EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM Apelação Cível Nº 5001678-64.2016.4.04.7110/RS
RELATOR: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
EMBARGANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
O INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS opôs embargos de declaração (
) contra acórdão desta Turma, assim ementado:PREVIDENCIÁRIO. PAGAMENTOS DECORRENTES DE ERRO ADMINISTRATIVO. DEVOLUÇÃO. INEXIGIBILIDADE. TEMA 979 DO STJ.
1. No julgamento do Tema 979, o Superior Tribunal de Justiça ficou a seguinte tese: Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.
2. A modulação de efeitos determina a aplicação da tese firmada apenas aos processos distribuídos após a publicação do acórdão paradigma.
3. Hipótese em que afastada a obrigatoriedade de devolução da quantia paga a maior.
O embargante requer que sejam conhecidos e providos os presentes embargos, para sanar a omissões apontadas, pois o benefício foi concedido mediante fraude, sendo indiscutível o caráter ilícito, não havendo como se atribuir boa-fé no recebimento dos valores; que caberia ao demandante a comprovação da boa-fé, não se tratando de mera presunção; e por fim requer o prequestionamento.
Intimada, a parte embargada apresentou contrarrazões.
É o relatório.
VOTO
Os embargos de declaração são cabíveis nas hipóteses de omissão, contradição ou obscuridade, bem como para correção de erro material, nos termos do que dispõe o artigo 1.022 do Código de Processo Civil de 2015, não tendo sido concebidos, em regra, para viabilizar às partes a possibilidade de se insurgirem contra o julgado, objetivando simplesmente a sua alteração.
No caso dos autos, não estão presentes quaisquer dessas hipóteses, pois a decisão está devidamente fundamentada, com a apreciação dos pontos relevantes e controvertidos da demanda, e a circunstância de o acórdão decidir contrariamente às pretensões do recorrente não possibilita o uso dos embargos de declaração.
As questões embargadas foram devidamente apreciadas, conforme se extrai dos seguintes trechos:
(...)
A controvérsia identifica-se com o Tema 979 do Superior Tribunal de Justiça, com publicação do acórdão paradigma em 23/04/2021, com tese firmada e modulação de efeitos, no seguinte sentido:
Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo (material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido (STJ, REsp 1381734/RN, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 10/03/2021, DJe 23/04/2021).
Além disso, no mesmo julgamento, foi definida a necessidade de modulação para que os efeitos do representativo de controvérsia atingissem "os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão", isto é, a partir de 23/04/2021. Do julgamento em tela, é possível extrair as seguintes conclusões:
(i) o pagamento decorrente de interpretação errônea da lei não é suscetível de repetição;
(ii) o pagamento decorrente de erro material ou operacional é suscetível de repetição, salvo comprovação da boa-fé do segurado;
(iii) a exigência de comprovação da boa-fé vale para os processos distribuídos a partir de 23 de abril de 2021;
(iv) a repetição, quando admitida, permite o desconto do percentual de até 30% do valor do benefício do segurado.
O anterior entendimento era mais benéfico aos segurados que o atualmente adotado pelo STJ. Assim, considerando a modulação de efeitos que determina a aplicação da tese firmada apenas aos processos distribuídos após a publicação do acórdão paradigma, fica afastada a obrigatoriedade de devolução da quantia paga a maior.
Na aferição da boa-fé, conforme o Superior Tribunal de Justiça, é preciso avaliar a aptidão do segurado "para compreender, de forma inequívoca, a irregularidade do pagamento" (STJ, REsp 1381734/RN, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 10/03/2021, DJe 23/04/2021, p. 31).
Cabe adicionar que a simples entrega de prestação previdenciária com a ausência dos pressupostos para a concessão, por si só, não enseja a devolução dos valores. É indispensável o exame do elemento subjetivo.
Por fim, sobre a possibilidade de desconto para recuperar a quantia paga indevidamente, não houve deliberação do STJ sobre o resguardo ao patamar mínimo do benefício.
Ora, o art. 201, § 2º, da CF/88 estabelece que "nenhum benefício que substitua o salário de contribuição ou o rendimento do trabalho do segurado terá valor mensal inferior ao salário mínimo". Assim, a aposentadoria não pode ser inferior ao valor mínimo, sob pena de descumprimento de preceito constitucional cujo desiderato é garantir a dignidade da pessoa do segurado.
