Apelação/Remessa Necessária Nº 5016214-41.2019.4.04.9999/PR
PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 0000092-80.2018.8.16.0048/PR
RELATORA: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOSE AILTON DE FREITAS
ADVOGADO: MAXIMILLIAN EDER VIANA DE OLIVEIRA (OAB PR056495)
ADVOGADO: ROQUE BARBOSA DE OLIVEIRA (OAB PR016495)
RELATÓRIO
Trata-se de ação de procedimento comum em que é postulada a averbação de tempo de trabalho rural (boia-fria) dos períodos de 03/12/1971 a 05/02/1985 e de 31/05/1988 a 15/01/1993 e de 29/04/1993 a 16/01/1995 e de 01/04/1998 a 28/02/2000. Bem como pleiteia a concessão de benefício previdenciário de aposentadoria por tempo de contribuição.
Processado o feito, sobreveio sentença, cujo dispositivo tem o seguinte teor:
III. Dispositivo
Ante o exposto, julgo extinto o presente feito com relação ao reconhecimento do período de 27/08/1982 a 04/02/1985 como segurado especial, em face do reconhecimento administrativo, o que faço sem resolução do mérito, nos termos do artigo 485, inciso VI, do Código de Processo Civil.
No mérito, com fulcro no art. 487, inc. I, do Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido da reconhecendo o período trabalhado em atividade rural (03/12/1971-26/08/1982;30/05/1988-15/01/1993;30/05/1993-15/01/condenando o INSS a:
a) implantar o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, sem incidência do fator previdenciário (art. 29- C da Lei n. 8213/91), obedecido os seguintes parâmetros:
- Beneficiário JOSÉ AILTON DE FREITAS
- Benefício concedido: aposentadoria por tempo de contribuição, com reconhecimento de período trabalhado em atividade rural (NB: 168.061.335-6);
- DIB: 19/06/2015; - DIP: 19/06/2015;
O INSS apela, alegando que não foram apresentados documentos suficientes para comprovar o efetivo desempenho de labor rural como segurado especial durante todo período pretendido, somente em parte do período.
Afirma que os documentos apresentados estão em sua maioria em nome de terceiros, e o autor visa provar o desempenho de labor na condição de boia-fria, ou seja, de forma individualizada. Além disso, alega que a parte autora possui diversos vínculos de trabalho urbanos registrados no CNIS, o impediria a suposição de que entre um vínculo de trabalho urbano e outro o autor desempenhou atividade rural.
Por fim, argumenta que o juízo reconhece tempo de labor rural posterior a Lei 8.213/91 sem a devida indenização, o que padece de legalidade.
Pede que seja provido o recurso, com a consequente reforma da sentença. Alternativamente, requer a alteração da correção monetária fixada na sentença, ou, ainda, que se determine o pagamento adotando-se como critério o de correção monetária os termos da Lei 11.960/09.
Com contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal.
É o relatório.
VOTO
REMESSA NECESSÁRIA
Nos termos do artigo 496, caput e § 3º, I, do CPC, está sujeita à remessa necessária a sentença prolatada contra as pessoas jurídicas de direito público nele nominadas, à exceção dos casos em que, por simples cálculos aritméticos, seja possível concluir que o montante da condenação ou o proveito econômico obtido na causa é inferior a 1.000 salários mínimos.
No que diz respeito às demandas previdenciárias, o artigo 29, § 2º, da Lei nº 8.213/91 dispõe que o valor do salário de benefício não será superior ao limite máximo do salário de contribuição na data de início do benefício. Logo, por meio de simples cálculos aritméticos, é possível concluir que, mesmo na hipótese de concessão de benefício no limite máximo e acrescido das parcelas em atraso (últimos 05 anos) com correção monetária e juros de mora (artigo 103, parágrafo único, da Lei nº 8.213/91), o valor da condenação não excederá o montante de 1.000 salários mínimos. Por igual, nas demandas previdenciárias envolvendo menores de 16 anos, hipótese em que a prescrição não corre (artigos 3º e 198, I, do CC), também a condenação não ultrapassa o limite legal.
