Apelação Cível Nº 5001440-87.2017.4.04.7117/RS
RELATOR: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
APELANTE: MARIA ROSANGELA CHAMUR (IMPETRANTE)
ADVOGADO: CIELEN GRASIELE DE LIMA MIKULSKI
APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (INTERESSADO)
RELATÓRIO
Trata-se de mandado de segurança impetrado objetivando o reconhecimento do direito ao recebimento do benefício de seguro-desemprego.
Narrou o impetrante ter sido despedido sem justa causa e, na sequência, formulado requerimento administrativo para a liberação do seguro-desemprego, o qual foi deferido, mas sob a forma de pagamento por compensação em virtude de beneficio anterior indevido.
A liminar foi indeferida (evento 15).
Sentenciando, o MM. Juiz assim decidiu:
"Ante o exposto, DENEGO A SEGURANÇA, nos moldes do inciso I do art. 487 do CPC/15.
Sem custas devido ao benefício da gratuidade da justiça deferido ao impetrante no Evento 14.
Sem honorários advocatícios a teor do art. 25 da Lei 12.016/09."
A parte autora apela, alegando que o benefício de seguro-desemprego anterior não foi pago indevidamente, vez que se referia à período em que a impetrante restou desempregada involuntariamente. Aponta que a dispensa sem justa-causa restou determinada em decisão judicial posterior ao fato.
O Ministério Público Federal optou por não se pronunciar.
É o relatório.
VOTO
Da ordem cronológica dos processos
O presente feito está sendo levado a julgamento em consonância com a norma do art. 12 do atual CPC (Lei nº 13.105/2015, com redação da Lei nº 13.256/2016) que assim dispõe: os juízes e os tribunais atenderão, preferencialmente, à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão.
Nessa ordem de julgamento, também são contempladas as situações em que estejam litigando pessoa com mais de sessenta anos (idoso, Lei nº 10.741/2013), pessoas portadoras de doenças indicadas no art. 6º, inciso XIV, da Lei nº 7.713/88, as demandas de interesse de criança ou adolescente (Lei nº 8.069/90) ou os processos inseridos como prioritários nas metas impostas pelo CNJ.
Mérito
O seguro-desemprego é um benefício garantido constitucionalmente no artigo 7º, inciso II, e tem por finalidade "prover assistência financeira temporária ao trabalhador desempregado em virtude de dispensa sem justa causa, inclusive a indireta, e ao trabalhador comprovadamente resgatado de regime de trabalho forçado ou da condição análoga à de escravo" (art. 2º, I, da Lei n. 7.998/90).
Nos termos do artigo 3º do referido diploma legal, com redação dada pela Lei nº 13.134/2015, terá direito à percepção do seguro-desemprego o trabalhador dispensado sem justa causa que comprove:
I - ter recebido salários de pessoa jurídica ou de pessoa física a ela equiparada, relativos a:
a) pelo menos 12 (doze) meses nos últimos 18 (dezoito) meses imediatamente anteriores à data de dispensa, quando da primeira solicitação;
b) pelo menos 9 (nove) meses nos últimos 12 (doze) meses imediatamente anteriores à data de dispensa, quando da segunda solicitação; e
c) cada um dos 6 (seis) meses imediatamente anteriores à data de dispensa, quando das demais solicitações;
II - Revogado.
III - não estar em gozo de qualquer benefício previdenciário de prestação continuada, previsto no Regulamento dos Benefícios da Previdência Social, excetuado o auxílio-acidente e o auxílio suplementar previstos na Lei nº 6.367, de 19 de outubro de 1976, bem como o abono de permanência em serviço previsto na Lei nº 5.890, de 8 de junho de 1973;
IV - não estar em gozo do auxílio-desemprego; e
V - não possuir renda própria de qualquer natureza suficiente à sua manutenção e de sua família.
VI - matrícula e frequência, quando aplicável, nos termos do regulamento, em curso de formação inicial e continuada ou de qualificação profissional habilitado pelo Ministério da Educação, nos termos do art. 18 da Lei no 12.513, de 26 de outubro de 2011, ofertado por meio da Bolsa-Formação Trabalhador concedida no âmbito do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), instituído pela Lei no 12.513, de 26 de outubro de 2011, ou de vagas gratuitas na rede de educação profissional e tecnológica.
No caso dos autos, a parte impetrante demonstrou a rescisão, sem justa causa, do cargo que exerceu entre 13/03/2012 e 19/10/2016 junto à Ciaflex Ind. de Borrachas LTDA Filial 1 Erechim (e. 1 - OUT8).
Nota-se que as parcelas referentes ao benefício de seguro-desemprego foram liberadas, vez que preenchidos os requisitos legais, porém foram pagas por compensação (e. 1 - OUT11).
