Apelação Cível Nº 5015469-12.2016.4.04.7107/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: FERNANDO MASSA (AUTOR)
ADVOGADO: ELIANE PATRICIA BOFF (OAB RS042375)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
A sentença proferida na ação ajuizada por Fernando Massa contra o INSS julgou improcedentes os pedidos de reconhecimento do tempo de serviço em condições especiais no período de 29/04/1995 a 24/02/2014 e de transformação da aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria especial desde a data de início do benefício (24/02/2014). A parte autora foi condenada ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da causa, ficando suspensa a exigibilidade das verbas de sucumbência.
O autor interpôs apelação. Em preliminar, arguiu a nulidade da sentença por cerceamento do direito de defesa, pois o juízo de primeiro grau decidiu o feito sem analisar o pedido de prova pericial. Alegou a violação ao art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal, e dos artigos 373, 369, 464 e 472 do Código de Processo Civil. Preconizou a consideração dos laudos periciais elaborados em ações previdenciárias como prova emprestada (evento 1, laudo33 e laudo34). Destacou a conclusão da perícia realizada na ação nº 128/1140000143-0 de que a auxiliar de saúde bucal que trabalhava no seu consultório estava exposta a agentes biológicos e químicos de forma habitual e permanente. Aduziu que, na atividade de cirurgião- dentista, ocorre a exposição aos agentes biológicos (micro-organismos e parasitas infecciosos vivos e suas toxinas), devido ao manuseio de materiais e equipamentos não suficientemente esterilizados e ao contato com materiais orgânicos potencialmente contaminados (sangue e fluídos corporais dos pacientes). Referiu ainda a exposição aos agentes químicos e a radiações ionizantes. Discordou do entendimento da sentença a respeito da exigência de contato permanente, já que se considera a exposição diária e habitual ao risco em potencial, bastando a contaminação em uma situação, para que o profissional sofra danos irreparáveis pelo restante de sua vida. Mencionou a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região no sentido de que, tratando-se de agentes biológicos, é desnecessário que o contato se dê de forma permanente, visto que o risco de acidente independe do tempo de exposição. Sustentou que os equipamentos de proteção individual não são suficientes para elidir a exposição aos agentes biológicos, conforme o entendimento consolidado nas decisões do TRF da 4ª Região. Argumentou que o contribuinte individual faz jus ao reconhecimento do trabalho em condições especiais, porquanto o art. 57 da Lei nº 8.213 expressamente menciona o direito do segurado à aposentadoria especial. Ponderou que, se não existe no texto legal qualquer restrição ao exercício da atividade especial pelo segurado autônomo, a conclusão é que as instruções normativas ou os decreto regulamentadores que desprezam as reais atividades do segurado ferem o princípio da legalidade. Invocou julgados do TRF da 4ª Região e a Súmula 62 da Turma Nacional da Uniformização dos Juizados Especiais Federais que reconhecem a possibilidade de reconhecimento de atividade especial para fins previdenciários, desde que o segurado consiga comprovar a exposição a agentes nocivos à saúde ou à integridade física. Subsidiariamente, postulou a conversão do tempo especial em comum para o efeito de revisão da aposentadoria por tempo de contribuição.
O INSS apresentou contrarrazões.
A sentença foi publicada em 28 de outubro de 2017.
VOTO
Nulidade da sentença
Nos termos do art. 370 do Código de Processo Civil, cabe ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito, indeferindo as que julgar desnecessárias ou inúteis ao deslinde da questão.
Para a verificação da especialidade das atividades exercidas com exposição a agentes nocivos, leva-se em consideração, via de regra, o conteúdo da documentação técnica fornecida pela empresa. Contudo, a presunção de veracidade das informações constantes nos formulários, laudos técnicos e perfil profissiográfico previdenciário não é absoluta.
Caso o segurado questione, de forma fundamentada, a exatidão, a suficiência ou a fidedignidade dos dados contidos nesses documentos, trazendo aos autos elementos indiciários do cometimento de imprecisão, omissão ou equívoco, é plausível a produção de prova pericial em juízo.
Por outro lado, admite-se a utilização de prova emprestada, realizada no mesmo local de trabalho ou em outro estabelecimento que apresente estrutura e condições de trabalho semelhantes àquele em que a atividade foi exercida, uma vez que o seu uso não apenas observa o princípio da economia processual, mas também possibilita que os princípios do contraditório e da ampla defesa possam também ser exercidos no processo para o qual a prova foi trasladada. Neste sentido, já decidiu este Tribunal:
PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. LABORATORISTA, TÉCNICO QUÍMICO, QUIMICO E ANALISTA DE LABORATÓRIO. CATEGORIA PROFISSIONAL. AGENTES QUÍMICOS. EPIs. APOSENTADORIA ESPECIAL. AFASTAMENTO DA ATIVIDADE PROFISSIONAL. REAFIRMAÇÃO DA DER. TERMO INICIAL. AFASTAMENTO COMPULSÓRIO. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. TUTELA ESPECIFICA. 1. Demonstrada a exposição do segurado a agente nocivo, na forma exigida pela legislação previdenciária aplicável à espécie, possível reconhecer-se a especialidade da atividade laboral por ele exercida 2. É admissível, assegurado o contraditório, prova emprestada de processo do qual não participaram as partes do processo para o qual a prova será trasladada. A grande valia da prova emprestada reside na economia processual que proporciona, tendo em vista que se evita a repetição desnecessária da produção de prova de idêntico conteúdo. Igualmente, a economia processual decorrente da utilização da prova emprestada importa em incremento de eficiência, na medida em que garante a obtenção do mesmo resultado útil, em menor período de tempo, em consonância com a garantia constitucional da duração razoável do processo, inserida na CF pela EC 45/2004. (...) (TRF4 5002141-84.2013.4.04.7215, SEXTA TURMA, Relator EZIO TEIXEIRA, juntado aos autos em 11/07/2017)
O autor defende a necessidade de realização de perícia técnica, a fim de comprovar a efetiva exposição a agentes agressivos à saúde no exercício da atividade de cirurgião-dentista.
