Apelação Cível Nº 5006496-83.2020.4.04.9999/SC
RELATORA: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
APELANTE: NELSON CASSOL
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
NELSON CASSOL ajuizou ação ordinária em 19/09/2017, objetivando o restabelecimento de benefício por incapacidade desde a cessação, ocorrida em 28/04/2017 (NB 546.592.274-1). Referiu que a sua incapacidade decorre de moléstia ortopédica e oncológica.
Sobreveio sentença de procedência, concedendo à parte autora o benefício de auxílio-acidente (
).Os embargos de declaração interpostos pela parte autora (
) restaram acolhidos ( ), para o fim de "CONCEDER a antecipação dos efeitos da tutela para determinar a implantação do benefício previdenciário de auxílio-acidente em favor de Nelson Cassol, no prazo de 20 (vinte) dias, a contar da intimação, sob pena da multa diária de R$ 100,00 (cemreais), limitada a R$ 100.000,00 (cem mil reais)".Ambas as partes apelaram.
A parte autora, em razões de apelação, sustentou ter direito ao benefício postulado, pois evidenciada a incapacidade laboral. Também questionou a execução invertida determinada pela sentença: "devem ser oportunizadas ambas as partes, inclusive a parte autora, quando do retorno dos autos da segunda instância, a apresentação dos cálculos da condenação e não somente a intimação do INSS para apresentar, de forma que a execução é uma faculdade e um direito da parte executar as parcelas devidas" (
).O INSS, nas razões de seu apelo (
), postulou a reforma da sentença, sob o argumento de que o auxílio-acidente não poderia ter sido concedido já que não houve acidente pretérito a justificar a sua concessão.Sem contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
1. Admissibilidade
Juízo de admissibilidade
O(s) apelo(s) preenche(m) os requisitos legais de admissibilidade.
2. Mérito
Laudo pericial juntado aos autos após a sentença
Há, no caso dos autos, uma particularidade que reclama análise.
Proferida a sentença de concessão do benefício de auxílio-acidente em 10/05/2019 (
), e após o acolhimento, em 10/10/2019, dos embargos declaratórios interpostos pela parte autora, para o fim de assegurar-lhe a implantação do benefício concedido ( ), foi juntado aos autos, em 11/06/2019, novo laudo pericial, referente à perícia ocorrida em 16/04/2019 ( ).Verifica-se, portanto, que novo laudo pericial foi juntado aos autos do processo posteriormente à sentença, mas antes do provimento judicial que examinou os embargos declaratórios interpostos pela parte autora.
O laudo, produzido pelo perito médico Tabajara Cordeiro Vidal, destinou-se a examinar a alegada incapacidade de ordem oncológica ("diante da complexidade da doença que acomete a parte autora, é imprescindível a realização de perícia na área de oncologia. Nomeio para tanto, o perito judicial Dr. Marco Antonio Scirea Teressoli (oncologista)" -
) e, portanto, ainda que possa divergir em suas conclusões do laudo pericial apresentado pelo perito Marco Antônio Scirea Tesseroli em 09/01/2019 e juntado aos autos em 06/03/2019 ( ), destinou-se a examinar quadro clínico próprio. Em síntese: as perícias realizadas deveriam examinar, cada qual, situação médica específica, o que possibilitaria, em tese, a concomitância de diferentes entendimentos periciais.A sentença, é certo, não examinou o laudo produzido pelo perito Tabajara Cordeiro Vidal (
), pela simples razão de que ele foi juntado aos autos após o provimento judicial (mesmo que anteriormente à apreciação dos declaratórios). Todavia, do aludido laudo depreende-se que não houve detecção de incapacidade laboral.Ainda que assim não se considere - e mesmo que o segundo laudo pericial tenha sido juntado aos autos após a sentença já ter sido proferida - consabido é "a segunda perícia não substitui a primeira, cabendo ao juiz apreciar o valor de uma e de outra" (art. 480, § 3º, CPC). Logo, o juiz não estaria obrigado a adotar o entendimento da segunda perícia ou a fundamentar a sua decisão a partir do novo laudo médico.
