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PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. COISA JULGADA. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO POR INCAPACIDADE LABORAL. REPETIÇÃO DE AÇÃO. CAUSA DE PEDIR DISTI...

Data da publicação: 01/12/2022, 07:00:59

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. COISA JULGADA. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO POR INCAPACIDADE LABORAL. REPETIÇÃO DE AÇÃO. CAUSA DE PEDIR DISTINTA. MODIFICAÇÃO DA SITUAÇÃO DE FATO. OBSERVÂNCIA DOS LIMITES DA COISA JULGADA. IMPOSSIBILIDADE, NO CASO CONCRETO, DE RETROAÇÃO DO BENEFÍCIO A DATA ANTERIOR AO TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA DO PRIMEIRO PROCESSO. 1. As ações de concessão de benefício previdenciário por incapacidade para o trabalho caracterizam-se por terem como objeto relações continuativas e, portanto, as sentenças nelas proferidas se vinculam aos pressupostos do tempo em que foram formuladas, sem, contudo, extinguir a própria relação jurídica, que continua sujeita à variação de seus elementos. Tais sentenças contêm implícita a cláusula rebus sic stantibus, de forma que, modificadas as condições fáticas ou jurídicas sobre as quais se formou a coisa julgada material, tem-se nova causa de pedir próxima ou remota. 2. Não obstante uma decisão que julgou improcedente determinada ação previdenciária versando sobre benefício por incapacidade não impeça uma segunda ação pelo mesmo segurado, pleiteando o mesmo (ou outro) benefício por incapacidade desde que ocorra o agravamento da mesma doença ou a superveniência de uma nova doença incapacitante, o termo inicial do benefício a ser deferido na segunda ação, segundo já decidido pela Corte Especial do TRF4, não poderia ser, em princípio, anterior à data do trânsito em julgado da primeira ação. 3. Ainda que possa haver um agravamento da doença do segurado entre a data da perícia da primeira ação e a data do trânsito em julgado da decisão de improcedência, há de se considerar alguns pontos. 4. O primeiro é a possibilidade de o fato superveniente (nova doença ou agravamento da doença anterior) vir a ser analisado tanto pelo juiz de primeiro grau, na sentença, quanto pelo Tribunal (em caso de recurso), por aplicação do art. 493 do CPC, ainda na primeira ação. Isso ocorre muitas vezes, desde que a parte autora faça juntar aos autos documentação médica posterior à perícia realizada. É claro que se essa primeira ação foi improcedente, provavelmente não houve tal juntada e, portanto, eventual alteração das condições de trabalho não puderam ser analisadas, à época. 5. O segundo ponto são os motivos de se estabelecer o trânsito em julgado da primeira ação como a data antes da qual, em princípio, não poderia ser fixado o termo inicial do benefício previdenciário concedido na segunda ação. O primeiro motivo é o óbvio: evitar colisão de entendimentos entre julgadores relativamente a uma mesma situação jurídica, ainda que continuativa. O segundo motivo é a coerência com outra posição consagrada neste Tribunal em situação similar, mas inversa: o âmbito de abrangência temporal da decisão concessiva de um benefício por incapacidade, salvo exceções ou determinação em contrário na própria decisão, é a data do seu trânsito em julgado, o que não poderia ser desrespeitado pela autarquia previdenciária unilateralmente, mesmo que tenha procedido a uma nova perícia administrativa; em contrapartida, na outra via, entende-se que até o trânsito em julgado da decisão judicial que indeferiu o benefício, em princípio, o segurado permaneceu capaz. Em assim entendendo, garante-se um certo paralelismo e coerência na análise da capacidade do segurado no transcurso da primeira ação, haja vista a dificuldade em se estabelecer, muitas vezes, durante todo o período de tramitação da ação, a real situação da doença ou da incapacidade. 6. O terceiro ponto a ser considerado nesta análise é o de que embora o estabelecimento da data do trânsito em julgado da ação anterior possa não corresponder precisamente ao momento do início da incapacidade, também é verdade que dificilmente a incapacidade iniciou-se exatamente no dia posterior à data da perícia realizada na primeira ação e que atestou a capacidade do segurado. 7. O quarto e último ponto a ser analisado é a possibilidade de ocorrência de uma injustiça flagrante com a adoção deste entendimento, especialmente quando há um lapso temporal muito grande entre a prova pericial em que se baseou a decisão na primeira ação e o seu trânsito em julgado. Em casos assim, dada a possibilidade, já consagrada, de flexibilização de institutos processuais em demandas previdenciárias, se atendidos determinados pressupostos, variáveis conforme as hipóteses [vide, a título de exemplo, o decidido no REsp n. 1.840.369/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, j. em 12-11-2019, DJe de 19-12-2019], poder-se-ia flexibilizar a coisa julgada parcial para fazer retroagir a data do início do benefício previdenciário por incapacidade deferido na segunda ação para momento anterior ao trânsito em julgado da primeira ação, sempre que (a) exista prova categórica para se atestar que a incapacidade tenha iniciado, realmente, em momento anterior e (b) haja transcorrido um tempo muito longo entre a perícia ou outra documentação médica que tenha embasado a decisão que indeferiu o benefício na primeira ação e o seu trânsito em julgado. No entanto, realizar tal flexibilização em todos os casos não soa razoável nem prudente, frente a todas as considerações anteriores. 8. No caso concreto, não ocorre a mencionada injustiça, pois não é significativo o decurso de tempo havido entre a perícia realizada no primeiro processo e o trânsito em julgado da sentença no mesmo prolatada (pouco mais de um mês). Além do mais, inexiste, no hipótese, um evento marcante (um acidente, um enfarto, um AVC ou uma internação hospitalar, por exemplo) que pudesse, categoricamente, demonstrar o início da incapacidade a partir dele e que sugerisse, em razão disso, a flexibilização da coisa julgada. (TRF4, AC 5008751-14.2020.4.04.9999, NONA TURMA, Relator para Acórdão CELSO KIPPER, juntado aos autos em 24/11/2022)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5008751-14.2020.4.04.9999/SC

RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: EVA DAS GRACAS RIBEIRO OLIVEIRA

RELATÓRIO

Cuida-se de apelação interposta pelo INSS em face da sentença, publicada em 29/10/2018 (e. 87 - CONTRAZ1), nestes termos (e. 85 - OUT1):

Ante o exposto, com resolução de mérito (art. 487, I, do Código de Processo Civil), JULGO PROCEDENTE o pedido formulado por Eva das Graças Ribeiro de Oliveira na presente Ação Previdenciária proposta em face do Instituto Nacional de Seguridade Social INSS e, em consequência, CONDENO o Instituto Réu a conceder o benefício de APOSENTADORIA POR INVALIDEZ à Autora desde 30 de setembro de 2009.

Sustenta, em síntese, que a parte autora não preenche os requisitos necessários à prestação previdenciária deferida pelo juízo a quo.

Alega, outrossim, a existência de coisa julgada uma vez que demanda judicial entre as mesmas partes, com a mesma causa de pedir (concessão de benefício por incapacidade em razão de doenças renais e ortopédicas) e pedido idêntico (concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez desde a DER protocolada em 30/09/2009) já foi ajuizada anteriormente perante a Subseção Judiciária de Florianópolis.

Aduz que a perícia judicial realizada naquele processo (n° 2010.72.50.011109-1), datada de 20/01/2011, afastou a existência de incapacidade laborativa em razão de problemas renais.

Observa que, transcorridos cerca de 3 anos desde o trânsito em julgado da ação ajuizada na Justiça Federal, a autora invoca o Judiciário Estadual novamente para ser analisada a mesma causa de pedir.

Requer a reforma da sentença, em razão da ocorrência de coisa julgada. Subsidiariamente, pede a improcedência da demanda tendo em conta a ausência de comprovação da incapacidade laborativa na ação anterior, conforme laudo pericial juntado aos autos.