Conquanto o juízo não tenha apreciado o pedido de produção de prova, a realização da perícia requerida é dispensável. Os documentos juntados aos autos permitem formar convicção sobre os aspectos fáticos da controvérsia, visto que elucidam de forma suficiente as atividades desempenhadas pelo autor. Demais, as perícias técnicas efetuadas em outros processos, que examinaram a questão em situação idêntica, podem ser aproveitadas para essa finalidade.
Uma vez que as provas necessárias para o julgamento da questão encontram-se juntadas aos autos, rejeita-se a alegação de nulidade da sentença por cerceamento de defesa.
Tempo de atividade especial
O reconhecimento da especialidade obedece à disciplina legal vigente na época em que a atividade foi exercida, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Desse modo, havendo a prestação laboral sob a vigência de certa legislação, o segurado adquire o direito à contagem do tempo de serviço especial na forma estabelecida, bem como à comprovação das condições de trabalho como então exigido, não se aplicando retroativamente lei nova que venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial. Nesse sentido, a orientação adotada pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (AR 3320/PR, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe 24-09-2008) e pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (EINF 2005.71.00.031824-5/RS, Terceira Seção, Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. 18-11-2009).
A evolução legislativa da matéria apresenta os seguintes marcos temporais:
a) até 28 de abril de 1995, quando esteve vigente a Lei nº 3.807 (Lei Orgânica da Previdência Social) e suas alterações e, posteriormente, a Lei nº 8.213 (Lei de Benefícios da Previdência Social), em sua redação original (artigos 57 e 58), a especialidade do tempo de serviço decorria do exercício de atividade profissional prevista como especial nos Decretos nº 53.831/1964 e nº 83.080/1979 e/ou na legislação especial. As normas regulamentares classificavam as atividades de duas formas: segundo os grupos profissionais, presumindo-se a sujeição do trabalhador a condições prejudiciais à saúde ou à integridade física; e segundo os agentes nocivos, caso em que deve ser demonstrada a exposição ao agente por qualquer meio de prova. Para os agentes nocivos ruído e calor, é necessário mensurar os seus níveis por meio de perícia técnica, documentada nos autos ou informada em formulário emitido pela empresa, a fim de verificar o grau de nocividade dos agentes envolvidos;
b) entre 29 de abril de 1995 a 5 de março de 1997, período em que estavam vigentes as alterações introduzidas pela Lei nº 9.032 no artigo 57 da LBPS, torna-se necessária a demonstração efetiva da exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente, para tanto, a apresentação de formulário-padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico, ressalvados os agentes nocivos ruído e calor, em relação aos quais é imprescindível a realização de perícia técnica, conforme visto acima. Foi definitivamente extinto o enquadramento por categoria profissional - à exceção das atividades a que se refere a Lei nº 5.527, cujo enquadramento por categoria deve ser feito até 13 de outubro de 1996, data imediatamente anterior à publicação da Medida Provisória nº 1.523/1996, que a revogou expressamente;
c) a partir de 6 de março de 1997, data da entrada em vigor do Decreto nº 2.172/1997, que regulamentou as disposições introduzidas no artigo 58 da LBPS pela Medida Provisória nº 1.523/1996 (convertida na Lei nº 9.528), passou a ser exigida, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário-padrão, embasado em laudo técnico de condições ambientais do trabalho, ou por meio de perícia técnica.
Uma vez que se incorpora ao patrimônio jurídico do trabalhador a prestação de trabalho em condições especiais, regida pela legislação em vigor na época do exercício da atividade, é possível a conversão do tempo especial para comum, independente da data da prestação do trabalho ou do requerimento de benefício. A respeito, cabe registrar que, embora o art. 28 da MP nº 1.663-10 tenha revogado o § 5º do artigo 57 da Lei nº 8.213, a lei de conversão (Lei nº 9.711) não manteve o dispositivo, permanecendo a possibilidade de soma do tempo de serviço especial, após a respectiva conversão, ao tempo de atividade comum, para a concessão de qualquer benefício. O Superior Tribunal de Justiça firmou a seguinte tese sobre a matéria:
Tema 422 - Permanece a possibilidade de conversão do tempo de serviço exercido em atividades especiais para comum após 1998, pois a partir da última reedição da MP n. 1.663, parcialmente convertida na Lei 9.711/1998, a norma tornou-se definitiva sem a parte do texto que revogava o referido § 5º do art. 57 da Lei n. 8.213/1991. (REsp 1151363/MG, Rel. Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 23/03/2011, DJe 05/04/2011)
A atual redação do artigo 70 do Decreto nº 3.048/1999, em conformidade com o precedente do STJ, estabelece que as regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período. Contudo, o fator de conversão do tempo especial em comum a ser utilizado é o previsto na legislação vigente na data da concessão do benefício, e não aquele em vigor quando o serviço foi prestado. De acordo com o art. 70 do Decreto nº 3.048/1999, com a redação dada pelo Decreto nº 4.827/2003, o fator de conversão a ser observado é de 1,4 para o homem e de 1,2 para a mulher (considerando, em ambos os casos, o exercício de atividade que ensejaria a aposentadoria especial em 25 anos).
