Apelação Cível Nº 5008695-60.2016.4.04.7108/RS
RELATORA: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
APELANTE: ALBERTO ALVES (AUTOR)
APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
RELATÓRIO
Trata-se de ação ajuizada por Alberto Alves em face da Caixa Econômica Federal - CEF objetivando a condenação da parte ré a efetuar obras de canalização de águas e esgotos oriundos dos imóveis de matrículas 75.981 e 76.092, ambos de propriedade da instituição financeira, em consonância com a servidão instituída no terreno de propriedade do autor, bem como a retirar os materiais depositados em seu terreno (filtros e fossas), concluir as obras de construção de muros de arrimo, a fim de evitar desmoronamentos em seu terreno e, ainda, a pagar indenização pelos prejuízos causados em face da não realização de obras e lucros cessantes verificados em face da impossibilidade de instalar um empreendimento no local.
A sentença de parcial procedência do pedido foi assim prolatada:
DISPOSITIVO
Face ao exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO para condenar a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL a efetuar a canalização das águas e esgotos no terreno de propriedade do autor no prazo máximo de seis meses a contar da intimação desta sentença, observados os limites da servidão instituída sobre o imóvel de matrícula nº 66.658 do Ofício de Registro de Imóveis de Novo Hamburgo/RS, sob pena de multa de diária, nos termos e nos limites da fundamentação.
Em face da necessidade de efetivação das obras de escoamento de águas e esgotos, problema central detectado na lide, condeno a parte ré ao pagamento da totalidade das custas processuais e dos honorários advocatícios ao procurador da parte autora, que fixo em 10% do valor atualizado da causa (IPCA-E).
Irresignados, recorrem autor e ré.
A CEF alega, em suma, que a sentença acaba por desvirtuar a própria servidão instituída, pois prejudica em demasia o prédio dominante e atende quase que totalmente o pleito do prédio serviente. Isso porque o antigo proprietário do prédio serviente consentiu com todas as medidas para passagem da rede de esgotos, de sorte que, agora, não é razoável que um novo proprietário conteste dessa forma a referida servidão. Quanto às astreintes, afirma a Caixa que depende das autorizações e leituras técnicas do Município, de modo que não é razoável fixar-se, de antemão, multa diária por descumprimento da decisão sem considerar esse contexto. Por fim, observa que a parte autora sucumbiu em parte significativa dos seus pedidos, razão pela qual a sentença deve ser reforma nesse ponto, devendo a parte autora arcar com a maioria da sucumbência.
A parte autora, a seu turno, alega, em sede preliminar, cerceamento de defesa, devendo ser decretada a nulidade da sentença e determinada a reabertura da instrução para a ampla produção probatória, inclusive com a viabilização de novo laudo pericial, a ser produzido por outro profissional da confiança do juízo. Requer, ainda preambularmente, a expedição de ofício ao Município de Novo Hamburgo/RS, determinando que aquele órgão encaminhe para os presentes autos cópias das plantas do imóvel lindeiro ou, então, que a própria CEF exiba tais documentos, sob pena de multa diária. Quanto à matéria de fundo, sustenta que devem ser acolhidos integralmente os pleitos formulados na exordial, especialmente para condenar que a CEF conclua as obras em conformidade em que foi licitada, com o deslocamento da servidão na divisa da esquerda, observando a metragem da servidão. Caso a CEF se recuse a fazer tais obras já licitadas, defende que a apelada deverá ser condenada a indenizar a integralidade do imóvel, inclusive os respectivos lucros cessantes, que deverão ser apurados em liquidação de sentença. Requer, ao fim, a majoração dos honorários advocatórios.
Com contrarrazões unicamente da parte autora.
É o relatório.
VOTO
Preliminarmente - cerceamento de defesa
A irresignação contida se deu quanto ao indeferimento da produção de novo laudo pericial.
De acordo com os arts. 370 e 371 do CPC/2015, o magistrado deve propiciar a produção das provas que considera necessárias à instrução do processo, de ofício ou a requerimento das partes, dispensando as diligências inúteis ou as que julgar desimportantes para o julgamento da lide, bem como apreciá-las, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório.