Como não se trata de hipótese de sujeição da sentença à remessa necessária, impõe-se o seu não conhecimento.
MÉRITO
ATIVIDADE RURAL – SEGURADO ESPECIAL
O trabalho rural, na condição de segurado especial, encontra previsão no art. 11, VII, e § 1º da Lei 8.213/91, in verbis:
Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas:
(...)
VII- como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em algomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de :
produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividades:
agropecurária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais;
de seringueiro ou extrativista vegetal que exerça suas atividades nos termos do inciso XII do caput do art. 2º da Lei nº 9.985 de 18 de julho de 2000, e faça dessas atividades o principal meio de vida;
pescador artesanal ou a este assemelhado que faça da pesca profissão habitual ou principal meio de vida; e
conjugue ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado, do segurado de que tratam as alíneas a e b deste inciso, que, comprovadamente, trabalhem com o grupo familiar respectivo.
§ 1º Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes.
Para fins de comprovação do exercício da atividade rural, não se exige prova robusta, sendo necessário que o segurado especial apresente início de prova material (art. 106 da Lei nº 8.213/91), corroborada por prova testemunhal idônea, a teor do art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, sendo que se admite inclusive documentos em nome de terceiros do mesmo grupo familiar, a teor da Súmula nº 73 do TRF da 4ª Região.
Ainda sobre a prova, acrescenta-se que nos termos da Súmula 149 do STJ não se admite prova exclusivamente testemunhal para comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção de benefício previdenciário. Nesse sentido, confira-se a jurisprudência do E. STJ e do TRF4:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL. ALTERAÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. A questão jurídica posta no recurso especial gira em torno da caracterização da condição de segurado especial, para fins de concessão de aposentadoria rural por idade.
2. O Tribunal a quo concluiu pela inexistência de efetiva atividade campesina durante o período pretendido, porquanto ausente o início de prova material exigido por lei. Rever tal entendimento demandaria o reexame do conjunto fático-probatório, vedado pela Súmula 7/STJ.
Precedentes.
3. Ademais, o reconhecimento de tempo de serviço rurícola, para efeito de aposentadoria por idade, é tema pacificado pela Súmula 149 desta Egrégia Corte, no sentido de que a prova testemunhal deve estar apoiada em um início razoável de prova material.
4. Agravo interno não provido.
(AgInt no AREsp 1042311/AM, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/05/2017, DJe 23/05/2017)
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. ATIVIDADE RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR E COMO "BÓIA-FRIA". RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADO PELA PROVA TESTEMUNHAL. REQUISITOS PREENCHIDOS. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. TUTELA ANTECIPADA. CONVERSÃO EM TUTELA ESPECÍFICA. 1. O tempo de serviço rural para fins previdenciários pode ser demonstrado através de início de prova material suficiente, desde que complementado por prova testemunhal idônea. 2. Restando comprovado nos autos o requisito etário e o exercício de atividade rural no período de carência, é de ser concedida a aposentadoria por idade rural à parte autora a contar do requerimento administrativo, a teor do disposto no art. 49, II, da Lei nº 8.213/91. 3. O fato de a parte autora ter recolhido contribuições previdenciárias não constitui óbice à caracterização da sua condição de segurada especial, porquanto, não raras vezes, o segurado especial, com o intuito de garantir o direito à inativação - o qual até a edição da Lei nº 8.213/91 somente era garantido aos trabalhadores rurais com 65 anos de idade e que fossem chefes ou arrimos de família - inscrevia-se na Previdência Social com o fito de assegurar assistência médica, sem, contudo, deixar de exercer, exclusivamente, a atividade rural. Isso sem falar que tais contribuições não acarretam qualquer prejuízo ao INSS, uma vez que foram vertidas aos cofres públicos. 4. Determina-se o cumprimento imediato do acórdão naquilo que se refere à obrigação de implementar o benefício, por se tratar de decisão de eficácia mandamental que deverá ser efetivada mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 497 do CPC/15, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo). Contudo, já tendo havido a implantação por força de antecipação de tutela, mantenho a implantação agora sob esse fundamento. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5018877-65.2016.404.9999, 6ª TURMA, Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, POR MAIORIA, JUNTADO AOS AUTOS EM 16/06/2017)
Destaca-se, a propósito, que esta Turma já firmou entendimento de que os documentos civis tais como certificado de alistamento militar, certidões de casamento/nascimento, em que consta a qualificação como agricultor constituem início de prova material (STJ, AR 1166/SP, 3ª Seção, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, DJU de 26/2/2007; TRF4, AC Nº 0002853-52.2013.404.9999, 6ª TURMA, Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, , D.E. 10/11/2016; TRF4: AC 2003.71.08.009120-3/RS, 5ª Turma, Relator Desembargador Federal Celso Kipper, D.E. de 20/5/2008).