Utilização de equipamento de proteção individual
A respeito da utilização de equipamento de proteção individual (EPI), a Medida Provisória nº 1.729, convertida na Lei nº 9.732, modificou a redação do art. 58, § 2º, da Lei nº 8.213, estabelecendo que a existência de tecnologia de proteção individual eficaz, que comprovadamente neutralize os agentes nocivos ou diminua a sua intensidade a limites de tolerância, afasta o efetivo prejuízo à saúde ou integridade física do trabalhador, razão pela qual a atividade não pode ser qualificada como especial. Note-se que a questão atinente ao uso do EPI só passou a ter relevância, para fins de reconhecimento das atividades exercidas em condições especiais, a partir de 3 de dezembro de 1998, data da publicação da MP nº 1.729.
O Supremo Tribunal Federal, em julgado com repercussão geral, firmou entendimento no sentido de que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não há direito à aposentadoria especial. Contudo, havendo demonstração de que o uso do EPI, no caso concreto, não é suficiente para afastar a nocividade, deve ser reconhecida a especialidade do trabalho. Em relação ao ruído, o STF considerou que a exposição a níveis superiores aos limites de tolerância causa prejuízos ao organismo humano que vão além dos relacionados à perda das funções auditivas. Assim, a utilização do EPI não garante a eliminação dos efeitos do agente nocivo ruído, pois existem fatores de difícil ou impossível controle que influenciam a sua efetividade. Esta é a redação da tese firmada no Tema 555:
I - O direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que, se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial; II - Na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria. (ARE 664335, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 04/12/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-029 DIVULG 11-02-2015 PUBLIC 12-02-2015)
No período posterior à MP nº 1.729, o uso de EPI se revela, de per si, ineficaz para neutralizar os danos causados ao organismo humano pelo ruído. Com efeito, consoante já identificado pela medicina do trabalho, a exposição a níveis elevados de ruído não causa danos apenas à audição, de sorte que protetores auriculares não são capazes de neutralizar os riscos à saúde do trabalhador. Os ruídos ambientais não são absorvidos apenas pelos ouvidos e suas estruturas condutivas, mas também pela estrutura óssea da cabeça, sendo que o protetor auricular reduz apenas a transmissão aérea e não a óssea, daí que a exposição, durante grande parte do tempo de serviço do segurado produz efeitos nocivos a longo prazo, como zumbidos e distúrbios do sono.
Por essa razão, a declaração do empregador sobre a eficácia do EPI não tem o condão de afastar o reconhecimento da especialidade com base no agente nocivo ruído, conforme a tese firmada no Tema 555 do STF.
Agentes biológicos
Os Decretos nº 2.172/1997 e nº 3.048/1999 não estabelecem o rol de micro-organismos e parasitas infecto-contagiosos vivos e suas toxinas que caracterizam a exposição ocupacional a agentes nocivos biológicos. Apenas preveem as atividades que amparam o enquadramento do tempo de serviço como especial. Essas são as atividades arroladas no código 3.0.1:
a) trabalhos em estabelecimentos de saúde em contato com pacientes portadores de doenças infecto-contagiosas ou com manuseio de materiais contaminados;
b) trabalhos com animais infectados para tratamento ou para o preparo de soro, vacinas e outros produtos;
c) trabalhos em laboratórios de autópsia, de anatomia e anátomo-histologia;
d) trabalho de exumação de corpos e manipulação de resíduos de animais deteriorados;
e) trabalhos em galerias, fossas e tanques de esgoto;
f) esvaziamento de biodigestores;
g) coleta e industrialização do lixo.
A avaliação da nocividade dos agentes biológicos é qualitativa, ou seja, a simples presença no ambiente de trabalho desses agentes faz presumir a nocividade, independentemente de mensuração. A caracterização da especialidade, nesses casos, não decorre, portanto, do tempo de exposição aos agentes biológicos, nem da concentração ou intensidade desses agentes no ambiente de trabalho.
Para que se caracterize a habitualidade e a permanência do tempo de trabalho em condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física (referidas no artigo 57, §3º, da Lei n° 8.213), a exposição ao agente nocivo deve ser ínsita ao desenvolvimento das atividades cometidas ao trabalhador, integrada à sua rotina de trabalho. Exegese diversa levaria à inutilidade da norma protetiva, pois em raras atividades a sujeição direta ao agente nocivo se dá durante toda a jornada de trabalho e, em muitas delas, a exposição em tal intensidade seria absolutamente impossível (TRF 4ª Região, EINF n.º 0003929-54.2008.404.7003, Terceira Seção, Relator Des. Federal Rogério Favreto, D.E. 24/10/2011; TRF 4ª Região, EINF n.º 2007.71.00.046688-7, Terceira Seção, Relator Des. Federal Celso Kipper, D.E. 07/11/2011). Em suma, somente se a exposição ao agente nocivo for eventual ou ocasional, está afastada a especialidade do tempo de serviço.