De observar, ainda, nos termos do artigo 434 do Código de Processo Civil [Incumbe à parte instruir a petição inicial ou a contestação com os documentos destinados a provar suas alegações], que incumbe ao autor instruir a petição inicial - e ao réu, em sua contestação - com os documentos destinados a provar suas alegações. Proferida a sentença, está encerrada a fase instrutória ordinária do processo de conhecimento, conforme o art. 494 do Código de Processo Civil [Publicada a sentença, o juiz só poderá alterá-la: I - para corrigir-lhe, de ofício ou a requerimento da parte, inexatidões materiais ou erros de cálculo; II - por meio de embargos de declaração].
Por essa razão, a juntada - e a apreciação - de documentos na fase recursal, incluindo laudo pericial juntado tardiamente aos autos,é cabível apenas excepcionalmente: (1) no caso de equívocos verificados na sentença ou (2) diante de fatos novos supervenientes à sua prolação, conforme o art. 493 do Código de Processo Civil [Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento do mérito, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a decisão. Parágrafo único. Se constatar de ofício o fato novo, o juiz ouvirá as partes sobre ele antes de decidir], situações não verificadas na hipótese dos autos.
Conforme já decidiu esta Corte, "documentos novos admissíveis são aqueles cronologicamente novos ou que se tornaram conhecidos ou disponíveis após a prolação da sentença (artigo 435, caput e parágrafo único do Código de Processo Civil)" (TRF4, AC 5010385-15.2016.4.04.7112, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, Relator VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS, juntado aos autos em 22/11/2023). Trata-se precisamente do caso dos autos, em que um dos laudo pericial - ainda que não pudesse ser apresentado pelas partes, já que se tratou de prova cuja produção foi determinada pelo juiz - somente foi juntado aos autos após a sentença. Ou seja, o laudo juntado tardiamente nos autos somente se tornou conhecido das partes após a prolação da sentença.
Deve-se ponderar, por fim, que apesar dessa situação detectada nos autos, não houve qualquer menção - seja no apelo do INSS (
) seja naquele interposto pela parte autora ( ) - acerca da juntada tardia do laudo pericial e do silêncio da sentença quanto ao seu teor.Não é o caso, portanto, de reconhecer divergência entre laudos periciais, hipótese em que deveria prevalecer o laudo elaborado por médico especialista (TRF4, AC 5010306-66.2020.4.04.9999, DÉCIMA TURMA, Relator LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, juntado aos autos em 29/10/2020), já que o segundo laudo foi juntado aos autos após a prolação da sentença e, portanto, por ela não foi examinado, além de ter a sua produção destinada, mesmo que isso não se verifique no teor do próprio laudo, a examinar situação clínica específica (incapacidade de ordem oncológica).
Em razão do exposto, e como forma de circunscrever os limites da apreciação recursal, tomar-se-á em conta unicamente o entendimento pericial contido no laudo apresentado pelo perito Marco Antônio Scirea Tesseroli em 09/01/2019 e juntado aos autos em 06/03/2019 (
).Auxílio-doença e Aposentadoria por invalidez
São quatro os requisitos para a concessão de benefícios por incapacidade: (a) qualidade de segurado do requerente (artigo 15 da LBPS); (b) cumprimento da carência de 12 contribuições mensais prevista no artigo 25, I, da Lei 8.213/91 e art. 24, parágrafo único, da LBPS; (c) existência de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência; e (d) caráter permanente da incapacidade (para o caso da aposentadoria por invalidez) ou temporário (para o caso do auxílio-doença).
A concessão do auxílio-acidente, por sua vez, previsto no art. 86 da LBPS [Art. 86 - O auxílio-acidente será concedido, como indenização, ao segurado quando, após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultar sequelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia] requer a satisfação de quatro requisitos: (a) qualidade de segurado; (b) a superveniência de acidente de qualquer natureza; (c) a redução parcial da capacidade para o trabalho habitual, e (d) o nexo causal entre o acidente e a redução da capacidade.