Relativamente à idade mínima, a limitação constitucional ao labor do menor de dezesseis anos de idade deve ser interpretada em favor do protegido, não lhe impedindo o reconhecimento de direitos trabalhistas/previdenciários quando tenha prova de que efetivamente desenvolveu tal atividade (TRF4, AC Nº 5018877-65.2016.404.9999, 6ª TURMA, Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, JUNTADO AOS AUTOS EM 16/06/2017; TRF4, AC Nº 5002835-30.2011.404.7213, 5a. Turma, LORACI FLORES DE LIMA, JUNTADO AOS AUTOS EM 23/03/2017).
Outrossim, há recente precedente deste Tribunal retratado nos autos da ação civil pública sob nº 5017267-34.2013.4.04.7100/RS, 6ª Turma, Rel. p/ acórdão Des. Federal Salise Monteiro Sanchotene, com o fito de que o INSS:
c.1) se abstenha de fixar idade mínima para fins de reconhecimento de tempo de serviço e de contribuição pelo exercício das atividades descritas no art. 11 da Lei 8.213/91, admitindo, para comprovação de seu exercício, os mesmos meios probatórios postos à disposição dos demais segurados;
c.2) altere seus regulamentos internos para adequá-los ao comando sentencial;
c.3) comunique às suas Gerências Executivas e Agências da Previdência Social a necessidade de fazer observar a obrigação estabelecida na sentença.
Esta Corte, por ocasião do julgamento da sessão do dia 09/04/2018, julgou integralmente procedente a ação, a fim de reconhecer a possibilidade de ser computado período de trabalho realizado antes dos 12 anos de idade, qual seja, sem a fixação de requisito etário para fins de reconhecimento de tempo de serviço e de contribuição pelo exercício das atividades descritas no art. 11 da Lei nº 8.213/91.
Finalmente, no que diz respeito aos denominados boias-frias (trabalhadores informais), diante da dificuldade de obtenção de documentos, o STJ firmou entendimento no sentido de que a apresentação de prova material somente sobre parte do período pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por robusta prova testemunhal.
A partir do exposto, conclui-se, em síntese, que para o reconhecimento do labor rural permite-se:
a) o reconhecimento do tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que corroborado por prova testemunhal idônea e robusta (AgInt no REsp 1570030/PR, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 23/05/2017, DJe 29/05/2017);
b) o reconhecimento de documentos em nome de terceiros (parentes que compõem o grupo familiar) como início de prova material;
c) a averbação do tempo de serviço rural em regime de economia familiar sem a fixação de requisito etário;
d) que os documentos tais como certificado de alistamento militar, certidões de casamento/nascimento, em que consta a qualificação como agricultor, valham como início de prova material.
Registro ainda que o aproveitamento do tempo de atividade rural desenvolvida até 31 de outubro de 1991, independentemente do recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias e exceto para efeito de carência, está expressamente autorizado e previsto pelo art. 55, § 2º, da Lei n.º 8.213/91, e pelo art. 127, V, do Decreto n.º 3.048/99.
