Agravo de Instrumento Nº 5020669-39.2020.4.04.0000/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
AGRAVANTE: CLECI CARMEM CASANOVA DE LIMA
AGRAVADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Cuida-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que, em despacho saneador, julgou improcedente o pedido de reconhecimento de atividade rural, nos períodos 02/01/1977 a 31/10/1987 e de 01/12/1999 a 30/07/2005, com fulcro no artigo 356, II, c/c 487, I, ambos do CPC/15.
Sustenta o agravante, em apertada síntese, que os documentos apresentados como início de prova material, apesar de não serem ano após ano, devem ser considerados, como início razoável de prova, ressaltando, ainda, que não há limitação de idade mínima para o reconhecimento da atividade rural. Salienta que deve ser autorizada a produção de prova testemunhal a corroborar a prova documental, com o reconhecimento do período pleiteado.
O agravo foi regularmente processado (ev. 05), não tendo sido apresentada contraminuta.
É o relatório.
VOTO
De início, registro que a decisão foi proferida já na vigência do NCPC e, portanto, é passível de agravo de instrumento, conforme previsto no artigo 354, § único, do CPC/2015.
Quanto ao reconhecimento do tempo de serviço rural, as premissas a serem observadas são as seguintes:
a) a possibilidade de extensão da prova material para período anterior ao documento mais antigo (Súmula nº 577 do STJ: "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório.");
b) A presunção de continuidade do tempo de serviço rural no período compreendido entre os documentos indicativos do trabalho rural no período abrangido pela carência. Neste sentido, Moacyr Amaral Santos faz referência à teoria de Fitting, segundo a qual presume-se a permanência de um estado preexistente, se não for alegada a sua alteração, ou, se alegada, não tiver sido feita a devida prova desta. Amaral Santos, citando Soares de Faria na síntese dos resultados obtidos por Fitting, pontifica que "só a afirmação de uma mudança de um estado anterior necessita de prova, que não a permanência do mesmo: affirmanti non neganti incumbit probatio" (SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária no Cível e Comercial. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1983. v. 1, p. 102);
c) A ampliação da abrangência do início de prova material pertinente ao período de carência a períodos anteriores ou posteriores à sua datação, desde que complementado por robusta prova testemunhal, uma vez que "não há exigência de que o início de prova material se refira a todo o período de carência, para fins de aposentadoria por idade do trabalhador rural" (AgRg no AREsp 194.962/MT), bem como que "basta o início de prova material ser contemporâneo aos fatos alegados e referir-se, pelo menos, a uma fração daquele período, corroborado com prova testemunhal, a qual amplie sua eficácia probatória" (AgRg no AREsp 286.515/MG), entendimentos esses citados com destaque no voto condutor do acórdão do REsp nº 1349633 - representativo de controvérsia que consagrou a possibilidade da retroação dos efeitos do documento tomado como início de prova material, desde que embasado em prova testemunhal. Vide Súmula nº 577 do STJ (supracitada) e recentes julgados da Terceira Seção: AR 4.507/SP, AR 3.567/SP, EREsp 1171565/SP, AR 3.990/SP e AR 4.094/SP;
d) a inviabilidade de comprovação do labor rural através de prova exclusivamente testemunhal (REsp 1133863/RN, Rel. Ministro CELSO LIMONGI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/12/2010, DJe 15/04/2011);
e) segundo a jurisprudência da 3ª Seção deste Regional, a utilização de maquinário e eventual de diaristas não afasta, por si só, a qualidade de segurado especial porquanto ausente qualquer exigência legal no sentido de que o trabalhador rural exerça a atividade agrícola manualmente.(TRF4, EINF 5023877-32.2010.404.7000, Terceira Seção, Relator p/ Acórdão Rogerio Favreto, juntado aos autos em 18/08/2015);
f) a admissão, como início de prova material e nos termos da Súmula 73 deste Tribunal, de documentos de terceiros, membros do grupo parental;
g) o fato de que o tamanho da propriedade rural não é, sozinho, elemento que possa descaracterizar o regime de economia familiar desde que preenchidos os demais requisitos (REsp 1403506/MG, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/12/2013, DJe 16/12/2013);
h) segundo a Lei nº 12.873/2013, que alterou, entre outros, o art. 11 da LB, "o grupo familiar poderá utilizar-se de empregados contratados por prazo determinado ou de trabalhador de que trata a alínea g do inciso V do caput, à razão de no máximo 120 (cento e vinte) pessoas por dia no ano civil, em períodos corridos ou intercalados ou, ainda, por tempo equivalente em horas de trabalho, não sendo computado nesse prazo o período de afastamento em decorrência da percepção de auxílio-doença". Deixou-se de exigir, assim, que a contratação ocorresse apenas em épocas de safra (ROCHA, Daniel Machado da; BALTAZAR JR., José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. São Paulo: Altas, 2015, p. 63);