Da leitura do artigo 3º da Lei de regência, supra transcrito, extrai-se que o recebimento do seguro-desemprego não está condicionado ao pagamento de eventuais parcelas indevidamente recebidas, a esse título, anteriormente.
Todavia, cabe a autorização da compensação de valores indevidamente recebidos a título de seguro-desemprego em período anterior com os valores devidos referentes a novo período aquisitivo para obtenção do benefício, tendo em conta a alteração legislativa da Lei nº 7.998/90, em que foi incluído o art. 25-A, pela Lei nº 13.134/15, prevendo o instituto da compensação. Senão, veja-se:
Art. 25-A. O trabalhador que infringir o disposto nesta Lei e houver percebido indevidamente parcela de seguro-desemprego sujeitar-se-á à compensação automática do débito com o novo benefício, na forma e no percentual definidos por resolução do Codefat. (Incluído pela Lei nº 13.134, de 2015)
§ 1º - O ato administrativo de compensação automática poderá ser objeto de impugnação, no prazo de 10 (dez) dias, pelo trabalhador, por meio de requerimento de revisão simples, o qual seguirá o rito prescrito pela Lei no 9.784, de 29 de janeiro de 1999. (Incluído pela Lei nº 13.134, de 2015)
§ 2º - A restituição de valor devido pelo trabalhador de que trata o caput deste artigo será realizada mediante compensação do saldo de valores nas datas de liberação de cada parcela ou pagamento com Guia de Recolhimento da União (GRU), conforme regulamentação do Codefat. (Incluído pela Lei nº 13.134, de 2015)
Portanto, entendo que o caso dos autos restringe-se a debater se o pagamento anterior de seguro-desemprego feito à impetrante é considerado indevido e, assim, passível de pagamento em compensação.
Passo ao deslinde da questão.
A impetrante narra ter sido dispensada indevidamente por justa causa da empresa Veterinária São Roque LTDA, em 26/12/2011. Por discordar do motivo da rescisão contratual, a parte judicializou a demanda. Essa judicialização acarretou em acordo celebrado em 03/04/2012 que reverteu o motivo da dispensa, a qual passou a ser sem justa causa (e. 13 - COMP2).
Portando os documentos comprovantes da dispensa sem justa causa, a impetrante requereu o pagamento das parcelas de seguro-desemprego referentes ao período que teria ficado afastada do mercado de trabalho, a saber, entre 27/12/2011 a 13/03/2012, quando foi empregada por Ciaflex Indústria de Borrachas LTDA, conforme CTPS (e. 1 - CTPS4). As parcelas foram liberadas e pagas, conforme o documento do evento 1 - OUT7.
Importa ressaltar que é lícito o pagamento das parcelas de seguro-desemprego posteriormente, quando a dispensa sem justa causa resta comprovada apenas após judicialização. Sobre esse tema, há jurisprudência da Casa:
ADMINISTRATIVO. SEGURO-DESEMPREGO. INDEFERIMENTO INDEVIDO. ERRO NO CADASTRO ESPECÍFICO DO INSS. LIBERAÇÃO DO BENEFÍCIO.
.Restou comprovado o vínculo empregatício do autor através de sentença proferida nos autos do processo trabalhista nº 0000469-95.2014.5.12.0034, (4ª Vara Trabalhista de Florianópolis/SC). Deste modo, preenchidos os requisitos necessários para a concessão do benefício, elencados no art. 3º da Lei nº 7.998/90, permanece o direito ao benefício inicialmente postulado.
(TRF4, APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5001208-88.2015.404.7200, 4ª TURMA, Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 15/09/2015)
Nota-se, porém, que o requerimento do benefício teria se dado quando a impetrante já estava empregada, vez que o acordo por ela celebrado se deu um mês depois do novo contrato de trabalho.
O argumento apresentado pela União, portanto, é que o pagamento foi indevido, vez que a impetrante já auferia renda própria suficiente à manutenção de si e de sua família na época da liberação das parcelas, indo de encontro aos requisitos da Lei nº 7.998/90.
Em que pese a parte impetrante ter, de fato, requerido o pagamento das parcelas de seguro-desemprego quando já empregada novamente, não é de se acatar o fundamento apresentado pela União.
Frisa-se que a parte fazia jus ao benefício de seguro-desemprego já na época em que foi dispensada por justa causa, qual seja, em 26/12/2011. A razão para tanto é que a impetrante foi indevidamente dispensada por justa causa, quando em realidade, conforme restou posteriormente demonstrado, a dispensa foi imotivada por ela.
Nesse sentido, a parte deixou de requerer o pagamento das parcelas de seguro desemprego na época não por não ter direito à elas, mas porque esse direito foi só mais tarde reconhecido frente à judicialização da demanda. Caso tivesse feito o requerimento do benefício antes da comprovação de seu direito, qual seja, antes do acordo que demonstrou a dispensa sem justa causa, a impetrante teria visto seu pedido negado pelas autoridades por não cumprir todos os requisitos legais.