CASO CONCRETO – LABOR RURAL
O INSS apela, alegando que não foram apresentados documentos suficientes a comprovar o efetivo desempenho de labor rural como boia-fria durante todo período pretendido, somente em parte do período.
A parte autora pretende que seja reconhecido o exercício de labor rural, em regime de economia familiar, no período de 3/12/1971 a 26/08/1982, 30/05/1988 a 15/01/1993; 30/05/1993 a 15/01/1995. Para tanto, acostou aos autos os seguintes documentos:
a) Certidão de casamento em nome do autor, no qual consta a profissão deste como tratorista, em 08 de junho de 1988;
b) Carteira de Trabalho e Previdência Social – CTPS;
c) Declarações de para fins de comprovação da atividade rural;
d) Certificado de dispensa de incorporação do autor, de 1978 e Título Eleitoral do autor, onde consta a profissão de agricultor, de 27 agosto de 1982;
e) Certidão de nascimentos dos irmãos do autor, onde consta a profissão do pai do autor como lavrador;
f) Certidão de casamento do pai do autor, onde consta a profissão como lavrador, de 09 de janeiro de 1986;
g) Certidão de nascimento da filha do autor, onde consta a profissão como agricultor, de 03 de maio de 1993;
h) Certidão de nascimento do filho do autor, onde consta a profissão como agricultor, de 30 de julho de 1990.
Os documentos apresentados (itens a/h) servem como início de prova material da atividade rural do requerente após 1971, não sendo demais frisar que a jurisprudência não exige "a comprovação da atividade rural ano a ano, de forma contínua" pois início de prova material não significa prova cabal, mas algum "registro por escrito que possa estabelecer liame entre o universo fático e aquilo que expresso pela testemunhal." (TRF 4ª Região - AC n° 2000.04.01.128896-6/RS, Relator Juiz João Surreaux Chagas, DJU de 25-7-2001, p. 215).
Com efeito, certidão de casamento em nome do autor, no qual consta a profissão deste como tratorista, datada de 08 de junho de 1988; o certificado de dispensa de incorporação, datado de 1978; o título eleitoral, onde consta a profissão de agricultor, datado de 27 agosto de 1982; e, por fim, a certidão de nascimento da filha do autor, onde consta a profissão como agricultor, de 03 de maio de 1993 e a certidão de nascimento do filho do autor, onde consta a profissão como agricultor, de 30 de julho de 1990, servem como início razoável de prova material de que o requerente exerceu o labor rural no período controverso.
Na Justificação Administrativa (evento 01, OUT11), foram ouvidas três testemunhas.
A primeira, o Sr. Osvaldo Kenji Shimada, disse que conhece o segurado desde que possuía 10 anos, quando moravam próximos. Afirma que o requerente e sua família moravam na Vila Nice e trabalhavam por dia na atividade rural. Declarou que a família do autor não tinha propriedade própria. Que lembra que o autor capinava, plantava de maquinha, às vezes com sua família, às vezes sozinho. Afirma que o autor trabalhou várias vezes para sua pessoa em atividades rurais e que começou a trabalhar por volta dos dez anos de idade. Conta que a família do autor não tinha outra renda além da atividade rural e que sobreviviam apenas com a renda das diárias. Que não possuíam maquinário, trabalhavam em plantação de soja, milho, safrinha, entre outros.
