Apelação Cível Nº 5008691-34.2013.4.04.7009/PR
RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
APELANTE: CARLOS ANTONIO DA SILVA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
A parte autora propôs ação em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS pretendendo o reconhecimento da atividade especial dos períodos de 10.01.1981 a 13.11.1981, 01.9.1985 a 31.3.1990, 01.4.1990 a 15.12.1992 e 20.01.1994 a 28.3.2007, bem como a conversão do tempo comum em especial do período de 03.02.1982 a 31.01.1983.
Regularmente processado o feito, sobreveio sentença, publicada em 03.4.2014, cujo dispositivo tem o seguinte teor (ev. 21, originário):
Ante o exposto, julgo extinto o processo sem resolução do mérito por força da coisa julgada, na forma do artigo 267, V, do CPC.
Condeno a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios em favor do INSS que, com fulcro no artigo 20 do CPC, arbitro em 10% do valor da causa. O pagamento da verba, entretanto, fica condicionado às prescrições da Lei n. 1.060/50.
Partes isentas de custas (Lei n. 9.289/96).
Sentença não sujeita a reexame necessário.
A parte autora apelou alegando, em síntese, que, na ação anteriormente ajuizada 2007.70.59.002970-5, e em relação a qual restou reconhecida a coisa julgada, o reconhecimento da natureza especial dos períodos de 01.9.1985 a 31.3.1990, 01.4.1990 a 15.12.1992 e 20.01.1994 a 28.3.2007 baseou-se exclusivamente na então alegada exposição ao agente ruído. Nos presentes autos, por outro lado, o pleito estaria baseado na periculosidade (nos dois primeiros lapsos) e na exposição ao agentes calor, radiação e produtos químicos (no último interregno). Portanto, embora hada identidade entre partes e pedido, a causa de pedir seria distinta, porque diferente o substrato jurídico que dá suporte ao pedido. Por tais razões, pede seja afastada a incidência da coisa julgada material (ev. 26, originário).
Sem contrarrazões (ev. 29, originário), vieram os autos a este Tribunal.
É o relatório.
Peço dia para julgamento.
VOTO
Da coisa julgada
A coisa julgada material está assim prevista, respectivamente, nos Códigos de Processo de 1973 (vigente à época da sentença) e de 2015 (atualmente vigente):
1973:
Art. 467. Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário.
Art. 468. A sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas.
(...)
Art. 471. Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas, relativas à mesma lide, salvo:
I - se, tratando-se de relação jurídica continuativa, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito; caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença;
II - nos demais casos prescritos em lei.
(...)
Art. 474. Passada em julgado a sentença de mérito, reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas, que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido.
2015:
Art. 502. Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso.
Art. 503. A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida.
(...)
Art. 505. Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma lide, salvo:
I - se, tratando-se de relação jurídica de trato continuado, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito, caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença;
II - nos demais casos prescritos em lei.
(...)
Art. 508. Transitada em julgado a decisão de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido.
Como se vê, a disciplina legal do instituto da coisa julgada não foi substancialmente alterada pela novel legislação processual civil, tendo sido mantidas não só a impossibilidade de rediscussão de idêntica lide em processo posterior, mas também a determinação expressa de que, transitada em julgado a decisão anterior quanto ao mérito, reputem-se deduzidas e repelidas todas as alegações que a parte poderia trazer em favor do acolhimento de sua pretensão.
No caso dos autos, a controvérsia diz respeito à existência de coisa julgada material em relação aos períodos especiais que a parte autora pretende ver reconhecidos, os quais são idênticos em ambos os processos: 10.01.1981 a 13.11.1981, 01.9.1985 a 31.3.1990, 01.4.1990 a 15.12.1992 e 20.01.1994 a 28.3.2007. No processo anterior (2007.70.59.002970-5), a pretensão foi parcialmente acolhida, reconhecendo-se a especialidade do período de 10.01.1981 a 13.11.1981, mediante sua conversão em tempo comum pelo fator 1,4.
O autor alega que, na ação anteriormente ajuizada e em relação a qual restou reconhecida a coisa julgada (2007.70.59.002970-5), o reconhecimento da natureza especial dos períodos de 01.9.1985 a 31.3.1990, 01.4.1990 a 15.12.1992 e 20.01.1994 a 28.3.2007 baseou-se exclusivamente na então alegada exposição ao agente ruído. Nos presentes autos, contudo, o pleito estaria baseado na periculosidade (nos dois primeiros lapsos) e na exposição ao agentes calor, radiação e produtos químicos (no último interregno). Portanto, embora haja identidade entre partes e pedido, a causa de pedir seria distinta, porque diferente o substrato jurídico que dá suporte ao pedido.