Além disso, conforme o tipo de atividade, a exposição ao agente nocivo, ainda que não diuturna, configura atividade apta à concessão de aposentadoria especial, tendo em vista que a intermitência na exposição não reduz os danos ou riscos inerentes à atividade. Não é razoável que se retire do trabalhador o direito à redução do tempo de serviço para a aposentadoria, deixando-lhe apenas os ônus da atividade perigosa ou insalubre (TRF 4ª Região, EINF n° 2005.72.10.000389-1, Terceira Seção, Relator Des. Federal João Batista Pinto Silveira, D.E. 18/05/2011; TRF 4ª Região, EINF n° 2008.71.99.002246-0, Terceira Seção, Relator Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. 08/01/2010).
Contribuinte individual
O art. 57 da Lei nº 8.213 não exclui a categoria de segurado contribuinte individual do âmbito subjetivo da aposentadoria especial.
A restrição estabelecida no art. 64 do Decreto nº 3.048/1999, que limita o benefício ao empregado, trabalhador avulso e filiado a cooperativa de trabalho ou de produção, extrapola o poder regulamentar conferido à administração, pois estabelece distinção inexistente na lei.
O fato de a Lei nº 10.666 determinar que as disposições legais sobre aposentadoria especial aplicam-se também ao cooperado filiado à cooperativa de trabalho e de produção que trabalha sujeito a condições especiais não tem o efeito de sanar o vício no Decreto nº 3.048/1999, já que permanece sem amparo legal a exclusão dos contribuintes individuais não filiados a cooperativa de trabalho.
Tampouco se diga que a exclusão do contribuinte individual do âmbito subjetivo da prestação pode ser extraída da interpretação conjunta do art. 57, caput e §6º, com a redação dada pela Lei nº 9.732, que estabelece a fonte de custeio da aposentadoria especial (contribuição sobre a folha de salários prevista no art. 22, inciso II, da Lei nº 8.212). Isso porque a aposentadoria especial é prevista na própria Constituição Federal, sem a limitação a determinada categoria de segurado, de modo que a sua concessão independe da identificação da fonte de custeio.
A matéria já foi enfrentada por este Tribunal:
PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. REMESSA EX OFFICIO. INEXISTÊNCIA. ATIVIDADE PERICULOSA. ELETRICIDADE. REPETITIVO DO STJ. TEMA 534. AVERBAÇÃO DE TEMPO ESPECIAL. CONTRIBUINTE INDIVIDUAL. PROVA DA ATIVIDADE DESEMPENHADA. AUSÊNCIA. PROVA PERICIAL. APOSENTADORIA ESPECIAL. PROVA TESTEMUNHAL. NECESSÁRIA. REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. 1. Hipótese em que a sentença não está sujeita à remessa ex officio, a teor do disposto no artigo 496, § 3º, I, do Código de Processo Civil. 2. A lei em vigor quando da prestação dos serviços define a configuração do tempo como especial ou comum, o qual passa o integrar o patrimônio jurídico do trabalhador, como direito adquirido. 3. Até 28-4-1995 é admissível o reconhecimento da especialidade do trabalho por categoria profissional; a partir de 29-4-1995 é necessária a demonstração da efetiva exposição, de forma não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde, por qualquer meio de prova; e a contar de 6-5-1997 a comprovação deve ser feita por formulário-padrão embasado em laudo técnico ou por perícia técnica. 4. Conforme restou assentado pelo STJ no julgamento de recurso paradigmático, é de ser reconhecida a especialidade do labor para a realização de serviços expostos a tensão superior a 250 Volts (Anexo do Decreto n° 53.831/64) mesmo posteriormente à vigência do Decreto nº 2.172/1997. Ademais, em se tratando de eletricidade (atividade periculosa), o risco potencial de acidente é inerente à própria atividade desempenhada, ainda que o contato seja intermitente. 5. Nos termos do IRDR (Tema 15), esta Corte fixou o entendimento de que a utilização de EPI não afasta a especialidade do labor, pois é presumida a sua ineficácia: i) em períodos anteriores a 3-12-1998; ii) quando há enquadramento da categoria profissional; iii) em relação aos seguintes agentes nocivos: ruído, agentes biológicos, agentes cancerígenos (como asbestos e benzeno) e agentes periculosos (como eletricidade). 6. O artigo 64 do Decreto N° 3.048/99, ao limitar a concessão de aposentadoria especial ao segurado empregado, trabalhador avulso e contribuinte individual cooperado, extrapola os limites da Lei de Benefícios que se propôs a regulamentar - razão pela qual o segurado contribuinte individual faz jus ao reconhecimento de tempo de serviço prestado em condições especiais, desde que comprove o exercício das atividades prejudiciais à saúde ou à integridade física. 7. Tampouco se verifica óbice à concessão de aposentadoria especial ao contribuinte individual por ausência de custeio específico, tendo em conta o recolhimento de contribuição de forma diferenciada (20%, nos termos do artigo 21 da Lei n° 8.212/1991), e também o financiamento advindo da contribuição das empresas (previsto no artigo 57, § 6º, da Lei n° 8.213/91), de acordo com o princípio da solidariedade que rege a Previdência Social. 8. Diferentemente de quando presente a figura do empregador, ao qual compete a entrega, substituição, treinamento e fiscalização do uso do EPI, o contribuinte individual é o responsável pela higidez das próprias condições de trabalho, inclusive no que se refere ao correto uso de EPIs. 9. Cabe ser anulada sentença com reabertura de instrução processual quando houver necessidade de realização de atos necessários pelo juízo de primeiro grau (prova pericial e testemunhal). (TRF4, AC 5000706-81.2017.4.04.7006, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relatora CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, juntado aos autos em 01/07/2021)
