Apelação Cível Nº 5024652-22.2020.4.04.9999/PR
RELATORA: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELANTE: VALDECI DOARTE DA COSTA
APELADO: OS MESMOS
RELATÓRIO
Tratam-se de apelações interpostas em face de sentença que julgou procedente em parte o pedido, nos seguintes termos (
):3. DISPOSITIVO Ante ao exposto, com fundamento no art. 487, inciso I, do CPC, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão inicial para o fim de: - DETERMINAR a conversão do período especial de 01/11/1993 a 01/10/1994, 01/10/1994 a 28/04/1995, 01/04/1998 a 12/02/2000, 01/09/2000 a 06/03/2009, 01/09/2009 a 04/06/2015 e de 01/12/2015 a 23/07/2018, para comum com a incidência do coeficiente multiplicador correspondente à época do trabalho;
- CONDENAR o INSS a revisar o benefício previdenciário de aposentadoria por tempo de contribuição do autor, considerando-se o tempo de contribuição total e, a PAGAR DE UMA SÓ VEZ AS DIFERENÇAS EM ATRASO, desde o requerimento administrativo até a data que o benefício for efetivamente revisado.
As partes foram vencidas e vencedoras em partes de seus pleitos, tendo a parte autora decaído em relação aos pedidos de reconhecimento de atividade rural, motivo pelo qual fixo a sucumbência na proporção de 30% à parte autora e 70% à parte ré em relação às custas processuais e honorários advocatícios, estes arbitrados em 10% (vinte por cento) sobre o valor da causa, observados o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação do serviço, a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço. Em relação à parte autora, tais verbas ficam suspensas, vez que concedo o benefício da assistência judiciária gratuita, na forma do art. 98 do CPC.
Os valores atrasados sofrerão incidência de juros moratórios segundo a remuneração da caderneta de poupança, na forma do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09 e deverão ser corrigidos monetariamente pelo IPCA-E, em ambos os casos, desde o vencimento de cada parcela, conforme entendimento firmado pelo STF em regime de repercussão geral no Recurso Extraordinário 870947 / SE.
Incabível o reexame necessário, pois, ainda que incerto o valor da condenação por ocasião da prolação da sentença, tornou-se certo e líquido, uma vez que, por simples cálculo aritmético, é possível verificar que o proveito econômico, obtido com a condenação, não excederá 1.000(mil) salários mínimos, montante exigível para a admissibilidade do art. 496, § 3º, I, do NCPC.
A parte autora recorre quanto ao reconhecimento de labor rural anterior aos 12 anos de idade, bem assim do tempo especial de 01/10/1991 a 01/04/1993 (
).A seu turno, o INSS apela em relação ao reconhecimento do tempo especial, atacando as conclusões do laudo pericial. Quanto ao ruído, defende a necessidade de observação da metodologia da NHO-01 (
).Oportunizada a apresentação de contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Juízo de Admissibilidade
Os apelos preenchem os requisitos de admissibilidade.
Do Tempo de Serviço Rural
Acerca do reconhecimento de tempo de serviço rural, o art. 55, §§ 2º e 3º, da Lei 8.213/1991, com a redação dada pela Lei 13.846/2019, exige a apresentação de início de prova material (documental):
Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento, compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado:
[...]
§ 2º O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento.
§ 3º A comprovação do tempo de serviço para os fins desta Lei, inclusive mediante justificativa administrativa ou judicial, observado o disposto no art. 108 desta Lei, só produzirá efeito quando for baseada em início de prova material contemporânea dos fatos, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, na forma prevista no regulamento.
A jurisprudência a respeito da matéria encontra-se pacificada, retratada na Súmula 149 do Superior Tribunal de Justiça, que possui o seguinte enunciado: A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de benefício previdenciário.
O reconhecimento do tempo de serviço rural exercido em regime de economia familiar aproveita tanto ao arrimo de família quanto aos demais membros do grupo familiar que com ele laboram, porquanto a todos estes integrantes foi estendida a condição de segurado, nos termos do art. 11, inc. VII, da Lei 8.213/1991 (STJ, REsp 506.959/RS, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJU 10/11/2003).
A relação de documentos referida no art. 106 da Lei 8.213/1991 para comprovação do tempo rural é apenas exemplificativa, sendo admitidos, como início de prova material, quaisquer documentos que indiquem, direta ou indiretamente, o exercício da atividade rural no período controvertido, inclusive em nome de outros membros do grupo familiar, em conformidade com o teor da Súmula n.º 73 deste Tribunal Regional Federal: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental." (DJU, Seção 2, de 02/02/2006, p. 524).
Ainda sobre a extensão do início de prova material em nome de membro do mesmo grupo familiar, “o trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar”, mas, “em exceção à regra geral (...) a extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana” (Temas nº 532 e 533, respectivamente, do Superior Tribunal de Justiça, de 19/12/2012).
O início de prova material, de outro lado, não precisa abranger todo o período cujo reconhecimento é postulado, bastando ser contemporâneo aos fatos alegados. A prova testemunhal, desde que robusta, é apta a comprovar os claros não cobertos pela prova documental (STJ, AgRg no REsp 1.217.944/PR, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma, julgado em 25/10/2011, DJe 11/11/2011; TRF4, EINF 0016396-93.2011.4.04.9999, Terceira Seção, Relator Celso Kipper, D.E. 16/04/2013).
No mesmo sentido, já restou firmado pelo Colendo STJ, na Súmula 577 (DJe 27/06/2016), que "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório.".
Do Caso Concreto - Tempo Rural Anterior aos 12 Anos de Idade
É certo que a Sexta Turma do Tribunal Regional da 4ª Região, no julgamento proferido na Ação Civil Pública 5017267-34.2013.404.7100/RS, decidiu pela possibilidade do cômputo de período de trabalho realizado antes dos doze anos de idade.