Portanto, à época dos fatos, reconhece-se que a impetrante não tinha quaisquer rendas próprias que sustentassem a si e a sua família, restando desamparada por 3 meses até conseguir mais uma vez ingressar no mercado de trabalho. Assim, é devido o pagamento das parcelas de seguro-desemprego referentes aos meses que a impetrante restou afastada, vez que essas parcelas já estavam incorporadas ao seu rol de direitos na época.
A respeito do tema, colaciono os seguintes precedentes desta Corte:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SEGURO DESEMPREGO. DEMISSÃO SEM JUSTA CAUSA. INEXISTÊNCIA DE ÓBICE À PERCEPÇÃO DO BENEFÍCIO.
O requisito previsto no inciso V do art. 3º da Lei n.º 7.998/90 é interpretado pro misero. Com efeito, ainda que o agravante figure como sócio/titular de empresa, tal fato não é, por si só, suficiente para afastar a situação de desempregada anteriormente reconhecida e comprovar a percepção de renda 'suficiente' para a subsistência própria e de sua família. Quanto ao fato de estar atualmente empregado, é irrelevante, porquanto o que se discute é o direito à percepção do benefício relativamente ao período compreendido entre a demissão injustificada e a nova contratação.
(Agravo de Instrumento Nº 5007061-76.2017.404.0000, 4ª TURMA, Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 26/05/2017)
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA SEGURO-DESEMPREGO. DECADÊNCIA. REEMPREGO. ÓBICE LEGAL. AFASTADO.
1. O prazo de 120 dias expresso no art. 14 da Resolução CODEFAT nº467/05 não se sobreleva sobre a lei nº 7.998/90, que nada estabelece quanto ao período para o requerimento do seguro-desemprego.
2. O fato de o impetrante ter sido readmitido em seu emprego não aduz óbice ao benefício do seguro-desemprego, visto que postula pelas parcelas condizentes ao tempo em que não auferia renda para sua subsistência.
(REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL Nº 5018651-03.2016.404.7108, 3ª TURMA, Des. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 17/05/2017)
Dessa forma, o pagamento anterior das parcelas de seguro-desemprego não foi indevido, sendo vedada a compensação no caso. Assim, deve ser reformada a sentença que denegou a segurança do presente mandato.
Sucumbência
Sem recolhimento de custas pela parte impetrante (AJG) e sem condenação em honorários advocatícios (artigo 25 da Lei nº 12.016/2009).
Conclusão
Reforma-se a sentença para dar provimento à apelação da impetrante.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação da impetrante, nos termos da fundamentação supra.
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Apelação Cível Nº 5001440-87.2017.4.04.7117/RS
RELATOR: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
APELANTE: MARIA ROSANGELA CHAMUR (IMPETRANTE)
ADVOGADO: CIELEN GRASIELE DE LIMA MIKULSKI
APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (INTERESSADO)
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO ADMINISTRATIVO. SEGURO-DESEMPREGO. VEDADO O PAGAMENTO EM COMPENSAÇÃO NO CASO. dispensa sem justa causa. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. POSSIBILIDADE.
1. O Programa de Seguro-Desemprego tem por finalidade prover assistência financeira temporária ao trabalhador desempregado em virtude de dispensa sem justa causa, inclusive a indireta, e ao trabalhador comprovadamente resgatado de regime de trabalho forçado ou da condição análoga à de escravo (art. 2º, I, da Lei n. 7.998/90).
2. Comprovada a dispensa sem justa causa, ainda que posteriormente e em decorrência de ação trabalhista, é devido o pagamento das parcelas de seguro-desemprego referentes aos meses que a impetrante restou afastada, vez que já incorporadas ao seu rol de direitos na época.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, decidiu dar provimento à apelação da impetrante, nos termos da fundamentação supra, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 05 de dezembro de 2017.
Documento eletrônico assinado por ROGERIO FAVRETO, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000269167v4 e do código CRC b9de348a.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 05/12/2017
Apelação Cível Nº 5001440-87.2017.4.04.7117/RS
RELATOR: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
PRESIDENTE: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
PROCURADOR(A): SERGIO CRUZ ARENHART
APELANTE: MARIA ROSANGELA CHAMUR (IMPETRANTE)
ADVOGADO: CIELEN GRASIELE DE LIMA MIKULSKI
APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (INTERESSADO)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 05/12/2017, na seqüência 256, disponibilizada no DE de 10/11/2017.
Certifico que a 3ª Turma , ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A 3ª Turma , por unanimidade, decidiu dar provimento à apelação da impetrante, nos termos da fundamentação supra.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
Votante: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
Votante: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Votante: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
LUIZ FELIPE OLIVEIRA DOS SANTOS
Secretário
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