Subsidiariamente, caso a sentença seja mantida como procedente, requer seja o decisum reformado em relação ao índice de correção monetária, cujos parâmetros utilizados devem ser aqueles previstos na Lei 11.960/09 (e. 91 - APELAÇÃO1).

Com as contrarrazões (e. 98 - CONTRAZ1), subiram os autos a esta Corte para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Exame do caso concreto

A sentença ora recorrida examinou a demanda nestes termos (e. 85 - OUT1):

No caso concreto, percebe-se que o pleito inicial deve ser julgado procedente.

Da prova pericial produzida, verifica-se que Eva das Graças Ribeiro de Oliveira apresenta "IRC (insuficiência renal crônica - CID 10 N18.0) em tratamento dialítico (terapêutica na qual o sangue é extraído do organismo, transportado através de circuito extra corporal (máquina) para que seja realizada uma espécie de "filtração" e novamente devolvido ao corpo), 3 vezes por semana" (fl. 94).

Durante o exame, a perita relatou que a Autora se apresentou "em bom estado geral, calma e cooperativa, lúcida, atenta e orientada, humor mantido, raciocínio lógico e coerente, memória preservada para dados, datas, fatos recentes e antigos" (fl. 98).

E que, "em termos de exame físico, a biometria referida foi de 90 kg, e estatura de 1,50m, com IMC (índice de massa corpórea) de 40, classificado como obesidade grau III" (fl. 98).

A expert também explicou que "o exame físico segmentar revelou presença de fístula de hemodiálise (acesso vascular a criado ou implantado cirurgicamente, através do qual o sangue pode ser extraído do organismo com segurança, transportado no circuito extra corporal e devolvido ao corpo). Musculatura eutrófica e simétrica em membros superiores e inferiores, bem como e força muscular preservada, assim como os reflexos tendíneos, ausência de contratura muscular. A marcha é livre (normal), sendo que senta e levanta normalmente" (fl. 98).

Diante dessa situação, a perita judicial concluiu que "existe incapacidade laborativa total, multiprofissional, em caráter definitivo desde o pedido administrativo do benefício previdenciário auxílio doença (em 30 de setembro de 2009)", bem como que, em função do "estado atual da sexagenária em epígrafe, que depende de tratamento dialítico (3 vezes por semana), com baixa escolaridade e sem qualificação profissional, destarte inelegível para PRP (Programa de Reabilitação Profissional), conclui-se por incapacidade laborativa total, multiprofissional e em caráter definitivo a partir da PERÍCIA MÉDICA JUDICIAL" (fl. 99).

Desta maneira, constata-se que a Autora preenche os requisitos para a concessão do benefício de auxílio-doença no período de 30 de setembro de 2009, eis que apresentou incapacidade total, multiprofissional em caráter definitivo, devendo o feito ser julgado procedente para conceder o benefício de aposentadoria por invalidez.

Como se pode observar, o laudo pericial é seguro sobre a efetiva incapacidade definitiva para o exercício da atividade profissional para qual possui habilitação, o que justifica a concessão de aposentadoria por incapacidade permanente à parte autora.

Quanto ao inconformismo do INSS de que no processo nº 2010.72.50.011109-1, a parte autora já tinha requerido a concessão de benefício por incapacidade, sendo a demanda julgada totalmente improcedente, com base no laudo pericial que concluiu que a autora não apresenta incapacidade para o trabalho habitual, ou seja, alegando a existência de coisa julgada, vale referir que não oferece qualquer dificuldade compreender que, superada a chamada tríplice identidade (partes, causa de pedir e pedido), está-se diante de uma ação diversa.

A causa de pedir remota ou imediata é composta por uma base fática e os fundamentos jurídicos. A propósito, filiamo-nos à teoria da substanciação, de modo que os fatos interessam mais do que o direito (iura novit curia e da mihi factum, dabo tibi ius).

Quando se cogita de incapacidade para o trabalho decorrente de doença, está-se tratando de base fática ou fato constitutivo do direito do autor, cuja prova é técnica e depende de perícia médica. Se Caio fosse consultar com seu médico hoje e fizesse exames, certamente os resultados seriam diferentes dos que receberia se fosse somente daqui a três ou seis meses. É natural! Tenho dito e não custa repetir, as doenças, reconhece a patologia, “são um filme e não uma fotografia”, podendo entrar em remissão, estabilizar-se ou agravar-se. Esse processo cambiante e sua velocidade dependem de inúmeras variáveis, mas podem acontecer muitas vezes em questão de dias. Esta é a premissa que autoriza dizer que raramente teremos coisa julgada material em ação previdenciária julgada improcedente porque a perícia reconheceu a capacidade do autor.

Pode-se ter a coisa julgada formal, dentro do mesmo processo, mas somente um exercício de futurologia autorizaria dizer que, mesmo quando a doença é a mesma, os fatos, na sua complexidade clínica, serão os mesmos.

Por essa circunstância, a jurisprudência tem reconhecido, nos casos de nova doença ou de agravamento da doença velha, que há uma nova causa de pedir, ou seja, uma nova ação, não se devendo, portanto, sob pena de incorrer em erro grosseiro, reputar a segunda demanda idêntica à primeira.

Os tribunais, incluso o STJ, entendem que "é possível a propositura de nova ação pleiteando o mesmo benefício, desde que fundada em causa de pedir diversa, decorrente de eventual agravamento do estado de saúde da parte, com o surgimento de novas enfermidades (AgRg no AREsp 843.233/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Segunda Turma, julgado em 15/03/2016, DJe 17/03/2016).

É dever do advogado diligente, pelo princípio da boa-fé e da cooperação no processo, informar ao juízo sobre a existência da ação anterior, o seu resultado e o fato inédito que consubstancia a nova causa de pedir. Sendo possível, deve apresentar documentos médicos posteriores à perícia realizada na primeira ação. A mera reprodução de ação anterior já julgada, sem a demonstração nova causa de pedir, corre o risco de ser reputada coisa julgada, pois o juiz tem o dever-poder de examinar no início os pressupostos processuais. A coisa julgada é um pressuposto processual negativo que leva ao indeferimento da inicial ou à extinção do processo sem exame de mérito.

Estabelecida esta importante premissa, podemos avançar para o segundo problema. Nos casos em que não há elementos documentais demonstrando de plano a existência da nova doença ou do agravamento, poderá o juiz deduzir que se trata dos mesmos fatos (causa de pedir) e extinguir o processo reconhecendo a coisa julgada?

Cada caso é um caso, mas, em princípio, o prejulgamento parece não ser adequado. É que, como disse, o fato de se tratar das mesmas patologias que deram azo à primeira demanda é de relativa importância quando estamos tratando de "agravamento" de doenças incapacitantes. Estas que recrudescem, estabilizam ou se agravam, como sói ocorrer com doenças que acometem as camadas mais pobres da população e em países periféricos, com sistemas de saúdes precários, que apresentam tendência de agravamento. Se se tratar de nova doença, dúvida alguma haverá de que se está diante de nova causa de pedir (outra ação).

Assim, não se pode basear um juízo de certeza acerca da similitude das ações no que concerne ao quadro fático-jurídico, vale dizer, a causa de pedir, exclusivamente a partir de elementos probatórios que a parte acosta à inicial. Estes que eventualmente sequer serão consultados pelo perito ou, pelo menos, têm valor probatório restrito devido ao caráter unilateral. Aliás, em princípio, a juntada como a inicial de documentos médicos, embora seja salutar e possa ajudar ao próprio autor, não constitui pressuposto processual de constituição ou validade do processo.

