Apelação/Remessa Necessária Nº 5052791-23.2016.4.04.9999/PR
RELATOR: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
APELANTE: CELSO BEGUI SOBRINHO
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Trata-se de ação ajuizada contra o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, na qual a parte autora objetiva a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, mediante o reconhecimento de tempo de serviço rural, de 01/01/1968 a 31/06/1973, e de recolhimentos previdenciários não reconhecidos pelo INSS.
Sentenciando, em 26/08/2016, o juízo a quo julgou procedente o pedido, para reconhecer o período rural, e os recolhimentos previdenciários, de 07/1973 à 12/1978, 05/1978 à 12/1981, e 01/1982 a 02/1985, bem como para conceder a aposentadoria por tempo de contribuição. O INSS foi condenado ao pagamento dos honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da condenação. Aos juros de mora, determinou-se a aplicação do artigo 1º-F da Lei 9.494/97, e à correção monetária, do IPCA. Submetida a sentença ao reexame necessário.
O autor apela, requerendo a majoração dos honorários advocatícios para 15%, e a condenação do INSS em juros de mora de 1% ao mês.
Por sua vez, o INSS apela, sustentado a insuficiência do início de prova material para a comprovação do período rural. Afirma que a prova testemunhal foi vaga e imprecisa. Quanto aos recolhimentos na categoria de contribuinte individual e facultativo, diz que constam irregularidades no NIT do autor, com dados cadastrais incompletos e divergentes. Requer a aplicação da TR à correção monetária. Pugna pelo prequestionamento.
Apresentadas as contrarrazões pelo autor, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
REMESSA NECESSÁRIA
A Corte Especial do STJ dirimiu a controvérsia e firmou o entendimento, no julgamento do Recurso Especial Repetitivo nº 1.101.727/PR, no sentido de que é obrigatório o reexame de sentença ilíquida proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e as respectivas autarquias e fundações de direito público.
Contudo, o art. 496, §3º, I, do CPC, dispensa a submissão da sentença ao duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a 1.000 (mil) salários-mínimos para a União e suas respectivas Autarquias e fundações de direito público.
Assim, é pouco provável que a condenação nas lides previdenciárias, na quase totalidade dos feitos, ultrapassem o valor limite de mil salários mínimos. E isso fica evidente especialmente nas hipóteses em que possível mensurar o proveito econômico por mero cálculo aritmético.
Nessa linha, e com base no art. 496, §3º, I, do CPC, deixo de conhecer da remessa necessária.
TEMPO DE SERVIÇO RURAL
O aproveitamento do tempo de atividade rural exercido até 31/10/1991, independentemente do recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias e exceto para efeito de carência, está expressamente autorizado e previsto pelo art. 55, §2º, da Lei n.º 8.213/91, e pelo art. 127, inc. V, do Decreto n.º 3.048/99.
Outrossim, o cômputo do tempo de serviço rural exercido no período anterior à Lei n.º 8.213/91, em regime de economia familiar e sem o recolhimento das contribuições, aproveita tanto ao arrimo de família quanto aos demais membros do grupo familiar que com ele laboram, porquanto a todos estes integrantes foi estendida a condição de segurado, nos termos do art. 11, inc. VII, da Lei Previdenciária (STJ, REsp 506.959/RS, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJU de 10/11/2003).
A comprovação do exercício do trabalho rural pode ser feita mediante a apresentação de início de prova material, complementada por prova testemunhal idônea, quando necessária ao preenchimento de lacunas - não sendo esta admitida, exclusivamente, nos termos do art. 55, §3º, da Lei nº 8.213/91, bem como da Súmula nº 149 do STJ e do REsp nº 1.321.493/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, 1ª Seção, j. 10/10/2012, DJe 19/12/2012 (recurso representativo da controvérsia).