Extrai-se da ementa do acórdão:
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA MOVIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PARA AFASTAR A IDADE MÍNIMA PREVISTA NO ART. 11 DA LEI 8.213/91 PARA FINS DE RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO E DE CONTRIBUIÇÃO. INTERESSE DE AGIR DO MPF. RECONHECIMENTO. EFEITOS JURÍDICOS DA SENTENÇA. ABRANGÊNCIA NACIONAL DA DECISÃO PROLATADA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ART. 16 DA LEI. 7.347/85. INTERPRETAÇÃO DO ART. 7º, XXXIII DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. TRABALHO INFANTIL X PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA. REALIDADE FÁTICA BRASILEIRA. INDISPENSABILIDADE DE PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA ÀS CRIANÇAS. POSSIBILIDADE DE SER COMPUTADO PERÍODO DE TRABALHO SEM LIMITAÇÃO DE IDADE MÍNIMA. ACP INTEGRALMENTE PROCEDENTE. JULGAMENTO PELO COLEGIADO AMPLIADO. ART. 942 DO CPC. RECURSO DO MPF PROVIDO. APELO DO INSS DESPROVIDO.
[...]
4. Mérito. A limitação etária imposta pelo INSS e que o Ministério Público Federal quer ver superada tem origem na interpretação que se dá ao art. 7º, XXXIII da Constituição Federal, que veda qualquer trabalho para menores 16 anos, salvo na condição de aprendiz. 5. Efetivamente, a aludida norma limitadora traduz-se em garantia constitucional existente em prol da criança e do adolescente, vale dizer, norma protetiva estabelecida não só na Constituição Federal, mas também na legislação trabalhista, no ECA (Lei 8.079/90) em tratados internacionais (OIT) e nas normas previdenciárias. 6. No entanto, aludidas regras, editadas para proteger pessoas com idade inferior a 16 anos, não podem prejudicá-las naqueles casos em que, não obstante a proibição constitucional e legal, efetivamente, trabalharam durante a infância ou a adolescência. 7. Não obstante as normas protetivas às crianças, o trabalho infantil ainda se faz presente no seio da sociedade. São inúmeras as crianças que desde tenra idade são levadas ao trabalho por seus próprios pais para auxiliarem no sustento da família. Elas são colocadas não só em atividades domésticas, mas também, no meio rural em serviços de agricultura, pecuária, silvicutura, pesca e até mesmo em atividades urbanas (vendas de bens de consumos, artesanatos, entre outros). 8. Além disso, há aquelas que laboram em meios artísticos e publicitários (novelas, filmes, propagandas de marketing, teatros, shows). E o exercício dessas atividades, conforme a previsão do art. 11 da Lei nº 8.213/91, enseja o enquadramento como segurado obrigatório da Previdência Social. 9. É sabido que a idade mínima para fins previdenciários é de 14 anos, desde que na condição de aprendiz. Também é certo que a partir de 16 anos o adolescente pode obter a condição de segurado com seu ingresso no mercado de trabalho oficial e ainda pode lográ-lo como contribuinte facultativo. 10. Todavia, não há como deixar de considerar os dados oficiais que informam existir uma gama expressiva de pessoas que, nos termos do art. 11 da LBPS, apesar de se enquadrarem como segurados obrigatórios, possuem idade inferior àquela prevista constitucionalmente e não têm a respectiva proteção previdenciária. 11. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) no ano de 2014, o trabalho infantil no Brasil cresceu muito em comparação com os anos anteriores, quando estava em baixa. 12. E, de acordo com o IBGE, no ano de 2014 havia 554 mil crianças de 5 a 13 anos trabalhando. Na atividade agrícola, nesta mesma faixa etária, no ano de 2013 trabalhavam 325 mil crianças, enquanto no ano de 2014 passou a ser de 344 mil, um aumento de 5,8%. Já no ano de 2015, segundo o PNAD (IBGE) houve novamente uma diminuição de 19,8%. No entanto, constatou-se o aumento de 12,3% do 'trabalho infantil na faixa entre 5 a 9 anos'. 13. O Ministério do Trabalho e Previdência Social - MPTS noticia que em mais de sete mil ações fiscais realizadas no ano de 2015, foram encontradas 7.200 crianças em situação de trabalho irregular. Dos 7.200 casos, 32 crianças tinham entre 0 e 4 - todas encontradas no Amazonas. Outras 105 estavam na faixa etária de 5 a 9 anos e foram encontradas, também, no Amazonas (62) e nos estados de Pernambuco (13), Pará (7) Roraima (5), Acre (4) Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul (3 em cada Estado), Bahia e Sergipe (2 em cada Estado). Na Paraíba, Rio de Janeiro, Rondônia e Tocantins encontrou-se uma criança em cada Estado com essa faixa etária de 5 a 9 anos. 14. Insta anotar que a realidade fática revela a existência de trabalho artístico e publicitário com nítido objetivo econômico e comercial realizados com a autorização dos pais, com a anuência do Poder Judiciário, de crianças recém nascidas, outras com 01, 2, 3, 4 e 5 anos de idade. Aliás, é possível a proteção previdenciária nesses casos? No caso de eventual ocorrência de algum acidente relacionado a esse tipo de trabalho, a criança teria direito a algum benefício previdenciário, tal como o auxílio acidente? 15. No campo da seguridade social extrai-se da norma constitucional (art. 194, parágrafo único) o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento que preconiza que a proteção social deve alcançar a todos os trabalhadores do território nacional que dela necessitem. Por corolário lógico, incluem-se nessa proteção social aquelas crianças ou adolescentes que exerceram algum tipo de labor. 16. A despeito de haver previsão legal quanto ao limite etário (art. 13 da Lei 8.213/91, art. 14 da Lei 8.212/91 e arts. 18, § 2º do Decreto 3.048/99) não se pode negar que o trabalho infantil, ainda que prestado à revelia da fiscalização dos órgãos competentes, ou mediante autorização dos pais e autoridades judiciárias (caso do trabalho artístico e publicitário), nos termos dos arts. 2º e 3º da CLT, configura vínculo empregatício e fato gerador do tributo à seguridade, nos termos do inciso I do art. 195 da Constituição Federal. 17. Assim, apesar da limitação constitucional de trabalho do infante (art. 157, IX da CF/46, art. 165, X da CF/67 e art. 7º, XXIII, da CF/88), para fins de proteção previdenciária, não há como fixar também qualquer limite etário, pois a adoção de uma idade mínima ensejaria ao trabalhador dupla punição: a perda da plenitude de sua infância em razão do trabalho realizado e, de outro lado, o não reconhecimento, de parte do INSS, desse trabalho efetivamente ocorrido. 18. Ressalte-se, contudo, que para o reconhecimento do trabalho infantil para fins de cômputo do tempo de serviço é necessário início de prova material, valendo aquelas documentais existentes em nome dos pais, além de prova testemunhal idônea. 19. Desse modo, para fins de reconhecimento de tempo de serviço e de contribuição pelo exercício das atividades descritas no art. 11 da Lei 8.213/91, mostra-se possível ser computado período de trabalho realizado antes dos 12 anos de idade, qual seja sem a fixação de requisito etário. 20. Recurso do INSS desprovido. Apelação do MPF provida. (TRF4, AC 5017267-34.2013.4.04.7100, SEXTA TURMA, Relatora para Acórdão SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, juntado aos autos em 12/04/2018) - Sem grifos no original.