Nas ações previdenciárias por incapacidade, a perícia médica é sempre essencial para subsidiar a decisão judicial e não seria dispensável neste momento crucial do processo em que se discute se a ação é idêntica ou não. Não se admite prejulgamento e extinção do processo sem a instrução probatória.

O exame da causa de pedir em ações cujo objeto seja o exame da incapacidade é mister sutil e complexo ao mesmo tempo. Essas ações previdenciárias por incapacidade têm como pano de fundo as condições de sobrevivência digna de pessoas que, em um momento marcado pela tendência de adoecimento da população e precariedade do sistema público de saúde, batem às portas do Judiciário como última cidadela diante da manifesta e crescente retração das instâncias administrativas.

A jurisprudência do TRF4 tem observado, diante do caso concreto, estas premissas, evitando o reconhecimento da coisa julgada, como se pode conferir no seguinte julgado: TRS/SC, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5004699-72.2020.4.04.9999/SC, j. 03/06/2020, Rel. Des. Paulo A. B. Vaz:

O advento do quadro de incapacidade ou do agravamento incapacitante da doença faz surgir uma nova causa de pedir, ensejando a propositura de uma nova ação. A análise da alegativa de agravamento de patologia incapacitante não reconhecida em outra ação exige avaliação médica e não pode estar baseada, extreme de dúvida, apenas nos documentos médicos acostados com a inicial, que, aparentemente coincidem com aqueles que instruíram a primeira ação julgada improcedente. (unânime)

Muitas vezes fica escancarado o problema sério que temos com as perícias, apresentando os laudos resultados diametralmente opostos. Diante de tal fato, penso que se deve considerar com temperamento a coisa julgada. Afinal, há uma prova posterior realizada mediante contraditório que infirmou a anterior. Das duas, uma: ou tivemos agravamento ou a primeira perícia estava errada.

O tema doravante debatido diz respeito aos efeitos temporais da coisa julgada, mais especificamente sobre o limite temporal da imutabilidade da sentença. Até que ponto uma sentença de improcedência por falta de provas produz efeitos no tempo diante de fatos novos que são posteriores à instrução probatória do primeiro processo, e que não foram levados à apreciação do juiz como fatos supervenientes, mas apenas em outra ação como causa de pedir diversa.

Ao que vejo, sem embargo do profundo debate sobre a existência mesmo dos limites temporais da coisa julgada e da tênue distinção entre estes e os limites objetivos, o que se me afigura é uma questão muito mais semântica ou terminológica do que de conteúdo. Se eles existem, penso estarem jungidos à manutenção ou alteração da situação de fato ou de direito. A chamada eficácia preclusiva da sentença vai até onde se mantém inalterada a situação de fato que deu suporte à sentença. Os fatos abarcados pela causa de pedir resolvidos pela sentença é que recebem o selo da coisa julgada. A sentença em si não declara mais direito do que esteja substanciado em fatos relevantes.

A coisa julgada, embora possa se projetar para o futuro, não é eterna. Por isso, não representa impeditivo a que fatos supervenientes possam modificar a situação substancial da lide. A estabilidade da coisa julgada abarca a situação e as circunstâncias postas no momento em que o juiz, examinando o acervo probatório, profere a sentença.

Com bem lembra NIEVA-FENOLL, apesar da coisa julgada, é a vida real, na sua riqueza de condições e circunstâncias, que culmina por se impor e irá definir as fronteiras cronológicas da coisa julgada. Situações há em que o tempo é indiferente, sendo relevante apenas a alteração da situação objetivo-subjetivo valorada na sentença. O referido autor exemplifica com a sentença na ação de interdição (NIEVA-FENOLL, Jordi. La cosa juzgada. Barcelona: Atelier, 2016, p. 249-250):

Lo que si va afectar a la situación jurídica declarada en la sentencia, son los aspectos objetivos y subjetivos, como son el agravamiento o la sanidad del incapacitado, puesto que en ese caso la sentencia, dictada basándose em hechos diferentes a los que ocurren em la actualidad, - y por tanto dictada con unos límites objetivos y subjetivos - ya no deberá tener valor alguno, sino que habrá de dictarse nueva sentencia adoptando medidas más restrictivas para el incapacitado, o bien, reintegrando plenamente su capacitad. Y esa modificación del estado de salud del demente puede producirse em pocos dias, o en muchos años, o incluso instantáneamente si se le subministra um fármaco de nueva creación, que le aporte las substancias cuya carencia provocan sus estados de irrealidad. Es decir, el tiempo es irrelevante en este caso, porque lo único importante es el cambio en el estado de salud del paciente, es decir, la variación de estado objetivo-subjetivo que la sentencia valoró.

A jurisprudência ainda dominante no TRF4, no âmbito da sua Corte Especial, limita os efeitos patrimoniais da concessão de benefício por incapacidade, no caso de ação anterior julgada improcedente, ao trânsito em julgado da sentença de improcedência proferida no primeiro processo:

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. AÇÃO ANTERIOR JULGADA IMPROCEDENTE. ALTERAÇÃO DO SUPORTE FÁTICO. AJUIZAMENTO DE NOVA AÇÃO. POSSIBILIDADE. TERMO INICIAL DA INCAPACIDADE EM MOMENTO ANTERIOR AO TRÂNSITO EM JULGADO DA PRIMEIRA AÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. COISA JULGADA PARCIAL. 1. Em casos de benefício por incapacidade, uma sentença de improcedência não implica a impossibilidade de nova ação previdenciária sobre o mesmo tema, desde que haja modificação do suporte fático, seja pela superveniência de nova doença incapacitante, seja pelo agravamento da doença anterior. 2. Nesses casos, comprovada na nova demanda a incapacidade, seu termo inicial não pode retroagir, em princípio, à data anterior ao trânsito em julgado da primeira ação, sob pena de violação à coisa julgada parcial (TRF4, AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0004231-96.2015404.0000, Corte Especial, Des. Federal CELSO KIPPER, POR MAIORIA, vencido o relator, D.E. 25/03/2019, p. em 26/03/2019).

Com efeito, se o agravamento de doença e a superveniência de outra (diversa) enfermidade têm sido considerados como uma causa de pedir nova a dar ensejo, portanto, a uma nova demanda, não se pode comunicar as ações ao ponto de limitar o efeito financeiro da segunda, julgada procedente, ao trânsito em julgado da primeira que foi julgada improcedente. Tal entendimento da Seção congela a capacidade reconhecida na data da perícia que lastreia o juízo de improcedência (capacidade laboral do segurado). Contudo, o trânsito em julgado pode ocorrer, não raro, tempos depois, dependendo dos recursos e da pauta do tribunal. Da realização da perícia até o trânsito em julgado, o segurado não pode ter agravado o seu quadro? Não há base fática (princípio da realidade) para não se reconhecer que, no dia seguinte ao da primeira perícia, o autor venha a ter uma piora do seu quadro de saúde, mas desgraçadamente não poderá ter sua incapacidade reconhecida porque ainda não transitou em julgado a sentença da ação julgada improcedente.

Embora o Poder Judiciário tenha interesse em evitar a judicialização e, principalmente, a proliferação de ações repetidas, este desiderato não pode se sobrepor ao mundo da realidade. Na hipótese, os limites temporais da coisa julgada devem ficar restritos à matéria que foi objeto da prova produzida.

Seria razoável entender-se que o trânsito em julgado incide até onde se reconheceu a capacidade (momento da perícia). Daí para frente, não se tem mais certeza de nada, sendo odioso mesmo recorrer-se a uma ficção que pode ter efeitos catastróficos ao segurado, tal como permanecer sem renda de subsistência por um lapso de tempo variável, até o trânsito em julgado, pois poderá haver recurso da Autarquia.

