Apelação Cível Nº 5009458-51.2022.4.04.7108/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: INES TERESINHA WERLE (AUTOR)
ADVOGADO(A): IARA SOLANGE DA SILVA SCHNEIDER (OAB RS026135)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
A sentença proferida na ação ajuizada por Inês Teresinha Werle contra o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS julgou parcialmente procedentes os pedidos, para o fim de: a) declarar o exercício de atividade rural pela autora, como segurada especial, no período de 11/01/1980 a 30/04/1985; b) declarar o exercício de atividade em condições especiais pela autora nos períodos de 03/06/1988 a 10/08/1989, de 14/08/1989 a 20/03/1992, de 01/04/1992 a 15/06/1993, de 03/01/1995 a 06/01/1998 e de 23/11/1993 a 20/02/1994, e o direito à conversão em tempo de serviço comum pelo fator 1,2; c) determinar ao réu que apure o valor e expeça a guia de pagamento para complementação dos períodos em que houve contribuição a menor, incumbindo à autora indicar os períodos que pretende complementar; d) reconhecer o direito da autora à aposentadoria proporcional por tempo de contribuição em 13 de novembro de 2019, mediante reafirmação da data de entrada do requerimento, e determinar ao réu que, após o pagamento da complementação das contribuições, conceda o benefício com efeitos financeiros desde a data do pagamento da complementação; e) condenar o réu ao pagamento das parcelas vencidas com atualização monetária pelo INPC e juros de mora, contados da citação, conforme a taxa de juros da caderneta de poupança, devendo ser aplicada, a partir de 9 de dezembro de 2021, apenas a taxa SELIC acumulada mensalmente.
Os embargos de declaração opostos pela autora foram acolhidos em parte, a fim de alterar a parte dispositiva da sentença em relação aos honorários de sucumbência. Ambas as partes foram condenadas ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa, cabendo a cada parte arcar com metade do valor em favor do advogado da outra, sem compensação, ficando suspensa a exigibilidade da verba quanto à autora.
A autora interpôs apelação. Postulou o reconhecimento do tempo de serviço rural entre 11/01/1978 a 10/01/1980. Alegou que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, no julgamento da ação civil pública nº 5017267-34.2013.4.04.7100, admitiu o cômputo do tempo rural anterior aos 12 anos de idade. Aduziu ser inconcebível que os direitos previdenciários de uma criança que trabalhou desde os 10 anos de idade sejam prejudicados, porquanto a fixação de idade mínima para o exercício do trabalho desde a Constituição de 1967 até a Constituição atual tem cunho protecionista. Afirmou que as provas juntadas aos autos comprovam o labor na atividade rural em regime de economia familiar desde os 10 anos de idade. Deduziu que os efeitos financeiros da concessão do benefício devem ser fixados na data do requerimento administrativo (06/05/2019) ou na data de entrada do requerimento (DER) reafirmada (13/11/2019). Argumentou que a jurisprudência do Tribunal Regional da 4ª Região possui julgados entendendo que o recolhimento das contribuições é condição suspensiva para a implantação do benefício, sem afastar, contudo, o direito do segurado ao pagamento das parcelas devidas desde a DER. Sustentou ainda que a própria orientação interna do INSS (Comunicado 002/2021- DIVBEN3, de 26 de abril de 2021) estabelece que, no caso de complementação de contribuições inferiores ao salário mínimo, não haverá alteração da DER, desde que a contribuição original da competência tenha sido recolhida antes da DER, pois o sistema considerará a data do recolhimento original.
O INSS apresentou contrarrazões.
A sentença foi publicada em 7 de dezembro de 2022.
VOTO
Nulidade da sentença
Há questão preliminar a ser conhecida no caso presente.
Conforme o art. 370 do Código de Processo Civil, cabe ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito.
A parte autora, na réplica à contestação, requereu a produção de prova oral, a fim de comprovar o trabalho rural em regime de economia familiar desde os 10 anos de idade. Salientou que o INSS não oportunizou a realização da justificação administrativa e sustentou que, embora tenha juntado autodeclaração da atividade rural, é necessária a realização da prova oral em juízo.
O juízo não examinou o requerimento de produção de prova e proferiu a sentença. Na decisão, entendeu ser dispensável a determinação de realização de justificação administrativa ou a oitiva de testemunhas em juízo, considerando a alteração legislativa introduzida pela Medida Provisória nº 871.
A partir das alterações introduzidas no art. 106 da Lei nº 8.213 pela Medida Provisória nº 871, de 18 de janeiro de 2019, convertida na Lei nº 13.846, a comprovação do exercício de atividade rural passou a ser feita mediante autodeclaração, complementada por outras provas documentais.
A autodeclaração de segurado especial foi instituída pela Medida Provisória nº 871, de 18 de janeiro de 2019, convertida na Lei nº 13.846, que incluiu o art. 38-B, §2º, na Lei nº 8.213. Eis o teor do dispositivo:
Art. 38-B. O INSS utilizará as informações constantes do cadastro de que trata o art. 38-A para fins de comprovação do exercício da atividade e da condição do segurado especial e do respectivo grupo familiar. (Incluído pela Lei nº 13.134, de 2015)
(...)
§ 2º Para o período anterior a 1º de janeiro de 2023, o segurado especial comprovará o tempo de exercício da atividade rural por meio de autodeclaração ratificada por entidades públicas credenciadas, nos termos do art. 13 da Lei nº 12.188, de 11 de janeiro de 2010, e por outros órgãos públicos, na forma prevista no regulamento.