Depreende-se da leitura do julgado que o objetivo é proteger a criança que, não obstante a proibição constitucional e legal de trabalho infantil, efetivamente exerceu atividade laborativa para auxiliar no sustento familiar, em detrimento das atribuições próprias da idade, incluindo estudo e lazer.
No entanto, não é possível confundir o labor infantil com o mero auxílio prestado pelos filhos aos pais, sem prejuízo da alfabetização e das demais atividades inerentes à faixa etária.
Não se olvida que em algumas regiões do País, em casos específicos, são impostas às crianças rotinas de trabalhos equivalentes às de um adulto, situação que, então, pode ensejar a vinculação à Previdência Social e o reconhecimento do tempo de serviço.
Trata-se, porém, de situação excepcional, que não corresponde à realizada comumente vivenciada no meio rural, principalmente na região sul do País.
Como regra, o trabalho rural de uma criança de 8, 9, 10, 11 anos de idade, até em razão da compleição física e das habilidades ainda em desenvolvimento, não se apresenta de modo indispensável ou relevante para o sustento da família, a ponto de caracterizar a condição de segurado especial.
Por conta disso, para o reconhecimento do tempo rural antes dos 12 anos de idade, a prova deve demonstrar, de forma firme e clara, que o trabalho exercido era imprescindível para o sustento da família, não consistindo em mera colaboração.
É preciso também que essa criança tenha sido exigida a ponto de não conseguir frequentar regularmente a escola local ou dispor de momentos de lazer, para convivência com outras crianças da mesma localidade ou com a própria família.
Disso tudo, parece claro que a análise do tempo rural anterior aos 12 anos não se resume à apresentação de início de prova material em nome dos pais e testemunhos genéricos acerca da vinculação da família ao meio rural.
Justamente por se tratar de exceção, o trabalho rural infantil, para ser comprovado, demanda conjunto probatório mais consistente, o que não se verifica no presente caso, de modo que não há como ser acolhido o recurso da parte autora.
Destaco que o próprio segurado, em seu recurso, afirma que a subsistência de sua família advinha do exercício de atividades eminentemente rurais, contando com o auxílio dos filhos.
A prova testemunhal (transcrita no apelo da parte autora) informa que estudava na escola rural localizada mais próxima ao sítio onde residia, localizada na Água do Marfim, que quando não estava na escola, estava trabalhando na roça.(...) o autor saia da escola e ajudava o pai a trabalhar na roça, que levava comida na roça, que limpava tronco de café. Relata que o autor estudou em uma escola próxima da comunidade, que o autor morava com os pais e irmãos.
Concluo, portanto, indevido o reconhecimento do tempo rural antes dos 12 anos de idade, pois a prova não foi capaz de demonstrar, de forma firme e clara, que o trabalho exercido era imprescindível para o sustento da família, não consistindo em mera colaboração.
Mérito
Tempo de Serviço Especial
O reconhecimento da especialidade da atividade é disciplinado pela lei em vigor à época em que efetivamente exercida, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Desse modo, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente uma lei nova que venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.
Dito isso, tendo em vista a diversidade de diplomas legais que se sucederam na disciplina da matéria, necessário definir qual a legislação aplicável ao caso concreto, ou seja, qual a legislação vigente quando da prestação da atividade pela parte autora.
Tem-se, então, a seguinte evolução legislativa quanto ao tema:
a) no período de trabalho até 28/04/1995, quando vigente a Lei 3.807/1960 (Lei Orgânica da Previdência Social) e suas alterações e, posteriormente, a Lei 8.213/1991, em sua redação original (arts. 57 e 58), possível o reconhecimento da especialidade do trabalho quando houver a comprovação do exercício de atividade enquadrável como especial nos decretos regulamentadores e/ou na legislação especial, ou quando demonstrada a sujeição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova, exceto quanto à exposição a ruído e calor, além do frio, em que necessária a mensuração de seus níveis, por meio de parecer técnico trazido aos autos ou simplesmente referido no formulário padrão emitido pela empresa;
b) a partir de 29/04/1995, inclusive, foi definitivamente extinto o enquadramento por categoria profissional - à exceção daquelas a que se refere a Lei 5.527/1968, cujo enquadramento por categoria deve ser feito até 13/10/1996, dia anterior à publicação da Medida Provisória 1.523, de 14/10/1996, que revogou expressamente a Lei em questão - de modo que, no interregno compreendido entre 29/04/1995 (ou 14/10/1996) e 05/03/1997, em que vigentes as alterações introduzidas pela Lei 9.032/1995 no art. 57 da Lei de Benefícios, necessária a demonstração efetiva da exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente, para tanto, a apresentação de formulário padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico, ressalvados os agentes nocivos ruído, calor e frio, em relação aos quais é imprescindível a perícia técnica, conforme visto acima;
c) após 06/03/1997, quando vigente o Decreto 2.172/1997, que regulamentou as disposições introduzidas no art. 58 da Lei de Benefícios pela Lei 9.528/1997, passou-se a exigir, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário padrão, embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica.