Assim, sendo o juiz o destinatário final da prova no processo, pode indeferir, fundamentadamente, aquelas que considerar desnecessárias para o deslinde do feito. Nesses termos:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AUXÍLIO-ACIDENTE. INDEFERIMENTO DE PROVA TESTEMUNHAL E DE NOVA PERÍCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. POSTULADO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL. SÚMULA 7 DO STJ. 1. O Plenário do STJ decidiu que "aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça" (Enunciado Administrativo n. 2). 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é assente no sentido de que o juiz é o destinatário da prova e pode, assim, indeferir, fundamentadamente, aquelas que considerar desnecessárias, a teor do princípio do livre convencimento motivado. 3. O julgado do Tribunal de origem decidiu a questão ventilada com base na realidade que se delineou à luz do suporte fático-probatório constante nos autos (laudo técnico-pericial), cuja revisão é inviável no âmbito do recurso especial, ante o óbice estampado na Súmula 7 do STJ. Precedentes. 4. Não se conhece de recurso especial cujas razões estejam dissociadas do fundamento do acórdão recorrido. Incidência da Súmula 284 do STF.
5. Caso em que o aresto impugnado reconheceu a presença de patologia inflamatória, sem nexo de causalidade com a atividade desenvolvida pelo segurado, que somente alegou fazer jus ao benefício acidentário, ainda que a disacusia seja assimétrica. 6. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp 342.927/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 09/08/2016, DJe 12/09/2016)
No que tange à prova técnica é de se reconhecer, efetivamente, que sua renovação é totalmente dispensável e inútil, eis que o laudo já produzido nos autos é absolutamente suficiente para o correto deslinde da demanda, não havendo que se cogitar de cerceamento de defesa se dita prova se revelaria, como dito, inútil, consoante dispõem os arts. 370, parágrafo único, e 443, I e II, do CPC.
Desta feita, não há que se falar em cerceamento de defesa, uma vez que não demonstrada a imprestabilidade da prova já produzida.
Da mesma sorte, deve ser indeferido o pedido de expedição de ofício à Prefeitura Municipal, para que sejam enviadas ao Juízo cópias das plantas do imóvel lindeiro, porquanto não se revela medida imprescindível ao julgamento do presente processo.
Mérito
Entendo que a sentença merece ser mantida, visto que deu adequada solução à lide, motivo pelo qual reproduzo a fundamentação, adotando-a como razões de decidir, verbis:
FUNDAMENTAÇÃO
Conforme posto na decisão do ev110, a dissonância entre os argumentos das partes passa, necessariamente, pelo esclarecimento dos limites das obras realizadas pela CEF no terreno de propriedade do autor. Vale dizer, se atentou aos limites da servidão de passagem que grava o terreno do autor.
Convergem as partes, todavia, que o terreno de propriedade do autor foi utilizado para a realização de obras de contenção, impondo-se verificar, apesar disso, se as obras foram realizadas, se houve algum prejuízo além daqueles previamente estimados na área de uso para as respectivas obras, já que a autorização do terreno para a realização de obras é fato incontroverso (evento20 - out2 - 465m2).
Se a autorização não era do conhecimento do autor - pois concedida pelo anterior proprietário do terreno - cabível, em face do anterior proprietário, o manejo de ação cabível, se assim entender viável o autor dono do imóvel, ora autor. Pelo mesmo motivo, e também em face da aludida autorização, descabido o pedido da CEF de rateio das obras, já que ela, a instituição financeira, foi quem assumiu a integralidade dos custos atinentes a obras de contenção e escoamento de águas e esgoto.
Não olvida este Juízo, por outro lado, o que explica tanto a inspeção judicial realizada como as inúmeras tentativas de conciliação e audiências realizadas para trazer elementos probatórios aos autos, a complexidade do tema e sua repercussão, não apenas em face do terreno de propriedade do autor como ao próprio meio ambiente e à adequada utilização do espaço urbano, valores constitucionalmente consagrados, já que a canalização de esgotos e a construção de muros de contenção prestam-se, cada qual a seu modo, a evitar desastres ambientais, proliferação de doenças decorrentes de depósito indevido de esgotos e a plena e adequada fruição do terreno pelo seu legítimo proprietário.
Tomando-se em conta a narrativa que a própria CEF, ré, apresenta, tem-se que a totalidade dos problemas descritos pelo autor decorreram da má execução do empreendimento Residencial Rondônia, especificamente quanto ao desmoronamento do talude, ou muro de arrimo, haver desmoronado, colocando em risco a estabilidade de todo o condomínio. O desmoronamento deu-se sobre o terreno do autor e sobre a rede de água e esgoto implantada através de servidão (ev20 - cont11).