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. APOSENTADORIA. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. FALTA DE INTERESSE DE AGIR. ATIVIDADE REALIZADA EM AMBIENTE HOSPITALAR. EXPOSIÇÃO A AGENTES NOCIVOS BIOLÓGICOS. HABITUALIDADE E PERMANÊNCIA. CONTRIBUINTE INDIVIDUAL. APOSENTADORIA ESPECIAL. 1. Em 3 de setembro de 2019, o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento do RE 631.240/MG e, em sede de repercussão geral, assentou entendimento no sentido da indispensabilidade do prévio requerimento administrativo como pressuposto para que se possa ingressar com ação judicial para o fim de obter a concessão de benefício previdenciário. 2. Nos casos em que se pretende prestação ou vantagem inteiramente nova ao patrimônio jurídico do autor, como regra, exige-se a demonstração de que o interessado já deduziu sua pretensão ao conhecimento da autarquia previdenciária e não obteve a resposta desejada. A falta de prévio requerimento administrativo de concessão deve implicar a extinção do processo judicial sem resolução de mérito, por ausência de interesse de agir. 3. É considerada especial a atividade exercida em ambiente hospitalar, desde que as tarefas específicas desenvolvidas pelo trabalhador, mesmo que não se relacionem diretamente com a enfermagem, exponham-no a efetivo e constante risco de contágio por agentes nocivos biológicos em período razoável da jornada diária de trabalho. 4. Se o desempenho de atribuições eminentemente administrativas e burocráticas em estabelecimento hospitalar não envolve o contato direto, habitual e prolongado com pacientes portadores de doenças infectocontagiosas ou o manuseio de materiais contaminados, a atividade não é enquadrada como especial. 5. O contribuinte individual, se comprova o exercício de atividade nociva à saúde, tem direito ao reconhecimento da especialidade do respectivo tempo de serviço, pois o art. 57 da Lei nº 8.213 não exclui essa categoria de segurado dos beneficiários da aposentadoria especial. 6. Para ter direito à aposentadoria especial, a parte autora deve preencher os requisitos previstos no art. 57 da Lei nº 8.213, quais sejam: a carência prevista no art. 142 da referida lei e o tempo de trabalho sujeito a condições prejudiciais à sua saúde ou à sua integridade física durante 15, 20 ou 25 anos, a depender da atividade desempenhada. (TRF4, AC 5000993-49.2015.4.04.7124, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 29/06/2021)
Desse modo, não há óbice, nesse particular, ao reconhecimento da atividade especial.
Caso concreto
A controvérsia diz respeito ao reconhecimento da especialidade do período de 29/04/1995 a 24/02/2014, em que o autor exerceu a atividade de cirurgião-dentista, na condição de contribuinte individual.
A prova pericial similar, realizada na ação previdenciária nº 5005109-52.2015.404.7107, avaliou as condições ambientais de trabalho de segurado que trabalhou na função de cirurgião-dentista em consultório odontológico particular, no período de 01/03/1981 a 05/08/2014. O perito constatou a exposição a agentes nocivos biológicos, radiações ionizantes e mercúrio, com enquadramento no Quadro Anexo ao Decreto nº 53.831/1964 (códigos 1.1.4, 1.2.8 e 1.3.2), no Anexo I do Decreto nº 83.080/1979 (códigos 1.1.3, 1.2.8, 1.3.4 e 2.1.3), no Anexo IV dos Decretos nº 2.172/1997 e 3.048/1999 (códigos 1.0.15 e 3.0.1) e na NR 13, Anexos 5, 13 e 14 (evento 1, laudo34).
Em relação aos agentes biológicos, o laudo pericial destacou que o contato era permanente. Nesse sentido, transcreve-se o seguinte trecho do laudo:
O tipo de atividade executada pelo autor o obrigava a manter contato com sangue, fluidos corporais, pus (exsudado patológico) e a própria respiração dos pacientes, nos momentos de extrações, obturações, remoções de abcessos e tratamentos de canal. Outra circunstância que tornava mais crítica a contaminação era o emprego de água sob pressão, acoplada à broca, que provocava refluxo e respingos dos elementos retirados e contaminados (sangue e pus). Assim havia o contato permanente com germes e materiais infectocontagiantes e a potencialidade de contaminação por doenças como hepatite (A e C), HIV, H1N1, tuberculose, sarampo, herpes zoster, varicela e demais enfermidades por fungos/bactérias/vírus.
Já a perícia efetuada na ação previdenciária nº 128/1140000143-0 verificou as condições de trabalho na função de auxiliar de saúde bucal, desempenhada no próprio consultório do autor. O laudo pericial concluiu igualmente pela exposição a agentes nocivos biológicos e mercúrio. Contudo, ressalvou que o mercúrio empregado na preparação de amálgamas (liga metálica) foi sendo paulatinamente substituído por resinas, principalmente acrílicas, mas ainda é usado. Observou que, atualmente, o mercúrio é fornecido em cápsulas misturadas com prata e com dispositivo de mistura que substituiu a forma manual que exigia a manipulação direta do produto.
No caso presente, a sentença entendeu que a exposição aos agentes nocivos biológicos se dava de forma intermitente, pois nem todos os pacientes apresentavam doenças infectocontagiosas, em vista da natureza da prestação de serviço.
No entanto, cabe considerar que basta apenas um único momento de contato com material contaminado ou paciente infectado, para que haja o contágio. Demais, o contato com pacientes portadores de moléstias infectocontagiosas é ínsito à funções desempenhadas habitualmente dentro de ambulatórios, postos de vacinação e outros estabelecimentos destinados aos cuidados da saúde humana. Portanto, é manifesta a permanência da exposição aos agentes nocivos biológicos, visto que integra o cotidiano do trabalho do autor.