Importa, ainda, salientar os seguintes aspectos: (a) o rol de documentos constantes no art. 106 da Lei de Benefícios, os quais seriam aptos à comprovação do exercício da atividade rural, é apenas exemplificativo; (b) não se exige prova documental plena da atividade rural em relação a todos os anos integrantes do período correspondente à carência, sendo suficientes documentos que, juntamente com a prova oral, possibilitem juízo conclusivo quanto ao período de labor rural exercido (AREsp 327.119/PB, j. em 02/06/2015, DJe 18/06/2015); (c) certidões da vida civil são hábeis a constituir início probatório da atividade rural da parte autora (REsp n.º 1.321.493-PR, DJe em 19/12/2012, submetido à sistemática dos recursos repetitivos); (d) é possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório (Súmula 577/STJ, DJe 27/06/2016); e (e) é admitido, como início de prova material, nos termos da Súmula 73 deste Tribunal, documentos de terceiros, membros do grupo parental.
Relativamente à idade mínima, a partir da qual pode ser considerado o serviço rural para fins previdenciários, importa salientar que a proibição do trabalho infantil, contida na norma constitucional, objetiva proteger o menor e não prejudicá-lo. Portanto, se houve de fato o trabalho na infância, não há como sonegar ao menor a proteção previdenciária. Invocar a norma protetiva com o fim de prejudicar quem ela visa proteger é atentar contra a finalidade que inspirou a sua criação, deturpando-lhe o sentido fundamental.
Nessa linha, entendimento firmado por esta Corte no julgamento da Apelação Civil na Ação Civil Pública nº 5017267-34.2013.404.7100, verbis:
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA MOVIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PARA AFASTAR A IDADE MÍNIMA PREVISTA NO ART. 11 DA LEI 8.213/91 PARA FINS DE RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO E DE CONTRIBUIÇÃO. INTERESSE DE AGIR DO MPF. RECONHECIMENTO. EFEITOS JURÍDICOS DA SENTENÇA. ABRANGÊNCIA NACIONAL DA DECISÃO PROLATADA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ART. 16 DA LEI. 7.347/85. INTERPRETAÇÃO DO ART. 7º, XXXIII DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. TRABALHO INFANTIL X PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA. REALIDADE FÁTICA BRASILEIRA. INDISPENSABILIDADE DE PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA ÀS CRIANÇAS. POSSIBILIDADE DE SER COMPUTADO PERÍODO DE TRABALHO SEM LIMITAÇÃO DE IDADE MÍNIMA. ACP INTEGRALMENTE PROCEDENTE. JULGAMENTO PELO COLEGIADO AMPLIADO. ART. 942 DO CPC. RECURSO DO MPF PROVIDO. APELO DO INSS DESPROVIDO.
1 a 3. omissis
4. Mérito. A limitação etária imposta pelo INSS e que o Ministério Público Federal quer ver superada tem origem na interpretação que se dá ao art. 7º, XXXIII da Constituição Federal, que veda qualquer trabalho para menores 16 anos, salvo na condição de aprendiz.
5. Efetivamente, a aludida norma limitadora traduz-se em garantia constitucional existente em prol da criança e do adolescente, vale dizer, norma protetiva estabelecida não só na Constituição Federal, mas também na legislação trabalhista, no ECA (Lei 8.079/90) em tratados internacionais (OIT) e nas normas previdenciárias.
6. No entanto, aludidas regras, editadas para proteger pessoas com idade inferior a 16 anos, não podem prejudicá-las naqueles casos em que, não obstante a proibição constitucional e legal, efetivamente, trabalharam durante a infância ou a adolescência.
7. Não obstante as normas protetivas às crianças, o trabalho infantil ainda se faz presente no seio da sociedade. São inúmeras as crianças que desde tenra idade são levadas ao trabalho por seus próprios pais para auxiliarem no sustento da família. Elas são colocadas não só em atividades domésticas, mas também, no meio rural em serviços de agricultura, pecuária, silvicutura, pesca e até mesmo em atividades urbanas (vendas de bens de consumos, artesanatos, entre outros).