Além disso, como fato igualmente incontroverso - já que alegado pelo autor e admitido pela CEF -, tem-se que não estão concluídas as obras da rede de esgoto que, nas palavras da ré, "precisam de nova solução técnica que viabilize sua implementação" (ev20 - cont11 - p.4). Está concluída, unicamente, a obra atinente ao talude divisório entre os terrenos, o que inclusive é indicado pelo perito (ev146), ao apontar que "aos fundos outro talude foi contido por muro de gravidade, que foi construído ocupando cerca de 370m2 deste terreno" (laudo1 - p.1). Isso afasta, no meu entendimento, a pretensão atinente à condenação da CEF para concluir as obras de construção de muros de arrimo, a fim de evitar desmoronamentos em seu terreno. Essa edificação já se encontra concluída.
Assim, plenamente cabível, ao menos até a conclusão das obras respectivas, e em face da autorização dada pelo proprietário do terreno à época (ev20 - out2), o uso do terreno para o depósito temporário de materiais destinados justamente a permitir a fruição da área pertencente ao próprio autor. Isso coloca por terra, a meu sentir, o pedido concernente à retirada dos materiais depositados em seu terreno (filtros e fossas), já que imprescindíveis à própria obra almejada pela parte autora.
Do que até então restou exposto, depreende-se, conforme admite a própria CEF, o que torna tal fato incontroverso, que ainda pendem de execução, em razão de vícios construtivos em imóvel sob sua responsabilidade (ev20 - cont1 - p.2), a canalização de águas e esgotos dos terrenos de matrículas 75.925 e 76.092 que escoam para o imóvel de matrícula nº 66.658, o que condiz com as imagens e vídeos que instruem o feito (ev1 - foto9 a foto39; ev23; ev24; ev36), bem com os depoimentos ouvidos por este Juízo (ev42).
Consequentemente, também cabe apreciar, por via reflexa do pedido de canalização de águas e esgotos, a responsabilidade da CEF pelo ocorrido e, consequentemente, a possibilidade de sua condenação a pagar indenização pelos prejuízos causados em face da não realização de obras destinadas a evitar descarga de águas e esgotos no terreno do autor, bem como pelos lucros cesantes verificados em face da impossibilidade de instalar um empreendimento no local (hotel/motel).
Portanto, duas são as pretensões condenatórias, em face do afastamento dos demais pleitos, que agora remanescem para apreciação judicial: (1) obras de canalização de águas e esgotos oriundos dos imóveis de matrícula 75.981 e 76.092, ambos de propriedade da instituição financeira, em consonância com a servidão instituída no terreno de propriedade do autor e (2) pagamento de indenização pelos prejuízos causados em face da não realização de obras destinadas a evitar descarga de águas e esgotos no terreno do autor, bem como pelos lucros cesantes verificados em face da impossibilidade de instalar um empreendimento no local (hotel/motel).
Em relação à canalização de águas e esgotos, tenho, a partir do que admitiu a própria CEF em sua contestação, que se trata de obra ainda pendente, conforme antes já expus. Assim, por se tratar de fato incontroverso e igualmente comprovado nos autos, inconcebível que o esgoto do empreendimento imobiliário da CEF continue a ser simplesmente despejado no terreno de propriedade do requerente.
Isso torna urgente, inclusive por razões de saúde pública e saneamento urbano, que a CEF proceda de modo IMEDIATO e em prazo aceitável (para tanto, creio que o prazo máximo de 06 - seis - meses a contar da intimação desta sentença, considerando que as obras aguardam conclusão desde de 2010, quando desmoronou o talude entre os terrenos - ev20, cont11, p.3 - revela-se adequado) à realização e conclusão das obras destinadas a dar correta destinaçãos às águas e esgotos produzidos no seu empreendimento imobiliário (imóveis de matrículas 75.981 e 76.092).
Trata-se de exigência que inclusive se alicerça na solicitação da própria CEF (ev20 - out2) para utilizar o terreno do autor a fim de executar as próprias de seu próprio interesse (da CEF), quais sejam, o talude entre os terrenos e o adequado escoamento de esgotos, sob pena de comprometer a própria segurança dos prédios habitacionais ali construídos, como a própria CEF admite em sua contestação (ev20 - cont11 - p.2), ao afirmar o risco à estabilidade de todo o condomínio.