d) a partir de 01/01/2004, passou a ser necessária a apresentação do Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP, que substituiu os formulários SB-40, DSS 8030 e DIRBEN 8030, sendo este suficiente para a comprovação do tempo especial desde que devidamente preenchido com base em laudo técnico e contendo a indicação dos responsáveis técnicos legalmente habilitados, por período, pelos registros ambientais e resultados de monitoração biológica, eximindo a parte da apresentação do laudo técnico em juízo. Nesse sentido, cumpre destacar que o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que, em regra, trazido aos autos o PPP, dispensável a juntada do respectivo laudo técnico ambiental, inclusive em se tratando de ruído, na medida em que o documento já é elaborado com base nos dados existentes no LTCAT. Ressalva-se, todavia, a necessidade da apresentação desse laudo quando idoneamente impugnado o conteúdo do PPP (STJ, Petição 10.262/RS, Primeira Seção, Relator Ministro Sérgio Kukina, DJe de 16/02/2017).
Observo, ainda, quanto ao enquadramento das categorias profissionais, que devem ser considerados os Decretos 53.831/1964 (Quadro Anexo - 2ª parte), 72.771/1973 (Quadro II do Anexo) e 83.080/1979 (Anexo II) até 28/04/1995, data da extinção do reconhecimento da atividade especial por presunção legal, ressalvadas as exceções acima mencionadas. Já para o enquadramento dos agentes nocivos, devem ser considerados os Decretos 53.831/1964 (Quadro Anexo - 1ª parte), 72.771/1973 (Quadro I do Anexo) e 83.080/1979 (Anexo I) até 05/03/1997, e, a partir de 06/03/1997, os Decretos 2.172/1997 (Anexo IV) e 3.048/1999, ressalvado o agente nocivo ruído, ao qual se aplica também o Decreto 4.882/2003. Além dessas hipóteses de enquadramento, sempre possível, também, a verificação da especialidade da atividade no caso concreto, por meio de perícia técnica, nos termos da Súmula 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos (STJ, AGRESP n. 228832/SC, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, DJU de 30/06/2003).
Ainda, o STJ firmou a seguinte tese no Tema 534: As normas regulamentadoras que estabelecem os casos de agentes e atividades nocivos à saúde do trabalhador são exemplificativas, podendo ser tido como distinto o labor que a técnica médica e a legislação correlata considerarem como prejudiciais ao obreiro, desde que o trabalho seja permanente, não ocasional, nem intermitente, em condições especiais (art. 57, § 3º, da Lei 8.213/1991).
Acerca da conversão do tempo especial em comum, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial Repetitivo 1.151.363, do qual foi Relator o Ministro Jorge Mussi, pacificou o entendimento de que é possível a conversão mesmo após 28/05/1998.
Assim, considerando que o § 5.º do art. 57 da Lei 8.213/1991 não foi revogado nem expressa, nem tacitamente pela Lei 9.711/1998 e que, por disposição constitucional (art. 15 da Emenda Constitucional 20, de 15/12/1998), permanecem em vigor os artigos 57 e 58 da Lei de Benefícios até que a lei complementar a que se refere o art. 201, § 1º, da Constituição Federal, seja publicada, é possível a conversão de tempo de serviço especial em comum inclusive após 28/05/1998.
Agente Nocivo Ruído
Em se tratando de agente nocivo ruído, indispensável a existência de laudo técnico pericial para comprovar a exposição permanente e habitual ao agente agressivo, acima do limite permitido, a fim de caracterizar a atividade como especial.
O código 1.1.6 do Decreto 53.831/1964 previa que a especialidade deveria ser considerada para exposição a níveis de ruído superiores a 80 dB(A). Com a edição do Decreto 2.172, de 06 de março de 1997, esse índice foi alterado para 90 dB(A) - código 2.0.1. Ainda, após 18/11/2003, o limite foi fixado em 85 dB(A), conforme dispõe o Decreto 4.882/2003.
De outro lado, ainda que a partir da Lei 9.732/1998 seja obrigatória a informação pelo empregador acerca da utilização de tecnologia de proteção individual ou coletiva para diminuição/eliminação dos agentes nocivos presentes no ambiente de trabalho, com base em laudo técnico (art. 58, §2º, da LBPS), quanto ao agente agressivo ruído o uso de EPI, ainda que elimine a insalubridade, não descaracteriza o tempo de serviço especial.
Registro que o Supremo Tribunal Federal, em decisão proferida nos autos do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 664.335, em que foi relator o Min. Luiz Fux, cuja ata de julgamento foi publicada no DJE de 17/12/2014, definiu que o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que, se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial.
O Tribunal assentou, ainda, a tese de que, na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria.
Com relação à variação do nível de ruído a que foi submetido o segurado, houve julgamento do acórdão paradigma do Tema 1.083 do STJ em 18/11/2021, com publicação em 25/11/2021, em que restou fixada a seguinte tese:
O reconhecimento do exercício de atividade sob condições especiais pela exposição ao agente nocivo ruído, quando constatados diferentes níveis de efeitos sonoros, deve ser aferido por meio do Nível de Exposição Normalizado (NEN). Ausente essa informação, deverá ser adotado como critério o nível máximo de ruído (pico de ruído), desde que perícia técnica judicial comprove a habitualidade e a permanência da exposição ao agente nocivo na produção do bem ou na prestação do serviço.
Portanto, não é mais aplicável a média ponderada ou aritmética. Necessária apresentação de laudo técnico com indicação do nível equivalente de ruído e, em caso de ausência, há possibilidade de utilização do pico.