Caso Concreto
Trata-se de segurado que conta com 57 anos de idade (nascido em 20/08/1966) e que, segundo o laudo pericial, "trabalhava em câmaras frias de frigorífico carregando cargas" (
). A parte autora recebeu dois benefícios por incapacidade: (1) NB 122.113.792-9, entre 16/12/2001 e 31/12/2008 e (2) NB 546.592.274-1, entre 04/03/2011 e 28/04/2017 ( ).A sentença examinou a questão nos seguintes termos, para concluir pela concessão do benefício de auxílio-acidente (
):Na espécie, questionado se o autor possui alguma doença, o perito respondeu afirmativamente, indicando a CID M54.2 (fl. 171), e referiu, em resposta ao quesito IV de fl. 108 ("Esta doença é causa de incapacidade laborativa, total ou parcial, permanente ou temporária, considerando a atividade/profissão atual desempenhada pela parte autora?") o que segue:
Os exames mostram alterações significativas que indicam que o paciente não deve exercer atividades que gerem sobrecarga na coluna. Porém, não se pode considerar que esteja totalmente incapacitado para o trabalho, podendo exercer diversas atividades compatíveis com seu nível de escolaridade. Essa incapacidade laborativa é parcial e permanente [...] (fls. 171/172) (sublinhei)
Tendo a sentença se alicerçado no laudo pericial, dele extraio a conclusão de que a parte autora "não deve exercer atividades que gerem sobrecarga na coluna". Apesar disso, o expert igualmente refere que "não se pode considerar que esteja totalmente incapacitado para o trabalho, podendo exercer diversas atividades compatíveis com seu nível de escolaridade" (
e ).Há, segundo o perito, "possibilidade de melhora dos sintomas por meio de cirurgia, ou mesmo de tratamento conservador, porém isso não resolveria completamente a limitação laboral do periciado". Para o expert, sequer é possível precisar - mesmo com a realização de cirurgia ou de eventual tratamento - algum prazo para recuperação: "o tratamento conservador (medicação, fisioterapia) pode durar meses. A cirurgia exigiria provavelmente um afastamento do trabalho por ao menos 6 meses" (
). Há, portanto, segundo entendimento pericial, incapacidade laboral, com início provável em 2011, momento em que "já havia limitação".O laudo acena, como se percebe, com a incapacidade da parte autora - sem notícia de que tenha ela decorrido de algum acidente de qualquer natureza - havendo, além disso, indicação de possibilidade de melhora dos sintomas, o que, contudo, não reverteria o quadro de incapacidade laboral. Mesmo essa perspectiva é condicionada, pelo perito, ou à realização de cirurgia ou adoção de tratamento conservador, sem que, em contrapartida, seja possível estimar, mesmo aproximadamente, algum prazo de melhora.
Em relação especificamente à cirurgia, não se trata de providência obrigatória, conforme entendimento desta Corte:
[...]
Entretanto, da análise do laudo, verifica-se que a recuperação da capacidade da parte autora depende da realização de procedimento cirúrgico.
Saliente-se que o art. 101 da Lei 8.213/91 estabelece que o segurado em gozo de auxílio por incapacidade temporária não está obrigado a submeter-se a tratamento cirúrgico, não se podendo, assim, fixar um prazo de cessação do benefício ante a impossibilidade de prognóstico seguro acerca da total reabilitação do segurado para o exercício de suas atividades. Tampouco é possível condicionar a cessação ao procedimento invasivo.
Outrossim, em que pese a conclusão do laudo pela incapacidade laborativa temporária, dependendo a recuperação da capacidade de procedimento cirúrgico é possível reconhecer como definitivo o impedimento do segurado para o exercício para todas as atividades laborais.