Para a realização dessa obra de escoamento de águas e esgotos, sobre o imóvel do autor foi instituída uma servidão (ev1 - matrimóvel3), fixando em favor da CEF o uso de uma área de 34m2 do terreno do requerente (0,40m X 85,00m), destinada à passagem de tubulação de esgotos dos imóveis de matrículas 75.981 e 76.092, tendo o prédio serviente permitido o acesso à área em que se encontra para acesso de pessoas a fim de realizar obras de conservação.
Importante destacar, quanto à aludida servidão, que ela estabelece a área total a ser utilizada por sua instituição, mas NÃO diz em que parte do terreno (se na lateral direita, se na lateral esquerda ou se mesmo no centro da área do lote) ela poderá ser estabelecida para fins de passagem dos encanamentos. Essa servidão, outrossim, está registrada na matrícula do imóvel desde 16.11.2000, ou seja, anteriormente à aquisição do bem pelo autor, o que se deu somente em 05.07.2013 (ev1 - matrimóvel3), o que indica que o autor sabia, de antemão, a possibilidade de que o terreno adquirido fosse utilizado pela CEF para o encanamento de esgotos dos terrenos lindeiros.
A fim de esclarecer de que modo a instituição da servidão poderia ser melhor empregada, sem obstar a canalização dos esgotos e, ao mesmo tempo, sem gerar prejuízo desnecessário ao requerente, este Juízo determinou a realização de perícia, cujo laudo encontra-se no ev146.
Friso, em relação à servidão, que ela não pode ser instituída unicamente em favor do terreno lindeiro, dominante, pois se trata de gravame que incide, de regra, de modo perene, sobre área de terceiro.
Como a servidão determina, por sua própria natureza, a redução da plena fruição da propriedade do prédio serviente, a sua instituição não pode se dar em total prejuízo da área serviente, pois isso desnaturaria a própria propriedade da parte autora, admitindo que a servidão - que é um direito acessório - restasse caracterizada como um direito principal, ou seja, que independeria da própria existência ou preservação do uso do prédio dominante, o que seria um contrassenso diante da natureza do gravame e do correlato direito de propriedade que guarnece a parte autora.
De outro lado, como foi instituída sem localização específica, a servidão igualmente não pode ser imposta como bem deseja o prédio serviente, pois isso descaracterizaria a natureza da própria servidão, que implica a possibilidade de o prédio dominante valer-se da servidão também em seu próprio benefício. Por isso, aliás, é que ela foi instituída a título oneroso (ev1 - matrimóvel3 - p.2).
Em casos tais, quando a própria servidão não indica com precisão a área em que deve incidir e sendo inequívoca a necessidade de realização das obras de canalização das águas e esgotos provenientes do imóvel da CEF, tenho que a solução é que, pautada em um juízo de proporcionalidade em face da situação concreta, atende do melhor modo aos interesses do prédio dominante (garantindo a canalização dos esgotos) sem impor uma restrição excessiva ao prédio serviente (permitindo, pois, que apesar da servidão o uso de sua posse e propriedade sejam preservados ao máximo).
Especificamente sobre a temática (adequado uso da servidão e área onde poderia ser estabelecida), reporto-me - pois as considero corretas, inclusive porque as manifestações das partes a respeito não refutam as observações e apurações do perito - às conclusões do expert (ev146):
- A área do imóvel utilizada pela Caixa para obras de contenção é de aproximadamente 370m2 segundo o projeto de implantação do muro, ou seja, aquém da quantidade de 465m2.
- As metragens do terreno correspondem às que constam na matrícula, mas há uma diminuição de cerca de 370m2 aos fundos pois nesta área se assenta parte do muro que foi construído na divisa com o imóvel do condomínio PAR Rondônia. A área da matrícula é 1.800m2 e a área remanescente é de 1.430m2.
- Não há divergência técnica entre a servidão instituída e a existente no terreno do autor.
- A inadequação observada é que a área ocupada pela rede consolidada existente é cerca de 9m2 maior que a área instituída na matrícula do imóvel.