Nesse contexto, embora se permita o desconto de até 30% do valor do benefício para fins de repetição, a quantia resultante não pode ser inferir a um salário mínimo. Nesse exato sentido:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO. RECEBIMENTO INDEVIDO. BOA-FÉ. IMPOSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO DOS VALORES. BENEFÍCIO EM VALOR MÍNIMO.1. Esta Corte vem se manifestando no sentido da impossibilidade de repetição dos valores recebidos de boa-fé pelo segurado, dado o caráter alimentar das prestações previdenciárias, sendo relativizadas as normas dos arts. 115, II, da Lei 8.213/91, e 154, § 3º, do Decreto 3.048/99.2. De acordo com a orientação das Turmas componentes da 3ª Seção desta Corte não é possível o desconto de valores na renda mensal do benefício previdenciário se isso implicar redução a quantia inferior ao salário-mínimo, em atenção aos termos do artigo 201, § 2º, da Constituição Federal. (TRF4, APELREEX 0019953-83.2014.404.9999, Quinta Turma, Relatora Maria Isabel Pezzi Klein, D.E. 28/01/2015)
PREVIDENCIÁRIO. REMESSA OFICIAL. PAGAMENTOS FEITOS INDEVIDAMENTE. DESCONTO DO BENEFÍCIO EM MANUTENÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. RECEBIMENTO DE BOA-FÉ. SALÁRIO MÍNIMO. 1. Hipótese em que devida a remessa oficial. 2. Dada a manifesta natureza alimentar do benefício previdenciário, a norma do inciso II do art. 115 da Lei nº 8.213/91 deve restringir-se às hipóteses em que, para o pagamento a maior feito pela Administração, tenha concorrido o beneficiário. Precedentes do STJ pela aplicação do princípio da irrepetibilidade ou não-devolução dos alimentos. 3. Em se tratando de benefício com proventos fixados em um salario mínimo, incabível qualquer desconto, sob pena de violação ao art. 201, § 2 º, da CF/88, na redação dada pela EC nº 20/98. (TRF4, AC 2008.70.14.000273-0, Quinta Turma, Relator João Batista Lazzari, D.E. 03/08/2009)
Concluo, portanto, que traduz afronta à Constituição a realização de desconto sobre benefício de um salário mínimo para cobrança de valores pagos indevidamente por força de erro material ou operacional. Caberá ao INSS, conforme o caso, buscar outros meios idôneos para a recuperação do crédito.
Apresentadas as balizas jurisprudenciais, cumpre aferir concretamente se é viável ou não a pretensão ressarcitória do INSS.
No caso dos autos, entendo que está devidamente caracterizada a boa-fé do segurado quanto ao recebimento dos valores. Os elementos de prova apresentados confirmam que não houve qualquer má-fé.
Conforme a instrução, segue depoimentos do autor e testemunhas:
Ouvido em juízo (Evento nº. 44 – VIDEO2), relatou o apelante que foi procurado por um despachante na época de sua aposentadoria, que visitou a empresa na qual trabalhava, relatando que deveria se aposentar naquele momento, pois com a mudança legislativa que estava por ocorrer não conseguiria se aposentar posteriormente. Que com os documentos que a empresa forneceu – para o despachante – seria possível a concessão do benefício. Com efeito, dois colegas seus na época (Vander e Williomar – TESTEMUNHAS COMPROMISSADAS) também se aposentaram com tal despachante, e confirmaram a versão do apelante, quando ouvido em juízo (Evento nº. 44).
1) Vander Ortolan (VÍDEO3): (a partir de 5’10”) relatou que encaminhou os documentos para o despachante que aposentou o autor; que aquele era de Pelotas e conseguiu toda a documentação necessária para a concessão do benefício junto à empresa Expresso Embaixador (que é de Pelotas); que aposentou vários conhecidos da testemunha e do autor, por isso a confiança para que o despachante encaminhasse o benefício; que tal despachante referiu que deveria se aposentar naquela época porque a legislação previdenciária iria mudar.
2) Williomar da Silva (VÍDEO4): (a partir de 1’33”) referiu que trabalhou com o autor na década de 70/80, sendo que saiu da empresa e o autor continuou; se aposentou em Pelotas (em 2003), porque a empresa é desta cidade e um despachante o abordou alegando que mudaria o sistema de aposentadorias e conseguiria lhe aposentar; tal despachante teria conseguido toda a documentação antes de oferecer os serviços à testemunha (5’55”).
