Apelação Cível Nº 5023218-95.2020.4.04.9999/SC
RELATORA: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
APELANTE: IVANIR DE LIMA DE RAMOS
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
IVANIR DE LIMA DE RAMOS ajuizou ação ordinária em 15/08/2019, objetivando a concessão de benefício por incapacidade, desde o indeferimento administrativo, ocorrido em 28/05/2019 (NB 6281577870). Referiu que a sua incapacidade decorre de moléstias ortopédicas e cardíacas (
).Sobreveio sentença que julgou improcedente o pedido em razão da não constatação de incapacidade laborativa (
).A parte autora, em suas razões recursais, sustentou, em síntese, fazer jus ao benefício postulado na inicial, sob alegação de que restou comprovada a sua moléstia incapacitante. Referiu que a perícia admitiu que a parte autora possui, de fato, as doenças alegadas na exordial, o que indicaria a contradição em relação à conclusão pericial, que apontou que não há incapacidade laboral. Por fim, aduziu que o perito judicial, quanto à moléstia cardíaca, limitou-se a afirmar que "não pode afirmar sobre o quadro cardiológico da autora" (
).Sem contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
1. Admissibilidade
Juízo de admissibilidade
O apelo preenche os requisitos legais de admissibilidade.
2. Mérito
Auxílio-doença e Aposentadoria por invalidez
São quatro os requisitos para a concessão de benefícios por incapacidade: (a) qualidade de segurado do requerente (artigo 15 da LBPS); (b) cumprimento da carência de 12 contribuições mensais prevista no artigo 25, I, da Lei 8.213/91 e art. 24, parágrafo único, da LBPS; (c) existência de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência; e (d) caráter permanente da incapacidade (para o caso da aposentadoria por invalidez) ou temporário (para o caso do auxílio-doença).
Trata-se de segurada que conta com 54 anos de idade, e que possui como atividade habitual a agricultura. Anteriormente ao benefício controvertido nos autos, a parte autora recebeu benefício por incapacidade temporária entre 01/08/2017 e 20/07/2018 (
).Foi realizada perícia médica judicial em 09/03/2020, com especialista em perícias médicas, na área de ortopedia, tendo o expert apresentado a seguinte conclusão (
):Perícia de Ivanir de Lima de Ramos, ela tem 50 anos de idade, é agricultora, tem histórico de uma cirurgia cardíaca em 24/01/201, no qual foi feita uma troca valvular, foi realizado uma prótese macânica, uma válvula mecânica a nível do caração; atualmente ela apresenta queixa de dor a nível de ombros e dor lombar, principalmente a direita. Ao exame físico apresentou teste de Lasègue foi negativo, a força e os reflexos em membros inferiores estavam preservados, a ADM das articulações de membros inferiores estavam preservadas, a ADM das articuclações de membros superiores também estavam preservadas; a nível de ombros teste de Jobe foi negativo, o teste de Impacto e teste de Apley também foi negativo; apresenta uma cicatriz da cirurgia cardíaca a nível do esterno. De exames de imagens apresentou uma tomografia lombar de 12/05/2019 no qual tem pequeno abaulamento discal a nível de coluna lombar, com leve alteração degenerativa, sem sinais de compressão radicular; ultrassom dos ombros de 22/01/2020 apresenta uma tendinose subescapular a nível do ombro direito e uma tendinose também a nível de manguito rotador no ombro esquerdo. Do ponto de vista ortopédico, as patologias ortopédicas apresentadas pela autora não comprovaram incapacidade.
Questionado pelo procurador em relação aos achados clínicos, aliado ao fato de ser a autora agricultora e ter realizado cirurgia do coração e se, em razão disso, teria condições de exercer atividades normais na agricultora, respondeu o expert que não houve uma análise da parte cardíaca, vez que sua área de atuação é ortopedia, limitando a sua avaliação aos aspectos ortopédicos.