No caso de profissões desenvolvidas em estabelecimentos de saúde, os equipamentos de proteção individual utilizados não neutralizam por completo a exposição aos agentes nocivos, diante do risco de acidentes em locais contaminados por diversidade de bactérias e vírus, cuja infestação pode se dar por via digestiva, respiratória ou por contato através da pele.
Em casos análogos a jurisprudência deste Tribunal já reconheceu a especialidade do tempo de serviço:
PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. DENTISTA. AGENTES BIOLÓGICOS. CONTRIBUINTE INDIVIDUAL. APOSENTADORIA ESPECIAL. REQUISITOS. CONCESSÃO. IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO. 1. No ambiente de trabalho odontológico, o risco de contágio por agentes biológicos pode ser entendido como inerente às atividades de todos os profissionais que no desempenho de suas funções diuturnas mantenham contato com pacientes ou materiais por eles utilizados, mesmo que não se possa dizer que todos os pacientes sejam portadores de doença infecto contagiosa, ou que o contato com esse tipo de paciente seja permanente. 2. Em atividades sujeitas a agentes de natureza biológica, o uso de equipamentos de proteção não se revela capaz de neutralizar os riscos decorrentes das atividades exercidas pela parte autora, na condição de dentista, pois, assim como os demais profissionais da área da saúde, estava exposta aos chamados riscos do trabalho, que podem vir a ocasionar danos físicos e emocionais, tanto por acidentes do trabalho típicos quanto por doenças ocupacionais, gerados por meio de contaminação, sendo um dos mais comuns o chamado ferimento punctório, mais conhecido como 'risco da picada de agulha', para os quais a utilização de EPI resta ineficiente. Portanto, o emprego desses acessórios não é suficiente para descaracterizar a especialidade do tempo de serviço sob análise. 3. Comprovada a exposição da segurada a agente nocivo, na forma exigida pela legislação previdenciária aplicável à espécie, possível reconhecer-se a especialidade da atividade laboral por ela exercida. 4. Esta Turma posiciona-se pela possibilidade de reconhecimento da especialidade das atividades exercidas por segurado autônomo/contribuinte individual. 5. Tem direito à aposentadoria especial a segurada que possui 25 anos de tempo de serviço especial e implementa os demais requisitos para a concessão do benefício. 6. Determinada a imediata implantação do benefício. (TRF4, AC 5000295-59.2019.4.04.7138, QUINTA TURMA, Relatora GISELE LEMKE, juntado aos autos em 09/03/2021)
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. REQUISITOS. ATIVIDADE ESPECIAL. DENTISTA. CATEGORIA PROFISSIONAL. AGENTES BIOLÓGICOS. HABITUALIDADE E PERMANÊNCIA. USO E EFICÁCIA DE EPI. CONTRIBUINTE INDIVIDUAL. FONTE DE CUSTEIO. ART. 57, § 8º, DA LEI DE BENEFÍCIOS. CONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA. TEMA 709 DO STF. 1. O reconhecimento da especialidade da atividade exercida sob condições nocivas é disciplinado pela lei em vigor à época em que efetivamente exercido, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador (STJ, Recurso Especial Repetitivo n. 1.310.034). 2. Até 28-04-1995 é admissível o reconhecimento da especialidade por categoria profissional ou por sujeição a agentes nocivos, aceitando-se qualquer meio de prova (exceto para ruído, calor e frio); a partir de 29-04-1995 não mais é possível o enquadramento por categoria profissional, devendo existir comprovação da sujeição a agentes nocivos por qualquer meio de prova até 05-03-1997; a partir de então, por meio de formulário embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica; e, a partir de 01-01-2004, passou a ser necessária a apresentação do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), que substituiu os formulários SB-40, DSS 8030 e DIRBEN 8030, sendo este suficiente para a comprovação da especialidade desde que devidamente preenchido com base em laudo técnico e contendo a indicação dos responsáveis técnicos legalmente habilitados, por período, pelos registros ambientais e resultados de monitoração biológica, eximindo a parte da apresentação do laudo técnico em juízo. 3. A atividade de dentista exercida até 28-04-1995 deve ser reconhecida como especial em decorrência do enquadramento por categoria profissional. 4. A exposição a agentes biológicos decorrentes do contato com pacientes portadores de doenças infecto-contagiosas ou materiais infecto-contagiantes enseja o reconhecimento do tempo de serviço como especial. 5. A exposição de forma intermitente aos agentes biológicos não descaracteriza o risco de contágio, uma vez que o perigo existe tanto para aquele que está exposto de forma contínua como para aquele que, durante a jornada, ainda que não de forma permanente, tem contato com tais agentes. 6. Os equipamentos de proteção individual não têm o condão de afastar ou prevenir o risco de contaminação pelos agentes biológicos (Item 3.1.5 do Manual da Aposentadoria Especial editado pelo INSS, 2017). 7. É possível o reconhecimento de atividade especial desenvolvida pelo contribuinte individual para efeito de concessão de benefício de aposentadoria, desde que adequada e suficientemente comprovada, como ocorreu no caso dos autos. 