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PREVIDENCIÁRIO. RECEBIMENTO INDEVIDO. ERRO ADMINISTRATIVO. BOA-FÉ. IRREPETIBILIDADE. TRF4. 5003394-48.2023.4.04.9999...

Data da publicação: 18/05/2023, 07:01:11

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. RECEBIMENTO INDEVIDO. ERRO ADMINISTRATIVO. BOA-FÉ. IRREPETIBILIDADE. Não havendo prova de má-fé do segurado no recebimento indevido de benefício na via administrativa, decorrente de má aplicação de norma jurídica, interpretação equivocada ou erro da Administração, não cabe a devolução dos valores, considerando a natureza alimentar e o recebimento de boa-fé. (TRF4, AC 5003394-48.2023.4.04.9999, DÉCIMA TURMA, Relator OSCAR VALENTE CARDOSO, juntado aos autos em 10/05/2023)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5003394-48.2023.4.04.9999/PR

RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: LUCIANO DA SILVA BERNARDO

RELATÓRIO

Trata-se de ação ajuizada pela parte autora em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), objetivando a declaração de inexistência de débito cumulada com pedido de tutela inibitória de urgência.

A tutela de urgência foi deferida, a fim de obstar ao INSS a realização do desconto dos valores do benefício do autor, sob pena de multa (evento 10, OUT1).

Foi proferida sentença, publicada em 07.12.2022, cujo dispositivo tem o seguinte teor (evento 42, SENT1):

IV – DISPOSITIVO

Ante o exposto, com fulcro na Constituição Federal e na Lei 8.213/91, julgo PROCEDENTE o pedido inicial formulado por LUCIANO DA SILVA BERNARDO em face do INSTITUTO NACIONAL DE SEGURO SOCIAL, para:

RECONHECER e DECLARAR a inexistência de débito do autor com relação ao INSS, e a irrepetibilidade de valores, ante a natureza alimentar dos valores recibos e a boa-fé do segurado, intimando a autarquia, a fim de que se abstenha de efetuar a suspensão ou quaisquer descontos no benefício do autor.

CONDENAR o INSS à devolução dos valores já descontados indevidamente no benefício do autor, mesmo tendo conhecimento de sua boa-fé objetiva.

Consequentemente, julgo extinto o presente feito, com resolução de mérito, nos termos do artigo 487, I, do Código de Processo Civil.

Fixo os honorários advocatícios, a serem pagos pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS, no importe de 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, sem prejuízo de eventual condenação em sede de processo executivo.

Condeno, ainda, a autarquia ré ao pagamento integral das custas processuais, nos termos da Súmula nº 178 do Superior Tribunal de Justiça e da Súmula nº 20 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, sendo inaplicável a regra contida no art. 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/1996, à espécie.

Deixo de submeter a presente sentença ao duplo grau obrigatório, em face do disposto no § 3º, inciso I, do artigo 496, do Código de Processo Civil, visto que apesar de ilíquido o valor, é certo que não ultrapassará 1.000 (mil) salários-mínimos.

O INSS apela, sustentando que a renda mensal per capta era superior ao limite legal, sendo impossível o reconhecimento da boa-fé objetiva. Ainda refere que a genitora da autora conta com menos de 65 anos, não se aplicando o entendimento da desconsideração de sua renda. Outrossim defende a possibilidade de restituição dos valores recebidos. Requer o prequestionamento dos dispositivos que elenca (evento 45, OUT1).

Com contrarrazões (evento 52, PET1), vieram os autos a este Tribunal.

É o relatório.

Peço dia para julgamento.

VOTO

Caso Concreto

Na hipótese vertente, a parte autora busca a declaração de inexistência de débito cumulada com pedido de tutela inibitória de urgência.

A sentença, da lavra do MM. Juiz de Direito, Dr. Marcelo Quentin, examinou e decidiu com precisão todos os pontos relevantes da lide, devolvidos à apreciação do Tribunal, assim como o respectivo conjunto probatório produzido nos autos. As questões suscitadas no recurso não têm o condão de ilidir os fundamentos da decisão recorrida. Evidenciando-se a desnecessidade da construção de nova fundamentação jurídica, destinada à confirmação da bem lançada sentença, transcrevo e adoto como razões de decidir os seus fundamentos, in verbis:

III - DO MÉRITO

No presente caso, em se tratando de discussão acerca do recebimento de valores de forma indevida, impõe-se a aplicação do tema 979 do STJ, o qual dispõe o seguinte:

“Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.”