Contudo, razão não lhe assiste.
A sentença, da lavra da MM. Juíza Federal Pepita Durski Tramontini, examinou e decidiu com precisão os pontos relevantes atinentes à coisa julgada material, ora devolvidos à apreciação do Tribunal.
As alegações da apelação não logram ilidir os fundmentos da decisão recorrida, razão pela qual, evidenciada a desnecessidade da construção de nova fundamentação jurídica, destinada à confirmação da bem lançada sentença (ev. 21, originário), transcrevo seus fundamentos, adotando-os como razões de decidir, in verbis:
A tese defendida pelo autor de que 'a causa de pedir é diversa porque baseada em agente nocivo diferente' não merece prosperar. Cabia ao autor fazer menção a todas as circunstâncias relacionadas ao pedido na ação anteriormente ajuizada. É a eficácia preclusiva da coisa julgada. Não houve alteração dos fatos descritos na inicial, portanto, a causa de pedir - reconhecimento da especialidade - continua sendo a mesma, conforme preceitua a teoria da substanciação adotada pelo Código de Processo Civil.
Neste sentido, os seguintes julgados:
APELAÇÃO CÍVEL. MATERIALIZAÇÃO DA COISA JULGADA. ARTIGO 267 , V , DO CPC . ARTIGO 474 DO CPC . CONSIDERANDO A ABRANGÊNCIA DA CAUSA DE PEDIR PRÓXIMA E REMOTA, NÃO PODE A PARTE INGRESSAR COM NOVAS DEMANDAS, ACERCA DA MESMA MATÉRIA, SEMPRE QUE ARTICULAR UMA NOVA TESE JURÍDICA PARA SUSTENTAR SEU DIREITO. NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70057951675, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Agathe Elsa Schmidt da Silva, Julgado em 19/03/2014)
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. COISA JULGADA. EFICÁCIA PRECLUSIVA.
1 - Há coisa julgada que impede o rejulgamento da lide em relação ao mesmo requerimento administrativo, porque se cuida de mesmas partes, de mesmo pedido (concessão de aposentadoria por idade rural) e de mesma causa de pedir (trabalho na lavoura na condição de segurada especial), o que leva à aplicação do art. 301, §§ 1º e 2º, do CPC.
2 - A modificação do regime de trabalho alegado na via judicial, se em regime de economia familiar ou individualmente, por se cuidar de fato não essencial, não induz à alteração da causa de pedir nem, consequentemente, afasta a identidade de ações.
3 - Aplica-se o art. 474 do CPC, que prevê a eficácia preclusiva da coisa julgada, norma que decorre do princípio processual da eventualidade, que impõe a dedução pelas partes, de uma só vez, de todos os meios de ataque e de defesa em relação ao pedido.
4 - O instituto da coisa julgada é garantia constitucional e tem incidência uniforme seja qual for o campo do direito, de modo que se manifesta nas relações jurídicas previdenciárias. (Apelação Cível nº 5002123-82.2011.404.7102, Sexta Turma do TRF. Relatora: LUCIANE MERLIN CLÈVE KRAVETZ. Data da Decisão: 25/09/2013. D.E. 27/09/2013. (grifou-se).
Não bastasse a identidade de pedidos, o indeferimento administrativo também é o mesmo - NB 42/142.623.487-0 (DER 28/03/2007), assim como a documentação técnica comprobatória trazida aos autos. Em razão disso, é de se reconhecer a existência da coisa julgada por tratar-se de reprodução de ação anteriormente ajuizada.
II.b) Da relativização da coisa julgada
Com relação à relativização da coisa julgada, esclareço que a medida tem caráter excepcional, e a nova prova deve ser suficiente a levantar séria dúvida quanto à conclusão do processo anterior. Além disso, também deve restar afastada a possibilidade de obter tal prova em momento pretérito.
Tamanha é a relevância do instituto jurídico da coisa julgada que a sua relativização tem sido manifestada pela doutrina de forma bastante restritiva, aplicada como exceção e apenas aos casos previstos em lei, como nas hipótese da ação rescisória (art. 485 e seg., CPC) e do microssistema das ações coletivas (LAP, art 18; LACP, art. 16; CDC, art. 103 I a III).
Penso que não é dado ao julgador fazer ponderação de interesses para afastar, por sponte propria, o instituto jurídico da coisa julgada. A meu ver essa ponderação compete tão somente ao legislador realizar e, no caso das ações previdenciárias, essa possibilidade carece de previsão legal.