8. O fato de o autor ser sócio ou proprietário do estabelecimento não impede o reconhecimento da especialidade se restar comprovado que desempenhava as atividades sujeitando-se aos agentes insalubres de forma habitual e permanente. Considerando que a parte autora exercia as atividades próprias da profissão de dentista, não há falar em eventualidade da prestação de serviços e, em consequência, ausência de habitualidade e permanência da exposição aos agentes nocivos. 9. O tempo de serviço sujeito a condições nocivas à saúde, prestado pela parte autora na condição de contribuinte individual, deve ser reconhecido como especial, tendo em vista que: (a) a Lei de Benefícios da Previdência Social, ao instituir, nos artigos 57 e 58, a aposentadoria especial e a conversão de tempo especial em comum, não excepcionou o contribuinte individual; (b) o Regulamento da Previdência Social, ao não possibilitar o reconhecimento, como especial, do tempo de serviço prestado pelo segurado contribuinte individual que não seja cooperado, filiado a cooperativa de trabalho ou de produção, estabeleceu diferença não consignada em lei para o exercício de direito de segurados que se encontram em situações idênticas, razão pela qual extrapola os limites da lei e deve ser considerado nulo nesse tocante; (c) para a concessão de aposentadoria especial, prevista nos artigos 57 e 58 da Lei de Benefícios, existe específica indicação legislativa de fonte de custeio (parágrafo 6º do mesmo art. 57 supracitado, combinado com o art. 22, inc. II, da Lei n. 8.212/91); (d) sequer haveria, no caso, necessidade de específica indicação legislativa da fonte de custeio, uma vez que se trata de benefício previdenciário previsto pela própria Constituição Federal (art. 201, § 1º c/c art. 15 da EC n. 20/98), hipótese em que sua concessão independe de identificação da fonte de custeio, consoante precedentes do STF. 10. Comprovado o labor sob condições especiais por mais de 25 anos e implementada a carência mínima, é devida a aposentadoria especial, a contar da data do requerimento administrativo, nos termos do § 2º do art. 57 c/c art. 49, II, da Lei n. 8.213/91. 11. De acordo com a tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal (Tema 709 da Repercussão Geral), é constitucional a vedação de continuidade da percepção de aposentadoria especial se o beneficiário permanece laborando em atividade especial ou a ela retorna, seja essa atividade especial aquela que ensejou a aposentação precoce ou não. 12. Nas hipóteses em que o segurado solicitar a aposentadoria e continuar a exercer o labor especial, a data de início do benefício será a data de entrada do requerimento, remontando a esse marco, inclusive, os efeitos financeiros; efetivada, contudo, seja na via administrativa, seja na judicial, a implantação do benefício, uma vez verificada a continuidade ou o retorno ao labor nocivo, cessará o pagamento do benefício previdenciário em questão. (TRF4, AC 5007628-69.2016.4.04.7202, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 26/05/2021)
Assim, deve ser reconhecido o exercício de atividade em condições especiais, salvo nas competências em que não houve o recolhimento das contribuições previdenciárias devidas pelo contribuinte individual (05/2003, 07/2003 a 12/2003, 02/2004, 11/2004 a 02/2005, 04/2005 a 11/2005, 01/2006 a 02/2006). O tempo de serviço especial, então, abrange os seguintes períodos: 29/04/1995 a 30/04/2003, 01/06/2003 a 30/06/2003, 01/01/2004 a 31/01/2004, 01/03/2004 a 31/10/2004, 01/03/2005 a 31/03/2005, 01/12/2005 a 31/12/2005, 01/03/2006 a 24/02/2014.
Requisitos para a aposentadoria especial
No processo nº 5013407-67.2014.404.7107, a parte autora postulou o reconhecimento do exercício de trabalho sob condições especiais no período de 01/06/1983 a 28/04/1995 e a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, a partir do requerimento administrativo (24/02/2014).
A sentença julgou procedentes os pedidos, porém a Turma Recursal afastou o cômputo do tempo de serviço nas competências de 09/1992, 05/1993, 07/1993, 08/1993 e 07/1994 e, por consequência, o reconhecimento da especialidade desses períodos. A sentença foi mantida em relação em relação aos intervalos de 01/06/1983 a 31/08/1992, de 01/10/1992 a 30/04/1993, de 01/06/1993 a 30/06/1993, de 01/09/1993 a 30/06/1994 e de 01/08/1994 a 28/04/1995.
A contagem do tempo de serviço especial do autor, considerando os períodos reconhecidos neste processo e na ação anterior, consta no quadro a seguir:
Período | Tempo de atividade especial |
01/06/1983 a 31/08/1992 | 9 anos e 3 meses |
01/10/1992 a 30/04/1993 | 7 meses |
01/06/1993 a 30/06/1993 | 1 mês |
01/09/1993 a 30/06/1994 | 10 meses |
01/08/1994 a 28/04/1995 | 8 meses e 28 dias |
29/04/1995 a 30/04/2003 | 8 anos e 2 dias |
01/06/2003 a 30/06/2003 | 1 mês |
01/01/2004 a 31/01/2004 | 1 mês |
01/03/2004 a 31/10/2004 | 8 meses |
01/03/2005 a 31/03/2005 | 1 mês |
01/12/2005 a 31/12/2005 | 1 mês |
01/03/2006 a 24/02/2014 | 7 anos, 11 meses e 24 dias |
A soma do tempo de atividade especial corresponde a 28 anos, 5 meses e 24 dias. Logo, o autor preencheu os requisitos para a concessão de aposentadoria especial.
O INSS deve proceder à revisão da aposentadoria por tempo de contribuição, transformando-a em aposentadoria especial, desde a data de início do benefício (24/02/2014).