A sentença recorrida consignou essa particularidade (
):Questionado pelo procurador se os achados clínicos, aliado ao fato de ser a autora agricultora e ter realizado cirurgia do coração, a autora teria condições de exercer atividades normais na agricultora, o perito informou que não fez uma avaliação cardiológica, e também não viu nenhum, atestado de cardiologista atual que dissesse que a autora está incapacitada, mas não seria a avaliação, que nesse momento é de ponto de vista ortopédico; do ponto de vista ortopédico a ressonância magnética de 2014 é desatualizada, e a ressonância de 2019 diz que não há compressão radicular e o exame físico também não dá sinais de radiculoppatia, então ela tem uma queixa de dor lombar, ela tem uma tendinose a nível de ombros, mas do ponto de vista ortopédico as patologias ortopédicas não são incapacitantes.
Questionado se sugeriria uma avaliação com profissional especialista em cardiologista, o perito disse que não poderia indicar, que dependeria das queixas da autora, mas na anmnese não vejo a necessidade de encaminhar.
O perito expressamente informou que não fez uma avaliação cardiológica, mas, apesar disso, indica ter realizado anamnese que não teria apontado indícios de moléstia cardíaca incapacitante, o que inclusive afastaria a necessidade de encaminhamento a médico cardiologista.
Apesar do que foi referido pelo perito, o exame dos autos do processo revela que a parte autora "fez cirurgia de troca valvar aórtica por prótese metálica", além de se encontrar, do ponto de vista cardíaco, "em classe funcional II (2) da NYHA", conforme atestado médico de 14/02/2019 (
). Há, além disso, detecção de "índice cardiotorácico aumentado" em exames realizados em 23/01/2018, 28/01/2018 e em 01/02/2018 ( )Assim, além das moléstias de natureza ortopédica, que, embora estejam comprovadas nos autos (
e ), não conduzem a um quadro de incapacidade laboral ( ), verifica-se que a parte autora também é portadora de moléstias cardíacas.O benefício controvertido nos autos foi requerido na via administrativa em 28/05/2019 (NB 628.157.787-0) -
. O atestado médico que refere doença cardíaca, a seu turno, data de 14/02/2019 ( ). Logo, o atestado médico é contemporâneo ao requerimento administrativo, o que recomendaria a avaliação do estado cardíaco da parte autora como forma de verificar se a doença é, ou não, incapacitante.Além disso, a doença cardíaca foi reportada ao INSS no mínimo desde 16/08/2017 (NB 619.560.247-0) e o mesmo quadro clínico foi reiterado em subsequentes avaliações periciais na via administrativa: 05/03/2018 (NB 619.560.247-0), 17/07/2018 (NB 619.560.247-0) e 18/06/2019 (NB 628.157.787-0) -
. O perito, mesmo diante do cenário apontando a preexistência de doença cardíaca, expressamente informou que não realizou uma avaliação cardíaca.Verifica-se, ainda, que o atestado médico referente à doença cardíaca (
), embora não faça menção específica à existência de incapacidade, aponta que a doença detectada se enquadra no nível II da NYHA (New York Heart Association).Conforme a Portaria Conjunta nº 17, de 18/11/2020, do Ministério da Saúde, em ato administrativo da Secretaria de Atenção Especializada à Saúde e da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, o nível II atribuído à parte autora consiste no seguinte quadro clínico: "Discreta limitação para realização de atividade física. Atividades habituais causam dispneia, cansaço, palpitações".
Como a autora é agricultora (o que é admitido pelo INSS -
), os esforços físicos inerentes à sua atividade podem, em tese, conduzir a um quadro incapacitante. Para que se possa ter considerável margem de certeza a esse respeito, é no mínimo recomendável a realização de perícia com especialista em cardiologia, como forma de verificar de modo mais acurado e específico se a doença é, ou não, incapacitante, principalmente diante do fato informado pelo perito de que "não fez uma avaliação cardiológica" ( ).No caso em exame, o laudo pericial revelou-se suficiente para a avaliação da doença ortopédica; todavia, é insuficiente para a análise da doença cardíaca. Não é, portanto, caso de nulidade da perícia já realizada, que adequadamente examinou a alegação de doença ortopédica da parte autora e concluiu pela ausência de incapacidade, mas sim de nulidade da sentença, para que seja reaberta a instrução processual e realizada nova perícia, por médico especialista (ou por perito habilitado para essa análise clínica), a fim de esclarecer com pormenores a eventual incapacidade decorrente de doença cardíaca.
