a Questão de Ordem lançada na divergência inaugurada pelo e. Des Federal Marcelo De Nardi, para reconhecer a incompetência do Tribunal para julgamento do recurso, conforme precedentes julgados na sessão estendida de 02/03/2023: 5030059-30.2021.4.04.7200 - 5075133-19.2021.4.04.7100 e 5009225-70.2021.4.04.7114, dentre outros.
Conferência de autenticidade emitida em 22/04/2023 04:00:58.