8. Além disso, há aquelas que laboram em meios artísticos e publicitários (novelas, filmes, propagandas de marketing, teatros, shows). E o exercício dessas atividades, conforme a previsão do art. 11 da Lei nº 8.213/91, enseja o enquadramento como segurado obrigatório da Previdência Social.
9. É sabido que a idade mínima para fins previdenciários é de 14 anos, desde que na condição de aprendiz. Também é certo que a partir de 16 anos o adolescente pode obter a condição de segurado com seu ingresso no mercado de trabalho oficial e ainda pode lográ-lo como contribuinte facultativo.
10. Todavia, não há como deixar de considerar os dados oficiais que informam existir uma gama expressiva de pessoas que, nos termos do art. 11 da LBPS, apesar de se enquadrarem como segurados obrigatórios, possuem idade inferior àquela prevista constitucionalmente e não têm a respectiva proteção previdenciária.
11. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) no ano de 2014, o trabalho infantil no Brasil cresceu muito em comparação com os anos anteriores, quando estava em baixa.
12. E, de acordo com o IBGE, no ano de 2014 havia 554 mil crianças de 5 a 13 anos trabalhando. Na atividade agrícola, nesta mesma faixa etária, no ano de 2013 trabalhavam 325 mil crianças, enquanto no ano de 2014 passou a ser de 344 mil, um aumento de 5,8%. Já no ano de 2015, segundo o PNAD (IBGE) houve novamente uma diminuição de 19,8%. No entanto, constatou-se o aumento de 12,3% do 'trabalho infantil na faixa entre 5 a 9 anos'.
13. O Ministério do Trabalho e Previdência Social - MPTS noticia que em mais de sete mil ações fiscais realizadas no ano de 2015, foram encontradas 7.200 crianças em situação de trabalho irregular. Dos 7.200 casos, 32 crianças tinham entre 0 e 4 - todas encontradas no Amazonas. Outras 105 estavam na faixa etária de 5 a 9 anos e foram encontradas, também, no Amazonas (62) e nos estados de Pernambuco (13), Pará (7) Roraima (5), Acre (4) Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul (3 em cada Estado), Bahia e Sergipe (2 em cada Estado). Na Paraíba, Rio de Janeiro, Rondônia e Tocantins encontrou-se uma criança em cada Estado com essa faixa etária de 5 a 9 anos.
14. Insta anotar que a realidade fática revela a existência de trabalho artístico e publicitário com nítido objetivo econômico e comercial realizados com a autorização dos pais, com a anuência do Poder Judiciário, de crianças recém nascidas, outras com 01, 2, 3, 4 e 5 anos de idade. Aliás, é possível a proteção previdenciária nesses casos? No caso de eventual ocorrência de algum acidente relacionado a esse tipo de trabalho, a criança teria direito a algum benefício previdenciário, tal como o auxílio acidente?
15. No campo da seguridade social extrai-se da norma constitucional (art. 194, parágrafo único) o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento que preconiza que a proteção social deve alcançar a todos os trabalhadores do território nacional que dela necessitem. Por corolário lógico, incluem-se nessa proteção social aquelas crianças ou adolescentes que exerceram algum tipo de labor.
16. A despeito de haver previsão legal quanto ao limite etário (art. 13 da Lei 8.213/91, art. 14 da Lei 8.212/91 e arts. 18, § 2º do Decreto 3.048/99) não se pode negar que o trabalho infantil, ainda que prestado à revelia da fiscalização dos órgãos competentes, ou mediante autorização dos pais e autoridades judiciárias (caso do trabalho artístico e publicitário), nos termos dos arts. 2º e 3º da CLT, configura vínculo empregatício e fato gerador do tributo à seguridade, nos termos do inciso I do art. 195 da Constituição Federal.
17. Assim, apesar da limitação constitucional de trabalho do infante (art. 157, IX da CF/46, art. 165, X da CF/67 e art. 7º, XXIII, da CF/88), para fins de proteção previdenciária, não há como fixar também qualquer limite etário, pois a adoção de uma idade mínima ensejaria ao trabalhador dupla punição: a perda da plenitude de sua infância em razão do trabalho realizado e, de outro lado, o não reconhecimento, de parte do INSS, desse trabalho efetivamente ocorrido.