Portanto, entendo que a vedação de retroatividade do juízo de incapacidade deve ser da data da perícia para trás. O trânsito em julgado, que constitui a coisa julgada material, não opera efeitos para o fim de obstar que se constate o agravamento da doença desde o laudo que não reconheceu a incapacidade, porquanto faticamente isso pode ocorrer.

O que fica coberto pela coisa julgada na primeira ação improcedente é apenas o dispositivo, jamais os fatos (e sua verdade) e nem os fundamentos, tanto que em outra ação, com nova causa de pedir, se pode reconhecer incapacidade antes não reconhecida. O art. 504 do CPC é expresso ao dizer que não fazem coisa julgada (I) os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva, nem (II) a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença.

É adequado que o “fato capacidade”, discutido e convolado na sentença, persista imutável até a data da perícia. Da perícia para trás é defeso ao judiciário (re)julgar. Do contrário, estar-se-ia violando a coisa julgada. Todavia, esta imutabilidade não pode ir além da data da perícia e, muito menos, até a data do trânsito em julgado da sentença/acórdão de improcedência do pedido. Não teria base fática a coisa julgada depois da perícia.

A doutrina e o CPC reconhecem que os pressupostos da coisa julgada são a decisão expressa, a cognição exauriente e o contraditório prévio e efetivo (art. 503 do CPC). Tudo o que acontece depois da fase probatória pode ser reconhecido como fato superveniente, inclusive, e é suscetível de ser tranquilamente conhecido pelo juiz ou pelo tribunal, segundo as regras do CPC. Mas se não for, não fica obstado de subsidiar nova demanda sem qualquer limitação de efeitos.

O fato tido como superveniente pode ser alegado e reconhecido tanto em primeiro como em segundo grau (arts. 493 e 933 do CPC), podendo, enquanto fato novo ocorrido ainda antes da deliberação final (dentro do processo, portanto), servir de fundamento desta decisão e, portanto, fazer coisa julgada. Dessarte, é possível afirmar-se que o autor da ação que tem o seu quadro agravado ou é acometido de doença nova até o momento da decisão final, pode alegar esse fato relevante, sempre sob mais completo contraditório.

Está-se a tratar de situações em que isso não ocorreu. Perguntar-se-ia: se podia alegar e não alegou, fica o autor da ação submetido à eficácia preclusiva da coisa julgada ou coisa julgada tácita (art. 508 do CPC), de modo que o agravamento ou a nova doença ficam cobertos pela coisa julgada ficta?

Ao que penso, a resposta é negativa. O tema é complexo e não teria espaço para enfrentá-lo neste voto, por isso, fico com a posição majoritária da doutrina, encabeçada por J. C. Barbosa Moreira, no sentido de que a regra do art. 474 (atual art. 508) diz respeito à causa de pedir idêntica. A partir desta premissa, a TRS/SC do TRF da 4ª Região assim se posicionou:

PREVIDENCIÁRIO. EFICÁCIA PRECLUSIVA DA COISA JULGADA. COISA JULGADA FICTA OU PRESUMIDA. INCOMPATIBILIDADE NO PROCESSO PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. AGENTE NOCIVO DIVERSO DA PRIMEIRA AÇÃO. NOVA CAUSA DE PEDIR. JULGAMENTO REALIZADO NA FORMA DO ART. 942 DO NCPC. 1. Hipótese em que na primeira ação buscava-se o reconhecimento da especialidade em razão da exposição ao agente nocivo ruído e na segunda ação em face da exposição a agentes químicos. 2. Quinada jurisprudencial que recomenda cautela no exame do alcance da coisa julgada. 3. Se a causa de pedir é diferente, não há falar em identidade de ações, pressuposto material da coisa julgada. 4. Para a melhor leitura das regras dos artigos 474 do CPC/73 e 508 do CPC/15, consoante a doutrina majoritária, capitaneada por Barbosa Moreira, a preclusão alcança apenas as questões relativas à mesma causa de pedir. 5. Em face do princípio da primazia da proteção social, que norteia o direito e o processo previdenciário, não há espaço para a coisa julgada ficta ou presumida (TRF4, AC 5003095-30.2017.4.04.7203, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 26/03/2019).

Portanto, também sob o enfoque do fato superveniente, pode-se afirmar que, no período de tempo posterior à perícia e anterior à decisão final, não fica o direito do segurado limitado pela coisa julgada da sentença de improcedência da primeira ação.

Quero com esses argumentos arrematar reforçando que não se pode congelar a incapacidade, ou deixá-la refém do tempo processual, esgarçando os limites temporais (ou objetivos) da coisa julgada.

Assim a construção jurisprudencial ainda vigorante na Corte Especial do TRF4, com a devida vênia, opera em confusão ao aplicar os efeitos temporais da coisa julgada a uma nova ação.

Ainda no âmbito do TRF4, na sua TRS/SC, embora com ressalva do Desembargador Federal Celso Kipper, recentemente, a discussão foi retomada, acolhendo-se o entendimento que venho sustentando:

O trânsito em julgado pode interessar como ficção para a delimitação temporal da coisa julgada, mas é um dado totalmente alheio à situação fática, porquanto ele ocorre muito tempo depois da avaliação médica. Em um caso qualquer, logo após a perícia, pode o segurado que até ali se encontrava capaz, ter um agravamento (uma crise aguda qualquer) e dela não mais se recuperar, mas o trânsito em julgado da sentença de improcedência, porque ele não se conformou e recorreu (afinal, dias depois da perícia piorou muito), e o tribunal ad quem levou dois anos para negar provimento ao seu recurso, o impedirá de receber o benefício. Não se pode congelar a incapacidade, ou deixá-la refém do tempo processual (TRF4, TRS/SC, Apelação Cível nº 5004699-72.2020.4.04.9999/SC, j. unânime em 03/06/2020, Relator Desembargador Federal Paulo A. B. Vaz).

Esta mesma solução também foi adotada em diversos julgados da TRS/SC, de que é exemplo o seguinte:

PREVIDENCIÁRIO. COISA JULGADA. TRÍPLICE IDENTIDADE. NÃO VERIFICAÇÃO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. REQUISITOS. PREENCHIMENTO. 1. Havendo a autora formulado pedido novo, qual seja a concessão de benefício por incapacidade, ao argumento de que houve agravamento de sua doença, tem-se presente causa de pedir diversa em relação à ação transitada em julgado, afastando a alegação de ocorrência da coisa julgada. 2. Considerando-se as conclusões periciais médicas de incapacidade total e permanente para o trabalho, sem possibilidade de reversibilidade da doença, tem-se presente o quadro que autoriza a concessão da aposentadoria por invalidez desde a DER. (TRF4, APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5028086-87.2018.4.04.9999, Turma Regional suplementar de Santa Catarina, Relator Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 13/05/2020).

Dito isso, no caso sub examine, a partir da perícia médica, realizada em 22/02/2018, pela Dra. Renata Freitas de Souza, CRM/SC 16931, perita de confiança do juízo (laudo juntado no e. 73 - CERT1), é possível obter os seguintes dados:

a) data de nascimento: 23/06/1953, ou seja, conta 64 anos no dia do laudo;

b) escolaridade: ensino fundamental incompleto (2º ano escolar);

c) profissão: agricultora, desempenhava atividades de cultivo de feijão, milho, arroz e cebola, em propriedade familiar. Encontra-se afastada do trabalho há 8 anos;

d) doenças: a autora é portadora de IRC (insuficiência renal crônica – CID 10 N18.0) em tratamento dialítico (terapêutica na qual o sangue é extraído do organismo, transportado através de circuito extra corporal (máquina) para que seja realizada uma espécie de “filtração” e novamente devolvido ao corpo), 3 vezes por semana.

Referiu a expert que foi realizada a verificação dos documentos médicos trazidos aos autos, sendo possível concluir que a incapacidade laborativa da autora, estava presente entre a data de entrada do requerimento administrativo (DER 30/09/2009) e a data de realização da perícia judicial.