Nesse sentido, precedentes desta Corte:
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA/APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. REQUISITOS. INDICAÇÃO CIRÚRGICA. INEXIGÊNCIA DE SUA REALIZAÇÃO. INCAPACIDADE DEFINITIVA. ADICIONAL DE 25%. DANOS MORAIS. INOCORRÊNCIA. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. DESCABIMENTO. TUTELA ESPECÍFICA. (...) 2. Diante do quadro clínico, da natureza da moléstia, das condições pessoais da parte autora e ante a não obrigatoriedade da realização de cirurgia para a correção de enfermidade, justifica-se a conclusão pela concessão de aposentadoria por invalidez. 3. Embora o laudo tenha destacado a possibilidade de cura do requerente mediante intervenção cirúrgica, não está a parte autora obrigada à sua realização, conforme consta no art. 101, caput, da Lei 8.213/91 e no art. 15 do Código Civil Brasileiro. (...)(TRF4, AC 5001344-34.2020.4.04.7031, DÉCIMA TURMA, Relator LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, juntado aos autos em 03/08/2022)
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. AUXÍLIO-DOENÇA/APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. LAUDO PERICIAL. NECESSIDADE DE CIRURGIA. INCAPACIDADE TOTAL E PERMANENTE. TERMO INICIAL. (...) 4. O segurado não está obrigado a se submeter a intervenção cirúrgica, ainda que indicada em laudo pericial como meio de debelar a patologia diagnosticada (art. 101 da Lei n. 8.213 e art. 15 do Código Civil). 5. Embora o laudo pericial aponte a natureza temporária da incapacidade, deve ser reconhecido o seu caráter permanente quando a recuperação depende da realização de procedimento cirúrgico. 6. Comprovada a incapacidade permanente para o tipo de atividade exercida habitualmente, é o caso de conversão do auxílio-doença em aposentadoria por invalidez a partir da data do laudo pericial. Precedentes do Tribunal. (TRF4, AC 5017695-68.2021.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 11/05/2022)
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. PROVA PERICIAL. CONDIÇÕES PESSOAIS. TERMO INICIAL. (...) 2. Devida a concessão da aposentadoria por invalidez quando os elementos dos autos, como a apontada necessidade de cirurgia, aliados à condições pessoais do autor (idade, experiência profissional restrita e baixo nível sócio-cultural) são indicativos da definitividade do quadro incapacitante. 3. Benefício devido a partir da data em que constatada, pelo perito, a necessidade de realização de cirurgia. (TRF4, AC 5007273-05.2020.4.04.7110, SEXTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 08/04/2022)
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIOS POR INCAPACIDADE. REQUISITOS. CIRURGIA. OBRIGATORIEDADE. DESCABIMENTO. (...) 3. Caso em que, demonstrado o preenchimento dos requisitos, é devida a concessão do benefício de auxílio-doença desde a data da cessação indevida e a sua conversão em aposentadoria por invalidez, a partir da data do laudo que reconheceu a incapacidade e a recuperação do beneficiário somente perante a realização de procedimento cirúrgico, ao qual ninguém está obrigado a realizar. (TRF4, AC 5066466-78.2020.4.04.7100, QUINTA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, juntado aos autos em 05/04/2022)
PREVIDENCIÁRIO. INCAPACIDADE COMPROVADA. AUXÍLIO-DOENÇA RESTABELECIDO. CONVERSÃO EM APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. Comprovada, do conjunto probatório, a existência de incapacidade desde a cessação do auxílio-doença, deve ser restabelecido o benefício e convertido em aposentadoria por invalidez a partir do laudo pericial, quando constatada a necessidade de cirurgia, aliado, ainda, às condições pessoais da segurada, como idade avançada e experiência profissional restrita. (TRF4, AC 5000837-30.2019.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 08/10/2020)
Além da necessidade de procedimento cirúrgico, verifica-se as condições pessoais da parte autora como sua idade 52 anos idade, com 4ª série do ensino fundamental, atividade predominantemente braçal (costureira) e as doenças de cunho ortopédico, o que leva ao entendimento do caráter definitivo da sua incapacidade.
Registre-se que acaso recuperada a capacidade de trabalho da parte aposentada por incapacidade, o benefício pode ser cessado, conforme dispõe o art. 47 da Lei 8.213/91.
[...]