18. Ressalte-se, contudo, que para o reconhecimento do trabalho infantil para fins de cômputo do tempo de serviço é necessário início de prova material, valendo aquelas documentais existentes em nome dos pais, além de prova testemunhal idônea.
19. Desse modo, para fins de reconhecimento de tempo de serviço e de contribuição pelo exercício das atividades descritas no art. 11 da Lei 8.213/91, mostra-se possível ser computado período de trabalho realizado antes dos 12 anos de idade, qual seja sem a fixação de requisito etário.
20. Recurso do INSS desprovido. Apelação do MPF provida.
(TRF4, AC nº 5017267-34.2013.404.7100, 6a. Turma, Des. Federal Salise Monteiro Sanchotene, juntado aos autos em 12/04/2018)
Cite-se, ainda, precedente desta Turma Suplementar:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL ANTERIOR A 1991. CONTRIBUIÇÕES. COMPROVAÇÃO. IDADE MÍNIMA. ATIVIDADE ESPECIAL. REQUISITOS. ENQUADRAMENTO POR CATEGORIA PROFISSIONAL. MOTORISTA DE CAMINHÃO E DE ÔNIBUS. RUÍDO. LIMITES DE TOLERÂNCIA. EPI. JUROS MORATÓRIOS E CORREÇÃO MONETÁRIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. TUTELA ESPECÍFICA.
1. Segundo o art. 55, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, o tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência dessa lei, será computado independentemente do recolhimento de contribuições, exceto para efeito de carência.
2. Conforme o art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91 e a Súmula nº 149 do STJ, o tempo de serviço rural deve ser comprovado mediante início de prova material, corroborado por prova testemunhal.
3. Tendo em vista que as normas que proíbem o trabalho infantil são destinadas a proteger o menor, não podem ser interpretadas a fim de prejudicá-lo. Por conseguinte, é possível reconhecer o tempo de serviço rural prestado por menor de doze anos de idade, ainda que as normas então vigentes (Constituição Federal de 1967, art. 158, X) fixassem a idade mínima de doze anos para o exercício de qualquer trabalho.
(...)
(TRF4, AC nº 0010714-89.2013.404.9999, Turma Regional suplementar do Paraná, Rel. Juiz Federal Luiz Antonio Bonat, unânime, D.E. 09/05/2018, publicação em 10/05/2018)
Portanto, o tempo de serviço rural prestado antes dos doze anos de idade, se devidamente comprovado nos autos, pode ser computado para fins de concessão de benefício previdenciário.
REQUISITOS PARA CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO
Até 16 de dezembro de 1998, quando do advento da EC n.º 20/98, a aposentadoria por tempo de serviço disciplinada pelos arts. 52 e 53 da Lei n.º 8.213/91, pressupunha o preenchimento, pelo segurado, do prazo de carência (previsto no art. 142 da referida Lei para os inscritos até 24 de julho de 1991 e previsto no art. 25, II, da referida Lei, para os inscritos posteriormente à referida data) e a comprovação de 25 anos de tempo de serviço para a mulher e de 30 anos para o homem, a fim de ser garantido o direito à aposentadoria proporcional no valor de 70% do salário-de-benefício, acrescido de 6% por ano adicional de tempo de serviço, até o limite de 100% (aposentadoria integral), o que se dá aos 30 anos de serviço para as mulheres e aos 35 para os homens.
Com as alterações introduzidas pela EC nº 20/98, o benefício passou a denominar-se aposentadoria por tempo de contribuição, disciplinado pelo art. 201, § 7º, I, da Constituição Federal. A nova regra, entretanto, muito embora tenha extinto a aposentadoria proporcional, manteve os mesmos requisitos anteriormente exigidos à aposentadoria integral, quais sejam, o cumprimento do prazo de carência, naquelas mesmas condições, e a comprovação do tempo de contribuição de 30 anos para mulher e de 35 anos para homem.