Deste modo, para aferir a responsabilidade do Autor no recebimento dos valores que lhe foram pagos na ocorrência de erro administrativo, é necessário averiguar a existência de má-fé do beneficiário no recebimento de tais valores, para que então seja devida à sua restituição.

No presente caso, em que pese as razões manifestadas pela requerida, verifica-se que o autor não está obrigado a restituir os valores já recebidos diante da sua boa-fé no percebimento do benefício previdenciário, em razão exclusivamente do não atendimento do critério financeiro de renda familiar no importe de ¼ do salário mínimo.

Primeiramente, de acordo com a jurisprudência do STF, firmada em caráter de repercussão geral, foi reconhecida a inconstitucionalidade do § 3º, do art. 20, da Lei nº 8.742/93, ao julgar o RE 567.985, criando o tema 27 do STF[1].

No julgamento do referido tema ainda ficou consignado a necessidade de flexibilização do critério material, com a aferição da condição social da parte no caso concreto e a existência ou não de vulnerabilidade social em seu contexto para avaliar o direito à percepção ao benefício assistencial.

Desta forma, o mero não atendimento do critério financeiro de ¼ do salário mínimo não é suficiente para afastar o direito do Autor em receber o referido benefício.

Ademais, no presente caso, observa-se que o acréscimo da renda familiar se deu exclusivamente pela percepção de membro daquele grupo familiar (genitora do Autor) de benefício previdenciário de aposentadoria por idade em valor mínimo, o que também não é capaz de afastar por si só o direito deste no recebimento do benefício assistencial.

Veja-se este Tribunal Regional tem entendimento consolidado no sentido da possibilidade de afastar do computo da renda per capita o benefício previdenciário em valor mínimo recebido por membro do grupo familiar, independentemente da idade do beneficiário. Neste sentido.

AGRAVO DE INSTRUMENTO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO. IRREVERSIBILIDADE. MISERABILIDADE CONFIGURADA. […] 4. Deve ser excluído do cálculo da renda familiar per capita o valor auferido por idoso com 65 anos ou mais a título de benefício assistencial ou benefício previdenciário de renda mínima, conforme o decidido pelo STF, no julgamento do Recurso Extraordinário 580.963/PR, em 17/04/2013, com repercussão geral. Também deverá ser desconsiderado o benefício previdenciário de valor superior ao mínimo, até o limite de um salário mínimo, bem como o valor auferido a título de benefício previdenciário por incapacidade ou assistencial em razão de deficiência, independentemente de idade. (TRF4, AG 5016125-08.2020.4.04.0000, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, DJe 29/10 /2020) (grifo meu)

Deste modo, observando as informações contidas no processo administrativo, e excluído do computo os valores auferidos pela Genitora em razão de benefício previdenciário em valor mínimo, não há que se falar em renda capaz de ultrapassar o limite previsto no art. 20, § 3º da Lei 8.742/93, visto que o Autor não possui renda própria.

Logo, não há que se falar em irregularidade no recebimento do benefício pelo Autor, primeiro pela necessidade de aferição da existência de vulnerabilidade social em seu contexto, com a flexibilização do critério econômico, conforme disciplina o tema 27 do STF e segundo pela possibilidade de exclusão do computo da renda per capita de benefício previdenciário em valor mínimo recebido por membro do grupo familiar.

Ressaltando que o Tema 979, julgado recentemente pelo STJ, sob a sistemática de recursos repetitivos, definiu que “com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido”.

Neste sentido, o beneficiário não pode ser prejudicado pela interpretação errônea da autarquia no momento de interpretar a legislação previdenciária entendendo pela irregularidade no recebimento do benefício, quando este encontra-se de acordo com o aplicado pela legislação atinente ao tema.

Desta forma, ainda que o caráter alimentar da verba e o princípio da irrepetibilidade do benefício não isentem o autor da devolução dos valores recebidos indevidamente, a presença da boa-fé objetiva demonstra que não se pode exigir do autor a repetição do débito causado pela própria autarquia.

Este já era o entendimento do E. Tribunal Regional Federal da 4ª Região, antes mesmo da modulação dos efeitos do julgamento do Tema 979 pelo STJ, o qual decidiu que não estão sujeitos à devolução os benefícios previdenciários recebidos de boa-fé.