Quanto ao método de aferição do agente nocivo ruído, esta Corte Regional tem posicionamento segundo o qual a utilização de metodologia diversa da prevista na NHO-01 da FUNDACENTRO não inviabiliza o reconhecimento da especialidade, bastando que a exposição esteja embasada em estudo técnico realizado por profissional habilitado para tanto (AC 5015224-47.2015.4.04.7200, Turma Regional Suplementar de SC, Relator Paulo Afonso Brum Vaz, em 19/09/2019; AC 5001695-25.2019.4.04.7101, Sexta Turma, Relator João Batista Pinto Silveira, em 06/08/2020; AC 5003527-77.2017.4.04.7129, Quinta Turma, Relatora Gisele Lemke, em 08/07/2020).
Do Caso Concreto
A sentença reconheceu o labor especial de 01/11/1993 a 01/10/1994, 01/10/1994 a 28/04/1995, 01/04/1998 a 12/02/2000, 01/09/2000 a 06/03/2009, 01/09/2009 a 04/06/2015 e de 01/12/2015 a 23/07/2018, apoiada no laudo pericial do
.A autarquia defende a reforme da sentença no tocante a todos os períodos. Para tanto, advoga (
):O ilustre perito, na perícia, afirma que o autor intercalava a atividade de motorista com a atividade de marceneiro, com o intento de declarar a especialidade da atividade; no entanto, não é o que resulta da carteira de trabalho da parte autora, não é o que resulta do PPP fornecido pelas empresas e juntado no processo administrativo.
Sobre a perícia em si, o ilustre perito não fez medições ambientais em todos os locais e equipamentos em condições de uso. Com efeito, não há registro de que o ilustre perito tenha feito medições efetivas na empresa em que o autor teria exercido atividade parcial como marceneiro.
Além disso, na aferição do ruído o ilustre perito não apresenta os documentos extraídos a partir dos equipamentos utilizados, não apresenta a planilha de medições realizadas, não descreve a técnica utilizada para a medição. A única referência concreta é à NR 15, que não é utilizada para a realização da medição em si desde 2003, pelo menos. Isso torna inviável aceitar as medições realizadas pelo ilustre período.
Na atividade de motorista, o autor nunca esteve exposto a ruído, porque o equipamento utilizado não emitia ruído excessivo. Não havia, também, a incidência de outros fatores.
Na profissão de marceneiro, que o autor exerceu apenas em certo intervalo, o ilustre perito declara a especialidade pelo contato com ruído, no entanto, não há evidência de que tenha sido realizada nenhuma medição dentro de padrões técnicos, não há informação sobre manutenção do layout laboral (porque a perícia foi realizada em 2020, mas a atividade foi realizada no início da década de 1990).
Já a parte autora recorre quanto ao lapso de 01/10/1991 a 01/04/1993, quando exerceu a atividade de Ajudante de Motorista junto ao empregador Pedro Dirso Cecatto. Afirma ser possível o enquadramento por atividade profissional, pois o CBO 98590 corresponde a outros condutores de ônibus, caminhões e veículos similares, metropolitanos e rodoviários.
Pedro Dirso Cecatto - 01/10/1991 a 01/04/1993
Conforme PPP (
, p. 1/2) exerceu a função de ajudante de motorista com as seguintes incumbências: auxiliar o motorista na carga e descarga; realizar pequenos reparos nos tacos; higienizar bolas de sinuca; realizar demais atividades inerentes à função.Até 28/04/1995, a atividade de motorista e ajudante de caminhão possuía enquadramento profissional no código 2.4.4 do Decreto 53.831/1964, razão pela qual a parte faz jus ao reconhecimento da especialidade.
Indústria e locação de bilhares D. C. Quatro Ltda.
Nos termos dos PPPs (
) exerceu três funções distintas:a) 01/11/1993 a 01/10/1994: na função de marceneiro confeccionava e restaurava mesas de bilhar, estando exposto a ruído de 83 dB(A), poeira, acetona e tolueno não medidos. O responsável técnico assina apenas o período de 07/2017 a 07/2018.
b) 01/10/1994 a 01/04/1998: na atividade de auxiliar de motorista trabalhava na carga e descarga, realizava reparos nos tacos, higienizava bolas de sinuca;
c) 01/04/1998 a 12/02/2000, 01/09/2000 a 06/03/2009, 01/09/2009 a 04/06/2015, 01/12/2015 a 23/07/2018: na função de motorista transportava, coletava e entregava mercadorias, trabalhava na carga e descarga, realizava cobranças, efetuava reparos nos tacos, higienizava bolas de sinuca.
O PPRA (
), dos anos 2017/2018, informa que, na função de marceneiro, a exposição aos agentes nocivos era habitual.No curso da ação foi realizada perícia nesta empresa, na presença do autor e da técnica de segurança do trabalho. Conforme o laudo, durante todo o vínculo com Indústria e Locação de Bilhares D. C. Quatro Ltda., o segurado alternou as atividades de marceneiro e motorista:
Trabalhava duas semanas por mês viajando, dirigindo caminhão do tipo ¾ com carroceria, no transporte de mesas de bilhar novas e retornando com mesas de bilhar velhas para serem reformadas. (...) Nas outras duas semanas do mês o Autor ficava ajudando dentro da marcenaria.
(...)
Atividade: ajudando no barracão da marcenaria, durante duas semanas por mês. O ruído das máquinas da marcenaria são de:
• Serra fita = 99 decibéis;
• Serra circular = 96 decibéis;
• Destopadeira = 102 decibéis;
• Desengrossadeira = 105 decibéis;
• Plaina = 104 decibéis.
• Lixadeira = 87 decibéis.
Todos os ruídos estão acima dos 85 dB(A). O ruído é excessivo tornando o ambiente insalubre em grau médio.
(...)
Considerando a explanação acima, este Perito passa a analisar os períodos em que o Autor dirigia caminhão, para ver se há enquadramento na Penosidade.
1. Análise do(s) veículo(s) efetivamente conduzido(s) pelo trabalhador.
O caminhão que o Autor dirigia era de pequeno porte, com carroceria tipo ¾, não havendo motivo para penosidade pelo simples fato de dirigir.