Em caráter excepcional, para os segurados filiados até a data da publicação da Emenda, foi estabelecida regra de transição no art. 9º, §1º, possibilitando a concessão de aposentadoria proporcional quando, o segurado I) contando com 53 anos de idade, se homem, e 48 anos, se mulher e, atendido o requisito da carência, II) atingir tempo de contribuição igual, no mínimo, à soma de: a) 30 anos, se homem, e 25, se mulher; e b) um período adicional de contribuição (pedágio) equivalente a 40% do tempo que, na data da publicação da Emenda, faltaria para atingir o mínimo de tempo para a aposentadoria proporcional. O valor da aposentadoria proporcional será equivalente a 70% do salário-de-benefício, acrescido de 5% por ano de contribuição que supere a soma a que se referem os itens a e b supra, até o limite de 100%).
De qualquer modo, o disposto no art. 56 do Decreto n.º 3.048/99 (§§3º e 4º) expressamente ressalvou, independentemente da data do requerimento do benefício, o direito à aposentadoria pelas condições legalmente previstas à época do cumprimento de todos os requisitos, assegurando sua concessão pela forma mais benéfica, desde a entrada do requerimento.
CÁLCULO DA RENDA MENSAL INICIAL (RMI)
A renda mensal inicial do benefício será calculada de acordo com as regras da legislação infraconstitucional vigente na data em que o segurado completar todos os requisitos do benefício.
EXAME DO TEMPO RURAL NO CASO CONCRETO
Para comprovar o exercício da atividade rural, no período de 01/01/1968 a 31/06/1973, em regime de economia familiar, o autor (nascido em 30/05/1956) juntou certidão de casamento, onde consta como sua profissão o ofício de lavrador (1974).
Verifica-se que esse documento foi expedido apenas em momento próximo ao período pretendido, ou seja, não se trata de documento contemporâneo.
No caso do segurado especial, em regime de economia familiar, exige-se ao menos um indício de prova material contemporâneo, pois ao contrário do boia-fria, aquele possui maior facilidade em apresentar documentos comprobatórios da sua atividade rural, pois são admitidos notas fiscais de produção, certidão de propriedade rural, ou contratos de arrendamento, mesmo que em nome de terceiros, desde que estes sejam membros do mesmo núcleo familiar do requerente.
Além disso, conforme se verifica dos depoimentos transcritos em sentença, nenhuma testemunha confirmou o trabalho rural do autor no período apontado na inicial, mas apenas em momento posterior.
Sem início de prova material do alegado trabalho rural, e não sendo admitida a prova exclusivamente testemunhal, a solução seria, em tese, a prolação de decisão de improcedência do pedido com resolução de mérito.
Contudo, não se mostra adequado inviabilizar ao demandante o direito de perceber a devida proteção social, em razão da improcedência do pedido e consequente formação plena da coisa julgada material, quando o segurado, na verdade, poderia fazer jus à prestação previdenciária que lhe foi negada judicialmente.
Cumpre ressaltar que esse entendimento foi acolhido pelo Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do REsp nº1.352.721/SP, em sede de recurso representativo de controvérsia, cuja ementa apresenta o seguinte teor:
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. RESOLUÇÃO No. 8/STJ. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE PROVA MATERIAL APTA A COMPROVAR O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL. CARÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E DESENVOLVIMENTO VÁLIDO DO PROCESSO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO, DE MODO QUE A AÇÃO PODE SER REPROPOSTA, DISPONDO A PARTE DOS ELEMENTOS NECESSÁRIOS PARA COMPROVAR O SEU DIREITO. RECURSO ESPECIAL DO INSS DESPROVIDO.
1. Tradicionalmente, o Direito Previdenciário se vale da processualística civil para regular os seus procedimentos, entretanto, não se deve perder de vista as peculiaridades das demandas previdenciárias, que justificam a flexibilização da rígida metodologia civilista, levando-se em conta os cânones constitucionais atinentes à Seguridade Social, que tem como base o contexto social adverso em que se inserem os que buscam judicialmente os benefícios previdenciários.