A servidão instituída sobre o bem, por sua vez, persistiu sendo objeto de controvérsia entre as partes, tendo a CEF sugerido três alternativas para o encanamento dos esgotos (ev106, pet1), delimitadas pelo perito (ev146):
i. rede próxima à lateral esquerda do imóvel do autor, sem a remoção do talude existente;
ii. rede próxima à lateral direita do terreno e
iii. rede contornando o traçado do terreno, com desenvolvimento na lateral direita.
O autor, por sua vez, sugere que a tubulação seja construída à esquerda de seu terreno, próxima à divisa com o imóvel lindeiro, "em linha reta, no alinhamento da divisa que tem os 85,00 metros ao sudeste, confrontando com imóvel que é ou foi de Walter da Silva..." (ev1 - inic1 - p.13).
A proposta do autor, todavia, revela-se inviável segundo o perito, em entendimento que igualmente compartilho, tanto pelos custos da obra proposta (que seria superior aos custos do próprio terreno) como pela inviabilidade geográfica do local (far-se-á necessária, para a realização da obra neste local, a contenção da encosta do terreno vizinho). Assim, a topografia do terreno da parte autora desautoriza a construção pleiteada.
Em relação às propostas da CEF, impõe-se ressaltar, em conformidade com o laudo pericial, que nenhum dos traçados sugeridos influenciaria na utilização do terreno, bastando o cuidado na realização das respectivas fundações (ev146 - laudo1 - p. 3).
Todavia, como antes referi, deve-se buscar atender aos interesses da própria servidão instituída sobre o bem, sem prejudicar em demasia o prédio serviente e sem vedar a pretensão de uso do prédio dominante. Nesse sentido, tenho que a primeira proposta da CEF, justamente por atingir a porção esquerda do terreno do autor, mostra-se consentânea, em um juízo de proporcionalidade, com a finalidade da servidão e, na mesma medida, com os interesses dos prédios dominante e serviente.
Nas palavras da CEF (ev106 - pet1) compreenderia ela a "descida aparente sobre o talude desde a saída da ETE, conforme projeto, até o ponto o mais próximo possível e viável ao pé do muro de gabião junto à lateral esquerda do terreno do autor da ação (de quem de frente olha o terreno junto à testada frontal), seguindo enterrada, contornando o talude existente junto ao terreno lindeiro, de matrícula nº 38.447, até ser possível chegar junto à divisa entre os terrenos, seguindo assim em linha reta até a tubulação da rede pública".
Essa perspectiva mostra-se aceitável pois "...É uma proposta economicamente viável e que não traz prejuízo ao autor porque não utiliza área maior que a instituída e não é possível ao autor executar qualquer obra nesta região e sobre o talude à esquerda na divisa com o terreno de matrícula nº 38.447, sem que faça obras de remoção total ou parcial de árvores e de terra, e com a devida contenção do talude. Este talude não faz divisa com o terreno do empreendimento do Fundo de Arrendamento Residencial – FAR e não tem relação com a obra de contenção de talude executada", conforme o laudo pericial (ev146 - laudo1 - p. 2).
Reitero, diante da severa divergência entre as partes, mormente a partir da audiência realizada por este Juízo (ev165), que a servidão instituída NÃO indicou onde, exatamente, deveria ser construída a passagem dos dutos para a condução de águas e esgotos do empreendimento de responsabilidade da CEF. Referiu-se a uma área possível de construção (34m2 - ev1 matrimóvel3 - p.2), sem indicar o traçado que deveria ser seguido pelo prédio dominante. É precisamente essa falta de previsão no negócio jurídico que impõe o pronunciamento deste Juízo a partir de um critério de proporcionalidade, não a partir do cotejo entre quaisquer valores supostamente divergentes, mas a partir de uma noção de eficiência da obra a ser realizada.
Assim, os custos para o prédio serviente não podem ser excessivos e, para o prédio dominante, não há como permitir - sob pena de se aceitar que a servidão valha mais do que o próprio domínio sobre o imóvel serviente - que construa a obra de encanamentos onde bem deseja. É nesse sentido que resta adotada a pretensão supra referida, uma vez que as outras duas possibilidades ou geram inconvenientes ao uso do terreno do autor ou supera a área de servidão previamente instituída (ev146 - laudo1).