Logo, tornou-se legalmente dispensável a realização de justificação administrativa ou produção de prova testemunhal em juízo com a finalidade de corroborar o início de prova material, inclusive em relação ao período anterior a 1º de janeiro de 2023.
No entanto, as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa asseguram às partes a participação nos atos processuais e a possibilidade de suscitar e discutir as questões controvertidas e de provar o direito alegado, com o objetivo de influenciar a decisão do magistrado.
Em conformidade com os princípios norteadores da Constituição Federal, o art. 369 do Código de Processo Civil estabelece que as partes têm direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados no Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz.
As provas necessárias são aquelas que podem influir no convencimento do juiz e no conteúdo da decisão de mérito, porque se referem a fatos pertinentes ao deslinde da causa e geram consequências jurídicas importantes para o processo. Somente as diligências inúteis ou meramente protelatórias devem ser indeferidas pelo juiz, em decisão fundamentada, nos termos do art. 370 do CPC.
Mesmo que o juiz entenda que os subsídios probatórios existentes nos autos são suficientes para formar a sua convicção e embasar a sentença, deve levar em conta que a prova não se destina apenas ao primeiro grau, mas também às partes e ao tribunal que examinar eventual apelação.
Em ações previdenciárias que visam ao reconhecimento de tempo de serviço rural, principalmente quando o segurado possuía menos de doze anos de idade, é fundamental que os fatos evidenciados pelo início de prova material sejam confirmados mediante a oitiva de testemunhas.
A questão não é essencialmente de direito, já que exige esclarecimento a respeito da caracterização do trabalho em regime de economia familiar - a indispensabilidade da colaboração do autor à subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar. Também é necessário investigar a idade específica em que a parte autora começou a trabalhar na agricultura.
A ausência de produção de prova testemunhal acarretou prejuízo efetivo ao direito de defesa da parte autora, visto que impediu a elucidação das suas alegações sobre ponto substancial para a apreciação da causa.
A corroborar esse entendimento, a tese fixada no julgamento do incidente de resolução de demandas repetitivas:
Tema 17 - Não é possível dispensar a produção de prova testemunhal em juízo, para comprovação de labor rural, quando houver prova oral colhida em justificação realizada no processo administrativo e o conjunto probatório não permitir o reconhecimento do período e/ou o deferimento do benefício previdenciário.
(TRF4 5045418-62.2016.4.04.0000, TERCEIRA SEÇÃO, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 13/12/2018)
Portanto, a sentença deve ser anulada, para que seja realizada a prova testemunhal.
Dispositivo
De ofício, anula-se a sentença, para que seja possibilitada a instrução probatória, mediante a oitiva de testemunhas.
Prejudicado o exame da apelação da autora.
Em face do que foi dito, voto no sentido de anular a sentença, de ofício, e julgar prejudicado o recurso interposto.
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Apelação Cível Nº 5009458-51.2022.4.04.7108/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: INES TERESINHA WERLE (AUTOR)
ADVOGADO(A): IARA SOLANGE DA SILVA SCHNEIDER (OAB RS026135)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
previdenciário. processual civil. nulidade da sentença. cerceamento de defesa. prova testemunhal. reconhecimento de tempo de serviço rural anterior aos doze anos de idade. tema 17 em incidente de resolução de demandas repetitivas do tribunal regional federal da 4ª região.
1. A partir das modificaçōes introduzidas no art. 106 da Lei nº 8.213 pela Medida Provisória nº 871, de 18 de janeiro de 2019, convertida na Lei nº 13.846, a comprovação do exercício de atividade rural passou a ser feita mediante autodeclaração, complementada por outras provas documentais.
2. Depreende-se que a realização de justificação administrativa ou produção de prova testemunhal em juízo tornou-se legalmente dispensável, inclusive em relação ao período anterior a 1º de janeiro de 2023, conforme dispõe o art. 38-B, §2º, na Lei nº 8.213, incluído pela Medida Provisória nº 871.
3. Diante das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, é necessário determinar a realização de prova testemunhal com a finalidade de corroborar o início de prova material na hipótese em que há manifesto prejuízo ao direito do autor.
4. A questão pertinente ao exercício de atividade rural pelo segurado especial antes dos doze anos de idade não é essencialmente de direito, já que exige esclarecimento a respeito da indispensabilidade da colaboração da parte autora à subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar, bem como da idade específica em que se deu o início do trabalho na agricultura.
5. Não é possível dispensar a produção de prova testemunhal em juízo, para comprovação de labor rural, quando houver prova oral colhida em justificação realizada no processo administrativo e o conjunto probatório não permitir o reconhecimento do período e/ou o deferimento do benefício previdenciário (Tema 17 em incidente de resolução de demandas repetitivas do Tribunal Regional Federal da 4ª Região).
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, anular a sentença, de ofício, e julgar prejudicado o recurso interposto, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 27 de junho de 2024.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004465452v4 e do código CRC 75980a3c.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 20/06/2024 A 27/06/2024
Apelação Cível Nº 5009458-51.2022.4.04.7108/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
PROCURADOR(A): JANUÁRIO PALUDO
APELANTE: INES TERESINHA WERLE (AUTOR)
ADVOGADO(A): IARA SOLANGE DA SILVA SCHNEIDER (OAB RS026135)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 20/06/2024, às 00:00, a 27/06/2024, às 16:00, na sequência 105, disponibilizada no DE de 11/06/2024.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, ANULAR A SENTENÇA, DE OFÍCIO, E JULGAR PREJUDICADO O RECURSO INTERPOSTO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Votante: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
LIDICE PENA THOMAZ
Secretária
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