2. As normas previdenciárias devem ser interpretadas de modo a favorecer os valores morais da Constituição Federal/1988, que prima pela proteção do Trabalhador Segurado da Previdência Social, motivo pelo qual os pleitos previdenciários devem ser julgados no sentido de amparar a parte hipossuficiente e que, por esse motivo, possui proteção legal que lhe garante a flexibilização dos rígidos institutos processuais. Assim, deve-se procurar encontrar na hermenêutica previdenciária a solução que mais se aproxime do caráter social da Carta Magna, a fim de que as normas processuais não venham a obstar a concretude do direito fundamental à prestação previdenciária a que faz jus o segurado.
3. Assim como ocorre no Direito Sancionador, em que se afastam as regras da processualística civil em razão do especial garantismo conferido por suas normas ao indivíduo, deve-se dar prioridade ao princípio da busca da verdade real, diante do interesse social que envolve essas demandas.
4. A concessão de benefício devido ao trabalhador rural configura direito subjetivo individual garantido constitucionalmente, tendo a CF/88 dado primazia à função social do RGPS ao erigir como direito fundamental de segunda geração o acesso à Previdência do Regime Geral; sendo certo que o trabalhador rural, durante o período de transição, encontra-se constitucionalmente dispensado do recolhimento das contribuições, visando à universalidade da cobertura previdenciária e a inclusão de contingentes desassistidos por meio de distribuição de renda pela via da assistência social.
5. A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa.
6. Recurso Especial do INSS desprovido.
(REsp 1352721/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, CORTE ESPECIAL, julgado em 16/12/2015, DJe 28/04/2016) grifei
Em suma, o STJ firmou o entendimento de que na hipótese de ajuizamento de ação com pedido de concessão de aposentadoria rural por idade, a ausência/insuficiência de prova material não é causa de improcedência do pedido, mas sim de extinção sem resolução de mérito. Assegura-se, com isso, caso o segurado especial venha a obter outros documentos que possam ser considerados prova material do trabalho rural, a oportunidade de ajuizamento de nova ação sem o risco de ser extinta em razão da coisa julgada.
A hipótese em exame se amolda à orientação traçada no julgamento do Recurso Especial acima citado, pois ausente início de prova material do labor rural, o que autoriza a extinção do feito sem o julgamento do mérito, possibilitando que a parte autora postule em outro momento, caso obtenha prova material hábil à comprovação da alegada atividade rurícola.
Dessa forma, merece reforma a sentença para extinguir o processo sem resolução do mérito.
RECOLHIMENTOS NA CATEGORIA DE CONTRIBUINTE INDIVIDUAL E FACULTATIVO (07/1973 à 12/1978, 05/1978 à 12/1981 e 01/1982 a 02/1985)
O INSS afirma que constam irregularidades no NIT do autor, com dados cadastrais incompletos e divergentes.
No tocante à análise de tais períodos, decidiu a sentença:
Consta nos autos que o autor possui dois NIT’S, de n.º 1.094.848.146-0 e 1.116.583.649-6. Em decorrência desta duplicidade, o INSS ao realizar a averbação do tempo de contribuição com o fim de verificar a possibilidade de concessão de aposentaria, contabilizou apenas o período de contribuição constante no NIT de nº. 1.116.583.649-6.