2. Análise dos trajetos.
Trajeto: O trajeto normal era de Jaguapitã para as cidades de Lapa, São Mateus do Sul, Chapecó e outras situadas no roteiro. A maior parte do trajeto é em pista simples, com traçado antigo das rodovias, com muitas curvas e em alguns trechos em condições precárias de conservação, além de muitos trechos com alto fluxo de caminhões e outros veículos. Neste caso, há motivo para penosidade devido as condições da rodovia, a qual é propícia a acidentes e mantém o motorista em alto stress.
3. Análise das cargas.
Não foi relatada carga especial.
4. Análise das jornadas.
A jornada de trabalho não era excessiva. Não transportava carga perecível com horário para chegar e entregar.
A narrativa de alternância das atividades, que se opõe aos registros emitidos pela empresa, pode até guardar pertinência quando se examina a trajetória profissional do autor. Porém, na ausência de outros elementos, não é suficiente a infirmar as anotações do PPP, afastando as atividades ali anotadas e o cargo para o qual fora contratado, correspondente àquele registrado na CTPS.
Assim, no exame do tempo especial, será considerada a atividade informada nos registros emitidos pela empresa.
Na função de marceneiro, tanto o documento emitido pela empresa, quando o laudo técnico, afirmam exposição ao ruído, sempre superior a 80 dB(A). Sendo o período (01/11/1993 a 01/10/1994) anterior a 06/03/1997, possível o enquadramento como especial.
As atividades de motorista e ajudante de caminhão, conforme antes afirmado, até 28/04/1995, possuíam enquadramento profissional no código 2.4.4 do Decreto 53.831/1964.
A partir deste marco, extinto o enquadramento por categoria profissional, necessária a demonstração efetiva da exposição ao agente nocivos ou à penosidade, na linha do que a jurisprudência tem entendido.
A Terceira Seção desta Corte, em decisão proferida no IAC 5033888-90.2018.404.0000 (Tema 5), da relatoria do Desembargador Federal João Batista Pinto Silveira, decidiu que deve ser admitida a possibilidade de reconhecimento do caráter especial das atividades de motorista, ou de cobrador de ônibus, em virtude da penosidade, ainda que a atividade tenha sido prestada após a extinção da previsão legal de enquadramento por categoria profissional pela Lei 9.032/95, desde que tal circunstância seja comprovada por meio de perícia judicial individualizada, possuindo o interessado direito de produzir tal prova (
).Não há trânsito em julgado da decisão até o momento, dada a interposição de recursos especial e extraordinário pelo INSS.
Por coincidir com meu entendimento a respeito da matéria, transcrevo parte do voto proferido pelo Desembargador Federal Sebastião Ogê Muniz no mesmo julgamento (
):Ora, do teor do artigo 57, parágrafo 4º, da Lei nº 8.213/1991, na redação dada pela Lei nº 9.032/1995, e também do teor do artigo 58, caput, da mesma Lei, na redação dada pela Lei nº 9.528/1997, depreende-se o seguinte:
a) a opção do legislador é no sentido de que a natureza especial do tempo de serviço seja aferida com base na exposição do segurado a agentes nocivos químicos, físicos ou biológicos, ou a uma associação desses agentes;
b) essa exposição tem que ser permanente, não podendo ser ocasional, nem intermitente;
c) a feitura da relação desses agentes nocivos ficou a cargo do Poder Executivo.
De fato, ao regulamentar a matéria, o Poder Executivo apresentou a relação dos agentes considerados nocivos.
A jurisprudência, é verdade, considera que essa relação não é exaustiva.
Isto, por si só, não abre espaços para a criação de outros critérios para o reconhecimento da natureza especial de determinado tempo de serviço do segurado, que não decorram de sua exposição a agentes nocivos físicos, químicos ou biológicos, ou a uma associação desses agentes.
A criação de novos critérios, que não estejam baseados na exposição do segurado a esses agentes, vai além dos contornos estabelecidos pelo legislador, para esse fim.
A hipótese em exame não se insere dentre aquelas que admitem a colmatação de lacunas pela via judicial.
(...)
No que tange ao termo "penosidade", teço as considerações que se seguem.
Trata-se de um termo que não possui definição legal e cujo sentido pode variar bastante, à luz da visão subjetiva de quem o interpreta.
Sua adoção, como fator para o reconhecimento da natureza especial da atividade de um segurado - independentemente de sua exposição a quaisquer agentes químicos, físicos ou biológicos, ou a uma associação desses agentes -, não encontra suporte nos dispositivos constitucionais e legais que regem a matéria, antes mencionados.
Consigno que, embora haja sido extinta a possibilidade de reconhecimento da natureza especial do tempo de serviço do motorista de ônibus e do cobrador de ônibus, com base no critério do enquadramento por categoria profissional, remanesce em vigor a possibilidade de reconhecimento dessa natureza, com base nos critérios aplicáveis a todos os demais segurados.
Não obstante, com ressalva adiro ao entendimento que prevaleceu no julgamento citado, compreendendo como possível a contagem especial do tempo de serviço do motorista ou cobrador de ônibus, após a Lei 9.032/95, quando comprovada a penosidade da atividade.
Cumpre então saber em que termos deve se dar referida comprovação.
Observo, de início, que o próprio relator do Incidente, Desembargador Federal João Batista Pinto Silveira, ressalta a necessidade de fixação de critérios objetivos para a realização de perícia técnica, o que se mostra especialmente dificultoso na averiguação da penosidade. Assim estabeleceu o Relator, naquele feito:
2 - Dos critérios de reconhecimento da penosidade
Restringindo-me às atividades de motorista ou de cobrador de ônibus, que foi a delimitação estabelecida pela Terceira Seção desta Corte na proposição do presente incidente, e tendo como parâmetro a conceituação anteriormente exposta, em que se associa a penosidade à necessidade de realização de esforço fatigante, à necessidade de concentração permanente, e/ou à necessidade de manutenção de postura prejudicial à saúde, submeto à apreciação da Seção os seguintes parâmetros a serem observados pelos peritos judiciais na aferição da existência de eventual penosidade na prestação dessa atividade.