Destacou a perita no seu laudo que, considerando-se o estado atual da sexagenária em epígrafe, que depende de tratamento dialítico (3 vezes por semana), com baixa escolaridade e sem qualificação profissional, destarte inelegível para PRP (Programa de Reabilitação Profissional), conclui-se por incapacidade laborativa total, multiprofissional e em caráter definitivo a partir da PERICIA MÉDICA JUDICIAL.

Portanto, em razão do quadro clínico e das suas condições pessoais, entendo que a autora faz jus à concessão do auxílio-doença indevidamente negado em 30/09/2009 (e. 79 - DEC6).

Contudo, levando em conta que a perícia no processo anterior, realizada em audiência, no dia 20/01/2011, pelo Dr. Norberto Rauen, especialista em Medicina Legal e Perícias Médicas, concluiu pela capacidade laborativa da autora (e. 79 - DEC4), fixo o termo inicial do benefício em 21/01/2011.

Dos consectários

Segundo o entendimento das Turmas previdenciárias do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, estes são os critérios aplicáveis aos consectários:

Correção monetária

A correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelos índices oficiais e aceitos na jurisprudência, quais sejam:

- INPC no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91, conforme deliberação do STJ no julgamento do Tema 905 (REsp mº 1.495.146 - MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, D DE 02-03-2018), o qual resta inalterada após a conclusão do julgamento de todos os EDs opostos ao RE 870947 pelo Plenário do STF em 03-102019 (Tema 810 da repercussão geral), pois foi rejeitada a modulação dos efeitos da decisão de mérito.

Juros moratórios

Os juros de mora incidirão à razão de 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação (Súmula 204 do STJ), até 29/06/2009.

A partir de 30/06/2009, incidirão segundo os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme art. 5º da Lei 11.960/09, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei 9.494/97, cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo STF ao julgar a 1ª tese do Tema 810 da repercussão geral (RE 870.947), julgado em 20/09/2017, com ata de julgamento publicada no DJe n. 216, de 22/09/2017.

Honorários advocatícios

Incide, no caso, a sistemática de fixação de honorários advocatícios prevista no art. 85 do NCPC, porquanto a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016).

Diante do acolhimento integral ou parcial da pretensão recursal da Autarquia, este Colegiado vinha entendendo que descabia a majoração da verba honorária (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5021546-23.2018.4.04.9999, Turma Regional suplementar de Santa Catarina, Rel. p/ acórdão Desembargador Federal CELSO KIPPER, POR MAIORIA, VENCIDO O RELATOR, JUNTADO AOS AUTOS EM 14/11/2019).

Contudo, diante da afetação do Tema 1059/STJ [(Im) Possibilidade de majoração, em grau recursal, da verba honorária fixada em primeira instância contra o INSS quando o recurso da entidade previdenciária for provido em parte ou quando o Tribunal nega o recurso do INSS, mas altera de ofício a sentença apenas em relação aos consectários da condenação.], resta diferida para a fase de cumprimento de sentença a eventual majoração da verba honorária decorrente do presente julgamento.

Custas Processuais

O INSS é isento do pagamento de custas (art. 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/96 e Lei Complementar Estadual nº 156/97, com a redação dada pelo art. 3º da LCE nº 729/2018).

Conclusão

Confirma-se a sentença que julgou procedente o pedido formulado na inicial, e, consequentemente, condenou o INSS a conceder o benefício de APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE PERMANENTE. Contudo, fixa-se a o termo inicial do benefício a partir de 21/01/2011, data subsequente à da perícia realizada pelo Dr. Norberto Rauen que, à época, concluiu pela capacidade laborativa da autora (e. 79 - DEC4).

Dispositivo

Ante o exposto, voto por dar parcial provimento ao recurso do INSS.



Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002548683v12 e do código CRC 0eb1d68d.Informações adicionais da assinatura:
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5008751-14.2020.4.04.9999
40002548683.V12


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Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5008751-14.2020.4.04.9999/SC

RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: EVA DAS GRACAS RIBEIRO OLIVEIRA

VOTO-VISTA

As ações em que se busca a concessão de benefício por incapacidade para o trabalho caracterizam-se por terem como objeto relações continuativas e, portanto, as sentenças nelas proferidas se vinculam aos pressupostos do tempo em que foram formuladas, sem, contudo, extinguir a própria relação jurídica, que continua sujeita à variação de seus elementos. Tais sentenças contêm implícita a cláusula rebus sic stantibus, de forma que, modificadas as condições fáticas ou jurídicas sobre as quais se formou a coisa julgada material, tem-se nova causa de pedir próxima ou remota.

Trago à baila, a propósito do tema, os seguintes julgados recentes da Terceira Seção desta Corte:

PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. AÇÃO ANTERIOR JULGADA IMPROCEDENTE. ALTERAÇÃO DO SUPORTE FÁTICO. AJUIZAMENTO DE NOVA AÇÃO. POSSIBILIDADE. TERMO INICIAL DA INCAPACIDADE EM MOMENTO ANTERIOR AO TRÂNSITO EM JULGADO DA PRIMEIRA AÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. COISA JULGADA PARCIAL. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. 1. Em casos de benefício por incapacidade, uma sentença de improcedência não implica a impossibilidade de nova ação previdenciária sobre o mesmo tema, desde que haja modificação do suporte fático, seja pela superveniência de nova doença incapacitante, seja pelo agravamento da doença anterior. 2. Nesses casos, comprovada na nova demanda a incapacidade, seu termo inicial não pode retroagir, em princípio, à data anterior ao trânsito em julgado da primeira ação, sob pena de violação à coisa julgada parcial. (TRF4, ARS 5026310-42.2019.4.04.0000, TERCEIRA SEÇÃO, Relator MARCOS JOSEGREI DA SILVA, juntado aos autos em 02/12/2019)

PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. COISA JULGADA. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. CAUSA DE PEDIR DISTINTA. MODIFICAÇÃO DA SITUAÇÃO DE FATO. OBSERVÂNCIA DOS LIMITES DA COISA JULGADA. IMPOSSIBILIDADE DE RETROAÇÃO DO BENEFÍCIO À DATA DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. 1. Reconhecida a ilegitimidade passiva dos réus Ilson Gomes Ferreira e Jorge Alexandre Dias Ávila, advogados da parte ré na ção rescindenda. 2. O artigo 966, inciso IV, do CPC, autoriza a desconstituição de decisão que ofender a coisa julgada. Conforme o § 4º do art. 337 do CPC, há coisa julgada quando se repete ação que já foi decidida por sentença, de que não caiba mais recurso. Já o § 2º do art. 337 estabelece que uma ação é idêntica à outra quando tem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido. 3. O nosso sistema processual adotou a teoria da substanciação, devendo o pedido decorrer da causa de pedir, ou seja, das consequências jurídicas que se extraem dos fatos narrados na inicial. Logo, a causa de pedir compõe-se dos fatos constitutivos do direito alegado (causa remota) e da fundamentação jurídica, em que o autor demonstra a incidência de hipótese abstratamente prevista em norma legal sobre os fatos concretos (causa próxima). 4. A causa de pedir não se reduz à relação jurídica substancial deduzida em juízo, pois é a ocorrência do fato que faz incidir a regra jurídica e irradia os efeitos jurídicos. Então, mesmo que a causa de pedir próxima seja semelhante, se a causa de pedir remota é distinta, não se trata da mesma ação. 5. Conquanto ambos as demandas em que se formou a coisa julgada possuam as mesmas partes e o mesmo pedido, a causa de pedir remota é distinta, visto que os fatos constitutivos do direito que embasaram o ajuizamento do primeiro processo mudaram ao longo do tempo, em decorrência da modificação das condições sócioeconômicas da parte autora e do grupo familiar que ensejam a concessão do benefício assistencial. A nova situação de fato afasta a identidade da causa de pedir. 6. O benefício não pode retroagir à data do requerimento administrativo, sob pena de malferir a coisa julgada que se formou na primeira demanda, em razão da imutabilidade da parte dispositiva da sentença que julgou improcedente o pedido de concessão do benefício assistencial desde a postulação administrativa. 7. Admitindo-se a renovação do pedido em ação judicial que objetiva a concessão de benefício assistencial, já que a modificação da situação de fato caracteriza nova causa de pedir, conclui-se que a coisa julgada oriunda do primeiro processo surte efeitos até o momento em que restou comprovada a alteração das condições sócioeconômicas da parte. 8. O julgado deve ser rescindido parcialmente, para que o benefício seja concedido a partir do ajuizamento da segunda demanda, quando houve a comprovação da mudança das condições sócioeconômicas da parte. 9. Mantida em parte a antecipação dos efeitos da tutela, para suspender a execução da ação rescindenda quanto às parcelas anteriores à data do ajuizamento da segunda demanda. 10. Honorários advocatícios distribuídos conforme a sucumbência das partes. (TRF4, ARS 5000802-65.2017.4.04.0000, TERCEIRA SEÇÃO, Relatora GABRIELA PIETSCH SERAFIN, juntado aos autos em 25/07/2019)

PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. COISA JULGADA. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. MODIFICAÇÃO DO ESTADO DE SAÚDE. 1. Em se tratando de benefício previdenciário por incapacidade, a modificação do estado de saúde do segurado faz surgir nova causa de pedir, afastando a tríplice identidade que configura a coisa julgada. 2. A data de início da incapacidade reconhecida na segunda demanda não pode retroagir a momento anterior ao trânsito em julgado da sentença exarada na primeira demanda, que não reconheceu o direito ao benefício. (TRF4, ARS 5001058-37.2019.4.04.0000, TERCEIRA SEÇÃO, Relator JORGE ANTONIO MAURIQUE, juntado aos autos em 27/06/2019)

Nestes precedentes, o conteúdo do julgado é no sentido de que: a) uma decisão que julgou improcedente determinada ação previdenciária versando sobre benefício por incapacidade não impede uma segunda ação pelo mesmo segurado, pleiteando o mesmo (ou outro) benefício por incapacidade desde que ocorra o agravamento da mesma doença ou a superveniência de uma nova doença incapacitante; b) em contrapartida, o termo inicial do benefício a ser deferido na segunda ação não poderia ser, em princípio, anterior à data do trânsito em julgado da primeira ação, sob pena de colisão de decisões, uma delas transitada em julgado.

Ao menos em duas oportunidades, a questão chegou à análise da Corte Especial deste Tribunal (por força do art. 942 do CPC), onde aquele entendimento foi sufragado, sendo uma delas a seguinte:

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. AÇÃO ANTERIOR JULGADA IMPROCEDENTE. ALTERAÇÃO DO SUPORTE FÁTICO. AJUIZAMENTO DE NOVA AÇÃO. POSSIBILIDADE. TERMO INICIAL DA INCAPACIDADE EM MOMENTO ANTERIOR AO TRÂNSITO EM JULGADO DA PRIMEIRA AÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. COISA JULGADA PARCIAL. 1. Em casos de benefício por incapacidade, uma sentença de improcedência não implica a impossibilidade de nova ação previdenciária sobre o mesmo tema, desde que haja modificação do suporte fático, seja pela superveniência de nova doença incapacitante, seja pelo agravamento da doença anterior. 2. Nesses casos, comprovada na nova demanda a incapacidade, seu termo inicial não pode retroagir, em princípio, à data anterior ao trânsito em julgado da primeira ação, sob pena de violação à coisa julgada parcial. (TRF4, AR 0004231-96.2015.4.04.0000, CORTE ESPECIAL, Relator para Acórdão CELSO KIPPER, D.E. 25/03/2019)

Propõe o eminente Relator, em seu voto, uma alteração da posição, com a possibilidade de fixação do termo inicial do benefício concedido nesta segunda ação no dia seguinte ao da realização da perícia médica do primeiro processo.

A questão não é de fácil solução, pois, de fato, pode haver um agravamento da doença do segurado entre a data da perícia da primeira ação e a data do trânsito em julgado da decisão de improcedência. Entretanto, há de se considerar alguns pontos.

O primeiro é a possibilidade de o fato superveniente (nova doença ou agravamento da doença anterior) vir a ser analisado tanto pelo juiz de primeiro grau, na sentença, quanto pelo Tribunal (em caso de recurso), por aplicação do art. 493 do CPC, ainda na primeira ação. Isso ocorre muitas vezes, desde que a parte autora faça juntar aos autos documentação médica posterior à perícia realizada. É claro que se essa primeira ação foi improcedente (estou falando das ações em tese, não especificamente da primeira ação relativa a este processo), provavelmente não houve tal juntada e, portanto, eventual alteração das condições de trabalho não puderam ser analisadas, à época.

O segundo ponto são os motivos de se estabelecer o trânsito em julgado da primeira ação como a data antes da qual, em princípio, não poderia ser fixado o termo inicial do benefício previdenciário concedido na segunda ação. O primeiro motivo é o óbvio: evitar colisão de entendimentos entre julgadores relativamente a uma mesma situação jurídica, ainda que continuativa. Se a perícia da primeira ação foi em fevereiro, a sentença em abril e o acórdão de improcedência em agosto de um determinado ano, o juiz prolator de nova sentença (na segunda ação), dois anos depois, não poderia contrariar o primeiro juiz e o tribunal e dizer, ao contrário do que aqueles pronunciaram, que havia sim incapacidade desde o primeiro dia após a primeira perícia, sob pena de conflito entre essas decisões e afronta à coisa julgada (ainda que parcialmente). Parece-me até uma questão de lógica do sistema judicial.

O segundo motivo para se fixar como marco o trânsito em julgado da primeira ação é a coerência com outra posição consagrada neste Tribunal em situação similar, mas inversa. Refiro-me à posição segundo a qual, tendo sido concedido, em decisão ou sentença, um determinado benefício previdenciário por incapacidade, não pode o INSS, administrativamente, sponte sua, cancelar este benefício antes do trânsito em julgado dessa sentença. Posteriormente poderá fazê-lo (se comprovada administrativamente a recuperação do segurado), mas não antes. São exemplos deste posicionamento as seguintes ementas:

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AUXÍLIO-DOENÇA. DECISÃO JUDICIAL. REAVALIAÇÃO. CANCELAMENTO. TRÂNSITO EM JULGADO. O INSS pode efetuar reavaliações médico-periciais periódicas e, constatada a capacidade laborativa do segurado por perícia médica, pode cancelar o benefício concedido na esfera judicial, nos termos dos arts. 101 da Lei 8.213/91 e 71 da Lei 8.212/91, desde que já transitada em julgado a decisão concessória. (TRF4, AG 5034447-47.2018.4.04.0000, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 21/03/2019)

PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AUXÍLIO DOENÇA. RESTABELECIMENTO DE BENEFÍCIO. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA DEFERIDA PELO JUÍZO SINGULAR. REQUISITOS. PRAZO DE DURAÇÃO DO BENEFÍCIO. ART. 60, § 9º­, DA LEI 8.213/91. A hipótese sub judice reflete a estipulação e prazo de que trata o § 9º do art. 60 da Lei 8.213/91, o que não autoriza a revisão do benefício enquanto não transitar a decisão judicial. (TRF4, AG 5010366-97.2019.4.04.0000, QUINTA TURMA, Relator ALTAIR ANTÔNIO GREGÓRIO, juntado aos autos em 21/06/2019)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. DEFERIMENTO JUDICIAL. CANCELAMENTO. PERÍCIA MÉDICA. Em se tratando de auxílio-doença - benefício cuja provisoriedade advém de sua própria natureza - não caracteriza violação à coisa julgada ou descumprimento de decisão judicial o seu cancelamento administrativo, desde que posterior ao trânsito em julgado do título judicial e embasado em laudo médico pericial conclusivo acerca do restabelecimento da capacidade laboral do segurado, hipótese que não ocorreu no caso. (TRF4, AG 5028819-43.2019.4.04.0000, SEXTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 28/11/2019)

PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. DECISÃO JUDICIAL. REAVALIAÇÃO. CANCELAMENTO. TRÂNSITO EM JULGADO. O INSS pode e deve efetuar reavaliações médico-periciais periódicas e, constatada a capacidade laborativa do segurado por perícia médica, pode cancelar o benefício concedido na esfera judicial, nos termos dos arts. 101 da Lei 8.213/91 e 71 da Lei 8.212/91, desde que já transitada em julgado a decisão concessória. (TRF4, AG 5045699-81.2017.4.04.0000, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator JORGE ANTONIO MAURIQUE, juntado aos autos em 23/10/2017)

Ou seja, estabeleceu-se que o âmbito de abrangência temporal da decisão concessiva de um benefício por incapacidade, salvo exceções ou determinação em contrário na própria decisão, é a data do seu trânsito em julgado, o que não poderia ser desrespeitado pela autarquia previdenciária unilateralmente, mesmo que tenha procedido a uma nova perícia administrativa. Em contrapartida, na outra via, entende-se que até o trânsito em julgado da decisão judicial que indeferiu o benefício, em princípio, o segurado permaneceu capaz. Em assim entendendo, garante-se um certo paralelismo e coerência na análise da capacidade do segurado no transcurso da primeira ação, haja vista a dificuldade em se estabelecer, muitas vezes, durante todo o período de tramitação da ação, a real situação da doença ou da incapacidade.

O terceiro ponto a ser considerado nesta análise é o de que embora o estabelecimento da data do trânsito em julgado da ação anterior possa não corresponder precisamente ao momento do início da incapacidade, também é verdade que dificilmente a incapacidade iniciou-se exatamente no dia posterior à data da perícia realizada na primeira ação e que atestou a capacidade do segurado.

O quarto e último ponto a ser analisado é a possibilidade de ocorrência de uma injustiça flagrante com a adoção (na verdade, manutenção) deste entendimento, especialmente quando há um lapso temporal muito grande entre a prova pericial em que se baseou a decisão na primeira ação e o seu trânsito em julgado. Em casos assim, dada a possibilidade, já consagrada, de flexibilização de institutos processuais em demandas previdenciárias, se atendidos determinados pressupostos, variáveis conforme as hipóteses [vide, a título de exemplo, o decidido no REsp n. 1.840.369/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, j. em 12-11-2019, DJe de 19-12-2019], penso que se possa flexibilizar a coisa julgada parcial para fazer retroagir a data do início do benefício previdenciário por incapacidade deferido na segunda ação para momento anterior ao trânsito em julgado da primeira ação, sempre que (a) exista prova categórica para se atestar que a incapacidade tenha iniciado, realmente, em momento anterior e (b) haja transcorrido um tempo muito longo entre a perícia ou outra documentação médica que tenha embasado a decisão que indeferiu o benefício na primeira ação e o seu trânsito em julgado. No entanto, realizar tal flexibilização em todos os casos não me soa razoável nem prudente, frente a todas as considerações anteriores.

No presente caso, além de se observar o decurso de apenas 1 mês e 7 dias entre o trânsito em julgado da sentença prolatada na anterior ação (01-03-2011) e data da realização da perícia médica (21/01/2011), inexiste um evento marcante (um acidente, um enfarto, um AVC ou uma internação hospitalar, por exemplo) que pudesse, categoricamente, demonstrar o início da incapacidade a partir dele e que sugerisse, em razão disso, a flexibilização da coisa julgada.

No mais, acompanho in totum o laborioso voto de Sua Excelência.

Ante o exposto, divergindo, em parte, do eminente Relator, voto por dar parcial provimento, em maior extensão, ao apelo do INSS, a fim de estabelecer em 02-03-2011 a DIB do benefício por incapacidade concedido à parte autora.



Documento eletrônico assinado por CELSO KIPPER, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002602550v2 e do código CRC 3e1e27a8.Informações adicionais da assinatura:
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5008751-14.2020.4.04.9999
40002602550.V2


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Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5008751-14.2020.4.04.9999/SC

RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: EVA DAS GRACAS RIBEIRO OLIVEIRA

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. COISA JULGADA. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO POR INCAPACIDADE LABORAL. REPETIÇÃO DE AÇÃO. CAUSA DE PEDIR DISTINTA. MODIFICAÇÃO DA SITUAÇÃO DE FATO. OBSERVÂNCIA DOS LIMITES DA COISA JULGADA. IMPOSSIBILIDADE, NO CASO CONCRETO, DE RETROAÇÃO DO BENEFÍCIO A DATA ANTERIOR AO TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA DO PRIMEIRO PROCESSO.

1. As ações de concessão de benefício previdenciário por incapacidade para o trabalho caracterizam-se por terem como objeto relações continuativas e, portanto, as sentenças nelas proferidas se vinculam aos pressupostos do tempo em que foram formuladas, sem, contudo, extinguir a própria relação jurídica, que continua sujeita à variação de seus elementos. Tais sentenças contêm implícita a cláusula rebus sic stantibus, de forma que, modificadas as condições fáticas ou jurídicas sobre as quais se formou a coisa julgada material, tem-se nova causa de pedir próxima ou remota.

2. Não obstante uma decisão que julgou improcedente determinada ação previdenciária versando sobre benefício por incapacidade não impeça uma segunda ação pelo mesmo segurado, pleiteando o mesmo (ou outro) benefício por incapacidade desde que ocorra o agravamento da mesma doença ou a superveniência de uma nova doença incapacitante, o termo inicial do benefício a ser deferido na segunda ação, segundo já decidido pela Corte Especial do TRF4, não poderia ser, em princípio, anterior à data do trânsito em julgado da primeira ação.

3. Ainda que possa haver um agravamento da doença do segurado entre a data da perícia da primeira ação e a data do trânsito em julgado da decisão de improcedência, há de se considerar alguns pontos.

4. O primeiro é a possibilidade de o fato superveniente (nova doença ou agravamento da doença anterior) vir a ser analisado tanto pelo juiz de primeiro grau, na sentença, quanto pelo Tribunal (em caso de recurso), por aplicação do art. 493 do CPC, ainda na primeira ação. Isso ocorre muitas vezes, desde que a parte autora faça juntar aos autos documentação médica posterior à perícia realizada. É claro que se essa primeira ação foi improcedente, provavelmente não houve tal juntada e, portanto, eventual alteração das condições de trabalho não puderam ser analisadas, à época.

5. O segundo ponto são os motivos de se estabelecer o trânsito em julgado da primeira ação como a data antes da qual, em princípio, não poderia ser fixado o termo inicial do benefício previdenciário concedido na segunda ação. O primeiro motivo é o óbvio: evitar colisão de entendimentos entre julgadores relativamente a uma mesma situação jurídica, ainda que continuativa. O segundo motivo é a coerência com outra posição consagrada neste Tribunal em situação similar, mas inversa: o âmbito de abrangência temporal da decisão concessiva de um benefício por incapacidade, salvo exceções ou determinação em contrário na própria decisão, é a data do seu trânsito em julgado, o que não poderia ser desrespeitado pela autarquia previdenciária unilateralmente, mesmo que tenha procedido a uma nova perícia administrativa; em contrapartida, na outra via, entende-se que até o trânsito em julgado da decisão judicial que indeferiu o benefício, em princípio, o segurado permaneceu capaz. Em assim entendendo, garante-se um certo paralelismo e coerência na análise da capacidade do segurado no transcurso da primeira ação, haja vista a dificuldade em se estabelecer, muitas vezes, durante todo o período de tramitação da ação, a real situação da doença ou da incapacidade.