O autor, em via administrativa e via judicial solicitou a averbação do tempo de contribuição contidos em ambos os registros em seu nome, porém, em sede de contestação, (mov. 30.1) o INSS se manifestou no seguinte sentido:
QUANTO AOS PERÍODOS DE 07/1973 A 06/1978, 01/1974 A 12/1978, 05/1982 E DE 06/1984 A 06/1985, EM QUE ALEGA TER CONTRIBUÍDO PARA A PREVIDÊNCIA SOCIAL (...) na esfera judicial, a parte autora alega ter contribuído para o RGPS nos períodos de 07/1973 a 06/1978, 01/1974 a 12/1978, 05/1982 e de 06/1984 a 06/1985, e ter trabalhado em regime de economia familiar apenas de 01/01/1968 a 31/06/1973. Quanto aos recolhimentos na categoria de contribuinte individual e facultativo, conforme justificativa do INSS, constam irregularidades no NIT do autor, com dados cadastrais incompletos e divergentes, não esclarecidas pela parte autora. (...) O autor não juntou, nem na esfera administrativa, tampouco no presente processo judicial, documentos que pudessem ratificar as contribuições (por meio de carnês de contribuição, cartão de inscrição do NIT ou CTPS, por exemplo), sanando as irregularidades e contradições apontadas. Neste sentido, resta inviável o reconhecimento e a averbação deste período pleiteado. (mov. 30.1)
Entretanto, conforme consta no mov. 1.15, foram juntados aos autos, extratos de recolhimentos realizados pelo autor, durante o período alegado em inicial que sinalizam a veracidade do alegado, de que houve sim contribuição por parte do autor nos períodos sinalizados.
Não é rara a ocorrência de casos em que o segurado possui mais de um número de inscrição, o que evidentemente pode render ensejo a perplexidades no momento de confrontar os períodos constantes em ambas as filiações, razão pela qual requer a parte autora que ambos os NITS sejam reconhecidos para que possam ser averbados para a sua aposentadoria. Ademais, por tratar-se de documentos antigos, de períodos em que a informática era deficiente, as falhas no controle pelo INSS não podem prejudicar o autor.
A respeito de problemas com registros, como no caso do autor encontramos jurisprudência no seguinte sentido:
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE APOSENTADORIA. EQUÍVOCO NO PREENCHIMENTO DOS CARNÊS DE CONTRIBUIÇÃO. ERRO MATERIAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. - Restando comprovado nos autos que o autor realizou contribuições suficientes para receber a aposentadoria proporcional, havendo apenas erro material no preenchimento dos carnês de contribuição - indicação equivocada do NIT -, deve o INSS conceder o benefício requerido. - Apelação improvida e remessa oficial parcialmente provida. (TRF-5 - AC: 423726 PE 0002065-21.2007.4.05.9999, Relator: Desembargador Federal Cesar Carvalho (Substituto), Data de Julgamento: 15/01/2009, Primeira Turma, Data de Publicação: Fonte: Diário da Justiça - Data: 13/02/2009 - Página: 204 - Nº: 31 - Ano: 2009) (grifo nosso)
PREVIDENCIÁRIO – AGRAVO INTERNO - APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO - SUSPENSÃO DE BENEFÍCIO INDÍCIOS DE IRREGULARIDADES NA CONCESSÃO VÍNCULOS EMPREGATÍCIOS COMPROVADOS CTPS - RESUNSÃO DE VERACIDADE SÚMULA Nº 12 DO TST - RECURSO DESPROVIDO. (...) II No que diz respeito às contribuições vertidas sob o NIT 1.100.232.520-4 (fls. 113/284), a simples posse das guias dos carnês e a ausência de titularidade da inscrição no CNIS são suficientes para demonstrar que esta pertence ao autor; (TRF-2 - APELREEX: 200551015243158 RJ 2005.51.01.524315-8, Relator: Juiz Federal Convocado ALUISIO GONCALVES DE CASTRO MENDES, Data de Julgamento: 22/02/2011, PRIMEIRA TURMA ESPECIALIZADA, Data de Publicação: E-DJF2R - Data: 03/03/2011 - Página::127)
Por isso, reconheço o período suscitado pelo autor em inicial, referente as contribuições realizadas sob o NIT de nº.1.094.848.146-0, durante os períodos de 07/1973 à 12/1978, 05/1978 à 12/1981 e 01/1982 a 02/1985.
Frise-se que o nome, a data de nascimento e o CPF informados no cadastro, correspondem aos dados corretos do autor. O cadastro apenas se encontra incompleto (evento 30 - OUT4).