A segunda, Sr. Paulo dos Santos, diz que conhece o autor desde 1970, quando os pais, o requerente e seus irmãos, trabalhavam como boia-fria. Afirma que quem costumava arranjar os trabalhos era o "João Gato", que eles ficavam no redondo do Nice e eram levados até as propriedades, de caminhonete ou trator. Conta que o autor chegou a trabalhar na propriedade do depoente que tinha por volta de 15 ou 16 anos, mas que sabe que com 12 ou 13 ele já trabalhava na atividade rural, inclusive o via laborando. Explica que o autor carpia, catava algodão e outros serviços de roça. Declarou que o autor e sua família sobreviviam apenas da atividade rural como diaristas rurais, que geralmente trabalhava com plantação de algodão, milho, soja, sem nenhum maquinário. Por fim, afirma que acha que o autor já era casado quando começou a trabalhar na atividade urbana, mas que sempre que saia de uma empresa trabalhava como rural.
A terceira, Teodosio Kons, conta que conhece o segurado desde 1973, que o depoente morava na Gleba São Pedro no Ramal Peixinho e que o autor morava no Xavier, cerca de 1,5 km de distância. Declarou que o autor trabalhava como boia-fria, que trabalhava nas propriedades rurais dos vizinhos, que carpia, que colhia, capinava e raliava algodão. Afirmou que o autor e sua família não possuíam outra fonte de renda além da atividade rural, e que não possuíam nenhum maquinário. Mencionou que por volta do ano de 1985 o autor se mudou para Vila Nice. Por fim, mencionou que teve períodos que o autor trabalhou em atividade urbana, mas quando perdia o emprego voltava a trabalhar como boia fria.
Examinando a CTPS do autor (evento 1, OUT7, fl. 06), é possível verificar que o primeiro registro de emprego, em 05/02/1985, foi em agricultura, no cargo de serviços gerais, situado em Assis Chateaubriand, mesmo município em que a família exercia a atividade agrícola.
A alegação do INSS de que a simples apresentação de documento de imóvel em nome do genitor, histórico escolar ou certidão constando a qualificação profissional como agricultor não comprova o labor rural, está equivocada, pois, esta Turma já firmou entendimento em sentido contrário (STJ, AR 1166/SP, 3ª Seção, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, DJU de 26/2/2007; TRF4, AC Nº 0002853-52.2013.404.9999, 6ª TURMA, Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, , D.E. 10/11/2016; TRF4: AC 2003.71.08.009120-3/RS, 5ª Turma, Relator Desembargador Federal Celso Kipper, D.E. de 20/5/2008).
Não merece prosperar também a afirmação da autarquia de que os documentos apresentados estão em sua maioria em nome de terceiros e, por isso, não seriam suficientes para provar o desempenho de labor na condição de boia-fria. Primeiramente porque, em nome do autor, há vários documentos, tais como: Certidão de casamento em nome do autor, no qual consta a profissão deste como tratorista, em 08 de junho de 1988; Certificado de dispensa de incorporação do autor, de 1978; Título Eleitoral do autor, onde consta a profissão de agricultor, de 27 agosto de 1982; Certidão de nascimento da filha do autor, onde consta a profissão como agricultor, de 03 de maio de 1993 e Certidão de nascimento do filho do autor, onde consta a profissão como agricultor, de 30 de julho de 1990.
Ademais, o artigo 55, § 3º, da Lei 8.213/91, prevê a possibilidade de utilização de documentos em nome de terceiros do mesmo grupo familiar como início de prova material, a teor da Súmula nº 73 do TRF da 4ª Região.
Além disso, no que diz respeito aos denominados boias-frias (trabalhadores informais), diante da dificuldade de obtenção de documentos, o STJ firmou entendimento no sentido de que a apresentação de prova material somente sobre parte do período pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por robusta prova testemunhal.
Por fim, argumenta que o juízo reconhece tempo de labor rural posterior a Lei 8.213/91 sem a devida indenização, o que padece de legalidade.
Nesse aspecto, merece provimento o recurso da autarquia, pois, o aproveitamento do tempo de atividade rural independentemente do recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias só pode ocorrer até 31 de outubro de 1991, o que está expressamente autorizado e previsto pelo art. 55, § 2º, da Lei n.º 8.213/91, e pelo art. 127, V, do Decreto n.º 3.048/99.