6. O terceiro ponto a ser considerado nesta análise é o de que embora o estabelecimento da data do trânsito em julgado da ação anterior possa não corresponder precisamente ao momento do início da incapacidade, também é verdade que dificilmente a incapacidade iniciou-se exatamente no dia posterior à data da perícia realizada na primeira ação e que atestou a capacidade do segurado.

7. O quarto e último ponto a ser analisado é a possibilidade de ocorrência de uma injustiça flagrante com a adoção deste entendimento, especialmente quando há um lapso temporal muito grande entre a prova pericial em que se baseou a decisão na primeira ação e o seu trânsito em julgado. Em casos assim, dada a possibilidade, já consagrada, de flexibilização de institutos processuais em demandas previdenciárias, se atendidos determinados pressupostos, variáveis conforme as hipóteses [vide, a título de exemplo, o decidido no REsp n. 1.840.369/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, j. em 12-11-2019, DJe de 19-12-2019], poder-se-ia flexibilizar a coisa julgada parcial para fazer retroagir a data do início do benefício previdenciário por incapacidade deferido na segunda ação para momento anterior ao trânsito em julgado da primeira ação, sempre que (a) exista prova categórica para se atestar que a incapacidade tenha iniciado, realmente, em momento anterior e (b) haja transcorrido um tempo muito longo entre a perícia ou outra documentação médica que tenha embasado a decisão que indeferiu o benefício na primeira ação e o seu trânsito em julgado. No entanto, realizar tal flexibilização em todos os casos não soa razoável nem prudente, frente a todas as considerações anteriores.

8. No caso concreto, não ocorre a mencionada injustiça, pois não é significativo o decurso de tempo havido entre a perícia realizada no primeiro processo e o trânsito em julgado da sentença no mesmo prolatada (pouco mais de um mês). Além do mais, inexiste, no hipótese, um evento marcante (um acidente, um enfarto, um AVC ou uma internação hospitalar, por exemplo) que pudesse, categoricamente, demonstrar o início da incapacidade a partir dele e que sugerisse, em razão disso, a flexibilização da coisa julgada.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 9ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por maioria, vencido o relator, dar parcial provimento, em maior extensão, ao apelo do INSS, a fim de estabelecer em 02-03-2011 a DIB do benefício por incapacidade concedido à parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 28 de setembro de 2022.



Documento eletrônico assinado por CELSO KIPPER, Relator do Acórdão, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003549138v4 e do código CRC 178026d1.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): CELSO KIPPER
Data e Hora: 24/11/2022, às 15:24:29


5008751-14.2020.4.04.9999
40003549138 .V4


Conferência de autenticidade emitida em 01/12/2022 04:00:59.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 17/05/2021 A 24/05/2021

Apelação Cível Nº 5008751-14.2020.4.04.9999/SC

RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

PRESIDENTE: Desembargador Federal CELSO KIPPER

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: EVA DAS GRACAS RIBEIRO OLIVEIRA

ADVOGADO: JAQUELINE ALVES (OAB SC024425)

ADVOGADO: ALCEU JOSÉ NUNIS JUNIOR (OAB SC023053)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 17/05/2021, às 00:00, a 24/05/2021, às 16:00, na sequência 361, disponibilizada no DE de 06/05/2021.

Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

APÓS O VOTO DO DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO AFONSO BRUM VAZ NO SENTIDO DE DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DO INSS, PEDIU VISTA O DESEMBARGADOR FEDERAL CELSO KIPPER. AGUARDA A JUÍZA FEDERAL ÉRIKA GIOVANINI REUPKE.

Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

Pedido Vista: Desembargador Federal CELSO KIPPER

ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES

Secretária

MANIFESTAÇÕES DOS MAGISTRADOS VOTANTES

Pedido de Vista - GAB. 92 (Des. Federal CELSO KIPPER) - Desembargador Federal CELSO KIPPER.



Conferência de autenticidade emitida em 01/12/2022 04:00:59.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 15/07/2022 A 22/07/2022

Apelação Cível Nº 5008751-14.2020.4.04.9999/SC

RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

PRESIDENTE: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ

PROCURADOR(A): WALDIR ALVES

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: EVA DAS GRACAS RIBEIRO OLIVEIRA

ADVOGADO: JAQUELINE ALVES (OAB SC024425)

ADVOGADO: ALCEU JOSÉ NUNIS JUNIOR (OAB SC023053)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 15/07/2022, às 00:00, a 22/07/2022, às 16:00, na sequência 730, disponibilizada no DE de 06/07/2022.

Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

PROSSEGUINDO NO JULGAMENTO, APÓS O VOTO-VISTA DO DESEMBARGADOR FEDERAL CELSO KIPPER NO SENTIDO DE DAR PARCIAL PROVIMENTO, EM MAIOR EXTENSÃO, AO APELO DO INSS, A FIM DE ESTABELECER EM 02-03-2011 A DIB DO BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE CONCEDIDO À PARTE AUTORA, NO QUE FOI ACOMPANHADO PELO DESEMBARGADOR FEDERAL SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, O JULGAMENTO FOI SOBRESTADO NOS TERMOS DO ART. 942 DO CPC/2015.

VOTANTE: Desembargador Federal CELSO KIPPER

Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ

ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES

Secretária

MANIFESTAÇÕES DOS MAGISTRADOS VOTANTES

Acompanha a Divergência - GAB. 93 (Des. Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ) - Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ.



Conferência de autenticidade emitida em 01/12/2022 04:00:59.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 21/09/2022 A 28/09/2022

Apelação Cível Nº 5008751-14.2020.4.04.9999/SC

RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

PRESIDENTE: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ

PROCURADOR(A): WALDIR ALVES

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: EVA DAS GRACAS RIBEIRO OLIVEIRA

ADVOGADO: JAQUELINE ALVES (OAB SC024425)

ADVOGADO: ALCEU JOSÉ NUNIS JUNIOR (OAB SC023053)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 21/09/2022, às 00:00, a 28/09/2022, às 12:00, na sequência 356, disponibilizada no DE de 09/09/2022.

Certifico que a 9ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

PROSSEGUINDO NO JULGAMENTO, APÓS OS VOTOS DOS JUÍZES FEDERAIS FLÁVIA DA SILVA XAVIER E ARTUR CÉSAR DE SOUZA ACOMPANHANDO A DIVERGÊNCIA, A 9ª TURMA DECIDIU, POR MAIORIA, VENCIDO O RELATOR, DAR PARCIAL PROVIMENTO, EM MAIOR EXTENSÃO, AO APELO DO INSS, A FIM DE ESTABELECER EM 02-03-2011 A DIB DO BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE CONCEDIDO À PARTE AUTORA, NOS TERMOS DO VOTO DO DESEMBARGADOR FEDERAL CELSO KIPPER QUE LAVRARÁ O ACÓRDÃO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal CELSO KIPPER

Votante: Juíza Federal FLÁVIA DA SILVA XAVIER

Votante: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA

ALEXSANDRA FERNANDES DE MACEDO

Secretária

MANIFESTAÇÕES DOS MAGISTRADOS VOTANTES

Acompanha a Divergência - GAB. 101 (Des. Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO) - Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA.

Acompanha a Divergência - GAB. 103 (Des. Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI) - Juíza Federal FLÁVIA DA SILVA XAVIER.



Conferência de autenticidade emitida em 01/12/2022 04:00:59.

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