Desse modo, em relação à canalização de águas e esgotos, competirá à CEF, por seu próprio custeio, no prazo máximo de 06 - seis - meses a contar da intimação desta sentença, a completa realização e conclusão das obras destinadas a dar escoamento às águas e esgotos produzidos no seu empreendimento imobiliário (imóveis de matrículas 75.981 e 76.092). A obra deverá ser realizada em conformidade com o descritivo apresentado pela própria instituição financeira, atentando aos seguintes detalhes: descida pelo talude desde a saída da ETE, junto à lateral esquerda do terreno do autor, enterrada, contornando o talude junto ao terreno de matrícula 38.447 até chegar à divisa entre os terrenos e, então, seguindo em linha reta até a tubulação da rede pública.
Desde logo fixo multa pelo descumprimento de R$ 100,00 (cem reais) por dia de atraso na conclusão definitiva da obra, competindo ao autor permitir o livre acesso da CEF ao terreno de sua propriedade, em face da servidão instituída, para a realização dos respectivos trabalhos e até que seja definitiva concluída.
Quanto ao pedido indenizatório, objetivando condenar a CEF a pagar indenização pelos danos verificados no terreno (não realização das obras destinadas a evitar que a água e o esgoto do empreendimento da CEF não escoasse para o terreno do autor e uso indevido de área do terreno), bem como em face dos danos emergentes (o escoamento de esgotos obstou a realização de um hotel/motel no local), tenho que montante algum se faz devido.
Os danos verificados no terreno não restaram comprovados, tendo o perito apontado que não há evidência de seu uso pelo proprietário, sequer conservação ou manutenção da vegetação existente (ev146 - laudo1). O terreno, portanto, caracteriza-se como uma área sem efetivo emprego econômico ou fim habitacional.
Depreende-se, a partir das constatações do perito (ev146), que adoto nesta sentença em falta de qualquer elemento probatório capaz de mitigar a apuração pericial, que efetivamente houve, pela CEF, uso de parte da área do terreno do autor para construir uma obra de contenção.
O uso, todavia, atingiu área estimada pelo perito em 370m2, inferior, portanto, àquela indicada na autorização pelo anterior proprietário do bem, qual seja, 450m2. Como bem mencionou a autorização dada (ev20 - out2), trata-se de obra realizada no interesse da ambos os terrenos, a fim de evitar, em razão das condições geográficas do imóvel e de seu desnível em relação aos terrenos lindeiros, novos desmoronamentos e o aguçamento do problema de escoamento de águas. Assim, a obra realizada também interessa ao autor; sem ela, o terreno de sua propriedade não teria efetiva utilização econômica em face de suas características topográficas. Ademais, a área utilizada pela CEF não excedeu o limite dado em autorização pelo anterior proprietário do terreno, sendo que as obras também se prestam a garantir a fruição do imóvel pertencente à parte autora. Logo, julgo descabida a fixação de qualquer indenização referente a essa circunstância.
Embora seja inequívoco que as águas e esgotos tenham escoado para o terreno do autor, isso não gera, in casu, efetivo prejuízo. Isso porque se trata de terreno ocupado exclusivamente por vegetação, sem qualquer outro uso, sendo que o esgoto que ali foi depositado em razão do noticiado desabamento de obras pretéritas passou a ser absorvido pela permeabilidade do próprio solo, não havendo sequer indícios de que isso tenha imposto algum prejuízo concreto à fruição da área de terras pelo seu proprietário.
Por certo que o escoamento de esgotos não se faz devido; porém, no caso em tela, está-se diante de uma pretensão indenizatória, para o que é imprescindível a prova do dano efetivamente sofrido. Sem prova do dano sequer há dever de indenizar. Reitero que, no caso dos autos, o vazamento de águas e esgotos, ainda que indevido, não aponta para um prejuízo concreto sofrido pelo autor, proprietário do terreno em discussão.
Quanto ao empreendimento cuja construção supostamente restou vedada em face da água e esgotos que escoaram do empreendimento de responsabilidade da CEF, tenho que novamente não há indicação probatória de efetivo dano a ensejar indenização.
A respeito disso, a parte autora traz aos autos unicamente um projeto arquitetônico (planta baixa) informando a possibilidade de que uma área total projetada de 720m2 seja construída em um lote de 1.799,73m2 (ev1 - out7).
Trata-se, pois, de prova que acena para a perspectiva de uma construção no local, sem que se possa afirmar que as obras noticiadas pela parte autora tenham tomado qualquer outro rumo além da simples elaboração de uma planta baixa.