Dessa forma, como limitado o reconhecimento do labor rural até 10/1991, prejudicada a alegação do INSS de que a parte autora possui diversos vínculos de trabalho urbanos registrados no CNIS, o impediria a suposição de que entre um vínculo de trabalho urbano e outro o autor desempenhou atividade rural. Haja vista que o primeiro vínculo urbano da parte autora foi em 1993.
Assim, julgo parcialmente provido o recurso do INSS para que sejam excluídos os seguintes períodos averbados como labor rural: 01/11/1991 a 15/01/1993 e 30/05/1993 a 15/01/1995. Mantenho a sentença quanto a averbação dos demais períodos, quais sejam, 03/12/1971 a 26/08/1982 e 30/05/1988 a 31/10/1991. Bem como mantenho a concessão do benefício previdenciário, já que preenchidos os requisitos previstos em lei.
CONTAGEM DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO
TEMPO DE SERVIÇO COMUM
Data de Nascimento | 03/12/1959 |
Sexo | Masculino |
DER | 19/06/2015 |
- Tempo já reconhecido pelo INSS:
Marco Temporal | Tempo | Carência |
Até a data da EC nº 20/98 (16/12/1998) | 0 anos, 0 meses e 0 dias | 0 carências |
Até a data da Lei 9.876/99 (28/11/1999) | 0 anos, 0 meses e 0 dias | 0 carências |
Até a DER (19/06/2015) | 23 anos, 0 meses e 2 dias | 209 carências |
- Períodos acrescidos:
Nº | Nome / Anotações | Início | Fim | Fator | Tempo | Carência |
1 | VOTO I | 03/12/1971 | 26/08/1982 | 1.00 | 10 anos, 8 meses e 24 dias | 0 |
2 | VOTO II | 30/05/1988 | 31/10/1991 | 1.00 | 3 anos, 5 meses e 1 dias | 0 |
Marco Temporal | Tempo de contribuição | Carência | Idade | Pontos (Lei 13.183/2015) |
Até a data da EC nº 20/98 (16/12/1998) | 14 anos, 1 meses e 25 dias | 0 | 39 anos, 0 meses e 13 dias | inaplicável |
Pedágio (EC 20/98) | 6 anos, 4 meses e 2 dias | |||
Até a data da Lei 9.876/99 (28/11/1999) | 14 anos, 1 meses e 25 dias | 0 | 39 anos, 11 meses e 25 dias | inaplicável |
Até a DER (19/06/2015) | 37 anos, 1 meses e 27 dias | 209 | 55 anos, 6 meses e 16 dias | 92.7028 |
- Aposentadoria por tempo de serviço / contribuição
Nessas condições, em 16/12/1998, a parte autora não tinha direito à aposentadoria por tempo de serviço, ainda que proporcional (regras anteriores à EC 20/98), porque não cumpria o tempo mínimo de serviço de 30 anos, nem a carência mínima de 102 contribuições.
Em 28/11/1999, a parte autora não tinha direito à aposentadoria integral por tempo de contribuição (CF/88, art. 201, § 7º, inc. I, com redação dada pela EC 20/98), porque não preenchia o tempo mínimo de contribuição de 35 anos e nem a carência de 108 contribuições. Ainda, não tinha interesse na aposentadoria proporcional por tempo de contribuição (regras de transição da EC 20/98), porque o pedágio é superior a 5 anos.
Em 19/06/2015 (DER), a parte autora tinha direito à aposentadoria integral por tempo de contribuição (CF/88, art. 201, § 7º, inc. I, com redação dada pela EC 20/98). O cálculo do benefício deve ser feito de acordo com a Lei 9.876/99, com a incidência do fator previdenciário, uma vez que a pontuação totalizada é inferior a 95 pontos (Lei 8.213/91, art. 29-C, inc. I, incluído pela Lei 13.183/2015).
Portanto, mantenho a sentença quanto à concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.