1. Análise do(s) veículo(s) efetivamente conduzido(s) pelo trabalhador. O perito deverá diligenciar junto à(s) empresa(s) empregadora(s) para descobrir a marca, o modelo e o ano de fabricação do(s) veículo(s) conduzido(s) e, de posse dessas informações, poderá analisar se existia ou não penosidade na atividade em razão da necessidade de realização de esforço fatigante, como, por exemplo, na condução do volante, na realização da troca das marchas, ou em outro procedimento objetivamente verificável. No caso dos motoristas de ônibus deverá ser averiguado se a posição do motor ficava junto à direção, ocasionando desconfortos ao trabalhador, como, por exemplo, vibrações, ruído e calor constantes (ainda que inferiores aos patamares exigidos para reconhecimento da insalubridade da atividade, mas elevados o suficiente para qualificar a atividade como penosa em virtude da constância da exposição), ou outro fator objetivamente verificável.
2. Análise dos trajetos. O profissional deverá identificar qual(is) a(s) linha(s) percorrida(s) pelo trabalhador e analisar se existia, nesse transcurso, penosidade em razão de o trajeto incluir localidades consideradas de risco em razão da alta incidência de assaltos ou outras formas de violência, ou ainda em razão de o trajeto incluir áreas de difícil acesso e/ou trânsito em razão de más condições de trafegabilidade, como, por exemplo, a ausência de pavimentação.
3. Análise das jornadas. Deverá o profissional aferir junto à empresa se, dentro da jornada laboral habitualmente desempenhada pelo trabalhador, era-lhe permitido ausentar-se do veículo, quando necessário à satisfação de suas necessidades fisiológicas.
Realizando o perito judicial a análise das atividades efetivamente desempenhadas pelo trabalhador com base nos critérios objetivos acima descritos, e detectando a existência, de forma habitual e permanente, de qualquer das circunstâncias elencadas, ou outra que, embora não aventada no presente julgamento, seja passível de expor trabalhador a desgaste considerado penoso, e desde que seja demonstrável mediante critérios objetivos, considero ser possível o reconhecimento da especialidade das atividades de motorista ou de cobrador de ônibus, independentemente da época em que prestada. (negritei)
Como se percebe, foram formulados espécie de quesitos que devem ser respondidos pelos peritos para avaliação das condições de trabalho dos motoristas e cobradores de ônibus. Da leitura, nota-se que os critérios estabelecidos levaram em conta tratar-se de atividades: a) exercidas com vínculo empregatício; e b) acerca das quais, como regra, existem registros escritos contemporâneos para subsidiar as conclusões do experto. Informações como marca, modelo e ano de fabricação do veículo, posição do motor, linha percorrida e circulação em localidades consideradas de risco ou de difícil acesso, foram consideradas essenciais para a construção do laudo.
A delimitação da abrangência do IAC à penosidade das atividades de motorista ou de cobrador de ônibus foi, inclusive, matéria debatida naquele julgado, merecendo destaque o que constou no voto do Desembargador Federal Osni João Cardoso (
):Destaca-se, também, que período cuja especialidade se busca reconhecer, no caso concreto, mantém relação à profissão de cobrador de ônibus. Sob este aspecto, mantida a similitude de condições de trabalho, no mesmo espaço físico e nas mesmas condições físicas, é possível considerar que deva o objeto ser apreciado com a abrangência suficiente a dar solução unitária.
Não se pode admitir, por fim, a extensão do objeto do incidente de modo a alcançar também a atividade de motorista de caminhão, ainda que guarde esta atividade pontos comuns com a de motorista de ônibus, pois deve o incidente se conformar aos limites objetivos da lide.
Não obstante, com o tempo as Turmas Previdenciárias deste Tribunal passaram a admitir também a contagem especial, pela penosidade, do tempo de serviço dos motoristas de caminhão, em face da similaridade das atividades.
Partindo da ideia de que as atividades são similares, para o segurado que trabalhou como motorista de caminhão na condição de empregado também será necessário que o empregador disponibilize ao perito aqueles dados essenciais mínimos referidos no IAC (marca, modelo e ano de fabricação do veículo conduzido, percurso percorrido, tipo de carga transportada, dentre outros).
No caso dos autos, o perito examinando tais critérios apenas referiu que o trajeto é em pista simples, com traçado antigo das rodovias, com muitas curvas e em alguns trechos em condições precárias de conservação, além de muitos trechos com alto fluxo de caminhões e outros veículos. Neste caso, há motivo para penosidade devido as condições da rodovia, a qual é propícia a acidentes e mantém o motorista em alto stress.
Tais constatações não se amoldam aos critérios antes vistos (alta incidência de assaltos ou outras formas de violência, ou ainda em razão de o trajeto incluir áreas de difícil acesso e/ou trânsito em razão de más condições de trafegabilidade, como, por exemplo, a ausência de pavimentação), não sendo suficientes, isoladamente, a caracterizar a penosidade.
Nestas condições, afasto o reconhecimento de atividade especial a contar de 29/04/1995.
Revisão da Aposentadoria
Considerando que o autor titulariza aposentadoria por tempo de contribuição (
), é devida a revisão de seu benefício a partir do acréscimo de 01 ano, 9 meses e 16 dias ao tempo apurado.Da Tutela Específica
Tendo em vista o disposto no art. 497 do CPC e a circunstância de que os recursos excepcionais, em regra, não possuem efeito suspensivo, fica determinado ao INSS o imediato cumprimento deste julgado, mediante revisão da renda mensal do beneficiário.
Correção Monetária e Juros
A atualização monetária das parcelas vencidas deve observar o INPC no que se refere ao período compreendido entre 11/08/2006 e 08/12/2021, conforme deliberação do STJ no julgamento do Tema 905 (REsp 1.495.146 - MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DE 02/03/2018), inalterado após a conclusão do julgamento, pelo Plenário do STF, de todos os EDs opostos ao RE 870.947 (Tema 810 da repercussão geral), pois rejeitada a modulação dos efeitos da decisão de mérito.