Neste sentido:

“PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. NULIDADE DA SENTENÇA. VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ. 1. É nula a sentença que deixa de analisar pedido formulado na inicial. 2. Não é possível a análise do mérito pelo Tribunal, quando o processo não se encontra em condições de imediato julgamento. 3. Presente a boa-fé, e considerando a natureza alimentar dos valores recebidos por força de antecipação dos efeitos da tutela, mesmo que posteriormente revogada, não podem ser considerados indevidos os pagamentos realizados, não havendo que se falar, por consequência, em restituição, devolução ou desconto. (TRF4, AC 5012740- 04.2015.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, juntado aos autos em 09/07/2018) (G.N.)

PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. BENEFÍCIO PERCEBIDO POR FORÇA DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA POSTERIORMENTE REVOGADA. NATUREZA ALIMENTAR. BOA-FÉ. IRREPETIBILIDADE. 1. Presente a boa-fé e considerando a natureza alimentar dos valores recebidos por força de antecipação dos efeitos da tutela, mesmo que posteriormente revogada, não podem ser considerados indevidos os pagamentos realizados, não havendo que se falar, por consequência, em restituição, devolução ou desconto. 2. Na linha da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, é descabida a cobrança de valores recebidos em razão de decisão judicial posteriormente revogada. Precedentes da 3º Seção deste Tribunal. (AC 5021882-95.2016.404.9999, re. Des. João Batista Pinto Silveira, 6ª Turma, julgado em 02/08/2017) (TRF4, AG 5029908-38.2018.4.04.0000, QUINTA TURMA, Relator ALTAIR ANTONIO GREGÓRIO, juntado aos autos em 21/09/2018) (G.N)”

Desta forma, considerando o entendimento de que presente a boa-fé do segurado e a natureza alimentar do benefício previdenciário, não há o que se falar em restituição de valores recebidos indevidamente, bem como descontos, nem em enriquecimento ilícito.

Consequentemente, se faz necessária também a procedência da demanda para a devolução dos valores já eventualmente descontados pela autarquia, indevidamente, do benefício do autor, bem como a declaração de inexigibilidade do débito.

No que tange à restituição dos valores recebidos, não assiste razão ao INSS.

Benefício recebido na via administrativa. Tema 979/STJ

Inicialmente, registro que foi fixada a tese no Tema 979/STJ. Transcrevo a ementa do julgado, publicado em 23/04/2021:

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 979. ARTIGO 1.036 DO CPC/2015. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ARTIGOS 884 E 885 DO CÓDIGO CIVIL/2002. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211 DO STJ. ART. 115, II, DA LEI N. 8.213/1991. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA E MÁ APLICAÇÃO DA LEI. NÃO DEVOLUÇÃO. ERRO MATERIAL DA ADMINISTRAÇÃO. POSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO SOMENTE NA HIPÓTESE DE ERRO EM QUE OS ELEMENTOS DO CASO CONCRETO NÃO PERMITAM CONCLUIR PELA INEQUÍVOCA PRESENÇA DA BOA-FÉ OBJETIVA. 1. Da admissão do recurso especial: Não se conhece do recurso especial quanto à alegada ofensa aos artigos 884 e 885 do Código Civil, pois não foram prequestionados. Aplica-se à hipótese o disposto no enunciado da Súmula 211 do STJ. O apelo especial que trata do dissídio também não comporta conhecimento, pois não indicou as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os precedentes colacionados e também por ausência de cotejo analítico e similitude entre as hipóteses apresentadas. Contudo, merece conhecimento o recurso quanto à suposta ofensa ao art. 115, II, da lei n. 8.213/1991. 2. Da limitação da tese proposta: A afetação do recurso em abstrato diz respeito à seguinte tese: Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social. 3. Irrepetibilidade de valores pagos pelo INSS em razão da errônea interpretação e/ou má aplicação da lei: O beneficiário não pode ser penalizado pela interpretação errônea ou má aplicação da lei previdenciária ao receber valor além do devido. Diz-se desse modo porque também é dever-poder da Administração bem interpretar a legislação que deve por ela ser aplicada no pagamento dos benefícios. Dentro dessa perspectiva, esta Corte Superior evoluiu a sua jurisprudência passando a adotar o entendimento no sentido de que, para a não devolução dos valores recebidos indevidamente pelo beneficiário da Previdência Social, é imprescindível que, além do caráter alimentar da verba e do princípio da irrepetibilidade do benefício, a presença da boa-fé objetiva daquele que recebe parcelas tidas por indevidas pela administração. Essas situações não refletem qualquer condição para que o cidadão comum compreenda de forma inequívoca que recebeu a maior o que não lhe era devido. 4. Repetição de valores pagos pelo INSS em razão de erro material da Administração previdenciária: No erro material, é necessário que se averigue em cada caso se os elementos objetivos levam à conclusão de que houve boa-fé do segurado no recebimento da verba. Vale dizer que em situações em que o homem médio consegue constatar a existência de erro, necessário se faz a devolução dos valores ao erário. 5. Do limite mensal para desconto a ser efetuado no benefício: O artigo 154, § 3º, do Decreto n. 3.048/1999 autoriza a Administração Previdenciária a proceder o desconto daquilo que pagou indevidamente; todavia, a dedução no benefício só deverá ocorrer quando se estiver diante de erro da administração. Nesse caso, caberá à Administração Previdenciária, ao instaurar o devido processo administrativo, observar as peculiaridades de cada caso concreto, com desconto no beneficio no percentual de até 30% (trinta por cento). 6. Tese a ser submetida ao Colegiado: Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido. 7. Modulação dos efeitos: Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão. 8. No caso concreto: Há previsão expressa quanto ao momento em que deverá ocorrer a cessação do benefício, não havendo margem para ilações quanto à impossibilidade de se estender o benefício para além da maioridade da beneficiária. Tratou-se, em verdade, de simples erro da administração na continuidade do pagamento da pensão, o que resulta na exigibilidade de tais valores, sob forma de ressarcimento ao erário, com descontos nos benefícios, tendo em vista o princípio da indisponibilidade do patrimônio público e em razão da vedação ao princípio do enriquecimento sem causa. Entretanto, em razão da modulação dos efeitos aqui definidos, deixa-se de efetuar o descontos dos valores recebidos indevidamente pelo segurado. 9. Dispositivo: Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido. Acórdão sujeito ao regime previsto no artigo 1.036 e seguintes do CPC/2015. (REsp 1381734/RN, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/03/2021, DJe 23/04/2021)