(TRF4, AC 5016272-82.2022.4.04.7107, QUINTA TURMA, Relator ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL, juntado aos autos em 08/12/2023)
Considerando, segundo a perícia, que eventual cirurgia (que não se trata de procedimento obrigatório à parte autora, como visto) exigiria um afastamento do trabalho por ao menos 6 meses (
), possíveis tratamentos conservadores certamente demandariam prazo ainda maior para a obtenção de algum resultado. Mesmo assim, o perito faz a ressalva de que também "isso não resolveria completamente a limitação laboral do periciado" ( ).Havendo incapacidade, reconhecida no laudo pericial, devem ser igualmente consideradas as condições pessoais da parte autora: "Quanto às condições pessoais da parte autora, devem ser levadas em conta como critérios adicionais para a verificação do direito ao recebimento do benefício" (TRF4, AC 5009322-48.2021.4.04.9999, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, Relator ANA CRISTINA FERRO BLASI, juntado aos autos em 20/11/2023).
O autor conta com 57 anos de idade e estudou até a 5ª série do ensino fundamental (
). Suas atividades laborais ocorreram de modo preponderantemente braçal, exigindo, portanto, esforço físico e não há qualquer indicação de que tenha realizado trabalhos de outra natureza (técnicos, intelectuais, artesanais etc) - . Diante desses fatores, é improvável que outra colocação profissional, diferente daquela usualmente realizada, possa ser realizada.Logo, diante das condições pessoais desfavoráveis da parte autora, não antevejo a possibilidade de reabiltação profissional que garanta à parte autora a recolocação no mercado de trabalho em função que não exija algum esforço físico, o que é incompatível com o estado clínico da parte autora.
Convém referir, igualmente, que o laudo pericial alicerçou-se tanto na avaliação física da parte autora como na análise da totalidade dos documentos e exames médicos apresentados pela parte autora, especialmente em ressonâncias magnéticas (
). A análise pericial confirma o que a prova documental, acostada junto à petição inicial, havia sugerido: a existência de quadro de incapacidade laboral, inclusive corroborando que se trata de situação anterior à perícia judicial (que fixou a DII em 2011), conforme ressonância magnética da coluna cervical de 2011 ( ).Assim, tenho que as restrições impostas à parte autora em razão da doença que a acomete são impeditivas ao desempenho de sua atividade laborativa, porquanto é improvável que tenha condições de realizar algum trabalho que não demande esforços físicos em sua execução. Do mesmo modo, impedem - diante das condições pessoais do segurado - nova colocação profissional. Evidenciada, a partir disso, a incapacidade laborativa.
Cabível, portanto, a concessão do benefício por incapacidade definitiva (aposentadoria por invalidez).
Por via reflexa, são improcedentes as razões apresentadas pelo INSS em seu apelo, já que não se trata apenas de dizer que é indevido o benefício de auxílio-acidente, mas de reformar a sentença para reconhecer que, ao invés do aludido benefício, faz-se devida a concessão de aposentadoria por invalidez (benefício por incapacidade permanente), como postulou a parte autora em seu recurso.
Execução invertida
Em seu apelo, a parte autora igualmente buscou a modificação da sentença que determinou "que o INSS apresente o cálculo do montante da condenação, dentro do prazo de 30 (trinta) dias" (
):[...] Ao final da sentença a magistrada determinou o procedimento de execução invertida, devendo, assim a autarquia previdenciária ser intimada no prazo de quinze dias, para implementar o benefício concedido em favor da parte autora, bem como para apresentar memória de cálculo atualizada e discriminada de cálculos devidos se for o caso, tudo conforme o artigo 1°, inciso II item 2 da portaria n. 048/2015, da comarca de ponte serrada.
Contudo, após o trânsito em julgado, não é esse o procedimento que dever ser adotado pela secretaria da Vara única da comarca de Ponte Serrada.
Ao contrário devem ser oportunizadas ambas as partes, inclusive a parte autora, quando do retorno dos autos da segunda instância, a apresentação dos cálculos da condenação e não somente a intimação do INSS para apresentar, de forma que a execução é uma faculdade e um direito da parte executar as parcelas devidas. [...]