CORREÇÃO MONETÁRIA
O INSS pede a reforma a sentença para que se mantenha a aplicabilidade imediata da Lei 11960/09 quanto ao índice de correção monetária incidente sobre as parcelas em atraso, qual seja, a TR, e também quanto aos juros de mora de 0,5% ao mês até a Lei 12.703/2012.
Entretanto, o juiz sentenciante assim determinou:
As parcelas vencidas deverão ser pagas de uma só vez, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros, conforme jurisprudência pacífica do TRF – 4ª Região “Os juros moratórios são devidos desde a citação, de forma simples e à taxa de 12% ao ano (Súmula n.º 204 do Superior Tribunal de Justiça e Súmula n.º 75 deste Tribunal), passando, a partir de julho de 2009, à taxa aplicável às cadernetas de poupança por força do disposto no art. 1º-F da Lei n.º 9.494/97 (precedentes da 3ª Seção desta Corte). Correção monetária aplicável desde quando devida cada parcela pelos índices oficiais jurisprudencialmente aceitos e, a partir de julho de 2009, de acordo com a "remuneração básica" das cadernetas de poupança, por força do art. 1º-F da Lei n. º 9.494/97. (TRF4, 5ª Turma, Ap. Reexame Necessário, processo 2006.70.99.000623-6, j. 04/05/2010, DE 10/05/2010, Rel. Hermes Siedler da Conceição Júnior). As demais parcelas serão pagas mensalmente. (grifei)
Desse modo, posto que o juiz sentenciante determinou a aplicação da TR, prejudicada a apelação do INSS neste ponto.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
A partir da jurisprudência do STJ (em especial do AgInt nos EREsp 1539725/DF, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Segunda Seção, julgado em 09/08/2017, DJe 19/10/2017), para que haja a majoração dos honorários em decorrência da sucumbência recursal, é preciso o preenchimento dos seguintes requisitos simultaneamente: (a) sentença publicada a partir de 18/03/2016 (após a vigência do CPC/2015); (b) recurso não conhecido integralmente ou improvido; (c) existência de condenação da parte recorrente no primeiro grau; e (d) não ter ocorrido a prévia fixação dos honorários advocatícios nos limites máximos previstos nos §§2º e 3º do artigo 85 do CPC (impossibilidade de extrapolação). Acrescente-se a isso que a majoração independe da apresentação de contrarrazões.
Na espécie, diante do parcial provimento do recurso, não se mostra cabível a fixação de honorários de sucumbência recursal.
TUTELA ESPECÍFICA
Com base no artigo 497 do CPC e na jurisprudência consolidada da Terceira Seção desta Corte (QO-AC 2002.71.00.050349-7, Rel. p/ acórdão Des. Federal Celso Kipper), determino o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício concedido ou revisado, a ser efetivada em 45 dias, a contar da publicação do presente julgado, incumbindo ao representante judicial da autarquia que for intimado dar ciência à autoridade administrativa competente e tomar as demais providências necessárias ao cumprimento da tutela específica.
Na hipótese de a parte autora já estar em gozo de benefício previdenciário, o INSS deverá implantar o benefício concedido ou revisado judicialmente apenas se o valor de sua renda mensal atual for superior ao daquele.
Faculta-se, outrossim, à parte beneficiária manifestar eventual desinteresse quanto ao cumprimento desta determinação.
PREQUESTIONAMENTO
Objetivando possibilitar o acesso das partes às instâncias superiores, considero prequestionadas as matérias constitucionais e/ou legais suscitadas, conquanto não referidos expressamente os respectivos artigos na fundamentação do voto.
CONCLUSÃO
Remessa necessária: não conhecida.
Apelo do INSS: parcialmente provido para que sejam excluídos os seguintes períodos averbados como labor rural: 01/11/1991 a 15/01/1993 e 30/05/1993 a 15/01/1995.
Determino o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício concedido ou revisado, a ser efetivada em 45 dias.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por não conhecer da remessa necessária e dar parcial provimento à apelação, nos termos da fundamentação. Determino o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício concedido ou revisado, a ser efetivada em 45 dias.