Como se vê, foi fixada a seguinte tese:

"Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido."

Houve modulação de efeitos, restringindo sua aplicabilidade aos processos ajuizados após a sua publicação:

"Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão."

Destarte, a modulação afasta a obrigatoriedade de sua incidência aos processos já em andamento, mas não impede a incidência da sua premissa jurídica referente à necessidade de aferição da boa-fé ou da má-fé, como pressuposto para decidir sobre repetibilidade dos valores recebidos.

Nesse ponto, a tese jurídica não destoa da jurisprudência já firmada neste Tribunal:

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ARTIGO 20, DA LEI Nº 8.742/93 (LOAS). RISCO SOCIAL. REQUISITO NÃO PREENCHIDO. RESTITUIÇÃO DE VALORES RECEBIDOS. CARÁTER ALIMENTAR. BOA-FÉ. IRREPETIBILIDADE. 1. Indevida a restituição e/ou desconto de valores pagos aos segurados por erro administrativo e cujo recebimento deu-se de boa-fé, em face do princípio da irrepetibilidade ou da não devolução dos alimentos. 2. Relativização do estabelecido nos artigos 115, inciso II, da Lei nº 8.213/91 e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/99. (...) (TRF4 5079799-10.2014.404.7100, SEXTA TURMA, Relatora Des. Federal Salise Monteiro Sanchotene, 4.9.2017)

PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE DE GENITORA. BENEFÍCIO INDEVIDO. EMANCIPAÇÃO. DEVOLUÇÃO DE VALORES. BOA-FÉ. REVOGAÇÃO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. IMPOSSIBILIDADE. (...) 3. Incontroverso o erro administrativo, levando em conta o caráter alimentar dos benefícios, e ausente comprovação de eventual má-fé do segurado, devem ser relativizadas as normas dos arts. 115, II, da Lei nº 8213/91 e 154, § 3º, do Decreto nº 3048/99. (TRF4, AC 0002425-31.2017.404.9999, SEXTA TURMA, Relator Juiz Federal Artur César de Souza, D.E. 23.8.2017)

PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO AJUIZADA PELO INSS. CARÁTER ALIMENTAR DAS PRESTAÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. Esta Corte vem se manifestando no sentido da impossibilidade de repetição dos valores recebidos de boa-fé pelo segurado, dado o caráter alimentar das prestações previdenciárias, sendo relativizadas as normas dos arts. 115, II, da Lei nº 8.213/91, e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/99. Hipótese em que, diante do princípio da irrepetibilidade ou da não-devolução dos alimentos, deve ser afastada a cobrança dos valores. (TRF4 5029624-84.2015.404.7000, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, 9.8.2017)

PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. REMESSA EX OFFICIO. INEXISTÊNCIA. AUDITORIA. AUXÍLIO-DOENÇA. FRAUDE NÃO DEMONSTRADA. RETOMADA DA CAPACIDADE LABORAL E RETORNO À ATIVIDADE LABORAL. NÃO COMPROVADAS. VALORES DEVIDOS E PERCEBIDOS DE BOA-FÉ. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. CONSECTÁRIOS DA SUCUMBÊNCIA. MAJORAÇÃO. 1. Hipótese em que a sentença não está sujeita à remessa ex officio, a teor do disposto no artigo 496, § 3º, I, do Código de Processo Civil. 2. A Administração possui o poder-dever de anular seus próprios atos, quando eivados de ilegalidade, assegurado o contraditório e ampla defesa. 3. A jurisprudência do STJ e também deste regional são uniformes no sentido de, em face do princípio da irrepetibilidade e da natureza alimentar das parcelas, não ser possível a restituição de valores pagos indevidamente a título de benefício previdenciário, por força de interpretação equivocada, má aplicação da lei ou erro administrativo, e cujo recebimento deu-se de boa-fé pelo segurado. 4. Admitida a relativização do art. 115, II, da Lei nº 8.213/1991 e art. 154, §3º, do Decreto nº 3.048/1999, considerando o caráter alimentar da verba e o recebimento de boa-fé pelo segurado, o que se traduz em mera interpretação conforme a Constituição Federal. (...) (TRF4, AC 5010235-23.2014.4.04.7009, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator Des. Federal Fernando Quadros da Silva, 26/04/2021)

Analisando o conjunto probatório carreado ao feito, verifica-se que não restou comprovada má-fé da parte benefíciária.

Entendo que se aplica ao caso o entendimento jurisprudencial já firmado em casos símeis, conforme precedentes antes transcritos, no sentido da irrepetibilidade dos valores recebidos a título de benefício previdenciário, na ausência de prova de má-fé do segurado, considerando-se que a má-fé deve ser provada, enquanto a boa-fé pode ser presumida.

Nesse sentido:

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-DOENÇA. REQUISITOS. LAUDO TÉCNICO. INCAPACIDADE. DOENÇA PREEXISTENTE. NÃO CONFIGURAÇÃO. MÁ-FÉ NÃO COMPROVADA. (...) 4. Ao contrário da boa-fé, a má-fé não se presume. 5. (...) (TRF4, AC 5014793-16.2019.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator ALTAIR ANTONIO GREGÓRIO, 30/09/2020)

PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA DELEGADA DA JUSTIÇA ESTADUAL. ART. 109, § 3º, DA CF. FORO DE DOMICÍLIO DA PARTE AUTORA. MÁ-FÉ. NÃO PRESUMIDA. PRESUNÇÃO IURIS TANTUM DE BOA FÉ. (...) 2. Em nosso ordenamento jurídico, a má-fé, inclusive a processual, não se presume, devendo sempre ser cabalmente provada, não bastando ilações com base em meros indícios para afastar a boa-fé das informações prestadas pelas partes, essa sim objeto de presunção iuris tantum. (TRF4 5016289-70.2020.4.04.0000, TERCEIRA SEÇÃO, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, 26/06/2020)

O benefício de amparo social à pessoa portadora de deficiência número 539299956-1 teve início de vigência a partir de 09.07.2007.

Segundo o INSS, foram identificados indícios de irregularidade na manutenção do benefício de amparo assistencial por superação de renda de integrante do grupo familiar (genitora Brasilia Pansa da Silva passou a perceber aposentadoria por idade desde 21.07.2016), sendo deferido prazo para defesa, a qual restou silente, razão da suspensão do benefício.

Conforme se vê do extrato do banco de dados CNIS (evento 13, OUT3), o INSS sempre teve ciência das modificações de atividade da genitora da parte autora, na medida em que foi informado sobre o recebimento de benefício previdenciário.

Além disso, do extrato do CADUNICO - Cadastro Único do INSS, é possível constatar que a parte autora informou a renda per capita, em 18.09.2019, o que contribui para afastar a alegação de má-fé (evento 13, OUT4).

Portanto, conclui-se que tais informações eram do conhecimento do INSS, o qual foi revisado anos após o advento de modificação da renda per capita e cancelado após a constatação da irregularidade.