Quanto aos juros de mora, entre 29/06/2009 e 08/12/2021, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice oficial aplicado à caderneta de poupança, por força da Lei 11.960/2009, que alterou o art. 1º-F da Lei 9.494/97, conforme decidido pelo Pretório Excelso no RE 870.947 (Tema STF 810).
A partir de 09/12/2021, para fins de atualização monetária e juros de mora, impõe-se a observância do artigo 3º da Emenda Constitucional 113/2021, segundo o qual, "nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), acumulado mensalmente".
Honorários
Diante da significativa parcela de períodos que não foram reconhecidos, entendo se tratar da hipótese de sucumbência recíproca entre as partes.
Desse modo, condeno o INSS ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 5% sobre o valor das parcelas vencidas até a data do presente julgamento, a teor das Súmulas 111 do STJ e 76 desta Corte. Condeno também a parte autora ao pagamento dos honorários advocatícios, fixados no valor de um salário-mínimo vigente na data de publicação deste julgamento, a fim evitar condenação em valor irrisório. Resta suspensa a exigibilidade da verba face a concessão da gratuidade.
Assinalo ainda que, sendo caso de sentença prolatada na vigência do Código de Processo Civil de 2015, é vedada a compensação, a teor do disposto no art. 85, §14.
Prequestionamento
No que concerne ao prequestionamento, tendo sido a matéria analisada, não há qualquer óbice, ao menos por esse ângulo, à interposição de recursos aos tribunais superiores.
Conclusão
Dar parcial provimento ao recurso da parte autora para reconhecer como especial o período de 01/10/1991 a 01/04/1993.
Dar parcial provimento ao recurso do INSS para afastar o reconhecimento dos períodos especiais a contar de 29/04/1995.
Adequar, de ofício, parcialmente, os consectários legais.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento às apelações, e, de ofício, adequar parcialmente os consectários legais, bem como determinar a imediata revisão do benefício via CEAB.
Documento eletrônico assinado por ELIANA PAGGIARIN MARINHO, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003778930v28 e do código CRC 8de7c6ae.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ELIANA PAGGIARIN MARINHO
Data e Hora: 5/4/2023, às 18:21:37
Conferência de autenticidade emitida em 27/04/2023 04:34:27.
Apelação Cível Nº 5024652-22.2020.4.04.9999/PR
RELATORA: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELANTE: VALDECI DOARTE DA COSTA
APELADO: OS MESMOS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. REVISIONAL. RURAL. TEMPO ANTERIOR A 12 ANOS. TEMPO ESPECIAL. RUÍDO. METODOLOGIA. PENOSIDADE. MOTORISTA. CORREÇÃO MONETÁRIA.
1. Para o reconhecimento do tempo rural antes dos 12 anos de idade, a prova deve demonstrar, de forma firme e clara, que o trabalho exercido era imprescindível para o sustento da família, não consistindo em mera colaboração.
2. Comprovada a exposição a níveis de ruído superiores aos limites de tolerância previstos nos decretos regulamentadores, há que ser reconhecida a especialidade da atividade.
3. Quanto ao método de aferição do agente nocivo ruído, esta Corte Regional tem posicionamento segundo o qual a utilização de metodologia diversa da prevista na NHO-01 da FUNDACENTRO não inviabiliza o reconhecimento da especialidade, bastando que a exposição esteja embasada em estudo técnico realizado por profissional habilitado.
4. Conforme decidido no IAC 5033888-90.2018.404.0000 (Tema 5), deve ser admitida a possibilidade de reconhecimento do caráter especial das atividades de motorista, ou de cobrador de ônibus, em virtude da penosidade, ainda que a atividade tenha sido prestada após a extinção da previsão legal de enquadramento por categoria profissional pela Lei 9.032/95, desde que tal circunstância seja comprovada por meio de perícia judicial individualizada, possuindo o interessado direito de produzir tal prova.
5. Diante do reconhecimento da inconstitucionalidade do uso da TR como índice de correção monetária (Tema 810 do STF), aplica-se, nas condenações previdenciárias, o INPC a partir de 04/2006. Os juros de mora incidem a contar da citação, no percentual de 1% ao mês até 29/06/2009 e, a partir de então, segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, calculados sem capitalização. A partir de 09/12/2021, incidirá a SELIC para fins de atualização monetária, remuneração do capital e juros de mora, de acordo com a variação do índice, acumulada mensalmente, uma única vez, até o efetivo pagamento (art. 3º da EC 113/2021).
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento às apelações, e, de ofício, adequar parcialmente os consectários legais, bem como determinar a imediata revisão do benefício via CEAB, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 18 de abril de 2023.
Documento eletrônico assinado por ELIANA PAGGIARIN MARINHO, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003778931v4 e do código CRC 880621d0.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ELIANA PAGGIARIN MARINHO
Data e Hora: 18/4/2023, às 20:14:50
Conferência de autenticidade emitida em 27/04/2023 04:34:27.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 11/04/2023 A 18/04/2023
Apelação Cível Nº 5024652-22.2020.4.04.9999/PR
RELATORA: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
PRESIDENTE: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
PROCURADOR(A): CARMEM ELISA HESSEL
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELANTE: VALDECI DOARTE DA COSTA
ADVOGADO(A): BRUNO ANDRÉ SOARES BETAZZA (OAB PR050951)
APELADO: OS MESMOS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 11/04/2023, às 00:00, a 18/04/2023, às 16:00, na sequência 806, disponibilizada no DE de 28/03/2023.
Certifico que a 11ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 11ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO ÀS APELAÇÕES, E, DE OFÍCIO, ADEQUAR PARCIALMENTE OS CONSECTÁRIOS LEGAIS, BEM COMO DETERMINAR A IMEDIATA REVISÃO DO BENEFÍCIO VIA CEAB.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
Votante: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
Votante: Juiz Federal MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS
Votante: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
LIGIA FUHRMANN GONCALVES DE OLIVEIRA
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 27/04/2023 04:34:27.