Correção monetária e juros de mora
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema nº 810, declarou a inconstitucionalidade do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança. Em relação aos juros de mora, reputou constitucional a aplicação do índice de remuneração da caderneta de poupança (RE 870.947, Relator Ministro Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 20/09/2017).
Os embargos de declaração opostos no RE 870.947 foram rejeitados pelo STF, não sendo acolhido o pedido de modulação temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade.
Dessa forma, devem ser observados os critérios de correção monetária e juros de mora fixados no Tema nº 905 do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.495.146/MG, REsp 1.492.221/PR, REsp 1.495.144/RS, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 22/02/2018):
3.2 Condenações judiciais de natureza previdenciária.
As condenações impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária, no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91. Quanto aos juros de mora, incidem segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança (art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei n. 11.960/2009).
Assim, a correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada parcela, conforme a variação do INPC, a partir de abril de 2006 (art. 41-A da Lei nº 8.213/1991).
Os juros moratórios incidem conforme a taxa de juros da caderneta de poupança, de forma simples (não capitalizada), a contar da citação.
Honorários advocatícios
Incumbe ao réu o pagamento de honorários advocatícios, pois a pretensão foi acolhida em sua maior parte, configurando-se a sucumbência mínima do autor.
Tendo em vista as disposições do art. 85, §§ 2º e 3º, do CPC, arbitra-se a verba honorária sobre as parcelas vencidas até a data do julgamento da apelação (Súmula 111 do STJ; Súmula 76 deste Tribunal), no percentual mínimo de cada uma das faixas de valor do art. 85, §3º.
Implantação imediata da revisão do benefício
Considerando os termos do art. 497 do CPC, que repete dispositivo constante do art. 461 do antigo CPC, e o fato de que, em princípio, esta decisão não está sujeita a recurso com efeito suspensivo (TRF4, AC 2002.71.00.050349-7, Terceira Seção, Relator para Acórdão Celso Kipper, D.E. 01/10/2007), o julgado deve ser cumprido imediatamente, observando-se o prazo de trinta dias úteis para a revisão do benefício postulado.
Conclusão
Dou parcial provimento à apelação da parte autora, para condenar o INSS a: a) reconhecer o exercício de atividade em condições especiais nos períodos de 29/04/1995 a 30/04/2003, 01/06/2003 a 30/06/2003, 01/01/2004 a 31/01/2004, 01/03/2004 a 31/10/2004, 01/03/2005 a 31/03/2005, 01/12/2005 a 31/12/2005, 01/03/2006 a 24/02/2014; b) revisar a aposentadoria por tempo de contribuição do autor, transformando-a em aposentadoria especial, desde a data de início do benefício (24/02/2014); c) pagar as diferenças vencidas da renda mensal inicial, com atualização monetária e juros de mora nos termos da fundamentação.
De ofício, concedo a tutela específica.
Em face do que foi dito, voto no sentido de dar parcial provimento à apelação da parte autora e, de ofício, conceder a tutela específica.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002638451v35 e do código CRC 8c59de1e.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 5/8/2021, às 15:26:27
Conferência de autenticidade emitida em 13/08/2021 04:01:22.
Apelação Cível Nº 5015469-12.2016.4.04.7107/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: FERNANDO MASSA (AUTOR)
ADVOGADO: ELIANE PATRICIA BOFF (OAB RS042375)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
previdenciário. processual civil. prova pericial. exercício de atividade especial. contribuinte individual. exposição a agentes biológicos. cirurgião-dentista. permanência.
1. A anulação da sentença, para que seja realizada prova pericial, é prescindível, no caso em que as provas necessárias para o julgamento da questão encontram-se juntadas aos autos.
2. Admite-se a prova emprestada, uma vez que o seu uso não apenas respeita o princípio da economia processual, mas também possibilita que os princípios do contraditório e da ampla defesa possam também ser exercidos no processo para o qual a prova foi trasladada.
3. O contribuinte individual, se comprova o exercício de atividade nociva à saúde, tem direito ao reconhecimento da especialidade do respectivo tempo de serviço, pois o art. 57 da Lei nº 8.213 não exclui essa categoria de segurado dos beneficiários da aposentadoria especial.
4. É considerada nociva a atividade que, apesar de não estar diretamente relacionada diretamente com a enfermagem, exige o contato com pacientes portadores de doenças infectocontagiosas ou com manuseio de materiais contaminados.
5. A avaliação da nocividade do trabalho em contato com agentes nocivos biológicos é qualitativa, ou seja, a simples presença no ambiente de trabalho desses agentes faz presumir a nocividade, independente de mensuração.
6. Se o trabalhador, no desempenho cotidiano da função de cirurgião-dentista, tem contato com agentes nocivos biológicos, considera-se a exposição permanente, por conta de risco de contágio sempre presente.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação da parte autora e, de ofício, conceder a tutela específica, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 20 de julho de 2021.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002638452v5 e do código CRC d738b960.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 5/8/2021, às 15:26:27
Conferência de autenticidade emitida em 13/08/2021 04:01:22.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 13/07/2021 A 20/07/2021
Apelação Cível Nº 5015469-12.2016.4.04.7107/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): EDUARDO KURTZ LORENZONI
APELANTE: FERNANDO MASSA (AUTOR)
ADVOGADO: ELIANE PATRICIA BOFF (OAB RS042375)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 13/07/2021, às 00:00, a 20/07/2021, às 14:00, na sequência 54, disponibilizada no DE de 02/07/2021.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA E, DE OFÍCIO, CONCEDER A TUTELA ESPECÍFICA.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
Votante: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 13/08/2021 04:01:22.