Não há qualquer informação que conduza a uma interpretação diversa: não há nos autos indicativo de requerimento de licença municipal para a construção (ou de sua negativa justamente em face do escoamento, na área, de esgotos), não há qualquer estimativa de custos para a construção (o que revelaria a atualidade do descrito na planta baixa e a efetiva pretensão do autor para levar adiante o seu projeto de erigir, no local, um motel) e tampouco verifico a existência de licenciamentos ou contratações destinadas a iniciar a obra. O que há, portanto, é uma simples notícia de que o autor eventualmente poderá construir, no local, um empreendimento (motel); não há indicativo, porém, de que a suposta construção restou vedada em razão do escoamento de águas e esgotos. A correlação efetuada pela parte autora, dessarte, não resta provada, o que afasta o suposto dano e conduz, no ponto, à improcedência do pedido.
Inalterada a decisão singular, devem ser desprovidos os recursos da parte autora e da CEF.
Honorários Advocatícios
Mantida a sentença, nos termos do art. 85, § 11, CPC/2015, majoro os honorários advocatícios para 12% (doze por cento) sobre o valor da causa.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento a ambas as apelações.
Documento eletrônico assinado por MARGA INGE BARTH TESSLER, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001237771v12 e do código CRC 315a306e.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): MARGA INGE BARTH TESSLER
Data e Hora: 18/9/2019, às 18:52:40
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 03:35:32.
Apelação Cível Nº 5008695-60.2016.4.04.7108/RS
RELATORA: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
APELANTE: ALBERTO ALVES (AUTOR)
APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. INDEFERIMENTO DE PROVA TESTEMUNHAL E DE NOVA PERÍCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. OBRIGAÇÕES. DIREITO DE VIZINHANÇA. art. 1277 e ss. do código civil. servidão. CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. obras de canalização de águas e esgotos. INDENIZAÇÃO PELOS DANOS CAUSADOS AO IMÓVEL. arts. 186 e 927 do Código Civil. não comprovação. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. HIGIDEZ DOS FUNDAMENTOS DECISÓRIOS.
1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é assente no sentido de que o juiz é o destinatário da prova e pode, assim, indeferir, fundamentadamente, aquelas que considerar desnecessárias, a teor do princípio do livre convencimento motivado.
2. Como a servidão determina, por sua própria natureza, a redução da plena fruição da propriedade do prédio serviente, a sua instituição não pode se dar em total prejuízo da área serviente, pois isso desnaturaria a própria propriedade da parte autora.
3. A servidão - que é um direito acessório - deve atentar para a existência e preservação do uso do prédio dominante, ante a própria natureza do gravame e do correlato direito de propriedade que guarnece a parte autora.
4. Em relação à canalização de águas e esgotos, competirá à CEF, por seu próprio custeio, a completa realização e conclusão das obras destinadas a dar escoamento às águas e esgotos produzidos no seu empreendimento imobiliário.
5. Quanto ao pedido indenizatório, pelos supostos danos verificados no terreno, bem como em face dos danos emergentes, os fatos não restaram comprovados, tendo o perito apontado que não há evidência de seu uso pelo proprietário, sequer conservação ou manutenção da vegetação existente. O terreno, portanto, caracteriza-se como uma área sem efetivo emprego econômico ou fim habitacional.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento a ambas as apelações, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 17 de setembro de 2019.
Documento eletrônico assinado por MARGA INGE BARTH TESSLER, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001237772v6 e do código CRC 712157b4.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): MARGA INGE BARTH TESSLER
Data e Hora: 18/9/2019, às 18:52:40
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 03:35:32.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Ordinária DE 17/09/2019
Apelação Cível Nº 5008695-60.2016.4.04.7108/RS
RELATORA: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
PRESIDENTE: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
PROCURADOR(A): PAULO GILBERTO COGO LEIVAS
APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF (RÉU)
APELANTE: ALBERTO ALVES (AUTOR)
ADVOGADO: ALBERTO ALVES (OAB RS034193)
APELADO: OS MESMOS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária do dia 17/09/2019, na sequência 169, disponibilizada no DE de 27/08/2019.
Certifico que a 3ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 3ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO A AMBAS AS APELAÇÕES.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
Votante: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
Votante: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
Votante: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
MÁRCIA CRISTINA ABBUD
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 03:35:32.