É como pensam Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery:
A tese que afirma haver ou não coisa julgada material sobre determinada sentença, conforme o resultado da prova (secundum eventum probationis), sem que haja previsão legal expressa para tanto, além de fragilizar o instituto constitucional da coisa julgada, coloca em risco o fundamento do Estado Democrático de Direito. Ao argumento que se pretende afastar a intangibilidade da coisa julgada, de que esta somente ter-se-ia operado segundo o resultado do processo (secundum eventum litis), gênero do qual é espécie a coisa julgada segundo o resultado da prova (secundum eventum probationis), não se pode dar acolhida porque essa técnica é regra de exceção ao sistema e, portanto, só se admite nos casos expressos taxativamente na lei. (Código de Processo Civil Comentado, 9ª ed. rev. e ampl., RT, 2006, p. 602).
No mesmo sentido prelecionam Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart:
Por isso, o juiz não pode desconsiderar a coisa julgada material, ainda que sob o pretexto de estar estabelecendo a sua ponderação com um outro direito fundamental. É que a Constituição, ao garantir a coisa julgada material, já realizou a ponderação entre a segurança jurídica - advinda da coisa julgada - e o risco de eventuais injustiças.
...
A coisa julgada sempre pôde ser relativizada nos casos expressos em lei, como, por exemplo, na hipótese de documento novo de que a parte não pôde fazer uso, mas que seja capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável (art. 485, VII, do CPC). Trata-se de hipóteses em que se admite a relativização da coisa julgada em virtude de certas circunstâncias, mas não são referentes apenas a um direito em especial, mas sim a situações que podem marcar qualquer direito. Ou melhor, os casos de ação rescisória não abrem margem para a desconstituição da coisa julgada em razão especial da natureza de determinado direito, mas sim em virtude de motivos excepcionais capazes de macular a própria razão de ser da jurisdição.
...
Ademais, a possibilidade de o juiz desconsiderar a coisa julgada diante de determinado caso concreto certamente estimulará a eternização dos conflitos e colaborará para o agravamento, hoje quase insuportável, da 'demora da justiça', caminhando em sentido diametralmente oposto àquele apontado pela doutrina processual contemporânea.(...)'
(Curso de Processo Civil. Vol. 2. Processo de Conhecimento. 6ª edição rev. atual. ampl., RT, 2007, p. 684)
E este é o entendimento deste juízo.
Ainda que se admitisse a relativização da coisa julgada, impõe-se destacar que na presente hipótese a parte autora embasa-se nos mesmos documentos juntados ao processo anterior, efetivamente apreciados em seu bojo pelo juízo, não se justificando a pretensão de relativização.
Nesse contexto, o reconhecimento da coisa julgada material é medida impositiva, devendo ser mantida a sentença que extinguiu o processo sem resolução do mérito, na forma do artigo 267, V, do CPC/73.
Honorários Advocatícios
Proferida a sentença na vigência do CPC/73, mantida a verba honorária tal como fixada (10% sobre o valor atualizado da causa), cuja exigibilidade fica suspensa em face do benefício da gratuidade da justiça.
Custas
Mantida a sentença também no ponto em que considerou as partes isentas de custas, na forma da Lei 9.829/96.
Prequestionamento
Objetivando possibilitar o acesso das partes às Instâncias Superiores, considero prequestionadas as matérias constitucionais e/ou legais suscitadas nos autos, conquanto não referidos expressamente os respectivos artigos na fundamentação do voto, nos termos do art. 1.025 do CPC.
Conclusão
- apelação: desprovida.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
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Apelação Cível Nº 5008691-34.2013.4.04.7009/PR
RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
APELANTE: CARLOS ANTONIO DA SILVA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. ATIVIDADE ESPECIAL. COISA JULGADA. EFICÁCIA PRECLUSIVA.
1 - Há coisa julgada que impede o rejulgamento da lide quando se cuida de mesmas partes, de mesmo pedido (reconhecimento de atividade especial) e de mesma causa de pedir (trabalho sob condições especiais).
2 - A alteração do agente alegadamente insalubre em relação a períodos de trabalho já apreciados na via judicial não induz à alteração da causa de pedir e, por conseguinte, não afasta a identidade de ações.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar do Paraná do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, decidiu negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 17 de agosto de 2018.
Documento eletrônico assinado por MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000588329v8 e do código CRC 1c857258.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 17/08/2018
Apelação Cível Nº 5008691-34.2013.4.04.7009/PR
RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
PRESIDENTE: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
APELANTE: CARLOS ANTONIO DA SILVA
ADVOGADO: WILLYAN ROWER SOARES
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 17/08/2018, na seqüência 679, disponibilizada no DE de 01/08/2018.
Certifico que a Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Turma Regional Suplementar do Paraná, por unanimidade, decidiu negar provimento à apelação.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
Votante: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
Votante: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
Votante: Desembargador Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
SUZANA ROESSING
Secretária
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