Assim sendo, deve ser improvida a apelação do INSS, mantendo-se a procedência do pedido de declaração de inexigibilidade dos valores já recebidos no âmbito administrativo.

Honorários Advocatícios

Os honorários advocatícios são devidos, em regra, no patamar de 10%, observados os percentuais mínimos previstos em cada faixa do § 3º do art. 85 do Código de Processo Civil para as condenações proferidas a partir de 18.03.2016, considerando as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforma a sentença de improcedência, nos termos das Súmulas nº 111 do Superior Tribunal de Justiça e nº 76 deste Tribunal Regional Federal da 4ª Região, respectivamente:

Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, não incidem sobre as prestações vencidas após a sentença.

Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência.

Em grau recursal, consoante entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, a majoração é cabível quando se trata de "recurso não conhecido integralmente ou desprovido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente" (STJ, AgInt. nos EREsp. 1539725/DF, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, 2ª S., DJe 19.10.2017).

Improvido o apelo do INSS, majoro a verba honorária, na forma do § 11 do art. 85 do Código de Processo Civil, elevando-a em 50% sobre o valor a que foi condenado na origem, considerando as variáveis do art. 85, § 2º, I a IV, os limites dos §§ 3º e 5º, do mesmo Código, e o entendimento desta Turma em casos símeis:

PREVIDENCIÁRIO. (...) CONSECTÁRIOS DA SUCUMBÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO. (...) 6. Nas ações previdenciárias os honorários advocatícios são devidos pelo INSS no percentual de 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforma a sentença de improcedência, nos termos das Súmulas 111 do STJ e 76 do TRF/4ª Região. Confirmada a sentença, majora-se a verba honorária, elevando-a para 15% sobre o montante das parcelas vencidas, consideradas as variáveis dos incisos I a IV do § 2º e o § 11, ambos do artigo 85 do CPC. (...) (TRF4, AC 5004859-05.2017.4.04.9999, TRS/PR, Rel. Des. Federal Fernando Quadros da Silva, j. 27.02.2019)

Custas Processuais

O INSS é isento do pagamento das custas processuais no Foro Federal (artigo 4.º, I, da Lei n.º 9.289/96), mas não quando demandado na Justiça Estadual do Paraná (Súmula 20 do TRF/4ª Região).

Prequestionamento

Objetivando possibilitar o acesso das partes às Instâncias Superiores, considero prequestionadas as matérias constitucionais e/ou legais suscitadas nos autos, conquanto não referidos expressamente os respectivos artigos na fundamentação, nos termos do art. 1.025 do Código de Processo Civil.

Conclusão

- apelação improvida.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.



Documento eletrônico assinado por OSCAR VALENTE CARDOSO, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003845297v13 e do código CRC 6fb27789.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSCAR VALENTE CARDOSO
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5003394-48.2023.4.04.9999
40003845297.V13


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Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5003394-48.2023.4.04.9999/PR

RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: LUCIANO DA SILVA BERNARDO

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. RECEBIMENTO INDEVIDO. ERRO ADMINISTRATIVO. BOA-FÉ. IRREPETIBILIDADE.

Não havendo prova de má-fé do segurado no recebimento indevido de benefício na via administrativa, decorrente de má aplicação de norma jurídica, interpretação equivocada ou erro da Administração, não cabe a devolução dos valores, considerando a natureza alimentar e o recebimento de boa-fé.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 10ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Curitiba, 09 de maio de 2023.



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5003394-48.2023.4.04.9999
40003845298 .V4


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Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 02/05/2023 A 09/05/2023

Apelação Cível Nº 5003394-48.2023.4.04.9999/PR

RELATOR: Juiz Federal OSCAR VALENTE CARDOSO

PRESIDENTE: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI

PROCURADOR(A): MAURICIO PESSUTTO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: LUCIANO DA SILVA BERNARDO

ADVOGADO(A): Daniel Santos Mendes (OAB SP156927)

ADVOGADO(A): DANIEL PEREIRA FONTE BOA (OAB SP303331)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 02/05/2023, às 00:00, a 09/05/2023, às 16:00, na sequência 1130, disponibilizada no DE de 19/04/2023.

Certifico que a 10ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 10ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal OSCAR VALENTE CARDOSO

Votante: Juiz Federal OSCAR VALENTE CARDOSO

Votante: Juíza Federal MÁRCIA VOGEL VIDAL DE OLIVEIRA

Votante: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI

SUZANA ROESSING

Secretária



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