A obrigação imposta na sentença vai de encontro à jurisprudência do TRF4, segundo a qual a apresentação dos cálculos de liquidação é ônus do credor e faculdade do devedor, que poderá fazê-lo somente se assim desejar:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. REQUISITOS. INÍCIO DE PROVA MATERIAL COMPLEMENTADA POR PROVA TESTEMUNHAL. CÔNJUGE SEGURADO URBANO. PROVA MATERIAL EM NOME PRÓPRIO. MULTA COMINADA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. CÁLCULOS DE LIQUIDAÇÃO DO JULGADO. FACULDADE DO DEVEDOR. ÔNUS DO CREDOR. (...) 6. No cumprimento de sentença movido contra a Fazenda Pública, compete ao juízo oportunizar ao devedor que, caso assim deseje, junte aos autos os cálculos de liquidação do julgado, com os quais o credor poderá, ou não, concordar. Assim procedendo, o devedor demonstra boa fé processual e caracteriza a hipótese da chamada "execução invertida", com todas as decorrências legais de sua adoção, dentre elas o afastamento da condenação em novos honorários, relativos à fase de cumprimento do julgado, na hipótese de pagamento mediante a expedição de Requisição de Pequeno Valor - RPV. 7. Entretanto, o ônus da apresentação dos cálculos de liquidação do julgado compete, legalmente, à parte credora. Apelação do INSS provida quanto ao ponto. (TRF4, AC 5011788-15.2021.4.04.9999, NONA TURMA, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 20/04/2023)
ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. EXECUÇÃO INVERTIDA. FACULDADE. 1. No Código de Processo Civil de 2015, vigente desde 18 de março de 2016, a execução de obrigação de pagar quantia certa decorrente de título judicial pela Fazenda Pública se dá pelo cumprimento de sentença, e está elencada no art. 534 e seguintes. 2. Nos termos do dispositivo acima referido, é ônus da parte exequente a apresentação dos cálculos exequendos. A disposição legal prevista no art. 509, § 2º, do CPC autoriza ao executado a apresentação dos cálculos que entende devidos, mas não o obriga. Trata-se de faculdade, e não de obrigação de apresentação dos cálculos, ônus que pertence ao devedor. 3. Cabe ressaltar que, embora o executado não seja obrigado a apresentar os cálculos de liquidação, o mesmo não se encontra desobrigado a apresentar os elementos de cálculo que estejam sob o seu domínio, caso lhe seja determinado pelo juízo da execução, conforme expressa disposição legal contida nos parágrafos 3º e 4º do artigo 524 do NCPC. (TRF4, AG 5032796-38.2022.4.04.0000, DÉCIMA SEGUNDA TURMA, Relator LUIZ ANTONIO BONAT, juntado aos autos em 09/03/2023)
Deve ser provido o apelo quanto a este tópico, para afastar a obrigatoriedade da apresentação dos cálculos, imposta ao INSS pela sentença.
Ônus da sucumbência
Em face da inversão da sucumbência, o INSS deverá arcar com o pagamento dos honorários advocatícios no patamar mínimo de cada uma das faixas de valor, considerando as variáveis dos incisos I a IV do §2º e §3º do artigo 85 do CPC/2015, incidente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença ou do acórdão (Súmulas 111 do Superior Tribunal de Justiça e 76 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região).
Caso o valor da condenação/atualizado da causa apurado em liquidação do julgado venha a superar o valor de 200 salários mínimos previsto no §3º, inciso I, do artigo 85 do CPC/2015, o excedente deverá observar o percentual mínimo da faixa subsequente, assim sucessivamente, na forma do §§4º, inciso III e 5º do referido dispositivo legal.
Anoto que, nos casos de inversão da sucumbência, inaplicável a majoração recursal prevista no §11 do art. 85 do CPC, pois tal acréscimo só é permitido sobre verba anteriormente fixada, consoante definiu o STJ (AgInt no AREsp 829.107).
Honorários periciais
Honorários periciais a cargo da parte vencida. Caso a referida despesa processual tenha sido antecipada pela administração da Justiça Federal, seu pagamento deverá ser realizado mediante reembolso, nos termos do art. 32 da Resolução 305/2014, do Conselho da Justiça Federal.
Custas processuais
O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (artigo 4, inciso I, da Lei 9.289/1996).