Assim, diante das características da doença cardíaca e, principalmente, como forma de verificar se ela gera efetiva limitação laboral à parte autora, revela-se indispensável a realização de nova perícia por médico especialista em cardiologia ou, não havendo essa especialidade pericial junto ao Juízo de origem, per perito habilitado para essa análise médica.
No sentido do exposto, o entendimento desta Corte:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. NULIDADE DA PERÍCIA. NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE PERÍCIA POR ESPECIALISTA. ANULAÇÃO DA SENTENÇA.
1. O entendimento deste Tribunal é pacífico no sentido de que, mesmo que o perito nomeado pelo Juízo não seja expert na área específica de diagnóstico e tratamento da doença em discussão, não há qualquer nulidade da prova, já que se trata de profissional médico e, portanto, com formação adequada à apreciação do caso e, caso entenda não ter condições para avaliar alguma questão específica, deverá indicar avaliação por médico especialista.
2. A realização de nova perícia somente é cabível quando a matéria não parecer ao juiz suficientemente esclarecida, a teor do disposto no art. 480, caput, do CPC.
3. Quando o conjunto probatório indica que o laudo não restou conclusivo acerca das demais moléstias apontadas na inicial como causas da alegada incapacidade, mostra-se necessária a realização de nova perícia por médico especialista.
4. Sentença anulada.
(TRF4, AC 5000800-90.2022.4.04.7123, QUINTA TURMA, Relator ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL, juntado aos autos em 26/07/2023)
Por conseguinte, deve ser anulada a sentença e reaberta a instrução processual, a fim de que seja realizada perícia para avaliar se a doença cardíaca que acomete a parte autora é, ou não, incapacitante para o trabalho.
Conclusão
Anulada a sentença de improcedência, a fim de que seja realizada nova perícia médica para verificar a alegação de incapacidade laboral de natureza cardíaca.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação da parte autora para anular a sentença e determinar a realização de nova perícia médica.
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Apelação Cível Nº 5023218-95.2020.4.04.9999/SC
RELATORA: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
APELANTE: IVANIR DE LIMA DE RAMOS
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. PERÍCIA COM MÉDICO ESPECIALISTA. NECESSIDADE. ANULAÇÃO DA SENTENÇA.
1. Além das moléstias de natureza ortopédica, que, embora estejam comprovadas nos autos, não conduzem a um quadro de incapacidade laboral, verifica-se que a parte autora também é portadora de moléstias cardíacas.
2. O perito, mesmo diante do cenário apontando a preexistência de doença cardíaca, expressamente informou que não realizou uma avaliação cardíaca.
3. O laudo pericial revelou-se suficiente para a avaliação da doença ortopédica; todavia, é insuficiente para a análise da doença cardíaca. Não é, portanto, caso de nulidade da perícia já realizada, que adequadamente examinou a alegação de doença ortopédica da parte autora e concluiu pela ausência de incapacidade, mas sim de nulidade da sentença, para que seja reaberta a instrução processual e realizada nova perícia, por médico especialista (ou por perito habilitado para essa análise clínica), a fim de esclarecer com pormenores a eventual incapacidade decorrente de doença cardíaca.
4. Quando o conjunto probatório indica que o laudo não restou conclusivo acerca das demais moléstias apontadas na inicial como causas da alegada incapacidade, mostra-se necessária a realização de nova perícia por médico especialista.
5. Sentença anulada.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação da parte autora para anular a sentença e determinar a realização de nova perícia médica, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 10 de abril de 2024.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 03/04/2024 A 10/04/2024
Apelação Cível Nº 5023218-95.2020.4.04.9999/SC
RELATORA: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
PRESIDENTE: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
PROCURADOR(A): JANUÁRIO PALUDO
APELANTE: IVANIR DE LIMA DE RAMOS
ADVOGADO(A): ADEMAR JOSE OSOKOSKI (OAB SC046969)
ADVOGADO(A): HELENA SELIVAN (OAB SC024030)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 03/04/2024, às 00:00, a 10/04/2024, às 16:00, na sequência 549, disponibilizada no DE de 20/03/2024.
Certifico que a 11ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 11ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PARA ANULAR A SENTENÇA E DETERMINAR A REALIZAÇÃO DE NOVA PERÍCIA MÉDICA.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
Votante: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
Votante: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
Votante: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
LIGIA FUHRMANN GONCALVES DE OLIVEIRA
Secretária
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