i) de acordo com a jurisprudência do STJ, o exercício de atividade urbana pelo rurícola não afasta, por si só, sua condição de segurado especial. No entanto, não se considera segurado especial quando ficar demonstrado que o trabalho urbano constitui a principal atividade laborativa do requerente e/ou sua principal fonte de renda. (REsp 1483172/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/10/2014, DJe 27/11/2014);
j) o exercício da atividade rural pode ser descontínuo (AgRg no AREsp 327.119/PB, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/06/2015, DJe 18/06/2015);
k) no que tange ao trabalho do boia-fria, o STJ, por meio, entre outros, do REsp 1.321.493, Rel. Min. Herman Benjamin, abrandou as exigências quanto ao início de prova material da atividade rural, desde que complementada através de idônea prova testemunhal;
l) não é admissível desconsiderar a atividade rural exercida por uma criança impelida a trabalhar antes mesmo dos seus 12 anos, sob pena de punir duplamente o Trabalhador, que teve a infância sacrificada por conta do trabalho na lide rural e que não poderia ter tal tempo aproveitado no momento da concessão de sua aposentadoria. Interpretação em sentido contrário seria infringente do propósito inspirador da regra de proteção (AgInt no AREsp 956558 / SP. Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª Truma, DJE 17/06/2020)
Estabelecidas tais premissas, verifica-se que a decisão que julgou improcedente o exercício de atividade rural não pode prosperar, pois não observou as diretrizes firmadas, além de não ter oportunizado a produção de prova testemunhal, a qual poderia corroborar a prova documental que foi trazida ao processo.
Com efeito, o que se verifica é a ocorrência de cerceamento de defesa e a inobservância dos preceitos deste Tribunal para análise da prova, devendo assim, ser autorizado o prosseguimento da ação com a realização de prova testemunhal a ser valorada em conjunto com a prova documental acostada, com novo julgamento de mérito acerca do reconhecimento dos períodos rurais postulados.
Por todas essas razões, tenho que deve ser dado provimento ao agravo de instrumento, para autorizar o prosseguimento da ação com relação aos períodos de atividade rural requeridos.
Ante o exposto, voto por dar provimento ao agravo de instrumento, para autorizar o processamento da ação, com a devida instrução do feito, permitindo-se a produção de prova testemunhal.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001959026v2 e do código CRC 088bedb1.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): PAULO AFONSO BRUM VAZ
Data e Hora: 21/8/2020, às 17:36:49
Conferência de autenticidade emitida em 05/09/2020 12:00:59.
Agravo de Instrumento Nº 5020669-39.2020.4.04.0000/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
AGRAVANTE: CLECI CARMEM CASANOVA DE LIMA
AGRAVADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. tempo rural. prova testemunhal. valoração com prova documental. prosseguimento da ação.
O tempo de serviço rural pode ser comprovado mediante a produção de prova material suficiente, ainda que inicial, complementada por prova testemunhal idônea. Se não foi oportunizada a prova testemunhal, deve ser autorizado o prosseguimento da ação para a valoração da prova em conjunto.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento ao agravo de instrumento, para autorizar o processamento da ação, com a devida instrução do feito, permitindo-se a produção de prova testemunhal, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 20 de agosto de 2020.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002024680v4 e do código CRC 635fa097.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): PAULO AFONSO BRUM VAZ
Data e Hora: 28/8/2020, às 11:58:4
Conferência de autenticidade emitida em 05/09/2020 12:00:59.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 13/08/2020 A 20/08/2020
Agravo de Instrumento Nº 5020669-39.2020.4.04.0000/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal CELSO KIPPER
PROCURADOR(A): WALDIR ALVES
AGRAVANTE: CLECI CARMEM CASANOVA DE LIMA
ADVOGADO: EDUARDO BERKENBROCK (OAB SC035438)
ADVOGADO: GERSON REMI TECCHIO (OAB SC021148)
ADVOGADO: CESAR REITER (OAB SC020988)
ADVOGADO: EVERTON CUNICO (OAB SC051808)
AGRAVADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 13/08/2020, às 00:00, a 20/08/2020, às 16:00, na sequência 327, disponibilizada no DE de 03/08/2020.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO, PARA AUTORIZAR O PROCESSAMENTO DA AÇÃO, COM A DEVIDA INSTRUÇÃO DO FEITO, PERMITINDO-SE A PRODUÇÃO DE PROVA TESTEMUNHAL.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 05/09/2020 12:00:59.