Entendo que essas informações, por si só, já são suficientes para demonstrar que o NIT em questão pertence ao autor.
Assim, não há motivos para reformar a sentença nesse ponto.
DIREITO À APOSENTADORIA NO CASO CONCRETO
No caso em exame, considerada a presente decisão judicial, tem-se a seguinte composição do tempo de serviço da parte autora, na DER (05/10/2015):
a) tempo reconhecido administrativamente: 18 anos, 2 meses e 0 dias;
b) tempo reconhecido nesta ação: 12 anos, 3 meses e 23 dias;
Total de tempo de serviço na DER: 30 anos, 5 meses e 23 dias.
A carência necessária à obtenção do benefício no ano restou cumprida, conforme se observa no processo administrativo.
Entretanto, o tempo de contribuição necessário para a aposentadoria pretendida não foi preenchido.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Caracterizada a sucumbência recíproca, os honorários advocatícios são fixados em 10% sobre o valor da causa, devendo cada uma das partes arcar com 50%, vedada a compensação, nos termos do artigo 85, §14, do CPC, e suspensa a exigibilidade em relação à parte autora, uma vez que concedida AJG.
CONCLUSÃO
Remessa necessária não conhecida.
Apelação do INSS parcialmente provida para extinguir o processo sem resolução do mérito quanto ao tempo rural.
Mantido o reconhecimento dos períodos de contribuição, de 07/1973 à 12/1978, 05/1978 à 12/1981, e 01/1982 a 02/1985.
Apelação do autor improvida, nos termos da fundamentação.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por não conhecer a remessa necessária, dar parcial provimento à apelação do INSS, e negar provimento à apelação do autor.
Documento eletrônico assinado por LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000844025v20 e do código CRC 1ab867d0.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
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Apelação/Remessa Necessária Nº 5052791-23.2016.4.04.9999/PR
RELATOR: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
APELANTE: CELSO BEGUI SOBRINHO
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. remessa necessária. APOSENTADORIA POR TEMPO De CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE RURAL. REQUISITOS LEGAIS não comprovados. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. dados cadastrais incompletos na inscrição do NIT. recolhimentos reconhecidos. tempo insuficiente.
1. O § 3º do inciso I do art. 496 do CPC/2015, dispensa a submissão da sentença ao duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a 1.000 (mil) salários-mínimos para a União e suas respectivas autarquias e fundações de direito público.
2. O STJ firmou o entendimento de que na hipótese de ajuizamento de ação com pedido de concessão de aposentadoria rural, a ausência/insuficiência de prova material não é causa de improcedência do pedido, mas sim de extinção sem resolução de mérito.
3. Havendo dados cadastrais suficientes para demonstrar que o NIT é do autor, a titularidade deve ser reconhecida.
4. Apenas, tem direito à aposentadoria por tempo de contribuição o segurado que, mediante a soma do tempo judicialmente reconhecido com o tempo computado na via administrativa, possuir tempo suficiente e implementar os demais requisitos para a concessão do benefício.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar do Paraná do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, não conhecer a remessa necessária, dar parcial provimento à apelação do INSS, e negar provimento à apelação do autor, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 05 de fevereiro de 2019.
Documento eletrônico assinado por LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000844026v7 e do código CRC 98a8d360.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 05/02/2019
Apelação/Remessa Necessária Nº 5052791-23.2016.4.04.9999/PR
RELATOR: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
PRESIDENTE: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
APELANTE: CELSO BEGUI SOBRINHO
ADVOGADO: ISABELLE FERNANDES ORLANDI
ADVOGADO: MARCOS DE QUEIROZ RAMALHO
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 05/02/2019, na sequência 291, disponibilizada no DE de 21/01/2019.
Certifico que a Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PARANÁ, DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NÃO CONHECER A REMESSA NECESSÁRIA, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, E NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO AUTOR.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
Votante: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
Votante: Juiz Federal LUIZ ANTONIO BONAT
Votante: Juiz Federal JOSÉ ANTONIO SAVARIS
SUZANA ROESSING
Secretária
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