Na hipótese em apreço, não houve qualquer conduta ativa do segurado, que não tinha plenas condições de compreender a apuração incorreta do INSS. Portanto, está evidenciada a boa-fé da parte autora, pessoa hipossuficiente, sem renda elevada e sem plenas condições de compreender de forma inequívoca que havia algum pagamento indevido. Tudo isso confirma e boa-fé.
No ponto, portanto, entendo que a sentença deve ser reformada, com a impossibilidade de restituição dos valores pagos e eventual devolução do que foi cobrado indevidamente pelo INSS.
(...)
Na verdade, para que os embargos de declaração possam cumprir sua função precípua de aperfeiçoar o julgamento e a prestação jurisdicional, expungindo contradições, clareando obscuridades ou suprindo omissões, devem necessariamente explicitar os pontos que necessitam a intervenção do órgão julgador, explicar a relação dos dispositivos legais invocados com os vícios apontados e demonstrar por que razões os fundamentos adotados no julgamento não se ajustam a eles ou reclamam sua aplicação.
Nesse sentido, não basta mera indicação de dispositivos legais e/ou constitucionais com pedido genérico para que haja manifestação a respeito, pois isto caracterizaria verdadeira inversão do dever de demonstrar sua pertinência para o resultado do julgamento, devolvido às partes após a entrega da prestação jurisdicional.
O novo Código de Processo Civil é explícito ao estabelecer que é insuficiente, para que se considere fundamentada a decisão, a mera indicação, reprodução ou paráfrase de ato normativo. Trata-se, evidentemente, de norma de mão dupla. Se ao juiz não é dado limitar-se à invocação de dispositivo de norma, para justificar sua decisão, também à parte não se dispensa a necessária justificativa, em concreto, para invocação de preceito legal (CPC, artigo 489, § 1º, inciso I).
De uma forma ou de outra, o exame pelo julgador sobre a incidência de norma, para fins de motivação da decisão, apenas se justifica se estiver relacionado aos fatos e questões jurídicas capazes de determinar ou infirmar a conclusão que vier a ser adotada (CPC, artigo 489, § 1º, inciso IV).
O cotejo entre as razões de decidir do órgão julgador e as normas legais invocadas pelo recorrente é requisito essencial dos embargos de declaração, sem o qual não lhes é possível dar efetividade, e se insere no dever de lealdade processual e de cooperação insculpido no artigo 6º do Código de Processo Civil de 2015.
Assim, o prequestionamento da matéria segue a sistemática prevista no artigo 1.025 do CPC/2015, com a possibilidade, inclusive, de aplicação das sanções previstas no artigo 1.026 do atual Código de Processo Civil.
Ante o exposto, voto por rejeitar os embargos de declaração.
Documento eletrônico assinado por ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003815151v4 e do código CRC 830f997b.Informações adicionais da assinatura:
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EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM Apelação Cível Nº 5001678-64.2016.4.04.7110/RS
RELATOR: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
EMBARGANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE QUALQUER DOS DEFEITOS QUE PODERIAM MOTIVAR A OPOSIÇÃO. LIMITES DO PREQUESTIONAMENTO NO ART. 1.025 DO CPC.
1. Se o acórdão não apresenta omissão, contradição, obscuridade ou erro material, não cabe a oposição de embargos de declaração.
2. Não basta mera indicação de dispositivos legais ou constitucionais com pedido genérico, a título de prequestionamento, para que haja manifestação a respeito.
3. O prequestionamento da matéria segue a sistemática prevista no artigo 1.025 do CPC.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, rejeitar os embargos de declaração, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 27 de abril de 2023.
Documento eletrônico assinado por ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003815152v3 e do código CRC 3e981274.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 19/04/2023 A 27/04/2023
Apelação Cível Nº 5001678-64.2016.4.04.7110/RS
INCIDENTE: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO
RELATOR: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
PRESIDENTE: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
PROCURADOR(A): JOÃO GUALBERTO GARCEZ RAMOS
APELANTE: PAULO AZAMBUJA DE OLIVEIRA (AUTOR)
ADVOGADO(A): HENRIQUE DE MELO KARAM (OAB RS057591)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 19/04/2023, às 00:00, a 27/04/2023, às 16:00, na sequência 293, disponibilizada no DE de 10/04/2023.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, REJEITAR OS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Votante: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Votante: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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