Prequestionamento
Ficam prequestionados, para fins de acesso às instâncias recursais superiores, os dispositivos legais e constitucionais elencados pela parte autora cuja incidência restou superada pelas próprias razões de decidir.
Conclusão
Reformada a sentença para (1) conceder à parte autora a aposentadoria por invalidez, desde a data de cessação do benefício por incapacidade temporária (NB 546.592.274-1), ocorrida em 28/04/2017 e (2) afastar a obrigatoriedade da apresentação dos cálculos de cumprimento do julgado pelo INSS.
TABELA PARA CUMPRIMENTO PELA CEAB | |
---|---|
CUMPRIMENTO | Implantar Benefício |
NB | 5465922741 |
ESPÉCIE | Aposentadoria por Incapacidade Permanente |
ACRÉSCIMO DE 25% | Não |
DIB | 28/04/2017 |
DIP | Primeiro dia do mês da decisão que determinou a implantação/restabelecimento do benefício |
DCB | |
RMI | A apurar |
OBSERVAÇÕES |
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação da parte autora e negar provimento à apelação do INSS.
Documento eletrônico assinado por ANA CRISTINA FERRO BLASI, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004348919v33 e do código CRC a1e39c4e.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ANA CRISTINA FERRO BLASI
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Apelação Cível Nº 5006496-83.2020.4.04.9999/SC
RELATORA: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
APELANTE: NELSON CASSOL
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. documentos juntados autos após a sentença. excepcionalidade da apreciação judicial. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. AUXÍLIO-DOENÇA. AUXÍLIO-ACIDENTE. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE DEMONSTRADA. TRATAMENTO CIRÚRGICO. INEXIGIBILIDADE. CONDIÇÕES PESSOAIS DO SEGURADO DESFAVORÁVEIS.
1. A juntada e a apreciação de novos documentos na fase recursal, incluindo laudo pericial juntado tardiamente aos autos, é cabível apenas excepcionalmente: (1) no caso de equívocos verificados na sentença ou (2) diante de fatos novos supervenientes à sua prolação, situações não verificadas na hipótese dos autos.
2. O art. 101 da Lei 8.213/91 estabelece que o segurado em gozo de auxílio por incapacidade temporária não está obrigado a submeter-se a tratamento cirúrgico.
3. As condições pessoais da parte autora, devem ser levadas em conta como critérios adicionais para a verificação do direito ao recebimento do benefício.
4. Perícia conclusiva quanto à incapacidade do(a) segurado(a).
5. Hipótese em que as condições pessoais do(a) segurado(a) indicam a impossibilidade efetiva de reabilitação para atividade diversa daquela que habitualmente desempenha.
6. A obrigação imposta na sentença - de que o INSS apresente o cálculo do montante da condenação - vai de encontro à jurisprudência do TRF4, segundo a qual a apresentação dos cálculos de liquidação é ônus do credor e faculdade do devedor, que poderá fazê-lo somente se assim desejar.
7. Cabível a concessão do benefício por incapacidade definitiva (aposentadoria por invalidez).
8. Provido o apelo da parte autora. Desprovido o apelo do INSS.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação da parte autora e negar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 13 de março de 2024.
Documento eletrônico assinado por ANA CRISTINA FERRO BLASI, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004348920v5 e do código CRC a214a580.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ANA CRISTINA FERRO BLASI
Data e Hora: 18/3/2024, às 15:1:16
Conferência de autenticidade emitida em 27/03/2024 04:17:04.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 06/03/2024 A 13/03/2024
Apelação Cível Nº 5006496-83.2020.4.04.9999/SC
RELATORA: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
PRESIDENTE: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
PROCURADOR(A): MAURICIO PESSUTTO
APELANTE: NELSON CASSOL
ADVOGADO(A): CLAUDIOMIR GIARETTON (OAB SC013129)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 06/03/2024, às 00:00, a 13/03/2024, às 16:00, na sequência 647, disponibilizada no DE de 26/02/2024.
Certifico que a 11ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 11ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA E NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
Votante: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
Votante: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
Votante: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
LIGIA FUHRMANN GONCALVES DE OLIVEIRA
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 27/03/2024 04:17:04.