Documento eletrônico assinado por CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, Desembargadora Federal Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003039040v37 e do código CRC bc788847.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação/Remessa Necessária Nº 5016214-41.2019.4.04.9999/PR
PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 0000092-80.2018.8.16.0048/PR
RELATORA: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOSE AILTON DE FREITAS
ADVOGADO: MAXIMILLIAN EDER VIANA DE OLIVEIRA (OAB PR056495)
ADVOGADO: ROQUE BARBOSA DE OLIVEIRA (OAB PR016495)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. REMESSA NECESSÁRIA. NÃO CONHECIMENTO. Aposentadoria por tempo de contribuição. averbação labor rural. BOIAS-FRIAS. TUTELA ESPECÍFICA.
1. Não conhecida a remessa necessária, considerando que, por simples cálculos aritméticos, é possível concluir que o montante da condenação ou o proveito econômico obtido na causa é inferior a 1.000 salários mínimos (artigo 496 do CPC).
2. Para fins de comprovação do exercício da atividade rural, não se exige prova robusta, sendo necessário que o segurado especial apresente início de prova material (art. 106 da Lei nº 8.213/91), corroborada por prova testemunhal idônea, a teor do art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, sendo que se admite inclusive documentos em nome de terceiros do mesmo grupo familiar, a teor da Súmula nº 73 do TRF da 4ª Região.
3. Esta Turma já firmou entendimento de que os documentos civis tais como certificado de alistamento militar, certidões de casamento/nascimento, em que consta a qualificação como agricultor constituem início de prova material (STJ, AR 1166/SP, 3ª Seção, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, DJU de 26/2/2007; TRF4, AC Nº 0002853-52.2013.404.9999, 6ª TURMA, Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, , D.E. 10/11/2016; TRF4: AC 2003.71.08.009120-3/RS, 5ª Turma, Relator Desembargador Federal Celso Kipper, D.E. de 20/5/2008).
4. No que diz respeito aos denominados boias-frias (trabalhadores informais), diante da dificuldade de obtenção de documentos, o STJ firmou entendimento no sentido de que a apresentação de prova material somente sobre parte do período pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por robusta prova testemunhal.
5. O aproveitamento do tempo de atividade rural independentemente do recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias só pode ocorrer até 31 de outubro de 1991, o que está expressamente autorizado e previsto pelo art. 55, § 2º, da Lei n.º 8.213/91, e pelo art. 127, V, do Decreto n.º 3.048/99.
6. Determinado o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício concedido ou revisado.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar do Paraná do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, não conhecer da remessa necessária e dar parcial provimento à apelação, nos termos da fundamentação. Determino o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício concedido ou revisado, a ser efetivada em 45 dias, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 08 de março de 2022.
Documento eletrônico assinado por CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, Desembargadora Federal Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003039041v6 e do código CRC d2d0beb6.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 25/02/2022 A 08/03/2022
Apelação/Remessa Necessária Nº 5016214-41.2019.4.04.9999/PR
RELATORA: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
PRESIDENTE: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOSE AILTON DE FREITAS
ADVOGADO: MAXIMILLIAN EDER VIANA DE OLIVEIRA (OAB PR056495)
ADVOGADO: ROQUE BARBOSA DE OLIVEIRA (OAB PR016495)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 25/02/2022, às 00:00, a 08/03/2022, às 16:00, na sequência 448, disponibilizada no DE de 16/02/2022.
Certifico que a Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PARANÁ DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NÃO CONHECER DA REMESSA NECESSÁRIA E DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO, NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO. DETERMINO O CUMPRIMENTO IMEDIATO DO ACÓRDÃO NO TOCANTE À IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO CONCEDIDO OU REVISADO, A SER EFETIVADA EM 45 DIAS.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
Votante: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
Votante: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
Votante: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
SUZANA ROESSING
Secretária
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